sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A lista dos acusados de tortura


Dos papéis de Luiz Carlos Prestes consta um relatório do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil, de 1976. O documento traz uma lista de 233 torturadores feita por presos políticos em 1975


  • O acervo pessoal de Luiz Carlos Prestes, que será doado por sua viúva, Maria Prestes, ao Arquivo Nacional, traz entre  cartas trocadas com os filhos e a esposa, fotografias e documentos que mostram diferentes momentos da história política do Brasil. Entre eles, o “Relatório da IV Reunião Anual do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil”, datado de fevereiro de 1976.
     
    Neste período Prestes vivia exilado na União Soviética e, como o documento não revela quem são os membros deste Comitê, não se pode afirmar que o líder comunista tenha participado da elaboração do relatório. De qualquer forma, é curioso encontrá-lo entre seus papéis pessoais.
     
    O documento é dividido em seis capítulos, entre eles estão “Mais desaparecidos”, “Novamente a farsa dos suicídios”, “O braço clandestino da repressão” e “Identificação dos torturadores”, que traz uma lista de 233 militares e policiais acusados de cometer tortura durante a ditadura militar. Esta lista foi elaborada em 1975, por 35 presos políticos que cumpriam pena no Presídio da Justiça Militar Federal. Na ocasião, o documento foi enviado ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Caio Mário da Silva Pereira, mas só foi noticiado pela primeira vez em junho de 1978, no semanário alternativo “Em Tempo”. Segundo o periódico, “na época em que foi escrito, o documento não teve grandes repercussões, apenas alguns jornais resumiram a descrição dos métodos de tortura”. O Major de Infantaria do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra é o primeiro da lista de torturadores, segundo o relatório. A Revista de História tentou ouvi-lo, mas segundo sua esposa, Joseita Ustra, ele foi orientado pelo advogado a não dar entrevista. “Tudo que ele tinha pra dizer está no livro dele”, diz ela, referindo-se à publicação “A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça” (Editora Ser, 2010).
     
    A repercussão da lista em 1978
     
    A Revista de Históriaconversou com um jornalista que integrava a equipe do “Em Tempo”.  Segundo a fonte – que prefere não ser identificada – a redação tinha um documento datilografado por presos políticos. Era uma “xerox” muito ruim do texto, reproduzido em uma página A4. Buscando obter mais informações sobre o documento, os jornalistas chegaram ao livro “Presos políticos brasileiros: acerca da repressão fascista no Brasil” (Edições Maria Da Fonte, 1976, Portugal). Depois desta lista, o “Em Tempo” publicou mais duas relações de militares acusados de cometerem tortura.
     
    Na época, a tiragem do semanário era de 20 mil exemplares, rapidamente esgotada nas bancas, batendo o recorde do jornal. A publicação fechou o tempo para o jornal, que sofreu naquela semana dois atentados. A sucursal de Curitiba foi invadida e pichada. Na parede, os vândalos deixaram a marca em spray “Os 233”. O outro atentado aconteceu na sucursal de Belo Horizonte: colocaram ácido nas máquinas de escrever. Na capital mineira, a repercussão foi maior porque os militantes de esquerda saíram em protesto a favor do jornal. O próprio “Em Tempo” publicou esses dois casos, com fotos.
     
    Os autores da lista
     
    As assinaturas dos 35 que assumem a autoria também foram publicadas no “Em Tempo”. Hamilton Pereira da Silva é um deles.  O poeta – conhecido pelo pseudônimo Pedro Tierra e hoje Secretário de Cultura do Distrito Federal – fez questão de conversar com a Revista de História sobre o assunto, afirmando que a lista não foi fechada em conjunto. Os nomes e funções dos torturadores do documento teriam sido informados pelas vítimas da violência militar em momentos distintos de suas vidas durante o cárcere.
     
    “Essas informações saíam dos presídios por meio de advogados ou familiares. A esquerda brasileira, neste período, não era unida, era formada por vários grupos isolados, que não tinham muito contato entre si por causa da repressão”, conta Tierra. “Quando a lista foi publicada no ‘Em Tempo’, eu já estava em liberdade. Sei que colaborei com dois nomes: o major, hoje reformado, Carlos Alberto Brilhante Ustra, e o capitão Sérgio dos Santos Lima – que torturava os presos enquanto ouvia música clássica”.
     
    Hamilton lembra ainda que, após a publicação da lista no periódico, a direita reagiu violentamente realizando ataques a bomba em bancas de jornal e até uma bomba na OAB, além de ameaças à sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
     
    Em 1985, já em tempos de abertura política, a equipe do projeto Brasil: Nunca mais divulgou uma lista de 444 nomes ou codinomes de acusados por presos políticos de serem torturadores. Organizado pela Arquidiocese de São Paulo, o trabalho se baseou em uma pesquisa feita em mais de 600 processos dos arquivos do Superior Tribunal Militar de 1964 a 1979. Os documentos estão digitalizados e disponíveis no site do Grupo Tortura Nunca Mais.
     
    Entre os autores da lista de acusados de tortura feita em 1975, além de Hamilton Pereira da Silva, estão outros ex-presos políticos que também assumem cargos públicos, como José Genoino Neto, ex-presidente do PT e assessor do Ministério da Defesa, e Paulo Vanucchi, ex-ministro dos Direitos Humanos e criador da comissão da verdade. Os outros autores da lista são: Alberto Henrique Becker, Altino Souza Dantas Júnior, André Ota, Antonio André Camargo Guerra, Antonio Neto Barbosa, Antonio Pinheiro Salles, Artur Machado Scavone, Ariston Oliveira Lucena, Aton Fon Filho, Carlos Victor Alves Delamonica, Celso Antunes Horta, César Augusto Teles, Diógenes Sobrosa, Elio Cabral de Souza, Fabio Oascar Marenco dos Santos, Francisco Carlos de Andrade, Francisco Gomes da Silva, Gilberto Berloque, Gilney Amorim Viana,Gregório Mendonça, Jair Borin, Jesus Paredes Soto, José Carlos Giannini, Luiz Vergatti, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, Manoel Porfírio de Souza, Nei Jansen Ferreira Jr., Osvaldo Rocha, Ozeas Duarte de Oliveira, Paulo Radke, Pedro Rocha Filho, Reinaldo Moreno Filho e Roberto Ribeiro Martins.
     
    A seguir, a reprodução de parte do “Relatório do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil”, com as páginas que trazem os 233 nomes dos acusados de praticarem tortura direta ou indiretamente.
     
     

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A metade pobre dos EUA

Por Fred Goldstein, no sítio português Resistir: via Blog do Miro

O número de pessoas nos EUA que são oficialmente pobres ou "quase pobres" tornou-se uma questão controversa. O Gabinete do Recenseamento mudou o método de medir a pobreza oficial. Agora, diferenças regionais são consideradas ao calcular os custos de manutenção de uma família, assim como acrescenta qualquer assistência governamental – como selos alimentares – ao rendimento de uma família enquanto subtrai despesas médicas, de transporte, de cuidados a filhos e outras.



O New York Times solicitou ao Gabinete do Recenseamento números com base nestes novos métodos de calcular a pobreza oficial. A nova percentagem foi chocante. O Times publicou suas descobertas em novembro. Ali era declarado que 100 milhões viviam na pobreza, ou uma em cada três pessoas nos EUA.

Mas um mês depois, em dezembro, a Associated Press publicou suas descobertas baseadas nos novos cálculos. Ela descobriu que 150 milhões – o que significa cerca de uma de cada duas pessoas – era pobre ou "quase pobre". Quase pobre significa lutar para pagar contas.

Isto foi ainda mais chocante.

Ambos os números foram baseados nos mesmos dados do Gabinete do Recenseamento. A diferença é que o primeiro contava todas as pessoas vivendo a 150 por cento do nível de pobreza ou abaixo. O nível de pobreza oficial para uma família de quatro com dois filhos, sob as novas medidas adoptadas pelo Gabinete, foi ajustado para um rendimento anual de US$24.343.

O segundo estudo, utilizando a mesma base de dados, incluía pessoas vivendo a 200 por cento do nível de pobreza ou abaixo. Revelava que uma família de quatro pessoas, incluindo dois filhos, com um rendimento anual de US$48.686 ainda lutava para sobreviver e vivia precariamente próxima do afundamento. Qualquer pessoa a tentar manter uma família de quatro com este rendimento certamente concordará com a definição mais vasta.

O Gabinete do Recenseamento apressou-se a "clarificar" a situação, declarando que considerar que metade das pessoas nos EUA era pobres ou "quase pobres" era errado. De qualquer modo, disseram eles, o governo não tem definição de "baixo rendimento" ou "quase pobre", de modo que toda a discussão está errada. Esta discussão, então, desapareceu rapidamente dos media corporativos.

"Não é preciso um meteorologista"

Não importa que números sejam adotados, o facto é que os salários reais têm estado a cair durante 30 anos quando capitalistas introduzem nova tecnologia, aceleram ritmos de trabalho e forçam milhões de trabalhadores a horas em tempo parcial. Desde que a crise económica começou, em Agosto de 2007, os salários têm caído ainda mais drasticamente. Pelo menos 30 milhões estão desempregados ou sub-empregados. Milhões foram despejados das suas casas. E a assistência do governo está a ser cortada até o osso aos níveis federal, estaduais e locais.

Por outras palavras, o debate sobre quanta pobreza existe de acordo com as estatísticas do governo é apenas um debate sobre definições do governo e categorias do Gabinete de Recenseamento. A pobreza e o sofrimento são reais e crescentes, sem considerar tal debate. Em mesmo pelas estatísticas oficiais, a pobreza nos EUA ascendeu em 2,9 milhões de 2009 para 2010.

