sábado, 3 de dezembro de 2011

“Gozar virou uma obrigação que não tem nada a ver com prazer”, afirma historiadora


"O brasileiro continua profundamente racista, machista e homofóbico"

Rachel Duarte no SUL21

Sexo. Quais heranças do passado ainda estão presentes na sociedade quando o assunto é sexualidade e erotismo? A historiadora paulista Mary Del Priore, especialista em História do Brasil, conta como foi o rápido processo de transformação do comportamento da sociedade brasileira desde os tempos da censura até os dias de hoje. Autora do livro Histórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil (2010), Mary Del Priore descreve como, desde o século XVII, o sexo é considerado algo sujo, principalmente por influência católica. Apesar de evoluírem para relações mais livres, homens e mulheres ainda sofrem para compreender as mudanças e sua própria sexualidade.
De acordo com a historiadora, ainda que as pessoas digam que convivem melhor hoje com a homossexualidade, boa parte da sociedade vive uma dupla personalidade. “Na vida pública o brasileiro é descolado, gosta de piada suja, paquera a mulher do próximo e topa todas. Mas, na sua vida privada e intimidade, ele continua profundamente racista, machista e homofóbico”, afirma.
Outro aspecto que Mary Del Priore analisa na entrevista ao Sul21 é que as conquistas das mulheres ao longo da história foram positivas sob muitos aspectos, mas que o Brasil ainda careceria de políticas públicas para o gênero feminino. “Temos muitas mulheres nos governos, mas ainda precisamos de ações concretas visando a garantia de direitos”, critica. Ela cobra das próprias mulheres a mudança de postura diante da liberdade sexual para o enfrentamento do que chama de “cachorrice”, um comportamento massificado de mulheres que agem de forma a contribuir com a manutenção de esteriótipos machistas. “É um anacronismo a gente achar que as mulheres de antigamente — por não gozarem tanto quanto as de hoje — eram frustradas”, afirma.

Sul21 – A senhora lançou um livro sobre sexualidade e erotismo na História do Brasil. O quanto a sociedade se modificou e o quanto ainda estão presentes as heranças dos séculos passados?

Mary Del Priore - Sexualidade e erotismo sempre foram assuntos tratados na literatura mundial. Na Ásia, com as poesias eróticas; na Europa, principalmente na Itália e na França, houve grande produção de textos e contos eróticos nos séculos XVII e XVIII. Mas, aqui no Brasil, esta literatura só vai aparecer no final do século XIX. São textos curiosos porque os termos da linguagem chula e os palavrões eram alterados em razão da censura que sempre houve em relação ao assunto, então surgiam coisas engraçadas como ‘apêndice varonil’ ou ‘cetro’. Nada era dito de forma explícita. Sempre tivemos um mal estar para tratar das questões do sexo e do erotismo no Brasil. Estudos sobre a história da sexualidade brasileira são raros. Apareceram, por exemplo, implicitamente em outros trabalhos de autores como Ronaldo Vainfas e do antropólogo baiano Luis Moti. Poucos estudos foram sistemáticos.
"O sexo no Brasil, em razão da presença da Igreja Católica, de outras igrejas e de uma sociedade patriarcal, sempre foi sinônimo de sujeira, de pecado ou de alguma coisa que tinha que ser escondida debaixo do tapete"

Sul21 – Qual é a influência da miscigenação na sexualidade brasileira em termos de formação de padrões estéticos, corporais e sexuais?

Mary Del Priore – É uma história de muita repressão e ao mesmo tempo de muito espaço. O sexo no Brasil, em razão da presença da Igreja Católica, de outras igrejas e de uma sociedade patriarcal, sempre foi sinônimo de sujeira, de pecado ou de alguma coisa que tinha que ser escondida debaixo do tapete. Só podemos pensar em liberação nos anos 70, quando houve um movimento mundial não só de afirmação das minorias (mulheres, gays), mas também movimentos de liberação de costumes amplificados pela pílula anticoncepcional. Foi a época do maio de 68 na França, do movimento hippie nas universidades americanas, da batida pesada do rock com letras que falavam de sexo como “(I Can´t Get No) Satisfaction”, dos Rolling Stones. Então, na época, toda esta discussão mundial começou a chegar à praia brasileiras, contaminando a juventude universitária que se unia no movimento de militância contrária ao governo militar. A liberação sexual se integrou a isso. Então, eu digo que os anos 70 e 80 é quando todos os tabus começaram a ser colocados em xeque por nossa sociedade. Discussões sobre o orgasmo, discussões sobre casais mais igualitários, divórcio. É lógico que a sociedade machista respondeu rapidamente. Tal período de libertação foi quando ocorreram os crimes mais violentos contra as mulheres brasileiras. Isto deu origem ao primeiro movimento feminista intitulado “Quem ama não mata”. Mulheres foram mortas por usarem biquini, por fumar, por assistirem ao seriado Malu Mulher. Tudo era motivo para os homens mostrarem seu machismo frente às mudanças em curso.

Sul21 – No século 21, é possível dizer que sexo ainda é tabu?

Mary Del Priore – As regiões são diferentes. Rio Branco, no Acre, é diferente de Porto Alegre. A periferia do Amapá também não tem nada a ver com a periferia do Rio de Janeiro. O que eu acho interessante e procuro explorar no meu livro é a permanência de determinadas características que são muito antiquadas no que se refere ao sexo. Na vida pública, o brasileiro é descolado, gosta de piada suja, paquera a mulher do próximo e topa todas. Mas, na sua vida privada e intimidade, ele continua profundamente racista, machista e homofóbico. Eu acho lamentável, para um país que é a oitava economia do mundo, o fato de possuir uma cidadania tão partida. As pessoas não podem mais continuar vivendo com estas duas caras. Uma discussão precisará se impor. A legislação que protege as mulheres e garante o casamento homoafetivo ajuda a consolidar certas posições que foram duramente conquistadas. Mas precisamos avançar para uma tolerância maior das diferenças e uma aceitação das sexualidades diferentes.
Gozar virou uma obrigação que não tem nada a ver com ter prazer. Tudo isso é reflexo das mudanças muito rápidas e deveria fazer a sociedade brasileira refletir para onde está indo.
"Nas grandes cidades, a religião foi substituída por produtos religiosos"

Sul21 – Qual o limite entre a liberdade e a libertinagem?

Mary Del Priore - Aí é que está. O Brasil sempre foi um país pobre. Até a metade do século XIX, a maior parte das pessoas tinha relações sexuais em esteiras, no chão duro ou em redes. As pessoas não tinham dinheiro para comprar uma cama. O quarto do casal é uma coisa inventada e construída pela privacidade na metade do século XIX, assim como a chegada dos produtos de higiene que permitiram as relações com mais liberdade. Este processo de construção da privacidade foi completamente detonado com a chegada da era tecnológica. Hoje, com a aparelhagem eletrônica, computadores, câmeras, a internet, qualquer pessoa, mesmo na sua “privacidade”, pode se dar a ver. Qualquer moça pode mostrar sua nudez, se prostituir via internet. Temos o aumento da pedofilia e prostituição na internet. O mundo da telinha, seja ela do computador ou do celular, abriu uma possibilidade enorme para a pessoa ficar mostrando aquilo que elas têm de mais privado. É muito questionável a passagem desta liberdade para a chamada libertinagem. Eu diria que o que falta é a consciência das pessoas sobre seu próprio corpo e sua própria sexualidade. As transformações ocorreram de forma muito rápida. As mulheres foram drenadas para dentro do mercado de trabalho, associando trabalho com liberdade financeira, pílula, prazer. Foram bombardeadas por uma série de imagens em revistas e na televisão. Criou-se a ideia de que elas tem que gozar. Gozar virou uma obrigação que não tem nada a ver com ter prazer. Tudo isso é reflexo das mudanças muito rápidas e deveria fazer a sociedade brasileira refletir para onde está indo. Falta um momento de pausa para reflexão.

Sul21 – Como alcançar isto diante da complexidade que ainda é enfrentar o tema da sexualidade no Brasil? Qual é o papel do estado neste processo?

Mary Del Priore – Apesar de termos mulheres no poder, falta avançar nas políticas de valorização do gênero feminino. Faltam políticas de amparo da gravidez na adolescência, para crianças abandonadas, para mulheres que trabalham. Temos muitas mulheres na política e poucas políticas de gênero. Um exemplo grosseiro do que eu estou dizendo, é a iniciativa da ministra que tentou impedir a propaganda com a Gisele Bündchen. Ela é uma belíssima modelo, não tenho nada contra ela. Mas, uma propaganda destas na França, em que movimentos de mulheres são muito bem organizados, jamais iria ao ar. Eu acho que a ministra tinha toda a razão de retirar do ar este anúncio na medida em que ele “coisifica” a mulher brasileira e reitera que através do sexo se consegue tudo. Esta associação permanente da mulher como desfrute e com disponibilidade sexual tem que ser combatida.

Sul21 – A mudança comportamental da sociedade contemporânea sofre a influência da mídia, como a senhora mesmo salienta. O quanto mudou desde as chanchadas e contribuições de nomes como Nelson Rodrigues — os quais falavam de erotismo indiretamente, sem serem explícitos como as produções atuais — até os filmes pornográficos, hoje amplamente acessíveis?

Mary Del Priore – Os teóricos procuram matizar tudo isso.  Há quem defenda que a pornografia não é pornográfica. Há também quem defenda que a mídia não dita, ela apenas representa os anseios da sociedade, mas na verdade nós estamos num país de analfabetos, de pessoas muito pouco educadas. Não sou eu que digo isto. Há pesquisas internacionais que apontam o atraso do país em termos educacionais, isto não é novidade nenhuma. E é óbvio que com um baixo nível de escolaridade, o impacto da imagem é muito maior aqui do que em países em que a educação permite o discernimento sobre o que está sendo visto. A imagem acaba modelando comportamentos. Onde há educação, as pessoas se aproximam das informações de forma crítica. O que observamos, por exemplo, é que frente a esta “Cachorrice” — que é o movimento das meninas que frequentam os bailes funks e transam com todos e engravidam sem medir as conseqüências — , há o movimento das “Princesas”, originário das igrejas protestantes, que são moças querem casar virgem e valorizam a castidade. Haverá o momento em que iremos ver mulheres se organizando para  serem identificadas como algo além do que um pedaço de carne.

