José Goulão no BEINTERNACIONAL
Se estiver por Bruxelas, se passar por Bruxelas, se já visitou ou não visitou vale a pena passar um tempo no Museu Magritte.
Não apenas pelo fantástico acervo reunido do pintor do cachimbo que não
é um cachimbo, do livro que não é um livro, do surreal como real que
ainda não existe. Sobretudo será um reencontro compensador com uma
Europa de polémica, criatividade, cultura e ideias que vai desaparecendo
a vertiginosa velocidade.
A obra de Magritte foi criada durante
períodos gloriosos e trágicos do Continente que é conhecido por “velho”
pelo seu papel como epicentro da cultura ocidental, dos movimentos
ideológicos, sociais, culturais, filosóficos, científicos e humanistas
que o atravessaram com riqueza prodigiosa repercutida em toda a História
Universal. Magritte nasceu nas antevésperas do século das luzes e a sua
obra cruza as duas guerras mundiais, a loucura dos anos vinte, as
esperanças e ilusões do período de quarenta e cinco a cinquenta, o auge
da guerra fria e ainda assimilou cores e sons dos renovadores anos
sessenta.
Olhar para a sucessão de quadros expostos
no museu instalado no Museu Real das Belas Artes de Bruxelas, sem
restrições de tempo e obrigações de compromissos, é como deixar-se levar
por uma viagem fantástica e pessoal através da Europa em vias de
extinção, atingida agora pelos cratas de várias géneses
manobrando ali nas vizinhanças, paradoxalmente também em Bruxelas, na
ostentação do seu quartel de destruição.
Não há como sentir as cores, as formas, as
ilusões, as distorções, as provocações os delírios para se perceber de
modo inquietante e assustador o contraste entre a genialidade da
criatividade e da liberdade humanas e a brutalidade feroz e repressiva
das ideias quadradas com que se procura formatar em sistema operativo
global o inesgotável potencial de progresso pulsando nos cérebros
individuais. Está aqui tudo, no espaço de alguns quarteirões -
fragmentos do apogeu e armas de liquidação.
A viagem pelo Museu Magritte faz-se de tela
em tela e passo a passo por um espólio documental onde encontramos a
escrita, o desenho, as edições de revistas e manifestos, os artigos, as
polémicas entre os maiores nomes da cultura, do humanismo e da cidadania
europeias contemporâneos de Magritte, seus companheiros uns, seus
rivais de tendências outros, numa vertigem capaz de derrubar barreiras
de preconceitos, demolir muros de práticas inquisitoriais, alguns tão
fortes que continuam a resistir – e a reconstruir-se.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Visitar ou (porque não?) revisitar Magritte
Indecisão sobre governo pode levar Grécia à falência
Gabriel Bonis na CARTA CAPITAL
A crise financeira está destruindo a dívida pública da Grécia e os
líderes do país sofrem forte pressão da União Europeia e do Fundo
Monetário Internacional (FMI) para adotar intensas medidas de
austeridade. Em troca, o país receberia dois pacotes de resgate de cerca
de 240 bilhões de euros para continuar a tentativa de salvamento de sua
economia. O problema é que os líderes políticos não conseguem criar um
consenso para formar um novo governo, após as eleições legislativas do
último domingo 6.
Alexis Tsipras, líder do Syriza – partido da esquerda radical segundo
colocado nas eleições legislativas -, não conseguiu formar uma
coalisão, assim como Antonis Samaras, chefe da legenda conservadora Nova
Democracia, vencedora do pleito. A tarefa recai sobre Evangelos
Venizelos, do Pasok, que terá três dias para tentar sessar a intensa
polarização de correntes políticas, a favor e contra o acordo de resgate
financeiro do país, enquanto uma nova eleição se torna cada vez mais
provável.
Um cenário de incerteza que, segundo analistas ouvidos por CartaCapital, deve
levar ao bloqueio de novos empréstimos internacionais, recolocando a
falência grega e a possibilidade de saída do euro em discussão – é bom
lembrar que o país depende de ajuda externa para pagar seus credores.
A Grécia deveria receber nesta quinta-feira 10 uma parcela de 5,2
bilhões de euros do acordo, mas os governos europeus retiveram 1 bilhão
da quantia em um movimento que demostra insatisfação. “O bloqueio deve
permanecer até a formação de um governo minimamente a favor dos
princípios básicos do plano de resgate. Mas isso já atrasa o processo
político em andamento para implementar as medidas de austeridade”, diz
Elena Lazarou, doutora em estudos internacionais e especialista em
Grécia, a CartaCapital.
Em 15 de maio, o país deve devolver cerca de 450 milhões de euros de
obrigações que seus credores se negaram a trocar em uma grande operação
realizada em março. Analistas apontam que a Grécia tem reservas apenas
até o final de junho. Logo, caso o embargo se confirme, o governo deve
enfrentar dificuldades para manter serviços básicos, como escolas e
hospitais, o que deve provocar uma piora dos índices sociais e novos
protestos.
Centro-direita e centro esquerda punidas nas urnas
Neste cenário, os gregos votaram contra os socialistas do Pasok
(centro-esquerda) e o ND (centro-direita), adversários políticos que se
uniram em novembro passado em um movimento inédito para formar um
governo de coalisão comprometido com o corte de gastos e benefícios
sociais.
Após o pleito, o ND saiu de 33,5% nas eleições de 2009 para menos de
19%, ou 108 cadeiras no Parlamento. O Pasok despencou de 43% para 13%
dos votos e elegeu apenas 41 deputados, enquanto o Syriza conquistou 52
representantes e tornou-se a segunda força política grega, defendendo a
revogação das medidas de austeridade implementadas e a investigação do
sistema bancário do país.
Conciliar os interesses e visões destes partidos em um momento de
crise é uma tarefa complexa, pois as legendas antiausteridade que
ganharam espaço também possuem outros questionamentos sobre a UE. “Esses
grupos criticam a maneira como a Grécia se inseriu no grupo e ao
paradigma da liberalização financeira e da mobilidade de capital no
bloco, mas sem uma política unificada em direitos trabalhistas ou de uma
rede de proteção social entre os 27 países membros”, explica Mauricio
Santoro, doutor em Ciências Políticas e professor de Relações
Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Por isso, Lazarou acredita que as chances de se formar um governo de
coalisão com maioria absoluta no Parlamento são remotas. “Mesmo a ND e o
Pasok não conseguiram um acordo sobre o plano da UE. Não vejo como
formar um governo de salvação nacional”, vaticina Kai Enno, PhD em
Relações Internacionais e professor da Universidade de São Paulo.
Segundo ele, uma provável nova eleição fortaleceria ainda mais os
partidos extremos da esquerda e direita, “porque a incapacidade [da
atual coalisão] em formar um governo evidencia os problemas do país.”
Santoro, no entanto, acredita que uma coalisão instável e sujeita a
pressões externas deve se formar. Mas em um novo pleito, diz, as
correntes mais afastadas do centro ganhariam espaço, embora seja
improvável a formação de um governo contra austeridade entre extrema
direita, esquerda e centro-esquerda. “Nunca houve uma coalisão assim,
pois mesmo que as visões econômicas sejam semelhantes, há uma diferença
grande em outros valores destes partidos.”
A retórica da renegociação do resgate econômico grego proposta pelo
Syriza, entre outros partidos menores, vai de encontro às pressões de
diversas autoridades europeias, segundo as quais a austeridade é
necessária. Não há espaço para uma visão distinta. “Deve ficar claro
para a Grécia que não há alternativa ao programa de consolidação
acordado, caso queira continuar a ser membro da Eurozona”, alertou Jörg
Asmussen, membro da diretoria do Banco Central Europeu no início da
semana.
Mas os analistas ouvidos por CartaCapital acreditam que a
possibilidade da saída do euro ainda não está posta, embora o cenário
possa mudar rapidamente. O fator chave para a manutenção da moeda única
na Grécia, apontam, seria o resultado de um acordo entre França, que tem
em seu novo presidente, François Hollande, um defensor de estímulos ao
crescimento, e a Alemanha de Angela Merkel, pró-austeridade.
“Há uma mudança de visão, temos a ascenção do Hollande na França e
talvez a UE vai reconsiderar a forma de enfrentar os problemas. Além
disso, os três partidos que ganharam as eleições e parte de legendas
menores são a favor do euro”, comenta a professora da FGV.
Santoro também destaca o posicionamento fraco-alemão como fundamental
para a Grécia, mas aventa a possibilidade de uma nova moratória do
país. “A saída do euro ainda não chegou à mesa.”
Mas a demora para a definição do novo governo também pode forçar a
Grécia a deixar o euro, diz Enno. “É possível que a Grécia siga o
exemplo da Bélgica, que ficou mais de um ano sem um líder eleito, mas
isso seria péssimo. Neste cenário, o país estaria em falência, uma vez
que depende de empréstimos, e teria que sair da moeda única. Isso
significa que a Zona do Euro enfrentaria um temor de contágio, pois o
que impediria a Itália ou outros países de fazer o mesmo?.”