Como se costuma dizer, você não precisa de um meteorologista para saber que o vento está a assoprar. A pobreza está construída dentro do capitalismo. Durante uma crise económica com esta duração e severidade, a pobreza crescente mais profundamente e mais amplamente.

Karl Marx sobre os 1% e os 99%

É importante reiterar que o crescimento da pobreza é inerente ao capitalismo. De facto, Karl Marx, ao escrever em 1848 o "Manifesto Comunista", antecipou a descrição dos 1% versus os 99%. Argumentando contra os capitalistas, que se queixavam do programa comunista de abolir a propriedade privada dos meios de produção, Marx escreveu:

"Horrorizais-vos por querermos suprimir a propriedade privada. Mas na vossa sociedade existente, a propriedade privada está suprimida para nove décimos dos seus membros; ela existe precisamente pelo facto de não existir para nove décimos. Censurais-nos, portanto, por querermos suprimir uma propriedade que pressupõe como condição necessária que a imensa maioria da sociedade não possua propriedade. Numa palavra, censurais-nos por querermos suprimir a vossa propriedade. Certamente, é isso mesmo que queremos".

Marx escrevia acerca de um décimo da população versus os nove décimos durante as primeiras fase do capitalismo, antes de a vasta concentração de riqueza, que ele previu, ter alcançado as proporções do século XXI. De facto, hoje apenas uma minúscula fracção dos 1%, os bilionários, controla realmente a riqueza.

Marx escreveu há 160 anos, antes da era do capital financeiro com seus hedge funds de riqueza nunca sonhada. Mas embora ele tenha escrito dos 10 por cento e dos 90 por cento, ele observou e analisou como a tendência do capitalismo é para concentrar riqueza em cada vez menos mãos, deixando as massas sem propriedade e a viverem na pobreza.

Depois de mais 20 anos de novos estudos do capitalismo, em 1867, Marx escreveu no "Capital", Volume 1, Capítulo 25, secção 4, acerca da "Lei Geral da Acumulação Capitalista". Ele descreveu o papel da tecnologia na criação de pobreza e num número sempre crescente de trabalhadores desempregados, aos quais chamou "o exército de reserva dos desempregados":

"A lei que mantém o equilíbrio entre o progresso da acumulação e o da superpopulação relativa aprisiona o trabalhador ao capital mais solidamente do que os grilhões de Vulcano aprisionavam Prometeu ao seu rochedo. É esta lei que estabelece uma correlação fatal entre a acumulação do capital e a acumulação da miséria, de tal modo que a acumulação da riqueza num pólo é igual à acumulação da pobreza, do sofrimento, da ignorância, do embrutecimento da degradação moral, da escravatura no pólo oposto, no da classe que produz o próprio capital".

Mas Marx não descreveu apenas a pobreza e a desigualdade de riqueza. Ele analisou suas origens no relacionamento do trabalho com o capital. Mostrou que o sistema do lucro, o sistema da propriedade privada, está construído sobre trabalhadores a venderem sua força de trabalho ao patronato, o qual utiliza-a para aumentar o seu capital, seus lucros e sua riqueza pessoal.

Isto é tão verdadeiro hoje como era em 1848 e 1867. As mesmas leis descritas por Marx produziram a crise económica mundial que estamos agora a viver. As leis do capitalismo, especialmente o permanente e inerente impulso competitivo para o lucro, também conduzem a tecnologia, as acelerações de ritmo, os baixos salários, a super-produção e finalmente a destruição de empregos e de rendimento para as massas do povo.

A polarização da sociedade entre os 1% e os 99% é sistêmica. E é o sistema que no longo prazo deve ser destruído.

Enquanto isso, o movimento Occupy Wall Street impeliu a sociedade a um grande passo em frente ao revelar os ricos e agir contra eles. Ao assim fazer ele despertou amplas secções da sociedade para a percepção de que a sua pobreza, os seus empregos sem perspectivas, suas lutas para sobreviver, não são falha sua mas sim a falha do sistema.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A esquerda que não desejamos mais


O jogo está perdido? Poderiam os eleitores e militantes de esquerda mais interessados no conteúdo do que nos rótulos ter esperanças, inclusive nos países ocidentais, de combater a direita junto com camaradas conquistados pelo liberalismo, mas ainda eleitoralmente hegemônicos?
por Serge Halimi no LeMondebrasil


Os norte-americanos que se manifestam contra Wall Street protestam também contra seus contatos dentro do Partido Democrata e da Casa Branca. Certamente eles não sabem que os socialistas franceses continuam invocando Barack Obama como exemplo. Segundo estes, o presidente norte-americano teria sabido, ao contrário de Nicolas Sarkozy, agir contra os bancos. Seria mesmo um equívoco? Quem não quer (ou não pode) atacar os pilares da ordem liberal (financeirização, globalização dos fluxos de capitais e mercadorias) é tentado a personalizar a catástrofe, a imputar a crise do capitalismo aos erros de concepção ou gestão de seu adversário interno. Na França, o culpado seria Sarkozy; na Itália, Berlusconi; na Alemanha, Merkel. Muito bem, mas e no resto do mundo?
Em todo o mundo, e não apenas nos Estados Unidos, líderes políticos há muito apresentados como referência pela esquerda moderada também enfrentam cortejos de indignados. Na Grécia, George Papandreou, presidente da Internacional Socialista, está colocando em prática uma política de austeridade draconiana que combina privatizações maciças, supressão de emprego no serviço público e entrega da soberania econômica e social de seu país a uma “troika” liberal.1Os governos da Espanha, de Portugal e da Eslovênia também ajudam a lembrar que o termo “esquerda” está tão gasto que não remete mais a nenhum conteúdo político específico.
Um dos melhores críticos do impasse da social-democracia europeia é Benoît Hamon, atual porta-voz do Partido Socialista (PS) francês. Em seu último livro, Tourner la page [Virar a página], ele destaca: “Dentro da União Europeia, o Partido Socialista Europeu (PSE) está historicamente vinculado, devido ao compromisso que o liga à democracia cristã, à estratégia de liberalização do mercado interno e suas consequências em termos de direitos sociais e serviços públicos. São socialistas os governos que negociaram os planos de austeridade desejados pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional. Na Espanha, em Portugal e na Grécia, os protestos contra os planos de austeridade dirigem-se evidentemente ao FMI e à Comissão Europeia, mas também aos governos socialistas nacionais. [...]Parte da esquerda europeia não contesta mais a concepção de que seria necessário, a exemplo da direita europeia, sacrificar o Estado de bem-estar social para restaurar o equilíbrio orçamentário e bajular os mercados. [...]Em diversos lugares do globo, nós teríamos sido um obstáculo para o avanço do progresso. Eu não aceito isso”.2
Outros, em compensação, consideram a transformação irreversível, pois ela teria raízes no aburguesamento dos socialistas europeus. Ainda que bastante moderado, o Partido dos Trabalhadores (PT) brasileiro acredita que a esquerda latino-americana deve pegar o bastão da esquerda do Velho Mundo, capitalista demais, norte-americanizada demais, portanto cada vez menos legítima na afirmação da defesa dos interesses populares. Em setembro, um documento preparatório para o congresso do PT indicava: “Hoje existe um deslocamento geográfico da direção ideológica da esquerda no mundo. Nesse contexto, a América do Sul se destaca. [...] A esquerda dos países europeus, que tanto influenciou a esquerda do mundo inteiro desde o século XIX, não conseguiu fornecer respostas adequadas à crise e parece entregar-se à dominação neoliberal”.3 O declínio da Europa talvez seja o crepúsculo da influência ideológica do continente que viu nascer o sindicalismo, o socialismo e o comunismo – e que parece, mais que outros, resignar-se com sua supressão.
 
Presos na lógica eleitoral

O jogo está perdido? Poderiam os eleitores e militantes de esquerda mais interessados no conteúdo do que nos rótulos ter esperanças, inclusive nos países ocidentais, de combater a direita junto com camaradas conquistados pelo liberalismo, mas ainda eleitoralmente hegemônicos? A dança realmente virou ritual: a esquerda reformista distingue-se dos conservadores pelo tempo de uma campanha, por uma ilusão de óptica. Depois, quando chega o momento, ela se põe a governar do mesmo modo que seus adversários, evita perturbar a ordem econômica, protege a prataria do castelo.
A transformação social cuja necessidade – e até urgência – é proclamada pela maioria dos candidatos de esquerda no exercício das responsabilidades governamentais requer que estes a vejam como algo além de retórica eleitoral. Mas também demanda que eles cheguem ao poder. E é nesse ponto que a esquerda moderada pretende dar lições aos “radicais” e outros “indignados”. Ela não está esperando pela “grande noite” (ver debate entre Samuel Gompers e Morris Hillquit na pág. 26), muito menos sonha em refugiar-se numa contrassociedade isolada das impurezas do mundo e povoada por seres excepcionais. Nas palavras de François Hollande, ela não quer “impedir, em vez de fazer. Frear, em vez de agir. Resistir, em vez de conquistar”. E acredita que “não derrotar a direita é conservá-la, portanto, optar por ela”.4Já a esquerda radical preferiria, segundo ele, “aproveitar a primeira fúria que passar” a fazer “a opção pelo realismo”.5
A esquerda de governo – e este é seu trunfo – dispõe “aqui e agora” de forças eleitorais e quadros impacientes, que lhe permitiriam garantir prontamente a sucessão. Mas “derrotar a direita” não tem status de programa ou perspectiva. Uma vez vencida a eleição, as estruturas já arraigadas – nacionais, europeias, internacionais – podem barrar a vontade de mudança expressa na campanha. Nos Estados Unidos, Obama pôde alegar que os lobbies da indústria e a obstrução parlamentar dos republicanos minaram um voluntarismo e um otimismo (“Yes, we can”) aprovados por ampla maioria popular.
Em outros países, governantes de esquerda dão como desculpa, para justificar sua prudência ou covardia, certas “limitações” ou “heranças” (falta de competitividade internacional do setor produtivo, nível de endividamento etc.) que teriam diminuído sua margem de manobra. Em 1992, Lionel Jospin já fazia essa análise: “Nossa vida pública é dominada por uma estranha dicotomia. Por um lado, o poder [socialista]é acusado pelo desemprego, pela precariedade dos bairros periféricos, pelas frustrações sociais, pelo extremismo de direita, pela desesperança da esquerda. Por outro, é instado a lançar mão de uma política financeira que torna muito difícil tratar dos problemas denunciados”.6Vinte anos depois, a formulação dessa contradição continua novinha em folha.
Os socialistas se lembram disso a cada vez que explanam seus argumentos em favor do “voto útil”: uma derrota eleitoral da esquerda engendra a aplicação, pela direita, de um arsenal de “reformas” liberais – privatizações, redução dos direitos sindicais, amputação das receitas públicas – que destroem as possíveis ferramentas de qualquer outra política. Essa derrota também pode ter virtudes pedagógicas. Hamon, por exemplo, admite que na Alemanha “o resultado das eleições legislativas [de setembro 2009], que rendeu ao SPD [Partido Social-Democrata] sua pior pontuação [23% dos votos]em um século, convenceu a direção do partido das necessárias mudanças de orientação”.7
Uma “recuperação doutrinal” de amplitude bastante modesta deu-se também na França, após a derrota legislativa dos socialistas em 1993; no Reino Unido, após a vitória do Partido Conservador em 2010. E sem dúvida constataremos em breve um cenário idêntico na Espanha e na Grécia, já que parece improvável que os atuais governantes socialistas desses países atribuam sua próxima derrota a uma política exageradamente revolucionária... Em defesa de Papandreou, a deputada socialista grega Elena Panaritis chegou a utilizar uma referência inesperada: “Margaret Thatcher precisou de onze anos para levar a cabo suas reformas, em um país que tinha problemas estruturais muito menores. Nosso programa foi criado há apenas catorze meses!”.8Em suma, “Papandreou, melhor que Thatcher!”.
 