Sul21 – Qual o peso da igreja na sexualidade dos brasileiros?

Mary Del Priore – De novo temos que considerar as características das diferentes regiões. Nas áreas rurais, por exemplo, as religiões ainda ditam as normas, a igreja organiza a sociedade. As comunidades rurais tendem a ser controladas de forma mais próxima. É difícil que um adultério não seja logo conhecido ou que um gay não seja logo reconhecido e venha ter problemas. Tudo que “foge a regra” é mais fácil de perceber. Nas grandes cidades não. Nelas a religião assume outras formas. A religião institucional foi substituída por produtos religiosos. Shows, cultos, padre que canta e lança CD. Chamo isto de o “difuso religioso” que tomou conta das grandes capitais.
A autoestima masculina está tão baixa que eles passaram a usar o artifício da dor de cabeça para não ter relações sexuais.
Sul21 – Mas o modo como a igreja vê o matrimônio ainda castra e condiciona?
A capa do livro de Mary del Priore

Mary Del Priore – No meu livro, eu discorro sobre como o casamento é concebido pela Igreja Católica nos séculos XII e XIII. Ele acaba sendo uma espécie de não-lugar do erotismo. É apenas o lugar de encontro para a procriação. O mais importante era a família ter filhos. O sexo de lazer e diversão ficava para os homens no bordel. Eu lembro que é um anacronismo a gente achar que as mulheres da época, por não gozarem tanto quanto as de hoje, eram frustradas. Muito pelo contrário, as mulheres tinham outros projetos. A agenda delas era outra. Elas ficavam muito satisfeitas em criarem seus filhos, em serem mães de família, em terem poder de mando dentro de suas casas. O projeto feminino, até os anos 50, foi muito diferente do que o nosso hoje. Hoje é ter carreira, ascensão, é ganhar dinheiro. Nós estamos num percurso muito diferente. Então, enquanto o casamento era o lugar para a procriação, a igreja tinha enorme influência, sobretudo conduzindo os casais na forma estes deveriam se relacionar sexualmente. O sexo deveria ser breve, objetivo. Uma vez que a mulher engravidasse eram suspensas as relações sexuais. Durante a amamentação também não se podia ter relações sexuais. A partir do século XIX, a medicina também passa a exercer um papel importante na sexualidade, tentando associar a família feliz à família saudável. A família saudável era aquela que tinha filhos saudáveis, bem constituídos. Por isso, também se recomendava aos casais que não perdessem tanto tempo rolando na cama durante as relações, porque isso enfraqueceria os corpos. Já o século XX é o da descoberta do corpo, do esporte, da modificação da indumentária, da entrada da mulher no mercado de trabalho, do aparecimento da lingerie. Claro que estas questões impactam no casamento. Discussões de relações mais igualitárias começam a se fazer presentes. À medida que a mulher foi ganhando dinheiro, passou a controlar a sua procriação e foi em busca do prazer. Este se tornou um tema novo para os casais. Hoje as coisas estão bastante diversificadas também. Os homens também alegam estar com dor de cabeça, o que antes eram coisas das mulheres. Os homens estão sentindo o impacto destas transformações. A autoestima masculina está tão baixa que eles passaram a usar o artifício da dor de cabeça para não ter relações sexuais.
(risos)

Sul21 – O comportamento na era pós-moderna ou contemporânea caminha para termos uma futura sociedade poligâmica e bissexual?

Mary Del Priore – Não. No Brasil ainda se casa muito. O casamento ainda é uma instituição importante. O número de divórcios aumentou, mas ainda há a preocupação em constituir famílias, em se unir no matrimônio. A família ainda é uma instituição muito valorizada.  As relações parentais mudaram muito. As mulheres, por estarem no mercado de trabalho, passaram a ter filhos cada vez mais tarde. Então, quando eles vêm, são extremamente valorizados. O número de filhos caiu brutalmente para uma média de dois por família, não de seis como na década de 60. Tudo isso leva a uma valorização da vida do casal monoparental. Portanto, as coisas mudaram. O que é interessante, segundo a pesquisa do IBGE, é que homens e mulheres são realmente sexos opostos, no sentido de que eles definições muito diversas a respeito do casamento. Para o homem brasileiro, o casamento é o momento de constituir família. Portanto, brigas ou infidelidades não causam tantos arranhões. Para as mulheres é uma questão de amor e sobretudo o desejo de viver uma paixão. Quando elas não veem cumprida esta agenda, querem mudar de parceiro. Por isso, temos aumento de casamentos e também de divórcios.
Podemos terminar como na Alemanha, onde na maior parte dos domicílios vivem pessoas sozinhas. Não se precisa do outro. Você faz sexo sozinho, se comunicando e masturbando através da telinha.

Sul21 – Segundo dados do IBGE, as pessoas casam e se separam cada vez mais. Isto não seria uma espécie de poligamia?

Mary Del Priore - Poligamia eu acho que não. Mas eu até encerro meu livro dizendo que esta espetacularização do sexo trazida pela internet — em que se pode fazer sexo virtual, ver sexo na telinha, sozinho diante da mesma — , aponta para um individualismo crescente das relações. Podemos ficar como a Alemanha, onde na maior parte dos domicílios vivem pessoas sozinhas. Não se precisa do outro. Você faz sexo sozinho, se comunicando e masturbando através da telinha. Então, há autores que defendem que esta é a nossa tendência também. E há outros, mais liberais, que dizem que isto são experiências como outras quaisquer. Eu costumo dizer que, como historiadora, eu só posso olhar para o retrovisor. Eu não consigo projetar nada, isto é para os sociólogos. Mas, diante destas visões todas, acho que ninguém ousa dizer o que será daqui 30 anos.

Sul21 –  A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a união homoafetiva e o aumento crescente de gays assumidos causam reações violentas no país. Parece que a homossexualidade passou a existir só agora.

Mary Del Priore – A história da homossexualidade no Brasil é horrível. Os casais homossexuais sempre sofreram brutalmente. O jovem homossexual, seja homem ou mulher, sofre muito com a segregação familiar. Se olharmos para trás, veremos que esta perseguição começa no século XVI, com as visitas da Santa Inquisição ao Brasil. Lá, já perseguiam os sodomitas. Eles perseguiam mais os homens do que as mulheres. Eles achavam que aquilo que as mulheres podiam fazer entre elas, como não haveria desperdício de sêmen, não era um pecado tão grave, diferentemente das relações entre homens. Toda a medicina do século XIX vai perseguir o que foi chamado de “missexuais”. Vai definir que estas pessoas são doentes. Vemos isto inclusive nos manuais de educação sexual que são publicados durante o governo Getúlio Vargas. A intenção era extirpar os homossexuais do Brasil. A obsessão pela virilidade torna o homossexual um bode expiatório. Como se não bastasse, o anúncio da chegada da Aids no Brasil, nos anos 80, foi feito no programa Fantástico, com o locutor, de voz fúnebre, anunciando a doença como uma doença de gays. Até os anos 80, os gays foram sempre associados a coisas terríveis das quais eles não tinham a menor culpa. Foi algo desumano e que só se explica pelo profundo machismo da nossa sociedade.

Sobre Gaza

O Governo de Israel segue desafiando as leis internacionais e as resoluções da ONU


Chico Alencar no BRASILdeFATO

Participei, junto com a Deputada Marina Sant´Anna (PT/GO), de 20 a 25 de novembro agora, de uma grande delegação de parlamentares de várias partes do mundo para testemunhar o sofrimento contínuo da população de Gaza, a convite do Council for European Palestinian Relations. E a partir dessa visita, pressionar as autoridades de Israel para acabar com o bloqueio ilegal da Faixa de Gaza e com as punições coletivas contra a população desse território. A situação do povo palestino é uma afronta à Humanidade e à paz mundial.
Mais de três anos e meio após o início do bloqueio à Gaza, e passados dois anos da operação “chumbo derretido”, do governo israelense, condenada internacionalmente, a situação humanitária e econômica de 1,5 milhões de habitantes de Gaza continua dramática, apesar da suposta “diminuição” do bloqueio. Oito em cada dez pessoas dependem da ajuda internacional e 39% estão desempregados! O Governo de Israel segue desafiando as leis internacionais e as resoluções da ONU.  A agência das Nações Unidas para Refugiados (UNRWA), que fornece educação básica, saúde e cobre as necessidades de habitação aos refugiados palestinos, tem apenas 7% dos seus projetos de construção aprovados por Israel. Desde a “diminuição” do bloqueio, apenas uma pequena fração dos materiais necessários para a realização destes 7% de obras aprovadas consegue realmente entrar no território. Grande parte dos projetos do UNRWA decorrem da necessidade de reconstruir as infraestruturas básicas, que foram destruídas durante o ataque israelense contra a população de Gaza, em janeiro de 2009. Há hoje necessidade de muitas novas moradias em Gaza.
Além disso, embarga-se o aumento no fornecimento de combustível para o funcionamento da usina elétrica de Gaza. Isso resulta em severa escassez de eletricidade e cortes de energia elétrica, inclusive em hospitais. Muitas das passagens em Gaza continuam fechadas, apesar das promessas de Israel de reabri-las. Nenhum tipo de exportação é autorizada a deixar Gaza. 1/3 das terras agrícolas e 85% de suas águas territoriais permanecem inacessíveis para os civis: são parte da “zona tampão” de Israel, mantida pela política de ‘atirar a olho nu’ por soldados israelenses.  22 membros do parlamento palestino estão detidos em prisões israelenses, e nos inserimos em campanha internacional pela sua imediata soltura.
Apesar disso tudo, o povo palestino resiste, pulsa, se recupera, afirma e reconstrói. Pudemos constatar o empenho de idosos, adultos, jovens e crianças, mulheres e homens, gente simples e autoridades, na construção de sua soberania, identidade e direito à pátria. A Palestina é uma terra histórica onde vivem, há séculos, mulçumanos, hebreus,  cristãos e ateus. Não é justo que ali só exista um Estado, não laico, em detrimento dos árabes e da diversidade de costumes e crenças. O reconhecimento do Estado Palestino, cuja criação foi determinada pela ONU em 1947, é processo irreversível, apesar da reação dos governos dos EUA e Israel, cada vez mais isolados nesse intento antidemocrático.
Todas as correntes políticas palestinas, coincidindo com nossa visita, fizeram acordo para realizar eleições nacionais em maio do próximo ano. A luta avança, portanto. O(a)s 78 parlamentares europeus e sul americanos lá presentes firmaram, em comovente ato público, a “Resolução de Gaza”, que reproduzo:
“O tempo dos discursos acabou. Governos e Organizações de Direitos Humanos de todo o mundo precisam empregar todos os poderes pacíficos à sua disposição para forçar um fim ao bloqueio. Essas ações devem incluir sanções econômicas, boicotes culturais e ações diplomáticas como a convocação dos embaixadores para retornarem aos seus países.
A Delegação Internacional convoca todos os governos e ONGs para usar esses meios e exigir:
- Fim às proibições de exportação;
- Fim a todas as proibições de importação e restrições relacionadas aos bens de consumo, saúde e indústria/negócios;
- Suspensão de todo controle sobre as águas territoriais de Gaza;
- Abertura da “Zona Tampão” ao longo da fronteira de Gaza com Israel;
- Trânsito livre de pessoas dentro e fora de Gaza, limitada apenas por verificações razoáveis de segurança e requerimentos de documentação;
- Aceitação internacional das escolhas democráticas do povo palestino nas próximas eleições, e um compromisso de se relacionar construtivamente com os representantes eleitos.
Os membros da Delegação irão trabalhar através de suas próprias redes para pressionar pela implementação desta Resolução”.