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quinta-feira, 10 de maio de 2012
Yvonne Maggie: falsificação de citações, adulteração de arquivos e desonestidade intelectual
Idelber Avelar na REVISTA FÓRUM
Este não será um texto sobre racismo nem sobre cotas. Escrevo sobre o tema há alguns anos mas, nos últimos tempos, tenho me limitado a divulgar, admirar e comentar os textos em que, com prosa cintilante, pesquisa histórica exaustiva e sensibilidade incomum,
Ana Maria Gonçalves se dedica a esmiuçar os caminhos do racismo
brasileiro. Não se tratará, aqui, portanto, do já conhecido rosário do
negacionismo brasileiro. Distorções e omissões várias são sua matéria
cotidiana, mas o tema aqui será algo bem mais grave, a falsificação de
citações e a posterior adulteração de um arquivo para tentar encobrir
dita falsificação, depois que a mentira foi denunciada, aqui mesmo na
Revista Fórum. O caso é sério, especialmente porque sua autora é
professora numa das instituições universitárias mais respeitadas do
país, a UFRJ. Não se trata de um erro ou de um engano, como se verá
adiante.
Em seu texto “A constitucionalidade das cotas raciais no Brasil”, publicado no portal d’O Globo no dia 23/04, Yvonne Maggie escreveu:
Em Thirteen ways of looking at a black man, de Henry Louis Gates Junior, professor de Harvard, há uma história reveladora do que se passou depois da lei dos direitos. Neste livro, Harry Belafonte conta que alguns anos depois de 1964 fora convidado para fazer um filme. O produtor, muito animado, lhe dissera: “Harry, será maravilhoso, vamos fazer um filme dirigido e estrelado por negros, produzido por negros, com música feita por negros e vai ser belíssimo”. Ao que o ator, nervoso, respondeu: “Não quero fazer parte disso, passei tantos anos lutando para sair do gueto, não serei eu a me enfiar de novo nele”. Gates conta que durante a entrevista, após esta declaração de Harry, seguiu-se um silêncio constrangedor, só quebrado com uma sonora gargalhada do entrevistado e a seguinte frase: “Eu não aceitei a armadilha, mas é claro que Sidney Poitier aceitou e ficou rico estrelando todos aqueles filmes”.
Pois bem, tudo o que está nesse parágrafo é falso. Nada disso se encontra no livro Thirteen ways of looking at a black man,
de Henry Louis Gates. Como está longamente explicado no texto de Ana,
Yvonne Maggie simplesmente atribuiu a Henry Louis Gates Jr. algo que ele
jamais escreveu. Colocou entre aspas, atribuída a “um produtor”, uma
frase que jamais foi dita ao ator Harry Belafonte. Atribuiu ao próprio
Belafonte, ativista dos direitos civis, uma frase que ele não
pronunciou, e por cuja atribuição ele com certeza poderia processar
criminalmente Yvonne Maggie. A suposta paráfrase que começa com “Gates
conta que …” também é falsa, e tem como predicado algo que Gates nunca
contou. A frase seguinte, entre aspas e atribuída a Harry Belafonte,
também é uma fabricação de Yvonne Maggie.
As falsificações têm como objetivo manipular a voz de
dois negros respeitados – ambos ativistas da luta pelos direitos civis e
pela cidadania afro-americana – de forma a fazer parecer que eles
tivessem corroborado a fantasia de Yvonne Maggie, de que a luta pelas
políticas de ação afirmativa é uma forma de “se enfiar de novo no gueto”
(expressão jamais atribuída a Harry Belafonte no livro de Henry Louis
Gates). Daí a falsificação das datas: as duas histórias a partir das
quais Yvonne Maggie constrói sua mentira (e que tem com esta pouquíssima
relação) aconteceram por volta de 1959-60. Ela adultera a data para
“depois de 1964” de forma que as declarações possam parecer uma recusa
da “volta ao gueto” posterior à publicação da legislação dos direitos
civis nos EUA. Caso você queira saber o que realmente está escrito no
livro de Henry Louis Gates, basta ler o artigo de Ana.
Como se verá lá, trata-se de dois episódios, nenhum dos quais tem o
conteúdo sugerido por Yvonne Maggie ou contém as frases colocadas por
ela entre aspas.
O parágrafo com as falsificações, que se encontra no texto de Yvonne Maggie
… Opa! Peraí. O parágrafo já não está lá! Citado por Ana no texto
publicado aqui na Fórum, o trecho foi posteriormente retirado, sem
qualquer aviso, justificativa ou crédito a quem havia apontado o seu
“engano”. A professora da UFRJ se esqueceu de que havia escrito na
Internet, onde blogueiro véio não é bobo. Já acostumados com a
desonestidade intelectual do negacionismo brasileiro, fotografamos a
página antes da adulteração. Eis aqui o printscreen do texto de Yvonne
Maggie com a falsificação agora ocultada. É só clicar e ampliar:
.
A professora Yvonne Maggie, portanto, não apenas
adulterou citações, falsamente atribuindo a líderes negros
norte-americanos frases que eles jamais disseram. Quando pega na
mentira, adulterou o arquivo que ela mesma havia escrito, sem qualquer
reconhecimento da falsificação. Não deixa de ser uma estratégia comum do
negacionismo brasileiro: apagar, “branquear” as marcas da barbárie.
Depois do pós-neoliberalismo: um socialismo com características latino-americanas?
Fernando Marcelino no CORREIO DA CIDADANIA |
O ciclo hegemônico neoliberal do capitalismo, que começou nos anos 1970, agora está em todo o mundo, no mínimo, capengando.
Podemos dizer que o “neoliberalismo realmente existente” começou a
tomar maiores desdobramentos com o fim do sistema de Bretton Woods, na
crise dos anos 1970, com a liberalização e desregulamentação dos
mercados financeiros, os ataques ao papel intervencionista do Estado na
formação de preços e políticas de privatização e flexibilização das
relações de trabalho.
Além disso, as políticas neoliberais compreendiam a financeirização
das corporações e a especulação financeira como elementos importantes na
maximização dos lucros, e a segmentação dos elos das cadeias produtivas
das corporações e sua re-localização em países e regiões que
oferecessem melhores condições de mão-de-obra barata, infra-estrutura
menos onerosa e estabilidade política e social. Nesse período a
ortodoxia neoliberal passou a dominar as instituições financeiras
internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, tornando-se os principais
agentes na promoção das políticas de “ajustes estruturais”.
Já no final da década de 1980 a “onda neoliberal” parecia perder o
ímpeto, em razão de sua incapacidade de transformar as conquistas
iniciais na consecução de seu principal objetivo programático: promover
uma reanimação do capitalismo avançado mundial. Com o fim da URSS e o
colapso do socialismo real o neoliberalismo ganhou um novo respiro, com
uma possibilidade de expansão única num período de “fim da história” em
que “não há alternativa”. Sua ideologia se disseminou: a vitória do
Ocidente na guerra fria, com o fim da URSS, não foi o triunfo de
qualquer capitalismo, mas do “capitalismo neoliberal”.
Neste momento o neoliberalismo encontrou uma conjuntura social tão
favorável que lhe foi permitido espalhar-se rapidamente por todas as
regiões (e quase todos os países) do mundo: além de reafirmar sua
hegemonia nos países capitalistas avançados, tomou de assalto o Leste
Europeu, a América Latina, África e parte da Ásia. Foi precisamente
neste período que ocorreu a consolidação do neoliberalismo, a vitória do
pensamento neoliberal no plano político-ideológico.
Na década de 1990, os países latino-americanos, em sua grande
maioria, adotaram práticas de cunho neoliberal em seus sistemas
sócio-econômicos, políticos e ideológicos. Além do Chile, Bolívia,
México, Argentina e Venezuela, países pioneiros na implantação do
regime, o neoliberalismo surgiu no Brasil em momento crítico à política
nacional-desenvolvimentista. Após a crise da dívida, diversas tentativas
de estabilização inflacionária, fracassos dos planos econômicos, o
projeto neoliberal foi ganhando espaço político no país. No Brasil, o
neoliberalismo nasceu associado à abertura econômica e à democratização,
culminando com a derrota do protecionismo e com a diminuição dos
direitos trabalhistas provenientes do populismo. As orientações
neoliberais foram acolhidas por amplos setores da sociedade brasileira,
de governantes e empresários a lideranças do movimento popular e
sindical, além de intelectuais. Embora desde a década de 1980 as medidas
neoliberais tenham sido aplicadas no Brasil, a ofensiva maior ocorreu
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Na América Latina, o século XXI começou com um período de prolongada
instabilidade frente ao esgotamento do neoliberalismo e as dificuldades
de construção de projetos alternativos. O ciclo de crises regionais, da
crise mexicana de 1994, brasileira em 1999 e argentina em 2000,
configuraram a ampla crise ideológica do neoliberalismo – diferentemente
do que está ocorrendo agora na Europa.