Rupturas necessárias

Para sair dessa armadilha, é preciso enumerar as condições necessárias para enquadrar a globalização financeira. Mas imediatamente surge um problema: dada a abundância e a sofisticação dos dispositivos que há trinta anos submetem o desenvolvimento econômico dos Estados à especulação capitalista, mesmo uma política relativamente benevolente de reformas (menor injustiça fiscal, progressão moderada do poder de compra dos salários, manutenção do orçamento da educação etc.) exige agora um número significativo de rupturas. Ruptura com a atual ordem europeia e com as políticas passadas dos socialistas.
Por falta, por exemplo, de um questionamento da “independência” do Banco Central Europeu (com a garantia, pelos tratados europeus, de que sua política monetária escaparia a qualquer controle democrático); por falta de uma flexibilização do Pacto de Estabilidade e Crescimento (que em tempos de crise sufoca qualquer estratégia de luta contra o desemprego); por falta de denunciar a aliança entre liberais e social-democratas no Parlamento Europeu (levando estes últimos a apoiar a candidatura de Mario Dragui, ex-banqueiro da Goldman Sachs, para a direção do BCE); sem falar do livre-comércio (doutrina da Comissão Europeia), da auditoria da dívida pública (de modo a não reembolsar os especuladores que apostaram contra os países mais fracos da zona do euro) –9por falta de tudo isso, o jogo já começaria errado.
E até perdido. Nada leva a crer que Hollande, na França, Sigmar Gabriel, na Alemanha, ou Edward Miliband, no Reino Unido, teriam êxito no que Obama, José Luis Zapatero e Papandreou falharam. Imaginar que “uma aliança que faça da união política da Europa o coração de seu projeto” seja capaz, como espera Massimo d’Alema, na Itália, de “garantir o renascimento do progressismo”10 é (na melhor das hipóteses) sonhar acordado. No estado atual das forças políticas e sociais, uma Europa federal só poderia apertar ainda mais os dispositivos liberais já sufocantes e privar ainda mais o povo de sua soberania, confiando o poder a instâncias tecnocráticas opacas. A moeda e o comércio já não são áreas “federalizadas”?
Entretanto, na medida em que os partidos de esquerda moderados continuam a representar a maioria do eleitorado progressista – seja por adesão a seu projeto ou pelo sentimento de que eles constituem a única perspectiva de alternância próxima –, as formações políticas mais radicais (ou os ambientalistas) encontram-se condenadas ao papel de figurantes, forças de apoio, papagaios de pirata. Mesmo com 15% dos votos, 44 deputados, quatro ministros e uma organização com dezenas de milhares de militantes, entre 1981 e 1984 o Partido Comunista Francês (PCF) nunca pesou na definição das políticas econômicas e financeiras de François Mitterrand. O naufrágio do Partido da Refundação Comunista (PRC), na Itália, prisioneiro da aliança com os partidos de centro-esquerda, não é um exemplo mais animador. Na época, a questão era impedir a qualquer custo que Silvio Berlusconi retornasse ao poder – o que ele acabaria fazendo, embora mais tarde.
A Frente de Esquerda (da qual o PCF faz parte) tem a esperança de contrariar esses presságios. Pressionando o PS, ela espera que ele escape de “seus atavismos”. A priori, a aposta parecia um feitiço. No entanto, se ele integra outros dados além da relação de forças eleitoral e das limitações institucionais, ele pode prevalecer-se de precedentes históricos. Assim, nenhuma das grandes conquistas sociais da Frente Popular (férias pagas, semana de 40 horas etc.) constava do programa (muito moderado) da coligação vitoriosa em abril-maio de 1936 – foi o movimento grevista de junho que as impôs ao patronato francês e à direita.
A história desse período não se resume, no entanto, à pressão irresistível de um movimento social sobre partidos de esquerda tímidos ou assustados. Foi a vitória eleitoral da Frente Popular que liberou um movimento de revolta social, dando aos trabalhadores o sentimento de que eles não enfrentariam, como antes, o muro da repressão policial e patronal. Entusiasmados, eles também sabiam que nada seria dado pelos partidos nos quais acabavam de votar sem que eles forçassem um pouco a barra. Daí a dialética vitoriosa – mas muito rara – entre eleição e mobilização, urnas e fábricas. No atual estado de coisas, um governo de esquerda que não enfrentasse uma pressão desse tipo imediatamente se veria a portas fechadas com uma tecnocracia que perdeu o hábito de fazer qualquer outra coisa além de liberalismo. Sua única obsessão seria seduzir agências de classificação de risco, as quais – não é nenhum segredo – “rebaixam” qualquer país que empreenda uma verdadeira política de esquerda.
Então, ousadia ou estagnação? Os riscos da ousadia – isolamento, inflação, rebaixamento – são martelados em nossos ouvidos o dia inteiro. Sim, mas e os da estagnação? Analisando a situação da Europa dos anos 1930, o historiador Karl Polanyi recorda que “o impasse em que se encontrava o capitalismo liberal” tinha então desembocado, em vários países, em “uma reforma da economia de mercado realizada à custa da extirpação de todas as instituições democráticas”.11 Um socialista moderado como Michel Rocard alarma-se: o endurecimento das condições impostas aos gregos poderia provocar a suspensão da democracia no país. Assim, ele escreveu no mês passado: “No estado de cólera em que esse povo estará, pode-se duvidar que algum governo grego possa sustentar-se sem o apoio do Exército. Essa triste reflexão provavelmente vale para Portugal e/ou Irlanda e/ou outros, maiores. Até onde isso vai chegar?”.12
Embora atravessada por toda uma parafernália institucional e midiática, a república do centro balança. Há uma disputa entre o endurecimento do autoritarismo liberal e uma ruptura com o capitalismo. Esta ainda parece distante. Mas quando o povo deixa de acreditar em um jogo político de dados viciados, quando observa que os governos foram despojados de sua soberania, quando persiste em exigir a submissão dos bancos, quando se mobiliza sem saber aonde levará sua cólera, isso significa que a esquerda ainda está viva.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).

Ilustração: Daniel Kondo


1 Composto pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
2 Benoît Hamon, Tourner la page, Flammarion, Paris, 2011, p.14-9.
3 AFP, 4 de setembro de 2011.
4 François Hollande, Devoirs de vérité [Deveres de verdade], Stock, Paris, 2006, p.91 e 206.
5 Ibidem, p.43 e 51.
6 Lionel Jospin, “Reconstruire la gauche” [Reconstruir a esquerda], Le Monde, 11 de abril de 1992.
7 Benoît Hamon, op. cit., p.180.
8 Citado por Alain Salles, “L’odyssée de Papandréou” [A odisseia de Papandreou], Le Monde, 16 de setembro de 2011.
9 “Não é possível que a esquerda apresente-se aos franceses nas eleições e peça que eles paguem essa conta”, avalia, por exemplo, Hamon.
10 Massimo d’Alema, “Le succès de la gauche au Danemark annonce un renouveau européen” [O sucesso da esquerda na Dinamarca anuncia uma renovação europeia], Le Monde, 21 de setembro de 2011.
11 Karl Polanyi, La grande transformation [A grande transformação], p.305-7.
12 Michel Rocard, “Un système bancaire à repenser” [Um sistema bancário a ser repensado], Le Monde, 4 de outubro de 2011.

Heavy Metal do Senhor



Heavy Metal do Senhor
Zeca Baleiro

O cara mais underground
Que eu conheço é o diabo
Que no inferno toca cover
Das canções celestiais
Com sua banda formada
Só por anjos decaídos
A platéia pega fogo
Quando rolam os festivais...

