Copiado do blog da MILU
O mercado editorial brasileiro tem lançado boas obras da literatura russa, mas existe, ainda, uma enorme lacuna, principalmente no que concerne à literatura soviética, que legou grandes obras, obras geniais e que são completamente desconhecidas - ou quase - por aqui. Podemos citar "O Don Silencioso", fantástico romance de Mikhail Cholokhov. Desconheço edição desta obra em português do Brasil, só sendo encontrado (e quando o é) em edição portuguesa, mesmo assim, maior parte das vezes, em sebos. Tem, ainda, a obra de Ilf e Petrov, com seu clássico "As doze Cadeiras", seguido de "O bezerro de ouro", isto para não citar outros, como Zamiatin (Nós), "Casamento Por Interesse", de Mikhail Zoschenko, além de um dos maiores clássicos desta literatura: "Os Dois Capitães, de Veniamin Kaverin. Estes dois últimos só são encontrados em espanhol e, o de Kaverin, apenas nos sebos. Realmente, não dá mesmo para compreender, tendo em vista a qualidade das obras citadas.
Como já fiz posts em relação aos outros títulos citados(excetuando-se o de Zoschenko), hoje é a hora e a vez de Kaverin.: "os dois capitães" é seu melhor romance, assim reconhecido, inclusive, por ele mesmo na introdução do livro,escrito entre 1938 e 1944. Esta obra é muito conhecida tanto na Rússia, quanto nas antigas repúblicas soviéticas, sendo considerada mesmo um dos maiores clássicos da literatura da antiga URSS. Muito premiado em seu país, o romance conta a história do jovem russo Aleksandr Grigóriev,desde sua infância na Rússia czarista, passando pela Revolução Bolchevique e indo até a Segunda Grande Guerra.
O epicentro é a busca de Aleksandr pelas terras geladas do norte, onde se perdeu a expedição do capitão Ivan Tatárinov, pai de Katya. Grigóriev tomou conhecimento desta expedição através de cartas que sua tia achou dentro de uma pasta, possivelmente perdida por algum carteiro afogado, boiando em um rio de sua aldeia natal. O menino cresce ouvindo sua tia ler as cartas e, algumas, ele guardou de cor na memória para sempre.
Seu tema prende o leitor, sendo basicamente um triângulo amoroso em cenários da guerra, numa narração amena, que mescla realismo e romance, ingredientes responsáveis pelo sucesso da obra desde sua primeira edição, por diversas gerações de soviéticos.
Kaverin se baseou, na elaboração de Os Dois Capitães, em um relato que ouviu de um jovem cientista, que descansava no mesmo sanatório que ele, nas proximidades de Leningrado. Era um rapaz que reunia a paixão e a sinceridade em seu caráter, atributos estes aliados à tenacidade e à uma incrível clareza de objetivos. Sabia alcançar o êxito naquilo que almejava, sendo detentor de uma clara inteligência e um profundo sentimento. Assim, também, era a personalidade de Grigoriev, cjujo lema era "lutar, buscar, encontrar e não se render!", personagem talhada à sombra deste jovem cientista que, em seis tardes, contou a Kaverin a história de sua vida, cheia de acontecimentos ímpares, ao mesmo tempo que era uma vida como a de outros tantos jovens soviéticos.Ele foi um menino que teve uma infância muito difícil, tendo sido educado pela sociedade soviética, por pessoas às quais ele se afeiçoou e que lhe apoiaram os sonhos. Mas o determinante em tudo isto, foi a pergunta que o jovem fez à Kaverin no final dos relatos: "Você sabe o que eu teria sido, se não tivesse havido a Revolução? Um bandido!". A partir disto, Kaverin resolveu escrever seu livro na primeira pessoa, mantendo a forma de um relato.Ele apenas ambientou a história em sua própria cidade natal, mudando-lhe o nome de Pskov para Esquis.Seu personagem estudou em Moscou, onde o próprio Kaverin havia estudado.
O relato do jovem cientista vai ser intercalado com a historia de um carteiro afogado, que trazia a carta do piloto Klímov. Esta é a segunda linha do romance: a partir de Klímov surge a história do capitão que intentou em uma embarcação fazer a Grande Rota Marítima do Norte e aí entra algo de História, que ele pesquisou muito, para dar vida a Tatárinov, segundo protagonista do romance. A navegação a deriva de Tatárinov - a "Santa Maria" - repete os feitos da histórica "Santa Ana", de Brussílov, personagem real. O diário do piloto Klimov foi baseado no diário do piloto de "Santa Ana", de nome Albánov, um dos sobreviventes do fato histórico.Seu capitão foi moldado em Sedov, um hidrógrafo russo, explorador polar, morto em uma expedição.Foto abaixo.Serviu de molde a Tatárinov.