A expansão descontrolada do neoliberalismo na América Latina
precipitou rapidamente sua crise de legitimação pela desregulamentação
dos mercados de trabalho, entreguismo e privatização generalizada de
setores estratégicos da economia nacional, ataques aos movimentos
sociais combativos e sucateamento estatal.
Da crise de legitimidade prematura do neoliberalismo periférico
latino-americano abriram-se diversos espaços de disputa política para a
construção de alternativas “pós-neoliberais”.
Para Emir Sader, existem duas vertentes do campo pós-neoliberal na
América Latina: Brasil, Argentina, Uruguai por um lado, e Venezuela,
Bolívia e Equador por outro. Na primeira existiriam governos
anti-neoliberais, cujas políticas buscam a superação desse modelo; na
segunda existiriam governos também com a pretensão de ser
anticapitalista. Para ambas vertentes, o principal eixo político da
América Latina seria o enfrentamento entre o neoliberalismo e o
pós-neoliberalismo. Comentando este processo a partir do Brasil, Sader
escreve:
“Sem uma estratégia pré-definida, Lula buscou avançar pelas
linhas de menor resistência. Centrou seu governo em dois eixos
fundamentais, que o diferenciou dos governos neoliberais e o aproximou
dos novos governos latino-americanos. Eixos que representam os elos mais
frágeis do neoliberalismo: a prioridade das políticas sociais ao invés
da do ajuste fiscal e a prioridade dos processos de integração regional
em lugar dos Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos. São essas
as duas características comuns aos governos latino-americanos que
podemos caracterizar como pós-neoliberais. É o caso da Venezuela, do
Brasil, da Argentina, do Uruguai, da Bolívia e do Equador, que em seu
conjunto mudaram a fisionomia do continente e se constituem no único
núcleo regional atual de resistência ao neoliberalismo”.
Atualmente existem governos pós-neoliberais na maioria dos países
sul-americanos e nos países centro-americanos. Portanto, por mais que o
neoliberalismo permaneça hegemônico em grandes partes do mundo, o
pós-neoliberalismo já apresenta amostras em alguns países
latino-americanos, seja pelo viés do pós-neoliberalismo lulista ou pelo
viés (ainda incipiente) anticapitalista.
No caso de Venezuela, Bolívia e Equador, esses governos, em maior ou
menor grau, optaram por políticas de confronto explícito com o ideário e
os agentes neoliberais, colocando em marcha políticas de caráter
anti-neoliberal e politizando setores que eram excluídos da cena
política, incentivando amplos processos de transformação social. Essa
experiência, assim como todas da humanidade, não está livre de
contradições. O “pós-neoliberalismo bolivariano” executado na Venezuela,
por exemplo, depende do lucro do
comércio do petróleo para o financiamento do Estado, conferindo à
economia do país um elevado grau de volatilidade, devido às flutuações
do mercado internacional. Por não haver diversificação do aparelho
produtivo nacional, o país continua refém das oscilações do preço do
petróleo para a efetivação dos programas sociais. Entretanto, o
“pós-neoliberalismo bolivariano” é marcado pela intervenção estatal na
politização e mobilização das favelas, organizando unidades militares,
incentivando a organização política nas bases da sociedade,
diferentemente do “pós-neoliberalismo lulista” que amplia o descrédito
do espaço político e cultural, considerando o desenvolvimento do
capitalismo como foco principal no desenvolvimento da América Latina.
No caso do Brasil, o governo pós-neoliberal seria capaz de dar o
salto estratégico para aumentar o controle dos capitalistas e do mercado
impulsionando novas polarizações políticas, sociais e culturais rumo ao
encontro com um novo horizonte latino-americano? Afinal, é compatível
articular estas transformações sem fazer mudanças que limitem o poder
dos capitalistas e da “canalha ilustre” do Estado, mantendo a dívida da
“governabilidade de coalizão”? Haveria disposição política de fazer isso
e colocar em jogo a conciliação de classes existente para impulsionar
tal tipo de reformas pós-neoliberais? Teriam os governos de
centro-esquerda na região capacidade de enfrentar os monopólios e
oligopólios capitalistas e dar um salto estratégico do
pós-neoliberalismo ao socialismo?
Se for correto utilizar o termo “pós-neoliberalismo” para as
experiências dos novos governos progressistas que subiram ao poder
principalmente pelo vazio político constituído pelo esgotamento social
da hegemonia neoliberal, é decisivo encontrar os limites e contradições
destas experiências. Minimizar tais contradições é um profundo erro
político, um verdadeiro desvio na articulação de um projeto de
emancipação popular.
Estes complexos processos pós-neoliberais, que ainda necessitam
demonstrar porque podem ser alternativas reais considerando as possíveis
formas de regresso do neoliberalismo, não devem ser confundidos com uma
transição pós-capitalista.
Nossa pergunta é: quando vamos conseguir tocar na questão de fundo de
qualquer transformação pós-capitalista, no caso, os meios de produção?
Em nosso momento, é urgente colocar na ordem do dia um caminho de
desenvolvimento que não seja exclusivamente capitalista para o
pós-neoliberalismo, uma transição que afete as estruturas oligárquicas e
que avance na criação de formas de propriedade que possam se
transformar em formas socialistas.
Um projeto do pós-neoliberalismo ao socialismo depende de
potencializar a descentralização e a autonomia das empresas e unidades
produtivas e, ao mesmo tempo, que faça possível a efetiva coordenação
das grandes orientações da política econômica. Um socialismo que promova
diversas formas de propriedade social, desde empresas cooperativas até
empresas estatais e associações destas com capitais privados, passando
por um amplo leque de formas intermediárias nas quais trabalhadores,
consumidores e técnicos estatais se combinem de diversas formas para
engendrar novas relações de propriedade sujeitas ao controle popular,
sem confundir propriedade pública com propriedade estatal.
A dinâmica das diversas formas de propriedade num processo de
transição socialista deve deixar claro que a propriedade privada não
seria o fator determinante numa economia de mercado predominantemente
socializada.
Para lidar com o mercado se impõe um nível de planejamento mais
flexível, mas que delimita progressivamente o comportamento do setor
privado na economia pela modernização da propriedade estatal e
cooperativa. O Socialismo de Mercado, assim, não é para o mercado manter
suas relações caóticas e anárquicas, mas para utilizar os mecanismos
dos mercados numa melhor alocação dos recursos e estimular a competição
entre os capitais, visando alcançar os limites do capitalismo junto com
uma transição socialista que prevê o controle da reprodução social pelos
produtores associados de diversas formas que se sustentem
reciprocamente. O objetivo é uma transição em que o capital se oponha a
este processo com uma posição historicamente retrógrada e insustentável
devido ao dinamismo das propriedades públicas, estatais e não estatais,
com um sistema orgânico entre produção e distribuição, descentralização
do poder político e radical transgressão da divisão social hierárquica
do trabalho.
Esse “socialismo de mercado com características latino-americanas”
seria uma forma de superar o neoliberalismo aprofundando a coexistência
de formas de propriedade estatal, pública não-estatal, cooperativas,
empreendimentos de economia solidária e de propriedade privada com
diversos mecanismos de controle dos trabalhadores, consumidores e
técnicos, descentralizando os poderes de decisão e a produção/circulação
de conhecimentos de forma material e imaterial. Superar a antinomia
falsa entre planificação socialista e o mercado faz parte deste processo
de transição, ainda mais quando os objetos veiculados pelo mercado são
materiais e imateriais. Qualquer socialismo de mercado depende de ampla e
complexa planificação. Um socialismo de mercado não é uma convivência
pacífica com o mercado dominado pelo capitalismo. Não devemos confundir
mais capitalismo ou “livre iniciativa” com mercado.
Qualquer socialismo demanda formas de controle dos elementos que
produzem o mercado. Devemos mostrar que é possível um mercado sem a
dominação da propriedade privada. Claro que um dos objetivos do
socialismo é suprimir o mercado, mas isso não se dará de maneira
imediata por decreto, estatização total ou isolamento num só país, mas
pelas próprias contradições do mercado mundial. É a partir daí que
podemos buscar elementos mínimos para elaborar o projeto de um
socialismo com características latino-americanas que, felizmente, ainda
está trilhando apenas seus primeiros passos. Obviamente, não se trata de
um experimento simples.
Fernando Marcelino é economista.
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Dr. Rosinha: “Alguns segmentos da imprensa terão de ser investigados, sim”
Deu no Painel, da Folha de S. Paulo, dessa quarta-feira, 9 de maio.
O deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), um dos “soldados” citados, estranhou a nota.