Enquanto isso Deus brinca
De gangorra no playground
Do céu com santos
Que já foram homens de pecado
De repente os santos falam
"Toca Deus um som maneiro"
E Deus fala
"Agüenta vou rolar
Um som pesado"

A banda cover do diabo
Acho que já tá por fora
O mercado tá de olho
É no som que Deus criou
Com trombetas distorcidas
E harpas envenenadas
Mundo inteiro vai pirar
Com o heavy metal do Senhor...

O cara mais underground
Que eu conheço é o diabo
Que no inferno toca cover
Das canções celestiais
Com sua banda formada
Só por anjos decaídos
A platéia pega fogo
Quando rolam os festivais...

Enquanto isso Deus brinca
De gangorra no playground
Do céu com santos
Que já foram homens de pecado
De repente os santos falam
"Toca Deus um som maneiro"
E Deus fala
"Agüenta vou rolar
Um som pesado"


A banda cover do diabo
Acho que já tá por fora
O mercado tá de olho
É no som que Deus criou
Com trombetas distorcidas
E harpas envenenadas


Mundo inteiro vai pirar
Com o heavy metal do Senhor
Mundo inteiro vai pirar
Com o heavy metal do Senhor
Mundo inteiro vai pirar
Com o heavy metal do Senhor
Heavy metal do Senhor
Do Senhor! Do Senhor!

Homenagem aos Umbandistas...

Aparecida : Os Deuses Afros


Créditos: discosbrasil2
 
01- Os Deuses Afros
02- Aruê
03- Diongo, Mundiongo
04- Tereza Aragão
05- Talundê
06- Se Segura Zé
07- A Maria Começa a Beber
08- Terreiro da Mãe Nazinha
09- Nanã Boroquê
10- Melodia Não Deixa Parada de Lucas
11- Inferno Verde
12- Grongoiô, Popoiô
13- Lágrimas de Oxum

Lançamento: 1978, Selo: CID.


Desigualdade: Só 5 cidades detêm 1/4 da renda do Brasil

271211_paulistaLimiar & Transformação - O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a pesquisa Produto Interno Bruto dos Municípios 2005-2009 em que apurou que a renda gerada por apenas cinco municípios brasileiros corresponderam a 25% da renda gerada no país em 2009.

Essas cinco cidades são liderados por São Paulo, com 12% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, seguido por Rio de Janeiro (5,4%), Brasília (4,1%), Curitiba e Belo Horizonte (ambos com 1,4%).
Os cinco municípios com maior renda mantiveram a posição em relação a 2008, e embora detenham 1/4 da geração de renda do país, apenas possuem 12% da população brasileira. Somente a renda de São Paulo equivale a quase o PIB gerado por todo o Nordeste em 2009 (13,5%). Por sua vez, de acordo com a pesquisa, em 2009, 1.302 municípios, que concentravam 3,3% da população, geraram apenas 1% do PIB nacional, com maior predominância nas regiões Nordeste e Norte. Isto mostra que, apesar de vários avanços, o Brasil segue com um padrão de desenvolvimento desigual e concentrador de riqueza. Obviamente, que sem políticas regionais, ou mesmo um outro padrão de desenvolvimento, apesar da "papagaida" neoliberal em contrário, a riqueza continuará concentrada no Sudeste, e algumas de suas cidades.

Cinco municípios brasileiros geraram 25% da renda do país em 2009

Rio de Janeiro - A renda gerada por apenas cinco municípios brasileiros correspondeu a 25% da renda gerada no país em 2009. Eles são liderados por São Paulo, com 12% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, seguido pelo Rio de Janeiro (5,4%), por Brasília (4,1%), Curitiba e Belo Horizonte, ambos com 1,4% cada. Esses cinco municípios com maior renda mantiveram a posição em relação a 2008.
Somente a renda de São Paulo equivale a quase o PIB gerado por toda a Região Nordeste em 2009 (13,5%), revela a pesquisa Produto Interno Bruto dos Municípios 2005-2009, divulgada hoje (14) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Excluindo as capitais, 12 cidades brasileiras destacaram-se em 2009 porque geraram, individualmente, mais do que 0,5% do PIB do país. Entre elas estão Guarulhos, Campinas e Osasco, em São Paulo, todas com geração de renda equivalente a 1% do PIB geral.
"Guarulhos tem uma indústria diversificada, que gera muita renda", disse à Agência Brasil a gerente da pesquisa, a estatística Sheila Zani. O município tem ainda uma parte de serviços significativa, um forte comércio atacadista e varejista, o que ocorre também em relação à área de transportes. "É uma integração muito grande entre indústria e serviços", destacou.
Seguem-se São Bernardo do Campo (0,9%) e Barueri (0,8%), também em São Paulo, Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro, com 0,8%, e Betim, em Minas Gerais, com o mesmo percentual.
Isso mostra a grande concentração existente na geração de renda no país, acentuou Sheila Zani. "Poucos municípios geram muita coisa". De acordo com a pesquisa do IBGE, em 2009, 1.302 municípios, que concentravam 3,3% da população, geraram apenas 1% do PIB nacional, com maior predominância nas regiões Nordeste e Norte.
Sheila revelou que 13% desses municípios estão no Piauí, que tem um total de 224 municípios. Isso quer dizer que 75% dos municípios do estado estão nessa faixa de renda. O mesmo ocorreu com 59% dos municípios da Paraíba e com 51% dos municípios do Rio Grande do Norte, citou a gerente.
Entre os municípios com maior participação no PIB geral, observa-se ganho na participação relativa, em comparação a 2008, em São Paulo (de 11,8% para 12%), no Rio de Janeiro (de 5,2% para 5,4%), em Brasília (de 3,9% para 4,1%) e Duque de Caxias (de 0,6% para 0,8%).
A atividade de serviços, que gerava mais de 79% do valor adicionado bruto municipal em 2009, respondeu pelo ganho de participação da capital paulista entre 2008 e 2009, mostra a pesquisa. Já o aumento de participação da capital fluminense é explicado pelo bom desempenho da indústria de transformação. Em Duque de Caxias, o ganho de participação se deve à queda do preço do barril de petróleo, que resultou na diminuição dos custos de produção de refino de petróleo e coque.
Em contrapartida, registraram queda na participação relativa os municípios de Vitória (ES), que caiu de 0,8%, em 2008, para 0,6%, em 2009, e Campos dos Goytacazes (RJ), que passou de 1% para 0,6%. Segundo o estudo do IBGE, a crise internacional de 2009 causou impacto direto sobre a economia desses dois municípios, em função, respectivamente, dos baixos preços do minério de ferro e da queda no preço do barril de petróleo.
Considerando os municípios por tamanho da população, constata-se que os com mais de 500 mil habitantes geraram 43% de toda a renda naquele ano. "Mas são poucos. São apenas 40". A faixa que mais ganhou participação relativa em 2009 foi a dos municípios na faixa de 100 mil a 500 mil habitantes. Em geral, não são capitais. Itajaí (SC) e Anápolis (GO) são alguns exemplos, citou Sheila Zani.
Edição: Graça Adjuto

Só 5 cidades detêm 1/4 da renda do país

A renda gerada por apenas cinco municípios brasileiros correspondeu a 25% da riqueza produzida em todo o país em 2009. Eles são liderados por São Paulo, com 12% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, seguido por Rio de Janeiro (5,4%), Brasília (4,1%), Curitiba e Belo Horizonte (ambos com 1,4%). Os cinco municípios com maior renda mantiveram a posição em relação a 2008.
Somente a renda de São Paulo equivale a quase o PIB gerado por todo o Nordeste em 2009 (13,5%), de acordo com a pesquisa Produto Interno Bruto dos Municípios 2005-2009, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Excluindo as capitais, 12 cidades brasileiras destacaram-se em 2009 por gerarem, individualmente, mais de 0,5% do PIB do país. Entre elas, estão Guarulhos, Campinas e Osasco (as três de São Paulo), todas com geração de renda equivalente a 1% do PIB geral.
"Guarulhos tem uma indústria diversificada, que gera muita renda", disse à Agência Brasil a gerente da pesquisa, a estatística Sheila Zani.
O município tem ainda uma parte de serviços significativa, um forte comércio atacadista e varejista, o que ocorre também em relação à área de transportes. "É uma integração muito grande entre indústria e serviços", acrescentou a pesquisadora.
Seguem-se São Bernardo do Campo (0,9%) e Barueri (0,8%) - ambas também de São Paulo - Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro (0,8%), e Betim, em Minas Gerais, com o mesmo percentual.
Isso mostra a grande concentração da geração de renda no país, acentuou Sheila. "Poucos municípios geram muita coisa."
De acordo com a pesquisa, em 2009, 1.302 municípios, que concentravam 3,3% da população, geraram apenas 1% do PIB nacional, com maior predominância nas regiões Nordeste e Norte. Segundo Sheila, 13% desses municípios são do Piauí, representando 75% das 224 cidades do estado.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

“Governo federal avançou pouco na garantia de direitos”, critica Jean Wyllys



"É preciso que o Estado garanta a proteção à família monoparental e à família homoparental" | Foto: Reinaldo Ferrigno/Ag.Câmara

Samir Oliveira no SUL21

O deputado federal Jean Wyllys de Matos Santos (PSOL-RJ) é um dos rostos novos — e bastante atuantes — da 54ª legislatura do Congresso Nacional. Ele trouxe de forma inédita o enfrentamento aberto e sem preconceitos de temas que costumam estacionar no conservadorismo de muitos parlamentares, como a garantia de direitos a homossexuais. Avanços que talvez pareçam simples e dos quais os heterossexuais sempre desfrutaram, como o direito ao casamento civil, mas para os quais os homossexuais ainda não encontram amparo na letra fria da lei.
Nesta entrevista, concedida por telefone ao Sul21, Jean faz uma avaliação das conquistas e dos retrocessos vividos em 2011. O parlamentar não poupa críticas ao governo da presidente Dilma Rousseff, que no início do ano resolveu suspender o programa Escola Sem Homofobia. “A presidente tratou uma política de promoção dos direitos humanos como uma propaganda de opção sexual. Como se orientação sexual fosse uma questão de opção”, dispara.
O deputado considera que o governo federal avançou muito pouco na garantia de direitos humanos – não só a homossexuais, mas também aos negros, aos sem-terra e aos quilombolas, entre outros. Jean acredita que é preciso haver uma compreensão maior sobre o conceito de miséria, cuja erradicação é o principal eixo defendido por Dilma. “É preciso que a presidenta entenda que a miséria não é só econômica. Há miséria no país quando homossexuais são assassinados pelo simples fato de serem homossexuais. Há miséria no país quando posseiros e grileiros matam lideranças no sul da Bahia”, explica.
“Há inércia do governo federal no que diz respeito a garantir direitos humanos, em especial dos homossexuais”
Sul21 – Como o senhor avalia as ações desenvolvidas durante o primeiro ano do seu mandato?
 