Chico Alencar é deputado federal (PSOl-RJ)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O Projecto para Redefinir o Islão: A Turquia como o Novo Modelo e “Islão Calvinista”


Mahdi Darius Nazemroaya*
O projecto de manipular e redefinir o Islão visa subordiná-lo aos interesses da Ordem Mundial capitalista dominante através de uma nova onda de “islamismo político”. Uma nova corrente do Islão está se moldando no que vem a ser chamado de “Islão Calvinista” ou uma “Versão Muçulmana da Ética Protestante do Trabalho”.
Este “Islão Calvinista” também não tem problemas com o “reba” ou sistema de juros, que é proibido pelo Islão E é este sistema que é utilizado para escravizar os indivíduos e sociedades com as correntes do débito ao capitalismo global. E é neste contexto que o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (EBRD) está clamando por supostas “reformas democráticas” no Mundo Árabe.


Como Washington e seu bando marcham para o Coração da Eurásia, eles têm tentado manipular o Islão como uma Ferramenta Geopolítica. Têm criado um caos político e social no processo. No decorrer do caminho têm tentado redefinir o Islão e subordiná-lo aos interesses do capital global inaugurando uma nova geração que se diz islâmica, em sua maioria, entre os próprios árabes.
A Turquia em sua presente forma é apresentada como um modelo democrático a ser seguido pelas massas árabes rebeldes. É verdade que Ancara tem progredido se compararmos aos dias em que os Curdos eram proibidos de falar em público, mas a Turquia não é uma democracia funcional, ela se parece muito mais com uma cleptocracia com tendências fascistas.
Os militares continuam desempenhando um papel importante nos negócios governamentais e de Estado. O termo “Estado profundo” que denota um Estado dirigido secretamente do topo para baixo por incontáveis pessoas e organizações, de facto, se originou na Turquia. Os direitos civis continuam a ser desrespeitados na Turquia e os candidatos a cargos públicos precisam passar por aprovação do aparato estatal e do grupo que o controla, o que serve para tentar filtrar qualquer um que queira ir contra o status quo na Turquia.
A Turquia não tem sido apresentada como um modelo democrático para os árabes por suas qualidades. Ela é apresentada como um modelo político para os árabes por causa do seu projecto político e socioeconómico “bida” (inovação) que envolve a manipulação do Islão.
Embora seja muito popular, a Justiça Turca e o Partido do Desenvolvimento ou JDO (Adalet ve Kalkinma ou AKP) chegou ao poder em 2002 sem nenhuma oposição dos militares turcos e das cortes turcas. Antes deste partido chegar ao poder a tolerância dos militares ao Islão político era muito baixa. O JDP/AKP foi fundado em 2001 e o tempo de sua fundação e sua vitória eleitoral em 2002 também estão amarrados ao objetivo de redesenhar o Sudoeste da Ásia e o Norte da África.
Este projecto de manipular e redefinir o Islão visa subordinar o Islão aos interesses da dominante Ordem Mundial capitalista através de uma nova onda de “islamismo político” assim como o JDP/AKP. Uma nova corrente do Islão está se moldando no que vem a ser chamado de “Islão Calvinista” ou uma “Versão Muçulmana da Ética Protestante do Trabalho”. É este modelo que agora é alimentado na Turquia e que estão apresentando ao Egipto e aos árabes por Washington e Bruxelas.
Este “Islão Calvinista” também não tem problemas com o “reba” ou sistema de juros, que é proibido pelo Islão E é este sistema que é utilizado para escravizar os indivíduos e sociedades com as correntes do débito ao capitalismo global. E é neste contexto que o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (EBRD) está clamando pelas supostas “reformas democráticas” no Mundo Árabe.
As famílias dominantes da Arábia Saudita e os Sheiks Árabes do Petróleo também são parceiros na escravização do Mundo Árabe através do débito. A este respeito o Qatar e os sheikados árabes do Golfo Pérsico estão em um processo de criação de um Banco de Desenvolvimento do Oriente Médio, banco que pretende dar empréstimos aos países Árabes para apoiar sua “transição para a democracia”. A missão de promoção da democracia do Banco de Desenvolvimento do Oriente Médio é um tanto quanto irónica, pois os países que o formam são todos ditaduras convictas.
É esta subordinação do Islão ao capitalismo global que tem causado os atritos internos no Irão.
Abrindo a Porta para uma Nova Geração de Islâmicos
A esperança em Washington é a de que o “Islão Calvinista” se enraíze através de uma nova geração de islâmicos sob a bandeira dos novos Estados democráticos. Estes governos irão efectivamente escravizar os seus países colocando-os mais endividados e vendendo activos nacionais.
Tel-Aviv também irá possuir uma larga influência entre esses novos Estados. De braços dados com esse projecto, diferentes formas de nacionalismo etnolinguísticos e intolerância religiosa também vem sendo promovidos para dividir a região. A Turquia também desempenha um importante papel, pois é um dos berços para essa nova geração de Islâmicos. A Arábia Saudita também desempenha seu papel apoiando a ala militante desses Islâmicos.
A Reestruturação de Washington no Tabuleiro Geoestratégico
Ter com objetivos o Irão e a Síria também faz parte desta ampla estratégia de controlar a Eurásia. Os interesses chineses têm sido atacados em todos os locais do mapa global. O Sudão foi balcanizado, e tanto o Sudão Norte quanto o Sudão Sul estão caminhando para o conflito. A Líbia foi atacada e está em vias de ser balcanizada. Estão pressionando a Síria para que esta se renda e entre na linha. Os EUA e a Inglaterra estão integrando seus conselhos de segurança de modo comparável com os corpos Anglo-Americanos da Segunda Guerra Mundial.
O acto de focar o Paquistão também está ligado à neutralização do Irão e ao ataque aos interesses chineses e qualquer futura união na Eurásia. Acerca disso, os EUA e a OTAN têm militarizado as águas ao redor do Iémen. Ao mesmo tempo, na Europa Oriental, os EUA estão construindo fortificações na Polónia, na Bulgária e na Roménia, visando neutralizar a Rússia e os países da antiga União Soviética. Bielorrússia e Ucrânia também foram postos sob pressão. Todos esses passos são parte de uma estratégia que visa sitiar a Eurásia e também controlar os recursos energéticos ou a afluência energética para a China. Da mesma forma, Cuba e Venezuela estão sob crescente ameaça. O laço militar está sendo apertado globalmente por Washington. O Pentágono, a OTAN e Israel podem ainda seleccionar algum destes novos governos para justificar novas guerras. Parece que os novos partidos islâmicos estão sendo formados e preparados pelos al-Sauds, com a ajuda da Turquia, para tomar o poder das capitais árabes.
É preciso mencionar que Norman Podhoretz, um membro original do Project for a New American Century (PNAC) sugeriu em 2008 um cenário futuro apocalíptico em que Israel lança uma guerra nuclear contra o Irão, a Síria e o Egipto entre outros países vizinhos. Isto pode incluir o Líbano e a Jordânia. Podhoretz descreveu uma Israel expansionista e também sugeriu que os israelenses poderiam ocupar militarmente as regiões petrolíferas do Golfo Pérsico.
O que por outro lado veio como singular em 2008 foi a sugestão de Podhoretz, que foi influenciada pela análise estratégica do Center for Strategic and International Studies (CSIS), de que Tel Aviv poderia lançar um ataque nuclear contra os seus leais aliados egípcios no poder em Cairo sob o Presidente Mubarak. Apesar do facto do antigo regime ainda persistir, não é mais Mubarak quem está no poder. Os militares egípcios continuam dando ordens, mas os islâmicos podem chegar ao poder. Isto está ocorrendo apesar do facto de o Islão continuar a ser demonizado pelos EUA e pela maioria dos aliados da OTAN.
Futuro Desconhecido: O que vem depois?
Os Estados Unidos, a União Europeia e Israel estão tentando utilizar os protestos no Mundo Turco-Arábico-Iraniano para promover os seus próprios objectivos, incluindo a guerra na Líbia e o apoio à insurreição Islâmica na Síria. Juntamente com os al-Sauds, eles estão tentando difundir a “fitna” ou a divisão entre os povos do Sudoeste da Ásia e os do Norte da África. A estratégia Khaligi-Israelense, formada por Tel Aviv e as famílias árabes dominantes no Golfo Pérsico, é crucial para isso.
No Egipto, as revoltas sociais estão longe de terminar e as pessoas estão se tornando mais radicais. Isto está resultando em concessões por parte da Junta Militar no Cairo. Os movimentos de protesto estão agora direcionando as críticas ao relacionamento entre a Junta Militar e Israel. Na Tunísia, os movimentos sociais também estão caminhando para a radicalização.
Washington e seu bando estão brincando com fogo. Eles podem pensar que este período de caos lhes apresente uma óptima oportunidade para confrontar o Irão e a Síria. A confusão que vem se estabelecendo no mundo Turco-Árabe-Iraniano terá resultados imprevisíveis. A resistência popular no Bahrein e no Iémen às ameaças de crescimento da violência infligida pelo Estado indicam que a articulação dos movimentos de protesto anti-EUA e anti-Sionista está mais coesa.