“Eu não sei de nenhuma reunião secreta na liderança do PT do Senado. E
se houve, não participei”, diz. “E não tendo participado, fui escalado,
segundo a Folha. Só que até agora eu não fui avisado, a não ser pelo Painel.”
“O foco da CPI não será a mídia. O PT tem defendido que o foco seja a
organização criminosa comandada pelo Carlos Cachoeira”, afirma. “E se a
investigação revelar que essa organização tem tentáculos, braços, nós
vamos investigá-los. Portanto, se tiver algum órgão de imprensa
envolvido, esse tentáculo também será investigado.”
“Se alguém disse a frase ‘se a mídia quer guerra, ela vai ter
guerra’, não saiu de ninguém do PT de reunião em que eu tenha
participado. Até porque o nosso objetivo não é a imprensa, mas a
organização criminosa do Cachoeira”, reitera. “Agora, se algum
jornalista ou empresa de comunicação tiver algum problema identificado,
será investigado como qualquer suspeito de crime.”
Nós entrevistamos o Dr. Rosinha no final da noite dessa quarta-feira
9. Ele é suplente da CPI do Cachoeira. O suplente, ao contrário dos
muitos imaginam, pode fazer tudo — ter acesso aos documentos sigilosos,
questionar os depoentes, se manifestar — , exceto votar, se o titular
estiver presente. E quando o titular se ausenta, o suplente vota também.
Na terça-feira, o Dr. Rosinha participou da sessão secreta da CPI que
ouviu o depoimento do delegado da Polícia Federal (PF) Raul Alexandre
Marques Souza, que comandou a Operação Vegas.
Viomundo – Os documentos já vazados da Operação Monte Carlo
indicam que o esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira teria um braço na
mídia. O que achou das revelações nesse setor até agora?
Dr. Rosinha – Oficialmente, dentro da CPI, ainda há
muito pouca coisa nessa área . Nós tivemos o primeiro depoimento – o do
delegado da Vegas — na terça-feira. E os documentos que chegaram à
Câmara, ainda não deu tempo para analisarmos.
De modo que tudo o que saiu sobre a imprensa e a organização
criminosa do Cachoeira foi publicado por outros veículos da imprensa.
Mas o pouco que ouvi na terça-feira do delegado da Polícia Federal,
alguns segmentos da imprensa terão de ser investigados, sim
Viomundo — O que o senhor ouviu?
Dr. Rosinha – Eu não posso revelar, porque a reunião
foi secreta. Mas o delegado disse que há mais de um jornalista citado
nas escutas telefônicas do Cachoeira. Lembre-se de que ele falou apenas
sobre a Operação Vegas.
Viomundo – É só a Veja ou há mais veículos citados nos grampos da Operação Vegas?
Dr. Rosinha – Tem mais veículos envolvidos.
Viomundo – Quer dizer que o delegado abordou, mesmo, a participação da mídia no esquema do Cachoeira?
Dr. Rosinha — A sessão de terça foi sobre a
investigação e as escutas telefônicas da Operação Vegas. Nas gravações
com o Cachoeira, segundo o delegado, foram feitas referências a três
jornalistas de veículos diferentes.
Viomundo – Quantos veículos?
Dr. Rosinha – Foram citados três jornalistas de três
veículos diferentes. Nós, agora, vamos continuar a apuração. Se forem
mantidas as informações que ouvimos, cabe investigação.
Viomundo – Tanto o procurador-geral da República, Roberto
Gurgel, quanto a mídia estão batendo na mesma tecla: a convocação dele
para depor na CPI seria uma manobra para desviar a atenção do chamado
mensalão. O que acha dessa teoria?
Dr. Rosinha – O chamado mensalão está no STF e não
mais na Procuradoria Geral da República. O STF vai fazer o julgamento no
momento em que julgar que está tudo preparado para fazê-lo.
Eu não entrei nessa CPI para vingar absolutamente nada. Nem ninguém.
Eu assim como todos os demais petistas integrantes da CPI – e nós
conversamos sobre isso — entramos nela, porque existe uma organização
criminosa que tem de ser investigada.
Se o procurador for convocado, não tem nada a ver com o chamado
mensalão. Tem a ver com o fato de ele ter ficado mais de dois anos sem
dar encaminhamento ao relatório da Operação Vegas, da Polícia Federal.
Ele não mandou arquivar nem tocou adiante. Por que ele fez isso? Essa
explicação ele deve não para a CPI, ele deve para toda a sociedade.
Afinal, enquanto ele ficou sem dar continuidade ao relatório da Vegas, o
crime organizado foi mantido. Na verdade, essa atitude dele contribuiu
para que demorasse ainda mais a investigação.
Viomundo – Caso a CPI do Cachoeira convoque algum jornalista
para depor, a mídia dirá que é um atentado à liberdade de imprensa e à
liberdade de expressão. O que acha disso?
Dr. Rosinha — Quer dizer que jornalista não pode ser
investigado? Cada vez que um jornalista é investigado é censura, é
atentado à liberdade de imprensa? Aí, eu estaria dizendo que
jornalistas, de uma maneira geral, poderiam cometer crimes. Isso é um
desvio de atenção. É querer se resguardar de qualquer tipo de
investigação.
O Murdoch que o diga na Inglaterra. É algo muito semelhante. A
empresa do Murdoch grampeou telefones. O que se tem até agora é que o
jornalista da Veja, o Policarpo Jr., usou material de telefones grampeados ilegalmente, como fez o pessoal do Murdoch, na Inglaterra.
O jornalista da Veja sabia ou não que o material era
proveniente de grampo ilegal? Bem, a suspeita de que ele sabia é muito
forte. Isso tem que ser investigado, porque se confirmada essa prática,
ficará caracterizado crime muito semelhante ao que tinha na
Inglaterra.
Agora isso não é censura. Vão dizer que na Inglaterra estava tendo
censura? Não estava, estava tendo investigação. Então, no Brasil, eu
acho que a CPI tem de ter a liberdade de investigar todos os cidadãos e
cidadãs sobre os quais forem levantadas suspeitas.
Viomundo – Então todo suspeito será investigado?
Dr. Rosinha – Todas as conversas que estamos tendo
são no sentido de focar no crime organizado. Toda vez que houve CPI,
dois ou três deputados eram a festa da mídia. E o corruptor, você se
lembra de quantos foram punidos? NENHUM!
Agora, há um corruptor, que é do crime organizado, com empresas
legais. Afinal, ele tem de lavar o dinheiro. Acho que é um grande
momento na República para se investigar tudo isso.
Não se trata de tirar o foco de políticos. Mas ver que tem um
segmento importante que manda no Estado brasileiro. Ele tem poder no
Parlamento – já está aí o caso do senador. Tem poder na polícia – já tem
o policial federal preso. Tem poder no Executivo. E tem poder na mídia.
É como a máfia italiana que está em tudo.
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Classes médias?
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por Silvio Caccia Bava no DIPLO-BRASIL | ||
As classes médias são algo difícil de entender. Talvez até porque sob
essa classificação convivam tribos muito diferentes. E são elas, no
entanto, que terão um papel decisivo nas próximas eleições, seja nos
Estados Unidos, seja na cidade de São Paulo. A disputa de significados não é sem razão. O conceito de classe média que for adotado vai abrir campos de identidades e de alianças. O conceito que se impõe, pela força que tem a lógica do mercado, é o da capacidade de consumo. A classe média, nesse caso, se define por sua capacidade de consumo. E como o aumento da capacidade de consumo do brasileiro mais pobre tem se elevado, isso abre espaço para uma operação ideológica, que é chamá-lo de classe média e reforçar a ideia de ascensão social, de que ele está melhorando de vida. Essa visão pretende que o povão apoie o governo e busque, nas eleições, a continuidade dessas políticas que o favorecem. No plano do imaginário social, essa operação é um sucesso, e o apoio ao governo da presidente Dilma demonstra isso. Um Brasil que cresce, que melhora a vida dos mais pobres. Esse é um sentimento compartilhado por uma grande maioria. Mas, no plano material, a realidade é outra. As melhorias são bastante limitadas, e o piso do qual partimos é muito baixo. Não estamos falando de uma sociedade de bem-estar. Acima de uma renda de R$ 530 por mês aqui no Brasil, você é classe média. Explico-me: o governo define que a classe média parte de R$ 1.740 e vai até quase R$ 8.000 de renda familiar mensal. O IBGE diz que uma família é composta em média de 3,3 pessoas. Então, façamos a conta: R$ 1.740 dividido por 3,3 pessoas é igual a R$ 527,27. Aí começa a classe média baixa, com uma capacidade de consumo de R$ 17,57 por dia. Esses brasileiros não são classe média, são pobres que melhoraram um pouco de vida. Seus valores, suas referências, são distintos dos da classe média. Mas há um esforço midiático para trazê-los à condição de classe média, para afirmar que mudaram de condição de vida, ascenderam socialmente. A aposta política é que eles vão lutar para manter as melhorias em sua condição de vida. O jogo é com o medo de perderem o que conquistaram. Nessa linha, terão de votar no governo, na continuidade das políticas públicas. Outra leitura parte de situações de crise, como na Grécia, onde as mobilizações de protesto contra os cortes nas políticas sociais ganharam a adesão das classes médias. Nesse caso, são outras forças políticas e sociais – trabalhadores, jovens, desempregados, aposentados – que puxam as mobilizações. E a classe média adere, atraída pela força do movimento. O recorte não se dá pela capacidade de consumo, mas pela luta para garantir direitos, para mudar as políticas de governo. Mas aí vem o paradoxo: ainda que tenham participado das mobilizações, essas classes médias reafirmaram seu apoio, nas eleições, aos setores conservadores. Provavelmente o conceito de classe média como ator político não se sustenta. Não conseguimos explicar com a mesma lógica os distintos comportamentos dos grupos sociais que a integram. Esse conceito tenta pasteurizar diferenças importantes e pode ter sido criado justamente para isso. A grande maioria dos participantes das manifestações que ocuparam as praças da Europa e dos Estados Unidos nos últimos meses é de jovens de classe média. Estariam eles influenciados pela Primavera Árabe, um amplo movimento popular? Há todo um conjunto de referências culturais que dão identidade às classes médias. Não é só a capacidade de consumo que as define. Afinal, se temos um torneiro mecânico e um advogado que ganham R$ 6 mil por mês, os dois são classe média? A classe média tem acesso à educação, vai ao cinema e à academia, frequenta bares e restaurantes, tem carro, vive em um mundo distinto do popular. E como podemos entender o movimento dos estudantes no Chile pela democratização do acesso à educação? É um movimento de juventude? É um movimento de classe média? Ou é os dois? Eles conquistaram a adesão de professores e sindicatos de trabalhadores para sua luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade. Provavelmente o que chamamos de classe média também tenha outras identidades – jovem, mulher, gay, estudante etc. –, e talvez sejam essas outras identidades que irão buscar os melhores candidatos para a defesa de seus direitos. A trama eleitoral fica mais complexa.
Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
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O ataque de O Globo à blogosfera
Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:via BLOG DO MIRO
Em editorial publicado hoje (08/05), O Globo, no afã de defender sua
comparsa de denúncias e factoides, a revista Veja, sobe o tom dos
ataques da mídia corporativa contra a blogosfera (veja reprodução
comentada no blog da Maria Frô).
A peça, que vem com as digitais do “imortal” Merval Pereira, intitula-se “Roberto Civita não é Rupert Murdoch”, e é nosso dever admitir que, ao menos no título, está certa. Com efeito, o megaempresário proprietário do jornal sensacionalista News of the World é acusado tão-somente de grampear meio mundo no Reino Unido, enquanto as acusações que pesam sobre a publicação de Civita são muito mais sérias - pois, como aponta Luis Nassif, "a parceria com Veja tornou Cachoeira o mais poderoso contraventor do Brasil moderno, com influência em todos os setores da vida pública".
Quem te viu, quem te vê: O Globo, um jornal sempre tão sensível às denúncias de corrupção, agora que a casa cai descarta como insignificante o envolvimento de Veja com o maior contraventor de nossos dias...
Folha corrida
A peça, que vem com as digitais do “imortal” Merval Pereira, intitula-se “Roberto Civita não é Rupert Murdoch”, e é nosso dever admitir que, ao menos no título, está certa. Com efeito, o megaempresário proprietário do jornal sensacionalista News of the World é acusado tão-somente de grampear meio mundo no Reino Unido, enquanto as acusações que pesam sobre a publicação de Civita são muito mais sérias - pois, como aponta Luis Nassif, "a parceria com Veja tornou Cachoeira o mais poderoso contraventor do Brasil moderno, com influência em todos os setores da vida pública".
Quem te viu, quem te vê: O Globo, um jornal sempre tão sensível às denúncias de corrupção, agora que a casa cai descarta como insignificante o envolvimento de Veja com o maior contraventor de nossos dias...
Folha corrida
Em post
Em histórico, Nassif, que tem o mérito indiscutível de ter revelado com
grande antecedência o grau de perversidade das práticas de Veja -
sofrendo retaliações judiciais e ataques a sua família -, elenca nada
menos do que nove suspeitas "que necessitam de um inquérito policial
para serem apuradas",advindas das relações da publicação com Daniel
Dantas e com Carlos Cachoeira. Há desde invasão de quarto de hotel até
publicação de matéria falsa, passando por tentativa de manipulação da
Justiça e negligência para informar o público como forma de beneficiar o
esquema do bicheiro nos Correios.
Temos, portanto, uma vez mais, de concordar com o perspicaz editorialista: “Comparar Civita a Murdoch é tosco exercício de má-fé”.
Tática desqualificadora
Temos, portanto, uma vez mais, de concordar com o perspicaz editorialista: “Comparar Civita a Murdoch é tosco exercício de má-fé”.
Tática desqualificadora
O Globo – que ajudou a repercutir quase todas as denúncias deVeja contra
o governo federal – abre o editorial cuspindo fogo: “Blogs e veículos
de imprensa chapa branca que atuam como linha auxiliar de setores
radicais do PT desfecharam uma campanha organizada contra a revista
'Veja'”.
É a mesma lenga-lenga de sempre, tentar desautorizar a opinião divergente desqualificando-a como ideológica e partidariamente engajada (como se as do jornal não o fossem...). Pior: trata-se de uma dupla mentira. Primeiro, porque qualquer analista que se dedicar a examinar, com isenção, os blogs até agora citados neste post – o de Maria Frô, o de Nassif e este aqui -, além de vários outros, há de constatar a presença de diversos textos críticos em relação ao governo federal (sendo que cansei de ler acusações raivosas, por parte de governistas, a mim e a Frô devido a nossas ponderações).
Jornalismo partidário
É a mesma lenga-lenga de sempre, tentar desautorizar a opinião divergente desqualificando-a como ideológica e partidariamente engajada (como se as do jornal não o fossem...). Pior: trata-se de uma dupla mentira. Primeiro, porque qualquer analista que se dedicar a examinar, com isenção, os blogs até agora citados neste post – o de Maria Frô, o de Nassif e este aqui -, além de vários outros, há de constatar a presença de diversos textos críticos em relação ao governo federal (sendo que cansei de ler acusações raivosas, por parte de governistas, a mim e a Frô devido a nossas ponderações).
Jornalismo partidário
A outra mentira é a afirmação de que se trata de uma “campanha
organizada”. O que move a maioria absoluta da blogosfera não é uma
inexistente palavra de ordem partidária, mas a genuína indignação pelo
estado a que chegou o jornalismo brasileiro após uma década de ação
irracional, não profissional, esta sim partidarizada (como a própria
Judith Brito, executiva do Grupo Folha e sindicalista patronal, admitiu,
com a insolência característica).
Uma ação, por um lado, descaradamente engajada na defesa do grande capital, do demotucanato e do mercado financeiro (como a reação ante o corte de juros promovido pelo governo federal ilustra de forma inconteste); por outro lado, hidrófoba no trato com tudo o que diga respeito a avanços sociais, democracia racial e o cumprimento, ainda que tímido, do programa das forças de centro-esquerda que venceram, de forma legítima, as eleições.
Inverdades a granel
Uma ação, por um lado, descaradamente engajada na defesa do grande capital, do demotucanato e do mercado financeiro (como a reação ante o corte de juros promovido pelo governo federal ilustra de forma inconteste); por outro lado, hidrófoba no trato com tudo o que diga respeito a avanços sociais, democracia racial e o cumprimento, ainda que tímido, do programa das forças de centro-esquerda que venceram, de forma legítima, as eleições.
Inverdades a granel
Esperar que o editorialista de O Globo admitisse tais fatos seria o
cúmulo da ingenuidade. Ao invés disso, ele prefere gastar parágrafos
numa digressão sobre ética jornalística em que, citando até os
“Prinípios Editoriais das Organizações Globo” - pausa para a gargalhada –
faz uma tremenda ginástica verbal para fingir não apenas que os
procedimentos de Veja não pertencem à esfera criminal, mas que são
eticamente legítimos. Mais cara de pau impossível.
Por fim, o editorial recorre a mais uma inverdade, ao afirmar que “não houve desmentidos das reportagens de 'Veja' que irritaram alas do PT”, emendando com uma das poucas afirmações verdadeiras da peça: “Ao contrário, a maior parte delas resultou em atitudes firmes da presidente Dilma Roussef, que demitiu ministros e funcionários, no que ficou conhecido no início do governo como uma faxina ética.”
Dilma e a mídia
Por fim, o editorial recorre a mais uma inverdade, ao afirmar que “não houve desmentidos das reportagens de 'Veja' que irritaram alas do PT”, emendando com uma das poucas afirmações verdadeiras da peça: “Ao contrário, a maior parte delas resultou em atitudes firmes da presidente Dilma Roussef, que demitiu ministros e funcionários, no que ficou conhecido no início do governo como uma faxina ética.”