Jean Wyllys – Foi um ano de conquistas. Posso até não ter tido proposições legislativas aprovadas, mas houve o enfrentamento para a garantia de políticas públicas. Tivemos a reestruturação da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT. Graças a ela pudemos fazer enfrentamentos públicos importantes. Enfrentamos, por exemplo, a bancada evangélica, que tentou impedir a Receita Federal de incluir parceiros homossexuais no Imposto de Renda para fins de dedução. Graças a nossa atuação isso foi garantido. Fizemos um enfrentamento importante em relação aos atos que resultaram na suspensão do projeto Escola Sem Homofobia. Desconstruímos a mentira que foi disseminada e fizemos oposição ao governo federal, que cedeu fácil às pressões e às chantagens dos conservadores. Realizamos o 8º Seminário LGBT com o tema do casamento civil igualitário. Realizamos também o seminário internacional Famílias pela Igualdade, que discutiu os novos modelos de família que precisam ter a proteção do Estado. É preciso que o Estado garanta a proteção à família monoparental e à família homoparental. É fundamental que o conceito de família seja dilatado e esse seminário foi importante, porque trouxemos representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da Argentina para falarem sobre como foi positivo para o país a aprovação do casamento civil igualitário. Também fizemos um debate muito bom em torno da criminalização da homofobia. Não conseguimos aprovar o projeto de lei no Senado, mas fizemos um debate relevante e enfrentamos as forças conservadoras que queriam enterrar de vez esse projeto. Então a Frente Parlamentar Mista LGBT teve um papel muito relevante, inclusive quando a senadora Marta Suplicy (PT) resolveu ceder aos conservadores e apresentar um substitutivo que não era o esperado pela comunidade LGBT.
"O governo não falhou só com a comunidade LGBT. Falhou também com a comunidade negra. Até hoje a lei que assegura o ensino da história da África não foi implementada nas escolas" | Foto: Beto Oliveira/Ag.Câmara

Sul21 – Ocorreu recentemente a 2ª Conferência Nacional LGBT. Qual a importância do evento para a garantia de avanços nas causas reivindicadas?
 
Jean – A presidente Dilma (Rousseff) não esteve presente, mas foram três de seus ministros, a Luiza Bairros (Igualdade Racial), a Maria do Rosário (Direitos Humanos) e o Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral). A conferência mostrou que o movimento LGBT continua vivo e de pé. Não se pode pensar que apenas a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) representa o movimento. Essa entidade está por demais adestrada pelo governo federal. Os líderes viraram gestores públicos, portanto não há espaço para a crítica. Mas um novo movimento relacionado às redes sociais se fez presente na conferência e levantou a voz contra a inércia do governo federal no que diz respeito a garantir direitos humanos, em especial dos homossexuais.

Sul21 – Que outras deficiências o senhor aponta na política de direitos humanos do governo federal?
 
Jean – O governo não falhou só com a comunidade LGBT. Falhou também com a comunidade negra. Até hoje a lei que assegura o ensino da história da África e dos valores culturais africanos para a identidade nacional não foi implementada nas escolas. Não houve capacitação dos professores para isso e os alunos negros e adeptos de religiões de matriz africana continuam descriminados nas escolas. As escolas públicas estão cada vez mais cristãs, professando uma fé cristã em detrimento de outras fés. O governo também é negligente com os sem-terra. Avançou-se pouco no que diz respeito à reforma agrária e à regulamentação de assentamentos. O governo falhou na demarcação de terras indígenas. A situação do povo patachós no sul da Bahia se estende por quase 20 anos e ainda não foi enfrentada. A demarcação das terras dos quilombolas também não. E o governo cedeu bastante ao agronegócio, através do novo código florestal.
Ao mesmo tempo em que o PT faz uma ação discursiva aos movimentos sociais, faz uma cessão às forças conservadoras
Sul21 – Mas a presidente Dilma havia garantido que um dos pontos principais do seu governo seria a garantia dos direitos humanos, fator inclusive preponderante na política externa.
 
Jean – O governo federal avançou muito pouco no que diz respeito aos direitos humanos, ainda que a presidenta, em sua mensagem ao Congresso, tenha dito que se pautaria pela defesa intransigente dos direitos humanos. O governo adotou como slogan “País Rico é País sem Miséria”. Mas é preciso que a presidenta entenda que a miséria não é só a econômica. A miséria econômica precisa ser enfrentada e todos concordamos com isso. Inclusive porque a miséria econômica vulnerabiliza minorias. Um gay pobre de periferia é muito mais vulnerável que um gay de classe média. Mas também há miséria no país quando homossexuais são assassinados pelo simples fato de serem homossexuais. Há miséria no país quando posseiros e grileiros matam lideranças no sul da Bahia sem que o Ministério Público e a Justiça Federal enfrentem essa violência. É preciso que o governo entenda a miséria num sentido muito mais amplo e ele mostrou que está interessado apenas no aspecto econômico dela.
Jean Wyllys: "Não me sinto isolado e tenho aliados muito fortes" | Foto: Leonardo Prado/Ag.Câmara

Sul21 – Não houve avanços com a chegada do PT ao poder, depois de o Brasil ter passado por governos de direita, com Sarney, Collor e FHC?
 
Jean – O PT está numa encruzilhada. Um amigo meu até disse mais: o PT é a encruzilhada. O governo federal, que é petista, tem compromisso com as bandeiras históricas do partido, que são todas da esquerda: garantia dos direitos humanos, legalização do aborto, descriminalização da maconha, demarcação de terras… Porém, o partido não ficaria nove anos no poder se não tivesse constituído uma base aliada que lhe garantisse a estabilidade. Só que essa base aliada é composta em sua maioria por forças conservadoras. Essa é a encruzilhada: manter o compromisso com as bandeiras históricas e ao mesmo tempo satisfazer a base aliada para garantir a governabilidade e a permanência no poder. O partido tenta resolver isso com duas ações. Uma meramente discursiva, dirigida aos movimentos sociais. É muito blá blá blá, muita conferência, muito plano aprovado, e pouco recurso garantido. Não adianta aprovar um PNDH-3 se não há no orçamento da União recursos para a implementação de políticas de garantia dos direitos humanos, e em especial de direitos de LGBTs. E ao mesmo tempo em que o PT faz uma ação discursiva aos movimentos sociais, faz uma cessão às forças conservadoras. Assim, temos o PT nove anos no poder, com poucos avanços efetivos.

Sul21 – A retirada, por decisão da presidente Dilma, do programa Escola Sem Homofobia é um exemplo dessa concessão aos conservadores?
 
Jean – O governo cedeu às forças conservadoras cristãs quando enterrou o projeto Escola Sem Homofobia, cedendo a uma mentira. Esse projeto levantou um debate que tornou isso evidente. Ainda que um certo setor das lideranças LGBTs esteja adestrado pelo governo, um outro setor se levantou, articulado com o movimento dos indignados e das ocupações, que se expressa nas redes sociais. Essa nova juventude foi para as redes sociais e denunciou essa covardia do governo. A presidenta fez uma suspensão absolutamente equivocada. Não bastou suspender, ela ainda disse que o governo não faria promoção de opção sexual de ninguém. Isso foi um golpe nos homossexuais. Foi um golpe em mim, como ativista, como parlamentar, e um golpe nas lideranças do movimento LGBT no Brasil inteiro. Inclusive nas lideranças petistas do movimento. Era um projeto de enfrentamento ao bullying homofóbico, que é responsável pela evasão escolar, pelo suicídio e pela depressão infanto-juvenil. A presidente tratou uma política de promoção dos direitos humanos como uma propaganda de opção sexual. Como se orientação sexual fosse uma questão de opção. A religião é uma opção. Orientação sexual não é opção.
“Dilma Rousseff disse que o governo não faria promoção de opção sexual de ninguém. Isso foi um golpe nos homossexuais”
Sul21 – O Congresso Nacional possui, em sua maioria, integrantes bastante conservadores. O senhor se sente isolado na defesa da garantia de direitos aos homossexuais?
 
Jean – Não me sinto isolado. Existe uma correlação de forças. Os conservadores podem ter maior número e mais força econômica, mas há também deputados progressistas. Lembro de um discurso da Benedita da Silva, que foi a primeira mulher negra a entrar no Congresso, que disse: “Se não fossem os homens brancos do Congresso, aliados à minha causa, eu não teria avançado”. Digo o mesmo: se não fossem os parlamentares heterossexuais aliados aos LGBTs eu não teria avançado tanto. Tenho aliados muito fortes. A frente parlamentar é composta por deputados bastante ativistas, de diferentes partidos.

Sul21 – Mas são deputados da base aliada do governo federal. Será que o apoio deles não vai só até o ponto em que os interesses do Palácio do Planalto sejam afetados?
 