*Mahdi Darius Nazemroaya é especialista em Oriente Médio e Ásia Central. É Investigador Associado no Centre for Research on Globalization (CRG).
 
Traduzido para Diário Liberdade por E. R. Saracino.
 
O original encontra-se em (Global Research, 10 de Julho de 2011): The Powers of Manipulation: Islam as a Geopolitical Tool to Control the Middle East

Mato Grosso do Sul assumiu “luta anti-indígena” como política de Estado

 Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação   do CORREIO DA CIDADANIA

Na madrugada de 18 de novembro, o Brasil voltou a registrar novos e vergonhosos fatos relativos ao secular genocídio de povos indígenas, desta vez capitaneados pelo agronegócio e pela inoperância do governo federal. O cacique kaiowá guarani Nísio Gomes foi a vítima, executado covardemente dentro do acampamento Tekoha Guayviri, um dos 30 que os guarani mantêm mobilizados em beiras de estradas e portas de fazenda, à espera do sonhado retorno às terras originárias.

O mesmo processo de massacre ocorre com as tribos do Xingu que serão afetadas pela construção de Belo Monte, com quem a presidente Dilma se recusa a qualquer diálogo. Num contexto de radicalização da expansão capitalista no território brasileiro, com apoio e financiamento público, a causa indígena ganha contornos ainda mais dramáticos, uma vez que seus direitos são esmagados de forma escancarada.


Diante do quadro desesperador dos índios guarani, o Correio da Cidadania entrevistou o antropólogo Egon Heck, do Conselho IndigenistaMissionário no estado do Mato Grosso do Sul - local onde o racismo e a intolerância à diversidade se tornaram políticas de Estado, com aparelhamento do judiciário, cooptação da mídia, sempre a serviço do poder econômico, e uso simultâneo e mal disfarçado de forças de segurança públicas e privadas contra os indígenas.


Além de denunciar o mencionado processo de genocídio deliberado dos povos indígenas, Egon cobra ações efetivas do governo federal, único ente capaz de fazer a lei chegar onde a pistola e o dinheiro ainda são os determinantes dos rumos da vida. Com um agronegócio ávido por terras e pelas riquezas do Aqüífero Guarani (cada vez mais contaminado), ele afirma que estamos chegando a uma situação-limite, na qual, de um lado, os povos indígenas buscam o retorno imediato às terras originárias e, do outro, o agronegócio põe em prática ofensiva para dizimar tais povos, passando por cima de todas as leis e direitos humanos que conhecemos.


A entrevista completa pode ser lida a seguir.


Correio da Cidadania: Como você poderia descrever a situação do povo guarani nos últimos meses no Mato Grosso do Sul, agora agravada com o assassinato do cacique Nísio e o desaparecimento de outros dois índios?

Egon Heck: O que a gente percebe é, na verdade, uma prática articulada pelo poder econômico e político no Mato Grosso do Sul, baseada fundamentalmente na produção exportadora e na monocultura da soja, além da agroindústria da cana, que está se agravando em níveis extremamente perigosos e absurdos, pois há em curso uma possibilidade mais ou menos próxima de definição das terras indígenas. E o MS é o estado que menos demarcou terras indígenas, que conseguiu impedir por mais tempo esse cumprimento constitucional, haja vista que 90% delas ainda terão de ser homologadas. E as restantes ainda estão em processos de regularização, na maioria dos casos, paralisados por ações judiciais.

Portanto, temos uma situação muito preocupante do ponto de vista da regularização das terras indígenas, um poder econômico e político muito articulado contra os direitos dos povos indígenas, com opções claras colocadas em prática em sua atuação contra os povos indígenas e os movimentos sociais.

No caso concreto, existe uma avaliação dos setores anti-indígenas de que não se deve mais esperar pela justiça. Qualquer movimentação dos índios deve ser rechaçada imediatamente, através de paramilitares, milícias armadas, pistoleiros dos fazendeiros e todo o poder econômico. Isso por um lado. Como dizem, a justiça demora muito, porque, se se entra com ação de reintegração de posse, esta poderá ser questionada, depois terá de ser acatada ou não pela justiça, e, se acatada, pode ter a execução demorada... Diante disso, eles parecem colocar em prática a estratégia dos caminhos do poder bruto, da violência e da força, passando ao largo de qualquer legalidade.

De outro lado, temos as comunidades indígenas que estão no limite mesmo de espera de promessas, enganações, prazos, que já foram inúmeros, mas nunca cumpridos em favor das comunidades indígenas. Recentemente, foi assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), uma tentativa extrema de obrigar o governo brasileiro a cumprir sua obrigação de demarcar as terras. Mas já era pra terem publicado os relatórios antropológicos das terras e ainda não o fizeram.

Assim, os índios se perguntam: “vamos aguardar o que, até quando, de que forma?”. Praticamente, como última alternativa, viabilizada pelos mais de 30 acampamentos indígenas no estado, resta a pressão sobre o governo federal pra demarcar as terras indígenas. E a única forma de pressão que tem surtido algum efeito em favor dos índios é o retorno às terras. E aí vemos armados os conflitos, em proporções que exigem uma atitude, pois poderão ceifar inúmeras vidas. De um lado, está o fim da paciência; de outro, está a firme decisão de impedir os índios de retornar às suas terras.

Correio da Cidadania: O que esta situação revela das políticas de governo, do poder judiciário, da sociedade e da mídia do estado do Mato Grosso do Sul e sua relação com os povos originários?

Egon Heck: Lamentavelmente, vivemos uma situação que vem historicamente se aprofundando, de negação de direitos ao diferente, à alteridade, principalmente aqui no MS, e isso vem se tornando evidente, vem sendo reforçado pelos meios de comunicação regionais.

Para se ter idéia, desde 2008, quando se assinou o TAC, vimos uma enorme campanha anti-indígena durante os anos que passaram, veiculada e financiada até pelo governo do estado. Repassava recursos aos municípios para ter assessorias jurídicas contra a demarcação de terras. Fez grandes campanhas de imprensa, em outdoors, veiculando intencionalmente mentiras muito óbvias, do tipo que o “estado seria inviabilizado se as terras fossem demarcadas”, “os povos estariam reivindicando 12 milhões de hectares das terras mais férteis do estado” (no cone sul do MS), “estariam inviabilizando 26 municípios”, “ocupando municípios”.  Um conhecido nosso dessas cidades disse expressamente que comprou armas para se defender porque o sindicato rural havia avisado de que os índios iam invadir tudo...

Por aí vemos o absurdo de tantas informações e mentiras no sentido de criar grande animosidade contra os índios, com vistas a impedir de ser efetivado seu direito sagrado a terra.

Essa realidade se acentuou muito nos últimos anos, creio que seja hoje uma das que mais geram violência aos povos indígenas, em função do não cumprimento da determinação constitucional, chegando a esse quadro lamentável de violências, mortes, ameaças, fome, desintegração social, tudo aquilo que se pode imaginar como conseqüência da negação de direitos básicos de sobrevivência de um povo ou comunidade. Um processo de negação da vida, genocida, como dizem claramente os estudiosos do tema.

Correio da Cidadania: E a polícia, pode ser acusada de atuar em perversa parceria com os latifundiários e os donos do poder econômico?

Egon Heck: As mais recentes demonstrações de violência têm mostrado características típicas de ações muito bem articuladas em nível estadual. Por exemplo: a repressão com balas de borracha.

Esta é uma prática comum nos meios urbanos, agora utilizada por milícias, organizadas no interior pra reprimir índios. Outra estratégia é dificultar ao máximo a identificação dos agressores, conseqüentemente garantindo sua impunidade. E há ainda a ocultação de cadáver, coisa que aconteceu três vezes desde 2009, com corpos deixados tanto do lado brasileiro quanto do lado paraguaio da fronteira.

Existem indícios de que os fazendeiros têm atuado com essas forças particulares, nas quais evidentemente existem presença e atuação de policiais aposentados etc.

Correio da Cidadania: E quanto ao governo federal, como avalia a sua postura, atualmente, diante deste episódio, após anos de lutas pela demarcação de terras já homologadas e inúmeras mortes de indígenas, sempre seguidas de impunidade?

Egon Heck: Eu tenho impressão de que o governo federal infelizmente só dá respostas com o mínimo de retorno nesses momentos extremos, em situações de grande violência e morte. Mas a questão indígena é responsabilidade total do governo federal, no sentido de garantir a vida e o acesso aos recursos e patrimônios da natureza.

Infelizmente, não se tem avançado no sentido, diversas vezes sugerido, de contar, ao menos num primeiro momento, com a ajuda da polícia e da Força Nacional de Segurança, equipes com preparação específica para atuar com grupos étnicos diferentes, de culturas diversas.