Dilma e a mídia
Neste ponto só nos resta lamentar, por um lado, que o editorialista de O
Globo trate seus leitores como idiotas, ao negligenciar-lhes o fato
óbvio de que houve um cálculo político – em que pesou o receio de que o
bombardeio denuncista midiático pudesse afetar a governabilidade e o
grau de aprovação da administração– a motivar a decisão de Dilma em
relação à maioria das demissões.
Por outro lado – e provando inverídica, uma vez mais, a acusação de chapa-branquismo – é preciso reafirmar nossa posição contrária à maneira como Dilma Rousseff administrou suas relações com a mídia no primeiro ano de seu governo, cortejando-a e cedendo com tibieza às pressões advindas das denúncias e factoides, ao invés de reagir de forma condizente e fazer valer o poder do Executivo no sentido de pressionar por um jornalismo ético.
Crise de confiança
Por outro lado – e provando inverídica, uma vez mais, a acusação de chapa-branquismo – é preciso reafirmar nossa posição contrária à maneira como Dilma Rousseff administrou suas relações com a mídia no primeiro ano de seu governo, cortejando-a e cedendo com tibieza às pressões advindas das denúncias e factoides, ao invés de reagir de forma condizente e fazer valer o poder do Executivo no sentido de pressionar por um jornalismo ético.
Crise de confiança
A blogosfera política é muito mais ampla e diversificada do que O Globo
quer fazer crer – e ele poderia facilmente constatar tal fato se se
propusesse a praticar jornalismo de verdade ao invés de se enlamear em
tramas fantasiosas, denuncismo tendencioso e associações suspeitas.
O crescimento e o peso crescente da blogosfera e das redes sociais como fatores de contrainformação não pode ser explicado pela fórmula simplista do engajamento partidário. Tal sucesso advém, em larga medida, justamente da descrença no consórcio Abril-Rede Globo-Grupo Folha, descrença esta que tende a se difundir exponencialmente à medida que as reportagens da TV Record sobre a Veja atingirem um público exponencialmente maior.
Um editorial como o de O Globo de hoje só açula o descrédito e a desconfiança em relação ao jornalismo que o jornal pratica e que endossa.
O crescimento e o peso crescente da blogosfera e das redes sociais como fatores de contrainformação não pode ser explicado pela fórmula simplista do engajamento partidário. Tal sucesso advém, em larga medida, justamente da descrença no consórcio Abril-Rede Globo-Grupo Folha, descrença esta que tende a se difundir exponencialmente à medida que as reportagens da TV Record sobre a Veja atingirem um público exponencialmente maior.
Um editorial como o de O Globo de hoje só açula o descrédito e a desconfiança em relação ao jornalismo que o jornal pratica e que endossa.
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Procurador-Geral de Justiça do estado
Inês do Amaral Büschel no CORREIO DA CIDADANIA |
Esse é o nome do cargo do chefe do Ministério Público
Estadual. Entretanto, é muito comum as pessoas, em geral, confundirem
essa denominação com a do chefe da Procuradoria-Geral do Estado, que é o
nome do cargo da chefia do quadro dos Procuradores do Estado. Ambos são
cargos de âmbito estadual, todavia, esses profissionais exercem funções
públicas bem distintas. O Procurador-Geral de Justiça é membro do
Ministério Público, portanto não exerce a advocacia pública, que lhe é
vedada. O Procurador-Geral do estado, por sua vez, é um advogado
público, integrante da carreira de Procuradores do Estado. Ambos
ingressam em suas carreiras por intermédio de concursos públicos, porém
diferentes.
Para melhor entendimento dessas funções públicas, é
sempre bom lembrar que o Ministério Público é uma instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal).
Saliente-se aqui que o MP tem o monopólio da ação penal pública, podendo
processar criminalmente a todos nós e às autoridades constituídas,
inclusive. Seus membros têm a garantia da vitaliciedade, inamovibilidade
e irredutibilidade de subsídios, além de terem assegurada,
constitucionalmente, a independência funcional.
Quanto à Procuradoria do Estado (advogados públicos),
diz a Constituição Federal em seu artigo 132 que esses profissionais
exercem a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas. Têm assegurada a estabilidade.
Quero aqui abordar a regra constitucional que determina a
forma pela qual um membro do Ministério Público Estadual conquista o
cargo de Procurador-Geral de Justiça. Trata-se do artigo 128, II, § 3º
(CF): "Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na
forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será
nomeado pelo chefe do Poder Executivo para mandato de dois anos,
permitida uma recondução".
Essa mesma redação acima citada veremos repetida na Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público, nº 8.625/93, artigo 9º, que no
seu § 1º diz: "A eleição da lista tríplice far-se-á mediante voto plurinominal de todos os integrantes da carreira". Faz-se importante mencionar também que o § 2º desse mesmo artigo diz: "A
destituição do Procurador-Geral de Justiça, por iniciativa do Colégio
de Procuradores, deverá ser precedida de autorização de um terço dos
membros da Assembléia Legislativa".
A partir da regra constitucional e da regra legal
federal acima citadas, cada estado da República Federativa brasileira
tem sua própria Constituição Estadual e fará editar sua lei estadual,
regulamentando tal eleição. Tomarei aqui como exemplo o estado de São
Paulo. A Constituição Estadual paulista determina em seu artigo 20,
XXIII, que compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa "destituir o Procurador-Geral de Justiça, por deliberação da maioria absoluta de seus membros"; e, no artigo 94 manda que "Lei Complementar, cuja iniciativa é facultada ao Procurador-Geral de Justiça, disporá sobre [...] II - elaboração
de lista tríplice, entre integrantes da carreira, para escolha do
Procurador-Geral de Justiça pelo Governador do Estado, para mandato de
dois anos, permitida uma recondução".
Pois bem, dando seqüência, a Lei Complementar Estadual
de São Paulo acima mencionada é a de nº 734/93. O artigo 10 dessa lei
diz: "O Procurador-Geral de Justiça será nomeado pelo chefe do Poder
Executivo, dentre os Procuradores de Justiça integrantes de lista
tríplice elaborada na forma desta lei complementar, para mandato de dois
anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento". Logo em seguida, no § 1º desse artigo 10, lemos: "Os
integrantes da lista tríplice a que se refere este artigo serão os
Procuradores de Justiça mais votados em eleição realizada para essa
finalidade, mediante voto obrigatório, secreto e plurinominal de todos
os membros do Ministério Público do quadro ativo da carreira".
O § 2º desse mesmo art. 10, por sua vez, determina que: "Caso
o chefe do Poder Executivo não efetive a nomeação do Procurador-Geral
de Justiça nos quinze dias que se seguirem ao recebimento da
lista-tríplice, será investido automaticamente no cargo o membro do
Ministério Público mais votado, para exercício do mandato".
Vê-se que não há regra jurídica que obrigue o governador
do estado a nomear o candidato mais votado na lista tríplice composta
pelos membros do MP. Ao chefe do Poder Executivo é assegurada a livre
escolha de qualquer um dos componentes da referida lista, mesmo que este
venha a ser o terceiro colocado.
Daí surge a pergunta: por que, então, realizar-se a
eleição interna com voto obrigatório? Parece-nos à primeira vista uma
exigência ilógica. Bem, mas teremos que raciocinar com o seguinte dado
de realidade: a) o MP não é, formalmente, um poder constituído de nossa
República Democrática, que adotou a tripartição do poder em Legislativo,
Executivo e Judiciário; b) os membros do MP - tais quais os juízes de
direito - não são eleitos, mas sim concursados, e são vitalícios.
Portanto, considerando-se que todo o poder emana do povo soberano, quem
detém a legitimidade do poder popular é o governador eleito. Estaria aí a
razão para somente o chefe do Executivo ter o poder de escolha do PGJ, e
de sua nomeação.
Mas não nos parece estranho que o governador possa
escolher, sozinho, dentre os componentes da lista tríplice formada por
eleição, o seu possível acusador de crimes que, por desventura, venha a
cometer? Isso não fere a autonomia funcional do MP? Afinal, nem os
governadores são santos e nem os membros do MP são anjos. É fato que,
sendo pessoas de carne e osso, bem instruídas formalmente, costumam
pautar-se pelo bem comum. Todavia, não estão a salvo de praticar crimes.
Os meios de comunicação nos informam, vez ou outra, da má conduta de
alguns agentes públicos. Portanto, todo cuidado é pouco. O povo precisa
acautelar-se com os desmandos praticados tanto por burocratas, como por
juízes de direito, legisladores e governantes.