Jean – A frente parlamentar tem sido muito republicana na sua postura. A Érika Kokay (PT), inclusive, fez uma crítica à presidente Dilma na conferência. Isso me deu aval para avançar.

Sul21 – E como é sua relação com a bancada evangélica? Há diálogo possível?
 
Jean – A bancada evangélica não constitui um bloco monolítico. Há divergências internas e graças a isso há alguns setores mais abertos ao diálogo. Por isso conseguimos aprovar o estatuto da juventude, incluindo nele a diversidade sexual e religiosa. Foi um avanço que só conseguimos graças ao diálogo com esses setores mais abertos da bancada evangélica. Mas os mais conservadores são mais histriônicos e estridentes. Eles não entendem a ideia de estender a cidadania aos homossexuais porque querem negar a existência dos homossexuais. É um entendimento simplório de alguém que ignora todas as conquistas humanas em termos de conhecimentos nos últimos anos. Essas pessoas acham que os homossexuais têm que ser curados, acham que temos um desvio moral e de saúde. Daí vem toda oposição a políticas públicas e iniciativas legislativas que tentam estender a cidadania aos homossexuais.

Sul21 – Uma figura que chama bastante atenção nesse tipo de pensamento é o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ)…
 
Jean – O Bolsonaro é uma caricatura. Ele faz da caricatura a sua atuação. E ao fazer da crítica ao movimento LGBT a sua bandeira ele tenta rebaixar a própria política LGBT, com uma postura histriônica, midiática.
“Quem segurou a onda do debate nacional em torno da questão da homofobia foi a Globo, na novela Insensato Coração”
"A comunidade LGBT é muito diversa entre si, embora tenha uma base comum de identificação. E queremos que todos sejam respeitados nas suas diferenças" | Foto: Saulo Cruz/Ag.Câmara

Sul21 – Com a dificuldade de o Congresso aprovar leis que garantam direitos a homossexuais, o Judiciário tem preenchido essa lacuna, tomando decisões que asseguram garantias em casos específicos.
 
Jean – Fico muito feliz em viver numa república federativa sustentada na tripartição e na autonomia dos poderes. Se o Executivo tem uma base aliada conservadora e faz pouco, e o Legislativo não avança porque numericamente os conservadores são maioria, resta ao Judiciário, que não está sob pressão eleitoral, garantir os direitos. Mas não podemos nos contentar com isso. Sabemos que amplos setores da sociedade brasileira são excluídos do acesso à Justiça. Não podemos achar que uma decisão do Judiciário basta, é preciso garantir leis. Queremos os mesmos direitos com os mesmos nomes, é isso que precisa ser garantido.

Sul21 – Como o senhor avalia o papel da mídia na formação de imaginários sobre gays? Há avanços ou ainda se reproduz muito os estereótipos?
 
Jean – Quando a Globo colocou a questão da homofobia na novela Insensato Coração, as pessoas ficavam envergonhadas vendo o personagem do Cássio Gabus Mendes. Isso sensibilizou muita gente que negava sua própria homofobia. O Brasil é um país curioso: nega que é racista e homofóbico, mas pratica essas duas coisas. Acredito que estão havendo avanços. Entre a suspensão do projeto Escola Sem Homofobia e a votação do PL 122/06 (que criminaliza a homofobia), quem segurou a onda do debate nacional em torno da questão da homofobia foi a Globo, através da novela Insensato Coração. E o movimento LGBT utilizou as falas da novela e as situações que ela expôs. A telenovela tem um papel preponderante na formação do imaginário nacional. E a Globo prestou um serviço relevante nesse caso. Mesmo o Crôdoaldo, personagem da novela do Agnaldo Silva, traz um ponto de vista interessante. Muita gente acha que ele é caricato. Mas enxergo mais além: acho que é uma provocação do Agnaldo Silva. Por que as pessoas têm que aceitar só o gay-sala-de-estar, o gay que está de acordo com os valores estéticos burgueses heterossexuais? O gay que não se parece com gay é o que é aceito. O Crôdoaldo é afeminado, gosta da Madonna, ele quer ser aceito na sua diferença. É isso que defendemos. Nada mais diferente de um gay do que outro gay, né? A comunidade LGBT é muito diversa entre si, embora tenha uma base comum de identificação. E queremos que todos sejam respeitados nas suas diferenças.

Sul21 – Inclusive um ponto que é pouco conhecido é o preconceito que existe dentro do próprio movimento LGBT em relação a travestis e transexuais, por exemplo.
 
Jean – Os gays foram educados nas mesmas escolas que os héteros, consumiram a mesma publicidade, assistiram as mesmas novelas, leram os mesmos livros… Se essa cultura heteronormativa faz de um heterossexual um homofóbico, também pode fazer de um gay um homofóbico. Se desvencilhar dessa homofobia introjetada é se desconstruir, sair da vergonha para o orgulho. É o famoso sair do armário. Então isso tudo faz com que alguns gays ainda conservem preconceitos e achem, por exemplo, que a travesti é uma caricatura. Eu tive a mesma educação machista que você. Se hoje sou feminista e não tenho misoginia é porque desconstruí isso em mim. Mas tem homens que passam a vida misóginos, achando que mulher é só para transar e não dão valor à mulher para além da cama.
“As paradas gays precisam ser repensadas. Têm que abrir mão da massa para serem mais políticas”
Sul21 – Como o senhor avalia a importância das paradas gays atualmente? Elas estão conseguindo impor uma agenda ao movimento e à sociedade ou ficam muito centradas na celebração?
 
Jean – As paradas precisam ser repensadas pelos seus organizadores. Elas viraram eventos de massa e têm um papel relevante que é dar visibilidade aos modos de vida gays. São uma celebração do orgulho de ser gay, então elas têm mesmo que ser uma festa, não vejo problema nenhum nisso. Mas acho que elas precisam ser repensadas, porque já atravessamos o período da visibilidade. Agora as paradas têm que abrir mão da massa para serem mais políticas. Elas precisam deixar no imaginário das pessoas qual a pauta que está sendo discutida. Precisam dizer: “Estamos aqui celebrando o orgulho de ser, contra a vergonha e contra a discriminação, mas nossa pauta política é tal”.
"Numa democracia há o tempo do debate. Não dá para fazer tudo, mas é importante que alguém com as minhas características esteja no Congresso Nacional" | Foto: Beto Oliveira/Ag.Câmara

Sul21 – Como está a situação da proposta de emenda constitucional (PEC) de sua autoria que legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo?
 
Jean – Já conseguimos 99 assinaturas, das 171 necessárias. Ano que vem com certeza iremos conseguir todas. Mas já há uma campanha em curso no site casamentociviligualitario.com.br. O mandato deu o pontapé inicial, mas a campanha já é da sociedade civil.

Sul21 – Apesar de sua militância política ser de longa data, nesse ano o senhor entrou na atuação institucional e partidária. O que está achando desse novo trabalho?
 
Jean – Não dá para fazer tudo o que a gente pensa, porque a democracia tem seu tempo. Às vezes somos impacientes com o tempo da democracia, mas é o preço que temos que pagar. É ao contrário das autocracias e ditaduras, onde as coisas são determinadas. Numa democracia há o tempo do debate. Não dá para fazer tudo, mas é importante que alguém com as minhas características esteja no Congresso Nacional. Não necessariamente eu, mas é preciso que determinados temas sejam tratados com coragem e que seja feita a articulação da política de direitos humanos com a política mais ampla. Não se pode discutir direitos humanos sem discutir a política orçamentária e todas as concessões que o governo federal faz ao sistema financeiro, destinando 45% do orçamento ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública, que já deveria ter sido auditada há muito tempo. As pessoas me perguntam se eu estou gostando (de ser deputado) como se fosse uma partida de futebol (risos). Sempre respondo que não é uma questão de gostar ou não, é um imperativo. É preciso estar aqui (no Congresso).

Sul21 – E como o senhor projeta seu futuro político? Cogita concorrer a alguma prefeitura ou governo?
 
Jean – Dizia minha mãe que o futuro a Deus pertence. Não vou especular sobre o futuro. No momento, o que eu quero fazer é um excelente mandato. E isso implica em enfrentar forças por demais bem equipadas.

Além dos desmandos de sempre, muito marketing e pouca bola

  Gabriel Brito, da Redação do CORREIO DA CIDADANIA   

Tal como 2010, o ano que finda tampouco deixa motivos para grandes festejos no esporte brasileiro. No anterior artigo retrospectivo, destacou-se a obscenidade de diversos acontecimentos da política esportiva, basicamente relacionados aos grandes eventos que se avizinham. Dentro dos campos, quadras, pistas, piscinas, mais dissabores que alegrias, capitaneados pela desastrosa Copa do Mundo da seleção de futebol.

Dessa forma, fica difícil expor algo de novo e, acima de tudo, positivo em mais um ano que termina em nossa pátria tão repleta de ufanismos. Mas diante, justamente, desse quadro de grande manipulação, desinformação e enganações diversas, mantém-se a necessidade de se fazer o papel mais chato da trama que só anuncia a felicidade geral da nação.

Trata-se do contraponto ao que se vende como emancipação esportiva do país, na mesma esteira eufórica do desenvolvimento econômico nacional, mas que esconde muito mal as vísceras de projeto meramente capitalista, comandado pela parceria público-privada que realmente funciona por aqui: a associação de governantes, que, sob os mais cínicos e variados discursos, falsificam suas tarefas de promoção da justiça social e econômica, com seus empresários financiadores de campanha, que cartelizam todos os grandes negócios, projetos e obras deste “desenvolvimento”.

Assim, o que podemos dizer é que, mais do que nunca, o esporte e, em especial, o futebol brasileiro têm reproduzido em escala acentuada a própria vida cotidiana verde e amarela. Enquanto vemos os mesmos políticos desmoralizados em seus parlamentos anunciarem com pompa as grandes obras de infra-estrutura e estádios que nos servirão de “legado”, temos uma mídia que predominantemente vende tais eventos como autêntica agência de propaganda.