Infelizmente, a própria atuação da PF, em vários casos, tem deixado a desejar, talvez até pela falta de um preparo específico para atuar em tais áreas. E, por outro lado, notamos que, quanto mais próxima a PF está das áreas e regiões de conflito, mais suscetível ela fica a pressões do poder econômico e político regional. Portanto, as ações acabam não tendo a esperada imparcialidade, que seria o mais justo para se chegar a punições e prevenção a violências – ou seja, a atuação que deveria haver para oferecer segurança às comunidades indígenas.

Correio da Cidadania: Fica evidente que a PF está a serviço do poder econômico do latifúndio no estado.

Egon Heck: Na semana passada, saiu na mídia regional uma notícia da ação do Ministério Público Federal com relação ao assassinato dos senhores Rolindo Vera e Genivaldo Vera, informando que o inquérito da PF recomendava arquivamento, “por falta de provas objetivas” contra os implicados no assassinato. Claro que causou grande estranheza ao Ministério Público, pois existem muitas provas e indícios de vários nomes de participantes do crime.

O procurador Tiago da Luz, em entrevista, disse que viu “vários depoimentos dos índios, únicas testemunhas oculares, inclusive identificando nomes. Por que tais depoimentos não foram levados em conta pela Polícia Federal? Por acaso a palavra dos índios não vale nada?”.

Infelizmente, são esses os atores que têm ditado as regras. Precisamos de uma instância diferente, diversa, para tratar da segurança nas comunidades indígenas, com preparação prévia para se lidar com a cultura indígena, especificamente na agroecologia. Além de uma isenção maior em relação à realidade política e econômica local, porque, queira ou não, isso interfere concretamente contra os direitos indígenas.

Correio da Cidadania: E a FUNAI? Tem estado a serviço dos interesses e direitos indígenas ou vem sendo também varrida por essas mesmas pressões?

Egon Heck: A FUNAI é um pouco isso. Sofreu forte e recente sucateamento, está em processo de tentativa de recuperação, com atuação em favor dos povos indígenas através de contratações e concursos públicos, além de alguns funcionários mais comprometidos com a realidade dos povos indígenas.

Por outro lado, no entanto, sempre vemos a atuação ambígua e contraditória que no fundo marca a FUNAI. Às vezes tem gente, mas não tem recursos para colocar, de fato, 500 pessoas a serviço dos povos indígenas; às vezes tem que defender direitos constitucionais indígenas, mas não pode ofender os “direitos” econômicos e políticos hegemônicos. Quer dizer, tem de fazer de conta que defende o índio, pois não pode afetar o grande capital.

É dentro desse clima de contradições que a FUNAI tem tido na região atuações mais expressivas em favor dos índios, atitudes até corajosas de alguns funcionários - o que até tem feito com que, diante dos povos indígenas, a FUNAI regional tenha recuperado sua credibilidade.

Correio da Cidadania: Como avaliar, ademais, esta evolução dos acontecimentos, tendo em vista a tão comemorada demarcação contínua de Raposa Serra do Sol? Esta demarcação colaborou, de algum modo, no que toca um maior reconhecimento e respeito aos direitos dos índios brasileiros? As 19 condicionantes impostas pelo STF têm resultado em reveses?

Egon Heck: De fato, e é incontestável, a demarcação contínua das terras de Raposa Serra do Sol tem sido uma vitória para os wapichana, macuxi, ingarikó, patamona e taurepang. Porém, o preço para os povos indígenas, especialmente no MS, tem sido muito alto, ou seja, onde existe poder econômico e político,  faz-se uma leitura das condicionantes que inviabiliza qualquer outra demarcação de Terra Indígena. A questão da temporalidade é uma delas. Só teria direito às terras tradicionais os índios que em 1988 estivessem nas terras. Acontece que, evidentemente, o processo de expulsão violenta, seja pela ocupação econômica da região, seja pelos próprios órgãos oficiais da época, como o SPI e a FUNAI, que antes se prestavam a tirá-los da terra e colocá-los em áreas de confinamento, é simplesmente desconsiderado.

Em todos os momentos, dizem que os índios não estavam lá em 1988 e, portanto, não têm direito às suas terras tradicionais. O que é um absurdo, pois, dentro da própria leitura das condicionantes no Supremo, fica claro que os índios deveriam estar nas terras até em 1988, tendo também direito a elas em caso de expulsão anterior. Essa tem sido uma das teclas em que se tem batido. A outra condicionante usada é a da não ampliação das terras indígenas. Usam também a afirmação, falsa, de que as demarcações não são válidas para antigos aldeamentos, quando na verdade esse processo guarani só teve um aldeamento, no século 18, por parte dos jesuítas...

Enfim, procuram-se todos os meios de distorcer as próprias leis em favor do poder econômico e político regional.

Correio da Cidadania: Pode-se dizer que essa demarcação representou o início da imposição de retrocessos?

Egon Heck: Ela dificultou, digamos. Ou deu munição aos interesses contrários para tentar fazer aquilo que já vinham fazendo, mas munidos de argumentos jurídicos. Com isso, tentam barrar todo e qualquer processo de identificação e demarcação de terras.

Temos quase 20 processos de demarcação em andamento, quase todos parados por ações judiciais. Outros, em processo praticamente conclusivo, como no caso da terra dos nhanderu marangatu, homologada pelo presidente Lula, mas cassada liminarmente pelo ministro Nelson Jobim, em 2005. Dizia-se que logo no retorno das atividades do Supremo essa ação seria julgada. Passaram seis anos e a ação não foi julgada. E temos vários outros exemplos.

Podemos ver claramente que existe uma justiça ágil quando se trata de interesses contrários aos indígenas, e uma justiça extremamente morosa quando se trata de garantir os direitos indígenas.

Correio da Cidadania: O que você teria a responder aos argumentos que vêem nas demarcações de terras indígenas, especialmente se feitas de forma contínua, uma ameaça de internacionalização de nosso território, a partir de uma suposta susceptibilidade dos povos indígenas à ingerência externa?

Egon Heck: Responderia que teríamos que nacionalizar nosso país outra vez, já que ele foi entregue ao capital multinacional, às grandes corporações, que fazem o que querem.

Com os indígenas, as terras ficam ainda mais protegidas, pois, sendo terras da União, podem contar com dupla defesa. Além do mais, poderíamos conservar condições mais dignas de sobrevivência, onde ainda não se destruiu totalmente o meio ambiente e os recursos naturais, garantindo ao país as reservas necessárias ao equilíbrio ambiental.

Aqui no MS temos terras totalmente devastadas em relação à mata originária. Alguns municípios têm menos de 10% da mata original. Alguns deles, apesar de toda a pressão e confinamento sobre as terras indígenas, têm um pouco mais de árvores, com maior diversidade de vida preservada.

Creio que os povos indígenas, junto com os movimentos sociais e populares, têm muito a contribuir com um projeto realmente nacional, no lugar de um projeto de multinacionais. Um projeto que, principalmente, tenha como prioridade a vida, não um desenvolvimento desigual que beneficia somente pequenos grupos.

Correio da Cidadania: Qual a capacidade dos guarani de continuar resistindo, em meio a cerco tão violento dos pistoleiros e paramilitares, e quais as expectativas indígenas após essa nova onda de crimes contra suas lideranças, com grande repercussão internacional? Tempos mais sombrios continuam se anunciando?

Egon Heck: Entendemos que os guarani só atravessaram esses mais de 500 anos de turbulências, agressões, extermínios, doenças e tudo mais porque têm uma raiz de sabedoria milenar muito forte, sustentada principalmente em sua forte relação com o sobrenatural, com a espiritualidade, e ao mesmo tempo com a terra, sua mãe, espaço de vida e cura. E isso também lhes permitiu desenvolver uma estratégia de sobrevivência em meio a toda a adversidade. Apesar dessa violência toda, vemos um protagonismo dos guarani, no sentido de se mobilizar contra a violência, muito grande.

Também vemos uma grande mobilização, nacional e internacional, oferecendo recursos e solidariedade, o que é um dos fatores que podem contribuir muito, já que a solidariedade internacional tem um peso muito grande hoje em dia em relação aos direitos humanos e de minorias.

Tanto os movimentos de resistência quanto de solidariedade dão sinais muito fortes de que vão atravessar, não sem sofrimento, dor e sangue, esse difícil momento de recuperação da terra.

Correio da Cidadania: Que tipo de impacto poderá ter a aprovação do Código Florestal em discussão em Brasília sobre a situação dos povos indígenas, a seu ver? Os conflitos de interesses entre os povos indígenas e o capital poderão, por exemplo, acirrar-se, vulnerabilizando ainda mais as riquezas do Aqüífero Guarani?


Egon Heck: Creio que sim, que a aprovação dessa proposta de Código Florestal tende a acentuar os conflitos com os guarani pela questão da água e da agricultura, sem dúvida. O que mais causa devastação, além de toda a carga pesada dos agrotóxicos, é a instalação maciça de indústria da cana, através de vários projetos de usina, o que terá conseqüências muito fortes aos guarani. Em algumas usinas, como a de Rio Brilhante, já se usam as águas do aqüífero pra lavar a cana. Com isso, fragilizam a proteção da vida dos guarani que utilizem água dos rios, poluindo essa água, inviabilizando seu uso por parte dos guarani, afetando matas virgens... A indústria da cana é altamente rentável aos empresários e, infelizmente, utiliza a mão-de-obra indígena, que, por sua vez, tem sido cada vez mais dispensada com o processo de mecanização de tais usinas na região. Isso cria um novo problema social, pois grandes contingentes de indígenas que trabalhavam no corte da cana são dispensados e condenados à miséria.