O atual perfil constitucional do Ministério Público
surgiu na época da reconquista do regime democrático pelo povo
brasileiro, após duas décadas de vigência de uma ditadura civil-militar
que governou com pleno arbítrio. No transcorrer da elaboração de nova
Carta Magna, na Assembléia Nacional Constituinte (1986-1988), debateu-se
como deveria compor-se a instituição que, no futuro, viesse a defender
toda a sociedade de qualquer ameaça de arbítrio. Era preciso que seus
membros tivessem garantias institucionais para poder enfrentar
interesses escusos de poderosos. Mas, por outro lado, a cidadania exigia
que houvesse uma forma de contrapeso e/ou accountability dessa
instituição. Nos embates políticos entre os parlamentares conservadores
e progressistas da época, restou entendido que melhor seria o
governador do Estado escolher o PGJ em lista tríplice, que lhe seria
oferecida após eleição interna.
Nesse período da Assembléia Nacional, ainda no âmbito da
Comissão de Organização dos Poderes e Comissão de Sistematização, entre
os meses de junho-julho de 1987, havia a sugestão de que caberia ao
próprio MP a eleição de seu Procurador-Geral e ponto final. Porém, logo
no mês de agosto seguinte, já aparece a menção à feitura de uma lista
tríplice. Por fim, com a formação do famigerado "Centrão" (núcleo de
parlamentares conservadores) é que surge a idéia de eleição de uma lista
tríplice pelos membros da carreira do MP, para ofertá-la ao chefe do
Poder Executivo que teria livre escolha. Esta sugestão foi a que
prevaleceu e consta do texto da atual Constituição Federal de 1988.
Passados mais de vinte anos da vigência de nossa
Constituição, percebemos a incoerência dessa regra. O chefe do Poder
Executivo não pode concentrar tal poder político sobre o seu eventual
acusador criminal. Já basta que é o governador quem tem a "chave do
cofre público". Essa situação incoerente fomenta, a cada eleição de PGJ,
a realização de nefastos lobbies, tanto de grupos internos como externos, visando obter o beneplácito do governador.
É um tanto ridículo tudo isso. O povo trabalhador - que
detém todo o poder - está afastado dessas ingerências e, em geral, nada
sabe sobre esses fatos. Nem mesmo a sociedade civil organizada – por
exemplo, os movimentos sociais – sabe ao certo o que faz o
Procurador-Geral de Justiça. Mas é preciso que todo o povo saiba disso.
Não só a escola, mas também os meios eletrônicos de comunicação de massa
deveriam ter a iniciativa de instruir a população sobre isso, fazendo
uma eficiente divulgação.
Aos integrantes do MP que, a cada época de eleição do
PGJ se revoltam com a não nomeação do candidato mais votado, seria
importante que se mobilizassem politicamente pela mudança da regra
constitucional. Nesse sentido já existe uma Proposta de Emenda
Constitucional tramitando no Senado Federal: a PEC 31/2009.
Enquanto essa luta se trava no Congresso Nacional, será
preciso que os membros do MP prestem muita atenção ao eleger seu
governador. E, por outro lado, também é necessário que se aproximem mais
do povo trabalhador que, via de regra, é desrespeitado pelo Poder
Público. Eu só tenho a lamentar que uma expressiva maioria de Promotores
e Procuradores de Justiça esteja, a cada dia, distanciando-se dos
cidadãos pobres deste país. Já não se ocupam tão bem do atendimento ao
público, ao menos com o rigor que se exigiria de um ombudsman.
Nem mesmo o Ouvidor do MP é eleito pela sociedade civil organizada, mas
sim é designado pelo PGJ - após eleição interna ou não - entre
integrantes da própria carreira. Um absurdo.
Penso que cada membro do Ministério Público deveria
indignar-se com a obscena desigualdade social brasileira e, diante
disso, adotar como meta a exigência de primorosa eficiência nos serviços
públicos de relevância, tais como: acesso à justiça, segurança pública,
transporte, saúde, educação e moradia. Isso já proporcionaria bem-estar
para a população pobre e de classe média. Os cidadãos abastados também
merecem proteção, todavia, já têm dinheiro e meios suficientes para
suprir suas necessidades básicas.
Por último, com relação à forma de escolha do PGJ,
gostaria de sugerir o seguinte: a) vimos que, legalmente, cabe à
Assembléia Legislativa a eventual destituição do PGJ; b) por outro lado,
sabemos que o MP detém muito poder político-jurídico, e isso impõe a
necessidade de contrapeso/accountability; c) seria, então,
muito melhor que tirássemos do Poder Executivo a faculdade de escolha do
PGJ e o transferíssemos à Assembléia Legislativa, que é a verdadeira
Casa do Povo. Teria então a Assembléia a possibilidade de aprovar por
maioria absoluta o candidato mais votado na lista tríplice. A luta
política se daria no campo parlamentar e seria mais legítima, difusa e
representativa.
Inês do Amaral Büschel é Promotora de Justiça de São Paulo, aposentada; associada do Movimento do Ministério Público Democrático.
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terça-feira, 8 de maio de 2012
Dilma mira poupança com desculpa esfarrapada
Rodrigo Choinski no CORREIO DA CIDADANIA |
A reorganização da economia brasileira sob a batuta da presidente em
chefe Dilma Rousseff frente à crise econômica global, não pára de
eclodir em pequenas novidades aleatórias. O alvo agora é a poupança.
“Nossa” chefe maior anunciou que pretende uma reestruturação da
principal forma utilizada pelos brasileiros para pouparem suas
economias. A idéia é simples e palatável. Com os juros base baixando,
chegaria um ponto em que a poupança seria mais vantajosa que os títulos
governamentais, pois tem um piso de juros fixado em lei (6,17% ao ano);
assim o governo não teria mercado para financiar seu endividamento.
Ninguém compraria títulos do governo, aplicariam na poupança.
O objeto da mudança é óbvio, baixar o piso de rendimento fixado em
lei, ou talvez acabar com ele. Mas será mesmo aquele o motivo? Não seria
melhor criar uma modalidade especial de poupança que garantisse o
rendimento, como é hoje, mas que tivesse condicionalidades para que
apenas os trabalhadores pudessem acessá-la, ou talvez fixar valores
máximos, evitando que investidores migrassem para a poupança? É claro
que há mais por trás disto. Podemos pensar em três razões.
1) Super-consumo
A fórmula de super-consumo, que tem nos EUA sua estrutura mais
determinada, traz vários benefícios para a manutenção da ordem
capitalista. O crédito barato garante os lucros da iniciativa privada,
pela manutenção de preços sobrevalorizados, pagos em parcelas
compatíveis com salários baixos. O consumo estéril de porcarias
tecnológicas (entre outras), com sua devida obsolescência programada e
altos custos ambientais e humanos, dá uma falsa idéia de prosperidade e
liberdade – mesmo nos regimes mais fechados e oligárquicos, como no
Brasil ou nos EUA – servindo como um útil sistema de controle social.
Por outro lado, o mesmo tipo de consumo endivida o trabalhador, exigindo
uma maior disciplina e a aceitação de condições cada vez piores de
trabalho, sem contar no desestimulo à sindicalização e à luta por
direitos. É a chantagem do capital, que ameaça com o desemprego aquele
que não se submete ao seu regime. Com uma poupança menos vantajosa e
crédito mais barato, o que teremos é o aumento desenfreado deste tipo de
consumo.
2) Acabar com a vantagem da poupança frente a fundos de investimento
Vimos nos últimos tempos uma queda de rendimentos de fundos de
investimento (CDIs, por exemplo). Alguns destes fundos concorrem
diretamente com a poupança e têm levado desvantagem. Esta queda é
reflexo de uma economia em crise, pois os fundos têm seus ganhos
baseados na efetividade econômica de seus repasses para a dita ‘economia
real’. Se os negócios vão mal estes fundos acompanham. Retirar o
rendimento piso da poupança daria fôlego para esta modalidade de
investimento, inclusive evitando possíveis quebras, pois também demandam
um fluxo continuo de recursos para se manter, que, secando, trariam uma
evolução negativa.
3) Super-lucros
É claro, os bancos e seus fundos de investimentos ganhariam com a
mudança, mas mais que isto, pagando menos pela poupança teriam acesso a
dinheiro mais barato. A maioria dos trabalhadores que mantém o dinheiro
na poupança não vai deixar de fazê-lo mesmo que haja uma queda de
rendimento. Diminuir a já ínfima parte que repassam aos trabalhadores
por deixarem seu dinheiro para os bancos utilizarem nas suas negociatas é
um lucro fácil e certo.
Rodrigo Choinski
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Proposta que confisca propriedade com trabalho escravo deve ser votada nesta terça
Felipe Prestes no SUL21
Após oito anos parada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
438/2001, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, deve ser votada nesta
terça-feira (8) pela Câmara dos Deputados. A proposta determina que o
empresário que tiver explorando trabalho escravo terá suas terras ou
imóvel urbano confiscado para reforma agrária ou uso social nas cidades.