Empresas que sempre foram marcadas pela corrupção e super-faturamento em seus serviços ao Estado são apresentadas como grandes atores de nosso crescimento e do próprio orgulho que tais eventos representarão. A mídia comercial, com suas edições de fim de ano destacando os mais influentes e “especiais” dos brasileiros, deita perfis de cartolas esportivos e corporativos, apresentando-os com capa de homens de visão e conscientes de seu papel social.

Tal cobertura acrítica da grande e monopólica mídia acaba superando largamente o papel do contraditório desempenhado pelos movimentos sociais, especialmente os comitês populares de cada cidade sede, e da chamada imprensa alternativa, que se esforça na divulgação dos acontecimentos por um ponto de vista social. Mas não tem o poder de alcance, por exemplo, de uma das grandes sócias da Copa e das Olimpíadas: a Rede Globo, claro, que, além de transmitir, faz todo o trabalho de marketing que se possa desejar para o “bom andamento” dos fatos.

Assim, um estádio que será construído em torno de uma série de imoralidades, a começar pelo uso indiscriminado do dinheiro público e a quase certeza de remoções mal recompensadas, é vendido como grande ponto de partida do desenvolvimento da zona leste de São Paulo. E tal como em diversos outros momentos políticos de relevância histórica mundo afora, um time de grande força popular é o grande escudo do poder público para dar vazão a interesses escusos.

Só não se sabe qual será o futuro do Corinthians, em seu estádio que só será seu de verdade após a Odebrecht recuperar o dinheiro investido (a partir de empréstimo do BNDES), sob risco de uma impagável dívida. O mesmo vale para todas as outras “arenas” (nome dos shoppings travestidos de estádios) reformuladas ou novinhas, superfaturadas desde o início e cercadas de incerteza acerca de sua gestão e viabilidade posteriores ao Mundial de futebol.

Portanto, tal como dito desde a escolha do Brasil como sede de tais eventos, não haverá muito a fazer contra processo tão avassalador. Remar contra tem a serventia de evitar um massacre ainda maior e a promoção ilimitada de injustiças e violências sociais, especialmente através das remoções de famílias de favelas em áreas de interesse do mercado. No entanto, o máximo que se conseguirá é a chamada redução de danos. E posteriormente, a briga pela apropriação pública e social do que houver de “legado” estrutural.

Lá dentro, as mesmas ilusões

Já nos campos, o Brasil continua em péssima fase de sua história. Tal como nos últimos anos, a seleção, agora sob o comando de Mano Menezes, encontra-se completamente sem rumo, incapaz de reavivar a velha escola nacional que encantou o mundo e formou timaços. Não se consegue montar um grupo coerente e regular de jogadores, com estilo fiel ao que aprendemos a apreciar e livre dos vícios impostos pelo futebol de resultados, obsessivo física e taticamente e divorciado da perfeição nos fundamentos mais técnicos do jogo. Fora a contaminação por variados pragmatismos absorvidos da Europa, por onde vive ou deseja viver a nata do nosso futebol. Obviamente, isso é fator chave para a descaracterização do nosso jogo, “artístico”, “moleque”, “imprevisível”, ou o que o valha e hoje inexiste.

“Um futebol muito corrido e pouco pensado. O Brasil precisa se reencontrar”, resume, há anos, Tostão, um dos maiores se não o maior analista de futebol do país – e craque da seleção de 70, se não bastar...

O problema, pouco compreendido, é que não se atira a essência de um poção mágica ao espaço e depois a recupera num piscar de olhos. Essa seleção sem cara, alma, graça, distanciada das raízes e da própria casa, é o mais límpido e cristalino reflexo dos 22 anos de Ricardo Teixeira e sua gestão comprovadamente mafiosa e incompetente na CBF, associada a outra aliada de primeira hora do atraso: de novo, a Globo, que não se cansa de transformar o futebol em mero produto de entretenimento, onde reina a paparicação, e se poda a verdadeira cultura popular e autêntica do jogo.

Essa nefasta sociedade foi quem passou tal período evitando os necessários avanços, que vão muito além da escolha de um treinador certo e a conquista de uma ou outra taça. O grande desastre é que o futebol brasileiro ficou não apenas sem escola, mas sem direção, cara, visão, mentalidade, coerência, gestão, e como vai longe a lista... Em suma, tudo que o aclamado Barcelona, e também a seleção espanhola, não fizeram. Não à toa agora gozam o trono que pensamos ser eternamente nosso.

Em todo este período, no qual o futebol se “modernizou” e se transformou também em grande negócio capitalista, deixaram-se no Brasil as mesmas estruturas que nas décadas anteriores já anunciavam a penúria, até por nunca terem sido capazes de organizar coerentemente sequer duas edições consecutivas do campeonato nacional, como mostra a história.

O interesse mesquinho, e falsamente favorável aos pequenos, das federações estaduais, a inadequação do nosso calendário, sempre na contramão do resto do mundo, a liderança não menos despótica da confederação continental e o nível de imbricação, protagonismo e ingerência atingido pelos empresários, agora turbinadíssimos por fundos ainda mais poderosos de investimentos, nos levaram a tamanha decadência. Portanto, nada gratuita.

Mesmo assim, seguimos sem visão

Mas como o esporte é uma das áreas da vida mais pródigas em desfazer mitos e desmentir as maravilhas do marketing, dentro de campo tivemos um ano que, se não nos levar a uma rápida reflexão, pode significar novos e traumáticos infortúnios. O que não é nada desejável quando se está perto de sediar Copa e Olimpíadas...

Na Libertadores, 5 dos 6 brasileiros fracassaram retumbante e precocemente, sendo derrotados para equipes de países vizinhos sempre desabonadas por nossa mídia, que, por mais que raramente os veja jogar, jamais dá o braço a torcer e reconhece seus méritos, até mesmo quando batem nos brasileirinhos, o que fizeram a granel em 2011. Via de regra, “são times limitados, mas esforçados, raçudos e que jogam com a pressão da torcida”. É hora de contar outra...

Apesar do título do Santos na Libertadores, os demais foram um fracasso. Assim como na Copa Sul-Americana, vencida pela virtuosa Universidad de Chile – que já vendeu o artilheiro do torneio pra Europa, nessa triste saga... E também na Copa América de seleções, na qual fomos eliminados nas quartas de final para o Paraguai, nos pênaltis, com três empates, uma vitória e outra campanha horrorosa.

Já o massacre sofrido pelo Santos contra o Barcelona na final do Mundial de Clubes deve ser visto como choque de realidade, não como “maior espetáculo da Terra”. Pois parece muito oportunista da parte da mídia, e de todos, sempre resistentes em aplaudir rivais gringos, agora reverenciar incansavelmente o timaço catalão. Sim, trata-se de um dos maiores que já vimos, mas não se pode perder de vista que foi a maior diferença de gols da história do Mundial de Clubes e que foi aterradora a postura entregue, reverente, submissa, dos atletas santistas, como se cientes de estarem diante de mestres imbatíveis e de que o negócio era fruir a aula... Não parece ser o papel que melhor cabe ao futebol brasileiro.

Não há marketing que cubra tamanha fraqueza e despreparo de nosso futebol diante de outras grandes potências, que passaram as últimas décadas saqueando livremente nossos talentos (e dos vizinhos), melhoraram seu futebol doméstico, evoluíram na maneira de jogar, (re)criaram estilos, variações táticas ofensivas e também progrediram na formação de jogadores, até pelo fato de contarem com legiões imigrantes, cujos filhos talentosos florescem por lá mesmo. Em suma, estamos no futebol exercendo o mesmo papel periférico e subalterno de sempre da geopolítica e da economia.

A tragédia é que tal tendência não dá o mínimo sinal de reversão. Os megaeventos simplesmente não estão servindo como oportunidade de retomada de “nosso devido lugar” no esporte, especialmente naquele em que éramos reis. E ninguém parece atentar para tamanho desperdício.

O pior de tudo é que o boom econômico brasileiro já chegou ao futebol (e aos poucos aos demais), nossos clubes têm dinheiro como nunca, mas não conseguem sair da fórmula fácil de trazer de volta medalhões cadentes sem conter a sangria “juvenil”. “Essa grana toda só vai servir pra deixar tudo igual, mas com um custo maior. Eles vão deixar tudo no mesmo nível, apenas custando mais”, opina o jornalista Paulo Calçade, do Estadão/ESPN.

Diante do atual protagonismo brasileiro no esporte, e também sua história ao menos em alguns deles, fica clara a falta que faz uma verdadeira política esportiva, inclusive com participação do Estado, algo mais que comum na organização de parâmetros e objetivos “macro” de toda uma nação, neste e em qualquer âmbito. Até pela possibilidade mais clara de punir desmandos e assaltos, o que nunca ocorre no nosso espúrio cenário. A maneira como caiu o ministro Orlando Silva, aliado de primeira hora do que há de pior no mundo esportivo, foi só um pequeno exemplo de como ainda estamos atrasados nessa estruturação, que pode cobrar um inesquecível preço nos próximos e esperados tempos.

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

2011: crise capitalista e novo cenário no Oriente Médio


Emir Sader no CARTA MAIOR

O cenário geral que englobou a todo o ano de 2011 foi o novo ciclo da crise geral do capitalismo, iniciado em 2008. Pelo tipo de medidas tomadas naquele momento, era de se esperar que houvesse um novo brote da crise, mesmo se não se pudesse imaginar uma intensidade tão forte como aquela que afeta especialmente a economia europeia.

Ao ter salvado os bancos, detonante e epicentro da crise, os governos acreditavam que salvariam as economias e os países. Os bancos se salvaram e deixaram as economias e os países abandonados. Até porque os bancos tem a seu favor os organismos financeiros internacionais e as agências de risco, que agem de forma coerente e coordenada.