O que colocamos como perspectivas, que os guarani esperam do governo, da sociedade, do mundo, não é apenas o reconhecimento formal do direito à vida e das legislações, inclusive a constituição, mas ações efetivas de construção de projetos que respeitem a diversidade de vida, de produção, de sociabilidade. E, principalmente, quanto àqueles que tanto mal fizeram à mãe terra, que tanta destruição causaram, que o governo federal assuma com determinação e clareza seu papel. Que não fique só na demarcação de terras, mas possibilite de fato a recuperação de sua economia, subsistência, seus meios de vida, promovendo uma recuperação básica do meio ambiente, rios e matas, que de alguma forma terão de ser recompostos. Que ajude a se começar uma virada histórica nessa situação de violência e miséria a que os índios foram submetidos, com convivência, paz e respeito na diversidade. É isso que esperamos. Os guarani e todo mundo. É um momento crucial, de encruzilhada, de busca de caminhos e alternativas.

Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Silas Malafaia e a maldade humana

Marcelo Carneiro da Cunha no SUL21

É duro ter que viver no mesmo planeta de um Silas Malafaia, caros leitores. Quero dizer, é duro viver nesse planeta, ponto. A Terra inclui palmeiras e sabiás, que gorjeiam como lá, mas também inclui música nativista, reggae, Los Hermanos e brócolis. Ah, e o teatro do Zé Celso Martinez.
Ela inclui malária, febre amarela, beri beri, mosquito borrachudo e alarme de automóvel, sempre no meio da noite. Ela inclui paixões não correspondidas, táxis Corsa Sedan, Sala de Redação e a República Islâmica do Irã. Ela também inclui auroras boreais, banhos nas termas ao ar livre e cheio de estrelas no Chile, sagu da minha avó, a Jessica Alba e os Beatles.
Tudo isso no âmbito da normalidade dos gostos e desgostos, caros sulvinteumenses. Tudo isso nas nossas preferências genéticas ou adquiridas. Tudo isso a partir do que é termos um planeta e seres humanos o habitando, seres que se constroem e são construídos e com os quais lidamos, amando, gostando, não achando lá grande coisa, ou não suportando, mas suportando.
E aí vem o Silas Malafaia, quebrar esse delicado equilíbrio. Os Silas Malafaia desse mundo são, e não são desse mundo. Como a Paquetá de Macedo, eles começam nesse mundo e não sabem onde acabar. Eles podem ser muitas coisas, e quase nenhuma delas muito saudáveis para quem pretende que o mundo seja mediado pelo que existe de humano na humanidade. E, pior, eles têm O Livro.
Um livro é a diferença entre mais um maluco ignorante, intolerante e intolerável, e um sujeito capaz de produzir grandes e enormes problemas. E, caros leitores, esse aí tem um livro.
Um livro é o que justifica e legitima. Preferencialmente, o livro deve vir diretamente de Deus em uma de suas múltiplas e convenientes formas. Isso não é assim tão necessário. O livro de Mao fez essa função, assim como o do Kadafi, e todos eles têm em comum serem um grande ponto de encontro de todas as respostas para todas as perguntas jamais feitas, ou não. E, melhor, eles são interpretáveis.
Já que os Malafaia jamais conseguiriam escrever coisa com coisa, eles se tornam intérpretes e daí vê o seu poder. Eles explicam o inexplicável. Quer coisa mais importante, ou melhor?
Livros tem enormes vantagens. A Xuxa por exemplo, explicou: “Os duendes existem. Tem até livro a respeito”. Se tem livro, então existe. Os Malafaias em geral, e esse em particular, existem por isso.
E nesse mundo de muitas carências e com televisão, a união de um Malafaia, um livro e um monte de desesperados produz um fenômeno assustador, que é o poder político. No segundo turno da eleição presidencial, Dilma foi chantageada por esses sujeitos, e o Serra se aliou a eles. A consequência é o retrocesso da sociedade, que vê dificultado o caminho da melhoria pelo obstáculo de um fanático, cercado de fanáticos, munidos de um livro e uma televisão. Cada vez que um político de verdade cede diante dessas chantagens, morre bem mais do que um filhotinho de foca na Antártica.
E é esse o mundo em que estamos.
Uma matéria recente do NY Times analisa o fenômeno Malafaia. Sendo um jornal americano, eles conhecem de perto essa realidade, que faz parte da formação da sociedade norte-americana, que a exportou ao Brasil. Lá, esse pentecostalismo associado a uma sociedade puritana, com uma fortíssima extrema-direita, já ameaça transformar um país über bem-sucedido em várias frentes, em um sistema disfuncional.
Aqui?
Malafaia não passa de um terno de gosto duvidoso, munido de um livro, um avião, uma tevê, cercado de desesperados por todos os lados. Ou nem tão desesperados. Ele é da Assembléia de Deus, à qual pertence Marina Silva, lembrem.
Mas ele parece adorar o poder auto-atribuído, e aparentemente real que construiu. E aí está o problema. Nossos governantes eleitos serão chantageados, se aliarão por afinidade ou conveniência, ou resistirão, enfrentando esse pessoal para finalmente descobrirmos com quantos paus se faz uma canoa televangelista, e o que é preciso para ela afundar?
Me choca e entristece ver essa mensagem de ódio e intolerância tomar forma e ocupar espaços, sempre com a embalagem de amor divino por todos os lados. Me preocupa pelo futuro, gostaria de saber se vamos neutralizar essa maluquice ou seremos ainda vítimas dela. Hoje, ele ataca as minorias, as historicamente mais frágeis. É inaceitável para pessoas que acreditem em justiça e igualdade. Cabe a nós defendermos vigorosamente a quem quer que ele ataque, dando um sinal claro de que ele pode vender, pode enriquecer, pode se achar o que quiser. Mas nunca deixará de ser o que é, um tolo com uma fatiota e um microfone. E do lado de cá estamos nós, sem livro na mão, mas com o sentido da justiça e da humanidade, dispostos ao que for preciso para que o lado de cá, o do bem, vença.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Reforma Agrária parada: governo federal assentou apenas 6 mil famílias em 2011



Por Lúcia Rodrigues
Da Caros Amigos


“A estrutura fundiária do Brasil continua a mesma do período colonial”. A afirmação de Gilmar Mauro, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, não é mera retórica. Está calcada em estudos que comprovam que pouco se avançou em termos de distribuição da terra desde os tempos da Coroa Portuguesa.

O coeficiente de Gini, índice utilizado em pesquisas científicas para medir o grau de desigualdade social, revela que a concentração de terra no país até aumentou, se os dados analisados forem os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 1950, os números do IBGE apontavam 0,840 de concentração. Cinco décadas e meia depois, em 2006, esse índice subiu para 0,854. Quanto mais o índice se aproxima de um, maior o grau de concentração da terra.

Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) são levemente mais generosos. Por eles, se verifica que houve uma ligeira queda na concentração fundiária, que passou de 0,836, em 1967, para 0,820, em 2010. Os indicadores nos dois casos demonstram que a distribuição continua longe, de atender à demanda dos que pleiteiam acesso à terra neste país.

Hoje, 1% dos grandes latifundiários domina mais de 40% das terras brasileiras. Não bastasse a altíssima concentração fundiária nas mãos de poucos, ainda há outro agravante. A esmagadora maioria dessas propriedades é improdutiva.

Dos 217,4 milhões de hectares registrados pelo Incra como grandes propriedades, 136,8 milhões são identificados como improdutivos. Não cumprem, portanto, a função social preconizada pela Constituição Federal de 1988.

Mas o total de hectares de latifúndios improdutivos no Brasil é muito superior à área reconhecida pelo órgão governamental. O próprio Incra assume isso. A legislação existente dificulta que inúmeras propriedades improdutivas sejam catalogadas como tal.

Os índices de produtividade da terra estabelecidos em lei, com base no Censo Agropecuário de 1975, contribuem para isso. Totalmente defasados, se ancoram em um modelo de agricultura que não faz mais parte da realidade. O grau de mecanização adotado hoje, por exemplo, permite que se produza uma maior quantidade de produtos em um menor espaço de terra.

“É uma defasagem absurda, são praticamente 40 anos (de desatualização). Nesse período, a produtividade média do Brasil cresceu demais. Por isso, muitas fazendas improdutivas acabam sendo classificadas como produtivas. E não podemos desapropriá-las”, ressalta o presidente do Incra, Celso Lacerda.

A crítica de Lacerda é procedente, muito embora caiba ao Executivo alterar o índice de produtividade da terra. Para corrigir esse indicador, o governo teria de publicar uma portaria que envolvesse os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. Uma canetada do governo resolveria esse problema.

Elite não quer

“A reforma agrária sempre foi vista como uma ameaça. A elite e os governos, inclusive o de Lula, não apoiaram a reforma agrária. O que predominou foi uma política fundiária da elite”, alfineta Dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás e presidente de honra da CPT, a Comissão Pastoral da Terra, entidade ligada à igreja católica, que apoia os trabalhadores sem terra.

O religioso também não poupa o Judiciário. “Além das alianças políticas que foram prioritárias no governo Lula e no da presidente Dilma, há a questão do Judiciário, que tomou partido pelo latifúndio e pelo agronegócio. Isso é patente. Dizem que há juízes latifundiários”, afirma indignado.

“O governo não tem interesse em mexer com os grandes latifundiários. Não faz a reforma agrária, porque precisa desse modelo agroexportador para garantir superávit. É um grande equívoco não democratizar a terra. Nenhum governo, inclusive os do PT, teve a coragem de enfrentar os latifundiários”, enfatiza o secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney. O sindicalista, que também é filiado ao Partido dos Trabalhadores, critica o corte no orçamento da União para a reforma agrária com o contigenciamento promovido pela presidente Dilma Rousseff.

Para o geógrafo e professor da USP, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, o problema da reforma agrária é que ela saiu da pauta do governo. “A facção do PT que está no poder e é hegemônica não quer a reforma agrária. Não acredita nela. E, por isso, não vê nenhuma necessidade em realizá-la.”

O docente contesta os números divulgados pelo Executivo de famílias assentadas no país. “É infinitamente menor. O governo infla os números. A maioria não é referente à reforma agrária, mas de regularização fundiária.”

Dados oficiais apontam que durante os oito anos de mandato, Lula assentou 624.993 famílias. Ariovaldo considera que na contabilização da reforma agrária deve entrar apenas as desapropriações realizadas em que novas famílias foram assentadas. Os números desmembrados pelo docente revelam que, efetivamente, foram assentadas 151.968 famílias durante os oito anos de governo do ex-presidente Lula.

