Muitas ações estatais causam dor e sofrimento nas pessoas – algumas deliberadamente, outras de forma inesperada. Porém, creio que somente em períodos históricos de autoritarismo escancarado e de completa falência de valores de liberdade e dignidade humana é que os detentores do poder político assumiram esse objetivo publicamente (penso aqui na Inquisição Católica, pois, ao que parece, até os requintes de crueldade extrema e calculada da “solução final” nazista foram mantidos em relativa reserva como ação do Estado alemão).
A política de “dor e sofrimento” anunciada e executada nesta semana pelos governos estadual e municipal de São Paulo para supostamente resolver o problema da chamada Cracolândia paulistana é abusiva, cruel e de violência extrema. Se quisermos recolocar as coisas no marco da legalidade democrática e da discussão racional de temas públicos (que é onde as coisas sempre devem estar), podemos dizer que a nova ação estatal contra o uso de drogas no centro de São Paulo é ofensiva aos direitos humanos e a todo o avanço científico nas abordagens sobre o problema das drogas.
Ofensiva aos direitos humanos porque, como foi expressamente anunciado, busca causar dor e sofrimento aos usuários de drogas. A preservação da integridade física e da dignidade da pessoa é pressuposto essencial dos modernos sistemas legais de proteção dos direitos humanos, pois se refere diretamente à proteção do indivíduo, em suas dimensões física e psicológica, contra o exercício do poder estatal – que pode ser legítimo, mas também pode ser abusivo. Em nome desse pressuposto é que se lutou (e ainda se luta) pela abolição das penas de castigos físicos e da pena de morte, pelo fim da tortura e pelo aperfeiçoamento dos sistemas de justiça criminal e penitenciário.
Além disso, dizer que somente a dor e o sofrimento levarão os usuários a procurarem tratamento para a dependência química é supor, com certo grau de sadismo ou ignorância, que esses indivíduos já não têm dor e sofrimento suficientes em suas vidas.
A política de “dor e sofrimento” anunciada e executada nesta semana pelos governos estadual e municipal de São Paulo para supostamente resolver o problema da chamada Cracolândia paulistana é abusiva, cruel e de violência extrema. Se quisermos recolocar as coisas no marco da legalidade democrática e da discussão racional de temas públicos (que é onde as coisas sempre devem estar), podemos dizer que a nova ação estatal contra o uso de drogas no centro de São Paulo é ofensiva aos direitos humanos e a todo o avanço científico nas abordagens sobre o problema das drogas.
Ofensiva aos direitos humanos porque, como foi expressamente anunciado, busca causar dor e sofrimento aos usuários de drogas. A preservação da integridade física e da dignidade da pessoa é pressuposto essencial dos modernos sistemas legais de proteção dos direitos humanos, pois se refere diretamente à proteção do indivíduo, em suas dimensões física e psicológica, contra o exercício do poder estatal – que pode ser legítimo, mas também pode ser abusivo. Em nome desse pressuposto é que se lutou (e ainda se luta) pela abolição das penas de castigos físicos e da pena de morte, pelo fim da tortura e pelo aperfeiçoamento dos sistemas de justiça criminal e penitenciário.
Além disso, dizer que somente a dor e o sofrimento levarão os usuários a procurarem tratamento para a dependência química é supor, com certo grau de sadismo ou ignorância, que esses indivíduos já não têm dor e sofrimento suficientes em suas vidas.
Por mais que saibamos que o crack causa momentos de euforia em seus usuários, é impossível acreditarmos que aquelas figuras esquálidas, maltrapilhas e de olhares vagos vivem em constante estado de prazer e alegria.
Isso explica porque esse tipo de ação estatal também contraria os caminhos de uma discussão racional sobre temas de interesse público, ao negar os avanços científicos na área de prevenção e tratamento do uso de drogas. Há décadas as comunidades científicas e profissionais que lidam com o problema – operadores do direito, cientistas sociais, médicos, psicólogos, assistentes sociais – vêm construindo alguns consensos sobre as estratégias para o seu enfrentamento.
Isso explica porque esse tipo de ação estatal também contraria os caminhos de uma discussão racional sobre temas de interesse público, ao negar os avanços científicos na área de prevenção e tratamento do uso de drogas. Há décadas as comunidades científicas e profissionais que lidam com o problema – operadores do direito, cientistas sociais, médicos, psicólogos, assistentes sociais – vêm construindo alguns consensos sobre as estratégias para o seu enfrentamento.
Embora haja divergências sobre pontos importantes, como a descriminalização das drogas, o tipo de ação contra as práticas criminalizadas e as diferentes metodologias de tratamento médico-psicológico, há relativa concordância, em primeiro lugar, sobre o fato de que o combate ao uso e ao usuário é inútil e contraproducente em termos de prevenção e recuperação – ainda mais quando o combate se dá pela via policial.
Também parece haver certo acordo entre os especialistas de que a prevenção e a recuperação são difíceis e custosas, e devem envolver uma gama variada de serviços e profissionais de diferentes áreas, além de pressuporem certas condições pessoais, familiares e urbanas que podem ser facilitadas por políticas públicas não necessariamente baseadas em repressão e segurança pública: políticas de saúde e educação, emprego e renda, moradia e urbanismo.
O problema é que esses especialistas são ouvidos por governos e por parte da sociedade na proporção inversa à do avanço de suas pesquisas e do sentimento de pânico (fomentado por certo populismo político) em relação à segurança pública. Falar em descriminalização de drogas e tratamento humanizado dos usuários é abrir as portas para as acusações fáceis de cumplicidade com o crime ou condescendência com a vagabundagem. Acusações tão fáceis quanto parece ser a solução de se eliminar o sofrimento humano aplicando ao sofredor uma dose extra de sofrimento.
Também parece haver certo acordo entre os especialistas de que a prevenção e a recuperação são difíceis e custosas, e devem envolver uma gama variada de serviços e profissionais de diferentes áreas, além de pressuporem certas condições pessoais, familiares e urbanas que podem ser facilitadas por políticas públicas não necessariamente baseadas em repressão e segurança pública: políticas de saúde e educação, emprego e renda, moradia e urbanismo.
O problema é que esses especialistas são ouvidos por governos e por parte da sociedade na proporção inversa à do avanço de suas pesquisas e do sentimento de pânico (fomentado por certo populismo político) em relação à segurança pública. Falar em descriminalização de drogas e tratamento humanizado dos usuários é abrir as portas para as acusações fáceis de cumplicidade com o crime ou condescendência com a vagabundagem. Acusações tão fáceis quanto parece ser a solução de se eliminar o sofrimento humano aplicando ao sofredor uma dose extra de sofrimento.