Por isso a crise voltou como bumerangue, tendo agora diretamente os governos como epicentros, pressionados pelo sistema bancário e pelos organismos que expressam seus interesses – FMI, Banco Central Europeu. Depois de bancos e outras instituições financeiras, em 2008, agora países passaram a falir, tendo a Grécia como caso paradigmático, que estende sua sombra sobre quase todos os países da zona do euro.

A unificação monetária – que foi a essência da unificação europeia, a ponto que os referendos perguntavam diretamente se queriam a moeda única e não a Europa unificada – se revelou uma armadilha, tanto para os países mais fragilizados, que na ausência de políticas monetárias nacionais, não tiveram formas de se defender minimamente da crise, como os países em melhores condições, que tiveram que acudir a eles, sob o risco de desabamento de toda a arquitetura do euro, levando-os também de roldão.

As respostas se deram no marco das políticas neoliberais dominantes, combatendo centralmente os déficits públicos e não os efeitos econômicos e sociais dessas políticas: a recessão e o desemprego. Como é típico do neoliberalismo, a centralidade está na estabilidade monetária e não no desenvolvimento econômico e na geração de empregos.

Como resultado, a maior novidade do 2011 é que a Europa ingressou de cheio numa fase recessiva, que deve demorar pelo menos uma década e que, dramaticamente, termina com seu Estado de bem-estar social, característico de suas sociedades no segundo pós-guerra. Os outros países do centro do capitalismo – EUA, Inglaterra, Japão – se defendem minimamente, por ter politicas monetárias nacionais, mas estão envolvidos na mesma tendência, que abrange a totalidade dos países centrais do capitalismo.

Essa a consequência mais importante do que ocorreu em 2011: projeção de recessão prolongada no centro do capitalismo, que será o cenário econômico internacional. Não significa que não haja oscilações, mas sempre entre recessão, estagnação e crescimento baixo, com os problemas sociais correspondentes e a instabilidade política de governos de turno que pagarão sempre o preço das politicas recessivas.

No outro plano estrutural – o da hegemonia imperial no mundo – o ano trouxe a novidade da guerra da Líbia, como nova modalidade de intervenção imperial. Tomada de surpresa pelas rebeliões populares na Tunisia e no Egito, que derrubaram alguns de seus aliados fundamentais na região, a reação das potencias ocidentais foi buscar revidar com o apoio maciço, especialmente militar, à oposição na Líbia, que contou com o beneplácito da ONU – com sua cínica decisão de “proteção da populações civis”- e a intervenção militar pesada da Otan, que bombardeou o pais durante mais de 6 meses, contando com o protagonismo da Inglaterra, da França e da Italia e o apoio logístico dos EUA, até obter o que buscava: a queda do regime de Kadafi e sua morte. Foi uma nova modalidade de intervenção, numa região que passa a ter instabilidades politicas prolongadas.

Renovou-se assim o arsenal de formas de intervenção das potências imperialistas, que se voltam agora para a Síria e o Irã, enquanto a saída das tropas dos EUA do Iraque não prenunciam o fim dos conflitos, transferindo-os agora para a disputa de hegemonia entre as facções internas. A violência só aumentou, o que passa também no Afeganistão, o que faz com que, depois do sucesso da derrubada dos regimes desses dois países, a uma vitória militar os EUA nao tenham conseguido impor uma vitória politica.

A chamada “primavera árabe” trouxe um elemento novo na região, que estava congelada de participação popular e, de repente, viu multidões ocuparem praças para derrubar ditaduras. O movimento, que começou neste ano, ainda deve ter longos desdobramentos, porque as ditaduras bloquearam o surgimento de forças alternativas durante décadas e nas eleições tendem a triunfar aquelas que tinham espaço, mesmo se restringido, nos velhos regimes: partidos e movimentos islâmicos. Mas os processos em países como a Tunísia e o Egito estão longe de terminar, como demonstra o novo ímpeto das mobilizações no Egito, agora diretamente contra o papel que os militares tentam manter na transição politica.

O ano de 2011 acentuou a natureza prolongada e profunda da atual crise capitalista, porém os modelos alternativos ao neoliberalismo ainda tem existências regionais – como o caso da América Latina e, de forma distinta, a China. Da mesma forma, as debilidades da hegemonia imperial norteamericana – não consegue manter e ganhar duas guerras ao mesmo tempo, por exemplo – não encontra ainda formas multipolares com capacidade suficiente para superar o mundo unipolar existente. Assim, se prolongará o período de instabilidades e turbulências que a crise do neoliberalismo e do imperialismo introduziram, até que forças com capacidade de superação possas se afirmar. Passos têm sido dados e a própria capacidade de resistência do Sul do mundo – em especial da América Latina e da China – à recessão no centro do capitalismo demonstram isso. Mas a disputa hegemônica ainda tende a prolongar por um tempo longo. O certo é que o mundo sairá distinto desta segunda década do século XXI – melhor ou pior -, mas distinto, porque os sintomas de esgotamento dos seus esquemas econômicos e políticos dominantes são evidentes.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Rússia lidera novo bloco econômico, vinte anos após fim da URSS

no OPERA MUNDI

Vladimir Putin nega que intenção seja recriar URSS, mas classifica nova União Euroasiática como “avanço histórico”


Há exatos vinte anos, a bandeira da União Soviética deixava de ser hasteada no Kremlin, dando lugar à bandeira da Federação Russa. Mikhail Gorbachev renunciou ao cargo em 25 de dezembro de 1991 e a União Soviética deixou formalmente de existir. A nostalgia dos tempos soviéticos ainda está presente em muitas das ex-repúblicas e, politicamente, um primeiro passo para a integração entre os antigos países do bloco soviético foi dado no mês passado.
No dia 18 de novembro, os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev e da Belarus, Aleksandr Lukashenko ratificaram um acordo com o objetivo de estreitar os laços entre os antigos parceiros soviéticos, com a assinatura de uma declaração de integração econômica euroasiática cuja meta é a criação de um Espaço Econômico Comum entre os três países. Os líderes signatários deixaram claro que isso não significa um retorno ao passado soviético, mas sim uma maneira de fortalecer os laços históricos entre eles.
Efe
Com Putin, Rússia abandonou a postura de ‘mais um país do extinto bloco soviético’ para liderar região

A Comissão Econômica Euroasiática começará a operar no dia 1º de janeiro de 2012 e os tratados assinados entrarão em vigor no mesmo dia. O principal objetivo a curto-prazo é a criação da União Econômica Euroasiática, em 2015, consolidando a economia dos três países e abrindo espaço para a gradual integração de outras nações. O PIB (Produto Interior Bruto) da União Euroasiática, com os três países fundadores, seria de 2 trilhões de dólares, um valor ainda pequeno se comparado aos 16 trilhões de dólares da União Europeia, “mas é somente um primeiro passo”, afirma o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, idealizador da União.
Os três países já possuem uma união aduaneira, mas o novo bloco significa a criação de um comitê executivo comum, composto por um Conselho liderado pelo vice-primeiro-ministro de cada país, e uma Comissão, cujo número de oficiais será proporcional ao número de habitantes de cada membro (84% russos, 10% cazaques e 6% bielorrussos). A Comissão terá a sua sede em Moscou e seguirá o modelo da Comissão Europeia. Os gastos de infraestrutura serão financiados inteiramente pela Rússia.
Liderança regional

Nenhum país terá, oficialmente, um papel de líder, mas os especialistas coincidem que o acordo faz parte da nova política geoestratégica russa. “Com Putin, a Rússia abandonou a postura de ‘mais um país do extinto bloco soviético’ e decidiu assumir a posição de líder regional. Com Medvedev, estamos vendo o resultado prático desta política externa e a União Euroasiática é o primeiro exemplo claro de um novo bloco geoeconômico”, afirma o diretor do Instituto de Estratégia Nacional, Mikhail Remizov.
Segundo Putin, "esta nova união, forte e supranacional, pode se tornar um dos pólos do mundo moderno e desempenhar o papel de uma ponte efetiva entre a Europa e a região Ásia-Pacífico". Quirguistão e Tadjiquistão estão em conversações sobre a adesão.
Após a queda da URSS, houve várias tentativas de manter as conexões entre as ex-repúblicas. O exemplo mais conhecido é a CEI (Comunidade de Estados Independentes), formada em dezembro de 1991. Apesar de servir como plataforma de diálogo entre os chefes de Estado, os críticos dizem que a CEI tem sido incapaz de produzir qualquer sucesso notável na integração. Na resolução de conflitos políticos, por exemplo, a CEI não conseguiu impedir a guerra entre Rússia e Geórgia em 2008, resultando na saída da Geórgia do bloco.
De acordo com o centro de opinião pública russo VTsIOM, o maior do país, a ideia de uma integração entre os países da ex-URSS é apoiada por 67% dos quirguizes e 62% dos bielorrussos, mas recebe pouco apoio no Azerbaijão (24%) e na Lituânia (26%). Entre os russos, 43% apóiam uma integração no modelo da Uniao Soviética. No entanto, de acordo com uma pesquisa do Centro Levada divulgada em novembro, apenas 53% dos entrevistados na Rússia tinham conhecimento da nova União Euroasiática.
O embaixador da Rússia na OTAN, Dmitry Rogozin, afirmou que “esta é uma união de povos, muito mais do que uma união de territórios”.
Vladimir Putin, que já havia descrito o fim da União Soviética como “a maior tragédia geopolítica do século XX”, negou que tenha a intenção de recriar a URSS, mas afirma que a União seria um “avanço histórico” para os ex-Estados soviéticos. “Queremos criar uma união com os melhores valores da União Soviética”, conclui o primeiro-ministro russo.