Tem-se, assim, que para modelar seus dois capitães, Veniamin buscou a história de dois intrépidos conquistadores do Ártico: Brusыilov (foto a seguir) e Sedov.
Kaverin pesquisou muito estes fatos históricos, tanto em livros, como por meio de depoimentos de pessoas que conheceram Sedove Brussilov, inclusive da viúva de Sedov. Assim, deste Veniamin tomou emprestado "o esplendor e a valentia de caráter, a pureza de pensamento e a claridade de metas e tudo o que distingue uma pessoa de grande alma"; de Brussílov, ele tomou a história real da viagem. Os capítulos relativos ao Ártico foram lidos e aprovados tecnicamente pelo pesquisador geógrafo russo Vladímir Yulievitch Vize.
O livro só foi terminado após o final da Segunda Guerra Mundial, ocasião em que o autor conseguiu ser enviado, como correspondente de guerra do periódico Izvestia ao norte, entre aviadores e marinheiros, onde conseguiu minúcias para terminar o segundo tomo da novela, que passou a incorporar dados relativos dados de como o povo soviético suportou as duras provas de uma guerra e como saíram vitoriosos.
E Katya, citada há parágrafos atrás? Katya é o elo de ligação entre Grigóriev e seu pai, Tatárinov. É o toque maior de romance do livro. É a história de amor no cenário soviético, no cenário da guerra...O livro só foi terminado após o final da Segunda Guerra Mundial, ocasião em que o autor conseguiu ser enviado, como correspondente de guerra do periódico Izvestia ao norte, entre aviadores e marinheiros, onde conseguiu minúcias para terminar o segundo tomo da novela, que passou a incorporar dados relativos dados de como o povo soviético suportou as duras provas de uma guerra e como saíram vitoriosos.
Escrevi muito, talvez seja enfadonho a quem ainda não leu o livro de Kaverin ler um post deste tamanho, mas é que gostei tanto da obra, que gostaria de vê-la editata em nosso país, a fim de ser acessível a um maior número de leitores. O Brasil possui excelentes tradutores do russo, a exemplo do prof.Boris Shneiderman, Tatiana Belinky, Arlete Cavaliere, entre outros. Fica, então, minha sugestão à Editora 34, à Cosac Naify, à Cia. das Letras. Com certeza teriam público garantido!
Um pouco sobre o autor:
Veniamin nasceu em 1902, na cidade russa de Pskov, matéria de futuro post deste blog.Viveu até 1989. Teve influência dos formalistas russos e foi ligado ao grupo conhecido como "Irmãos Serapião", união de escritores (prosa, verso e crítica), criada em 1921, em Leningrado..O grupo era formado por mestres e estudantes, que se reunião na "Casa da Cultura"local. Inicialmente, Kaverin pertencia ao grupo de estudantes, ao lado de Zamiatin, autor de "Nós" (com tradução de Portugal).Veja foto do grupo abaixo.
Kaverin é o do canto, olhando da esquerda para a direita
Pskov
Durante as reuniões no círculo dos Irmãos Serapião, travou contato com Gorki, que o ajudou com conselhos e críticas construtivas.Dos livros que escreveu, foi Os Dois Capitães que lhe deu fama. A obra já virou filme e peça teatral: Nord Ost, que estava em cena quando os tchetchenos explodiram a Casa da Cultura de Moscou, em 2002. Estive lá poucos dias antes, assistindo à peça, sendo este meu primeiro contato com a obra de Kaverin.Lembrança triste, a explosão, mas não posso me furtar de ter uma gratíssima lembrança desta peça, para mim, inesquecível...
obs: se você é da turminha da língua russa, pode adquirir o livro na loja eletrônica Ozon:várias edições, desde o livro usado (em ótimo estado), a preços bem baixinhos.
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Mais a respeito das expedições citadas neste post você podera ler no "Diário da Rússia: http://www.diariodarussia.com.br/fatos/noticias/2011/07/14/em-busca-da-expedicao-perdida/