No que depender do presidente Marco Maia, estará pautada uma sessão
extraordinária para votá-la, no início da noite, após a sessão
ordinária. O petista, entretanto, vai colocar o tema em debate na
reunião de líderes, que ocorre no início da tarde.
A PEC do então senador Ademir Andrade (PSB-PA) foi aprovada no Senado
em 2001, chegou à Câmara, onde foi aprovada em primeiro turno em2004. A
votação em segundo turno pode ocorrer agora, oito anos depois, fruto da
pressão do Governo Federal e de movimentos sociais. No mês de março, a
presidenta Dilma Rousseff estabeleceu, inclusive, prazo para votação da
PEC: até o dia 13 de maio, aniversário de 124 anos da Lei Áurea, que
acabou com a legalidade da escravidão no país. Maia apoiou a escolha da
data e prometeu colocar em pauta nesta semana.
Para ativistas que combatem o trabalho escravo, a PEC é importante,
porque as multas e sanções que são aplicadas a empresários não têm sido
suficientes para conter a prática. “A PEC do Trabalho Escravo é hoje a
lei mais relevante em trâmite no Congresso no combate ao trabalho
escravo, porque confisca a propriedade. É muito paradigmática, porque
deixa claro que o Estado brasileiro não aceita esta violação à dignidade
humana”, afirma Leonardo Sakamoto, jornalista e diretor da ONG Repórter
Brasil, que desde 2001 reporta casos de violação aos trabalhadores
rurais.
Sakamoto relata que, desde 1995, quando o Governo Federal reconheceu a
existência do trabalho escravo no país e criou um sistema público de
combate à prática, 42 mil trabalhadores já foram libertados desta
condição. Hoje, 291 empregadores estão no cadastro do trabalho escravo,
atualizado semestralmente, a maior parte deles está no campo. Para o
jornalista, contudo, o tema é mais próximo da população das cidades do
que parece. “Faz parte da nossa alimentação e do nosso vestuário. É
interessante que a gente, que se beneficia disto, pressione para que não
aconteça mais”, diz.
Voto aberto pode ajudar na aprovação
Nesta terça (8), às 11h, movimentos sociais como o MST e a
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre
outras entidades, e artistas como Osmar Prado. Letícia Sabatella, Bete
Mendes e Paulo Betti, além de intelectuais e integrantes da Igreja farão
ato na Câmara dos Deputados para entrega de abaixo-assinado com cerca
de 50 mil assinaturas pela aprovação da PEC. Entidades farão vigília no
Congresso durante todo o dia.
Para Leonardo Sakamoto, a aprovação depende de não haver
subterfúgios, como a falta de acordo entre líderes ou a falta de quórum
para a votação. “O voto é aberto, isto ajuda. Acredito que uma vez
colocado em votação, será aprovado”, diz. Para ser aprovada, uma PEC
precisa de 3/5 dos votos. Normalmente, a bancada ruralista tem tido bem
mais que 2/5 dos votos na Casa, mas, como o voto é aberto, o diretor da
Repórter Brasil crê que pouco se arriscariam em votar contra uma matéria
que ajuda a combater o trabalho escravo. “Qual deputado vai querer
votar contra uma lei que vem sendo chamada de nova Lei Áurea, em ano
eleitoral?”, questiona.
Ainda assim, Sakamoto diz que na Câmara “tudo pode acontecer” e
considera uma incógnita se a PEC chegará a ser votada mesmo. “Não tenho
resposta. Depende muito se o Governo Dilma vai entrarem campo. Depende
se o Governo ainda tem base aliada, se o Congresso ainda se importa com
os temas que o Governo prioriza, se base aliada não é aliada apenas em
temas que lhe interessa”, diz. Caso seja aprovada, a PEC precisa voltar
ao Senado, porque a Câmara fez alterações no texto, incluindo os imóveis
urbanos.
Deputado ruralista acredita que trabalho escravo não está bem definido na PEC
Para o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) ainda não é o momento da PEC
ser apreciada. “A PEC não tem um conceito definido de trabalho escravo.
Vai deixar na mão do fiscal que for na fazenda? Fiscal não pode ser
quem decide, cada fiscal faz o que quer, é uma ditadura do fiscal”, diz.
Segundo Colatto, o Ministério do Trabalho tem uma instrução normativa
com 255 exigências aos produtores e eles poderiam perder sua
propriedade por questões não tão importantes. “Nenhuma propriedade no
Brasil cumpre todas estas exigências, e é uma instrução normativa, não
tem respaldo em lei. Quando o funcionário toma água na bica, o produtor
pode ser enquadrado. Tem que ter um banheiro para cada dez funcionários,
azulejo na cozinha. Como vai fazer isto?”.
Para o peemedebista, o produtor rural também não pode ser cobrado da
mesma maneira que uma indústria, por exemplo. “Uma propriedade rural no
meio da Amazônia não pode ter a mesma estrutura que em uma indústria”.
O deputado também ressalta que está ocorrendo na Câmara uma CPI do
Trabalho Escravo e que, portanto, seria mais adequado esperar o fim dos
trabalhos para apreciar a PEC com mais subsídios. “Tem uma CPI que vai
ouvir todos os lados. Agora não é o momento de votar. Não sei por que
tanta pressão se tem uma CPI. Seria uma irresponsabilidade aprovar
agora, vai criar mais conflitos, pode criar desemprego”, diz.
Colatto acredita que se a proposta entrar em votação será derrotada.
“Se o governo quer tanto colocar, tem que colocar na pauta. Vai ser
derrotado”.
Conceito de trabalho escravo é claro, garante Sakamoto
Para Leonardo Sakamoto, o conceito de trabalho escravo é claro, tanto
que está na lei brasileira, no artigo 149 do Código Penal. De acordo
com o texto legal, a condição análoga à da escravidão se dá quando o
trabalhador é submetido a trabalho forçado, a jornada exaustiva, ou a
trabalhar em condições degradantes. O trabalho forçado pode se dar,
segundo a lei, por dívidas contraídas com o empregador, por cerceá-lo de
meios de transporte, manter vigilância ostensiva para que ele não deixe
o local de trabalho ou se apoderar de seus documentos.
O diretor da Repórter Brasil ressalta que o trabalho escravo não está
apenas na legislação brasileira, mas em convenções e tratados
subscritos pelo país na esfera internacional, em instituições como a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e as Nações Unidas. Além
disto, afirma o jornalista, o STF, o TST e outros tribunais brasileiros
já têm inúmeras decisões contra o trabalho escravo. “Primeiro, os
ruralistas diziam que o trabalho escravo não existia. Quando as
evidências contrariavam muito isto, passaram a dizer que o conceito não é
claro. Para estas pessoas não adianta mostrar convenções da OIT, da
ONU, o artigo 149 do Código Penal. Não adianta apresentar fatos para
quem não quer ouvi-los”, diz.
Sakamoto também rebate o argumento de que fazendeiros poderiam perder
sua propriedade por pequenas coisas como não ter azulejo na cozinha.
Segundo ele, é muito comum proprietários que são enquadrados mostrarem
apenas parte de suas autuações, ocultando os motivos principais. “O
trabalho escravo é conjunto da obra”, diz. O jornalista explica que na
maioria das propriedades que descumprem alguma exigência do Ministério
do Trabalho, os empregadores corrigem os erros e não são enquadrados na
lista suja do trabalho escravo. “Apenas 42 mil trabalhadores foram
libertados e existem 18 milhões de trabalhadores rurais no país. Se
fosse como o deputado diz, este número seria muito maior”.
Para jornalista, função social da propriedade é o cerne da discordância
Leonardo Sakamoto ressalta que a imensa maioria dos proprietários
rurais cumpre com suas obrigações trabalhistas. No entanto, a PEC
preocupa grande parte deles porque mexe com a propriedade, dando caráter
efetivo à função social da propriedade, pouco cumprida no Brasil.
“Certa vez o Ronaldo Caiado (deputado federal, DEM-GO) chegou a
dizer que se podia jogar na cadeia quem tivesse trabalho escravo em sua
fazenda, mas que não se tirasse a propriedade. O medo é vincular à
função social. É que haja outros mecanismos, como desapropriar
propriedades por crimes ambientais, por trabalho infantil. Para eles a
propriedade é inviolável”, diz.
O ativista afirma que os produtores deveriam entender que há concorrentes praticando dumping
social, levando vantagem ao submeter trabalhadores a condições
degradantes. “A maioria fica dentro da lei, dá qualidade de vida a seus
trabalhadores e sofre concorrência desleal de quem não dá”, diz.
Ele afirma também que é comum empresários agradecerem depois de
sofrerem pressão da Repórter Brasil e regularizarem sua situação.
“Ruralistas já me agradeceram por terem sido fiscalizados. Hoje, podem
dizer, por exemplo, para o cliente europeu que seu algodão é limpo, o
que não se pode dizer da produção no Paquistão e na Índia”.
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