“Não é que os números do Incra estejam errados, mas o Instituto soma reforma agrária (assentamentos de novas famílias), com regularização fundiária (titulação de terra), com reordenamento fundiário (políticas públicas em assentamentos antigos). Se não bastasse, acrescenta também as famílias atingidas por barragens que foram reassentadas. Por isso, os números são elevados. Mas não correspondem a verdadeira reforma agrária”, afirma Ariovaldo.

O assunto é polêmico mesmo entre acadêmicos. Bernardo Mançano Fernandes, geógrafo e professor da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo Júlio de Mesquita Filho) de Presidente Prudente, contesta a análise e considera que o governo realizou outro tipo de reforma agrária. “Pode não ser a reforma agrária que o movimento queria, mas o governo fez a reforma agrária. Só que foi a da regularização fundiária na Amazônia.” Ele afirma que 70% da reforma agrária realizada pelo governo Lula foi baseada na regularização fundiária.

Bernardo pondera, no entanto, que não houve nenhum interesse dos governos Fernando Henrique e Lula e, atualmente, do governo Dilma de promoverem grandes desapropriações. “O compromisso deles é com o modelo de desenvolvimento capitalista, com o agronegócio. Não é para atender às reivindicações dos movimentos”, destaca.

O presidente do Incra deixa claro que o governo não pretende modificar a metodologia dos números da reforma agrária. “Não é uma metodologia do governo Lula. O Incra usa há mais de 20 anos. Se soma os assentamentos em terras públicas da União ou dos Estados, com assentamentos de famílias em lotes vagos de antigos assentamentos, com assentamentos em terras desapropriadas. Não existe fraude nos números. É uma questão de mera contabilidade. Essa contabilidade é transparente. Os movimentos não aceitam essa metodologia. Respeitamos, mas vamos continuar contabilizando dessa forma.”

Celso Lacerda ressalta que o grande mérito do governo Lula foi o de ter investido na infraestrutura dos assentamentos. “O que o Fernando Henrique fez em termos de distribuição de terra é muito similar ao que o presidente Lula realizou. A grande diferença é que Lula investiu muito mais em infraestrutura básica nos assentamentos. FHC distribuiu terra e parou por aí.”

De acordo com o presidente do Incra, o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva investiu pesadamente no acesso à água em assentamentos da região Nordeste e em energia elétrica e estradas, nos da região Norte. Ele destaca que a regularização fundiária não pode ser desconsiderada como uma política de reforma agrária, embora afirme que esses números não entram no cálculo do Incra.

“As famílias assentadas em terras públicas da Amazônia Legal são formadas por ribeirinhos e comunidades tradicionais que não tinham segurança jurídica. Promover essa regularização não deixa de ser uma política de assentamento.”

Latifundiários ganham

A regularização fundiária das terras públicas promovida pelo governo na Amazônia Legal é duramente criticada pelo professor Ariovaldo. Para o docente, essa regularização privilegiou basicamente os grileiros latifundiários que atuam na região.

Ele destaca duas medidas provisórias editadas no segundo mandato do presidente Lula: a 422, de 2008, e a 458, de 2009, como o passaporte para a legalização da grilagem. “Essas duas medidas ferem a Constituição. Tem ação no Supremo questionando a constitucionalidade”, adverte. A Procuradoria Geral da República (PGR) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal contra a medida provisória 458.

Ao contrário do que considera o presidente do Incra, o professor da USP afirma que 67,8 milhões de hectares que pertencem ao Órgão na Amazônia Legal, região que compreende os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, de Rondônia e Roraima e parte dos Estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, estão nas mãos de latifundiários grileiros.

A grilagem de terras é uma prática corriqueira no país. Um dos exemplos mais emblemáticos é o da Cutrale, a maior empresa de suco de laranja do mundo, que está instalada em uma fazenda que pertence à União, em Iaras, na região de Bauru, interior do Estado de São Paulo.

“Antes de comprar a área, a Cutrale foi avisada de que a terra pertencia à União. Mesmo assim fez a transação. O dono do cartório de Lençóis Paulista pegou o título de uma área e registrou como se fosse da Cutrale. A elite econômica acredita que as leis não serão cumpridas e aposta nisso”, explica o professor da USP.

“A Cutrale sabe que está em uma terra pública” frisa o presidente do Incra. O Órgão acionou a justiça para retirar a empresa da área. “O juiz já reconheceu que as terras são da União. Mas o judiciário acatou o argumento da Cutrale de que o Incra não era legítimo para mover a ação. A interpretação é de que cabia a Advocacia Geral da União, a AGU, entrar com a ação. E a AGU está entrando com a ação novamente.”

Celso Lacerda está confiante de que a Cutrale perderá a ação movida pela União. “Pode levar mais alguns anos, mas vai perder. No mérito, já perdeu. A Cutrale tem poderio econômico e vai se utilizar de artifícios jurídicos para protelar a saída. Mas a empresa sabe que está ocupando terras públicas federais.”

A grilagem de terras não acontece só de forma direta. Há quem se beneficie dela indiretamente. É o caso da empreiteira Norberto Odebrecht. “A Odebrecht compra cana de área grilada”, revela o professor Bernardo Mançano. A construtora é dona da ETH, que atua na área de produção de etanol no país.

O Incra move ações no país para a retomada de terras públicas da União que ultrapassam 10 milhões de hectares. De acordo com o presidente do Órgão, são todos grandes latifundiários. Celso não soube informar, no entanto, quem são esses invasores e se tratam de pessoas jurídicas ou físicas. “A maioria está no Centro- Oeste, no Mato Grosso, mas tem também no Tocantins e no Pará. Conseguimos identificar 10 milhões de hectares, mas com certeza tem muito mais terra.”

O processo de grilagem de terras é realizado de várias formas. A de colocar um grilo na gaveta, com a documentação, para envelhecer a papelada, está em desuso, embora ainda tenham grileiros que se utilizam dessa técnica. “Não precisa mais colocar o grilo na gaveta. Agora é só colocar no micro-ondas. Só não pode errar no tempo”, explica o docente da Universidade de São Paulo.

Mas o cartório de registro de imóveis é peça fundamental nessa engrenagem de desrespeito à lei. “Comprasse o título de um posseiro com usucapião de 10 hectares, por exemplo, e no momento de lavrar a escritura, se aumenta para 10 mil hectares. Isso está acontecendo bastante no oeste da Bahia, mas ocorre no Brasil inteiro”, revela Ariovaldo.

Segundo o professor da USP, há no país mais de 300 milhões de hectares de terras devolutas, áreas que nunca foram tituladas. “O latifundiário cercou, não tem documento, mas como ninguém pergunta se tem documentação, ele vai ficando. Ninguém vai achar que é um grileiro. O Incra que deveria perguntar. Não pergunta, porque o cadastro é declaratório.”

O professor Bernardo, da Unesp de Presidente Prudente, ressalta que as terras públicas da região Sul e Sudeste estão nas mãos do agronegócio. “O governo não quer enfrentar o agronegócio, porque o agronegócio se apresenta como o modelo de desenvolvimento do país. E o governo não quer ir contra esse desenvolvimento.”

Segundo ele, o governo não quer confrontar o capital. “Se a Cutrale está em terras griladas, o governo vai fechar os olhos.” Ainda de acordo com o professor da Unesp, cabe aos sem terra pressionar o governo para a execução da reforma agrária. “Se o movimento pressiona e ocupa terras, o governo negocia. O Lula e a Dilma têm essa característica.”

Ele acredita que a Cutrale deixará as terras da União se o Movimento Sem Terra pressionar. “Se o movimento ocupar uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Ela sai. A Fazenda São Bento, no Pontal do Paranapanema, foi ocupada 24 vezes. O fazendeiro dizia que não saía, mas saiu. O Movimento não pode parar de ocupar”, enfatiza Bernardo.

A luta continua

As ocupações de terras pelos movimentos, em particular pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, expoente da luta no campo por reforma agrária, são analisadas de maneira antagônica pelos dois professores.

Enquanto Bernardo acredita que houve um esvaziamento das ações do MST em função da concessão do Bolsa Família, pelo governo federal, para famílias carentes (base dos sem terra) e pelo crescimento no nível de emprego, Ariovaldo Umbelino considera que o MST arriou a bandeira das ocupações. “O número de ocupações de terra caiu brutalmente entre 2003 e 2010. Falo isso com base em estudos. Eles não lutam mais pela terra. O Movimento deixou de fazer pressão política. A maioria das ações no Agosto (Vermelho) foi de ocupações de órgãos públicos. Arriaram a bandeira. Isso não significa abandono, pode reacender a luta novamente.”

Gilmar Mauro, da direção nacional do MST, refuta a afirmação de que o Movimento, que lidera, tenha arriado a bandeira da luta pela reforma agrária. “Não é verdade que o MST arriou a bandeira. É simplismo demais. Quem fala isso está longe da luta social. É fácil ser socialista atuando em casa ou no escritório, com R$ 15 mil, R$ 20 mil. Difícil é ser um lutador social. Não estou querendo justificar nada, mas as táticas não se decidem em escritórios. Há momentos de maior e menor intensidade. Estamos vivendo um período de menor intensidade. Mas isso não é para sempre. A luta pela terra continua ativa e continuará até que se faça a reforma agrária”, desabafa.

O dirigente sem terra considera que as mudanças na economia brasileira contribuíram para uma redução no número de famílias que buscam terra. “O acesso ao emprego aumentou. As políticas compensatórias (Bolsa Família) também. Mas não é verdade que as ocupações diminuíram. Mantemos o mesmo nível do governo Fernando Henrique, 60 mil famílias acampadas em todo o país.”

“Eu analiso o número de ocupações de terra e o número de novas famílias acampadas. O número de novas famílias demonstra se tem ou não trabalho político para trazer gente nova para os campamentos. E não tem. Hoje são os posseiros que fazem a luta”, devolve Ariovaldo.

Mas as divergências entre líder sem terra e professor param por aí. Ambos consideram que as ocupações são fundamentais para pressionar a reforma agrária a sair do papel. Ariovaldo não concorda que seja só falta de vontade política da presidente Dilma, para se fazer a reforma agrária, mas uma opção política de governo. Segundo dados repassados pelo Incra, o órgão assentou este ano até outubro, 6.072 famílias.

Gilmar Mauro critica o orçamento da União enviado pela presidente Dilma ao Congresso. “Destina 47,8% para pagamento de juros e serviços da dívida, 3,5% para educação, 3,9% para saúde e 0,22% para a reforma agrária. O que prova que a reforma agrária não é uma prioridade em nosso país.”

“A reforma agrária não faz parte da pauta do governo Dilma, não faz parte da política do PT”, critica o professor Bernardo, que coordena há 13 anos na Unesp, o DataLuta, um banco de dados na sobre estrutura fundiária e ocupações.

“Se fosse só o agronegócio barrando a reforma agrária, estava bom. O problema é que eles (membros do governo) não acreditam na reforma agrária. Foram formados em um tipo de concepção de desenvolvimento do capitalismo de que quanto maior o tipo de atividade agrícola, melhor”, cutuca Ariovaldo.

Mas não é só o governo federal que não prioriza a reforma agrária. O Instituto de Terras do Estado de São Paulo, o Itesp, órgão do governo estadual assentou, este ano, 27 famílias no Estado. Entre 2007 e 2010, os números também são pífios. Nos quatro anos foram assentadas 258 famílias. A assessoria de imprensa do Itesp informa que há aproximadamente 3.200 famílias sem terra acampadas no Estado. A maior parte delas distribuídas nas regiões Oeste (1.198) e Noroeste (1.282).

Crise mobiliza

O Incra reconhece que há entre 180 mil e 190 mil famílias acampadas em todo o país. De acordo com o presidente do órgão, Celso Lacerda, esses números podem crescer rapidamente se alguma crise atingir o país.

“Depende do cenário econômico. Se a crise internacional chegar ao país, o nível de emprego cai e os primeiros desempregados são os mais pobres. Essas pessoas certamente vão engrossar os acampamentos sem terra.” O professor Bernardo reforça a tese. “Se tivermos uma crise, aumenta o número de ocupações e de famílias acampadas.”

O volume de dinheiro necessário para se promover a reforma agrária é levantado por Celso como um grande entrave. “Como o preceito constitucional determina que tem de se pagar o justo valor de mercado, não tem dinheiro que chegue. Vamos ter de conviver com a política de reforma agrária como vem sendo feita.”

Entre os maiores latifundiários do país estão dois bancos, o do Brasil e o Bradesco. Estudo do professor Ariovaldo Umbelino, com base em dados do Incra de 2003, identifica na mão de quem estão os sete maiores latifúndios do país.

Em primeiro lugar aparece o empreendimento de Moacyr Eloy Crocetta Batista Cia Ltda, com 246.467 mil hectares, localizados na Boca do Acre, no Amazonas. Na segunda colocação está a Panacre, com 195.309 mil hectares, em Tarauacá, no Acre. Fechando o pódium, em terceiro lugar, aparece Jonas Akila Morioka, com 175.142 mil, em Portel, no Pará. Na quarta posição surge o Banco do Brasil, com 164.974 mil hectares espalhados por vários Estados brasileiros. A Magesa ocupa a quinta posição com 132.878 hectares, localizados em vários municípios do Pará. Na sexta
colocação, outro banco. O Bradesco é dono de 131.347 mil hectares de terras espalhadas em vários Estados da federação. Fechando o ranking dos maiores latifúndios aparece a Cia Melhoramentos do Oeste da Bahia com 121.411 mil hectares de terras localizadas em Formosa do Rio Preto, na Bahia.

“A legislação brasileira permite que uma só pessoa seja dona do país inteiro. Não há limite para a propriedade no Brasil. Os ruralistas conseguiram derrubar, na Constituição de 1988, os limites fixados no Estatuto da Terra, da ditadura militar, que já eram enormes”, ressalta o professor Ariovaldo. Ele destaca que existem no país 196 imóveis com mais de 100 mil hectares. Uma propriedade é considerada grande, acima de dois mil hectares. Esses 196 imóveis correspondem a 11,6% da área total cadastrada pelo Incra.

Outro problema a ser enfrentado, de acordo com o docente da USP, é a burocracia da legislação para se provar que a propriedade é improdutiva. Para ter a terra considerada produtiva, o latifundiário precisa demonstrar que produz, além de respeitar as legislações trabalhista e ambiental. Isso em tese, porque na prática a história é outra.

Ariovaldo afirma que até hoje apenas uma única fazenda foi desapropriada no país por manter trabalhadores em condições análogas a de escravos. “Foi em Marabá (no Pará). Tive o prazer de orientar o mestrado sobre essa fazenda, que hoje é um assentamento do MST.”

O respeito ao meio ambiente também é letra morta entre latifundiários. “A alteração no Código Florestal é a clara demonstração de que os ruralistas não respeitam a legislação ambiental e querem mudar a lei para não serem punidos”, conclui o docente.

o que me traduz são minhas açoes não o que sou....

Minha maior angustia enquanto coordenador Adjunto e Pedagógico da 13CRE de Bage-RS, era saber até que ponto nossas lutas enquanto categoria e no momento enquanto governo poderiam se ajustar e se transformarem na mesma luta utópica que sempre defendemos.
No princípio estava dando certo, com propostas de revitalizar os gremios estundantis, os conselhos escolares, ouvir os diretores e todos aqueles que gerenciam as comunidades escolares(pais,alunos,professores e funcionários)...
Estava correndo bem, quando de repente, em agosto surge a famigerada implantação de um "novo" modelo para o ensino médio do estado, baseado em fatos reais, de evasão e repetencia, mas copiado de um modelo proposto pela UNESCO, de 2005, que preconizava um ensino médio politécnico, atendendo os interesses da Lei 9394/96, que todos sabemos, foi tirada da gaveta pelo governo da época(FHC) e que nenhum governo estadual tinha tido a ousadia de implentá-lo.
A implementação desse modelo exige que as escolas, como um todo, tanto na parte pedagógica quanto na infraestrura detenha condições de exercê-lo.
A intenção é fantástica, um modelo embora antigo, mas que nesse momento social de avanços tecnológicos seria importante sua implementação.
Baseado em teorias e práticas de autores consagrados a proposta, do ponto de vista teórico é muito interessante e realmente viria para atender as necessidades da sociedade.
Só que, parece que foi esquecido que temos hoje um magistério estremamente competente, mas que a anos luta para se defender, e tentar auferir ganhos em seus rendimentos tão vilipendiados ao longo dos últimos 30 anos.
A proposta, não sabemos se foi exigida pelo Banco Mundial, como diz o CPERS, ou se foi deliberada pela assessoria pedagógica da SEDUC, veio de forma abrupta, rápida, "construida" ligeiramente, sem um embasamento prático de como executá-la levando-se em conta as precariedades humanas e físicas das escolas.
Evidentemente que foi rejeitada pela grande maioria dos educadores, pais, alunos e funcionários das escolas.
Mas, a SEDUC, embora sem domínio da prática do projeto, determinou às CREs que fizessem o convencimento às escolas.
A SEDUC determinou um calendário de conferências, escolares,municipais,regionais e interregionais, com ápice numa conferência estadual, onde a maioria dos professores pudessem referendar a proposta que seria levada ao Conselho Estadual de Educação para ser implementada no ano de 2012.
Tudo "encima do laço"...
As CREs se esmeraram, fizeram cronogramas e foram a luta "sem saber muito bem o que defendiam", pois nem mesmo a SEDUC sabia...
O resultado já era esperado: ampla rejeição da proposta por razões anteriormente ditas.
Fizemos o que pudemos em defender a proposta, até sofremos uma "gozação" de professores de uma cidade que nos apelidou de "santo defensor das causas impossíveis", tamanha era a rejeição à proposta de reformulação do Ensino Médio.
E o pior de tudo é que não tinhamos respostas....
Somente diziamos que se não houver concurso público, melhorias na infra estrutura das escolas, o projeto não sairia do papel.
Mas como ter concurso público se o PISO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO não está sendo pago??
Qual edital será legal se quando for informado o salário do professor vier abaixo do PISO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO?
E se o edital vier com valores atuais, será fora da lei, qualquer um contestará...
Então o Concurso não sairá eese ano nem no ano que vem...
Sendo assim, a proposta de reformulação do Ensino Médio não será implementada ano que vem...
O que fizemos então????
Palhaçada???
Confesso que não entendo o que está sendo feito com nossa categoria...será ingenuidade da SEDUC, ou será que nos usaram(CRE) para bancar as ferramentas de" ensaio de convencimento" duma proposta que não aconteceria????
Na dúvida e sem atribuir culpa a nigúem resolvemos  renuncir nosso cargo de coordenador adjunto e nos voltarmos a base, aqueles que permanecem, aqueles que lutam e como eu sempre estiveram na vanguarda do sindicalismo, sem trocar essa caminhada por um cargo ou por privilégios advindos dele.
Alguns ja me disseram que botei fora "minha carreira" política para ficar do lado de um bando de agitadores ideológicos que não me trarão benefício algum.
"eu olhos-os com os olhos lassos, há nos meus olhos ironias e cansaços, eu cruzo os braços e não vou por ai", no dizer de José do Rego, aquilo por luto é muito mais importante que um simples cargo efêmero, passageiro; minha ambição hoje é me tornar um sujeito melhor, consciente, participativo e coletivo...sempre consciente que minha evolução humana e espiritual encontra-se no compartilhar com os outros tentando sempre deixar de me importar com meu "umbigo" que foi importante numa determinada época mas que deve ser esquecido e superado.

TODOS A LUTA CAMARADAS....na certeza de que isso nos orgulha e...é o certo a fazer!