A
gigante taiwanesa Foxconn, primeira fornecedora mundial de eletrônicos e
principal empregador privado da China, está cada vez mais espremida em
seu bunker gigante em Shenzhen Longhua. A companhia se desloca para
Dongguan, depois a Sichuan, local emblemático da sua renovação
industrial
|
por Jordan Pouille no LeMondeBrasil |
(Trabalhadores da Foxconn participam de celebração de "valorização da vida", em Longhua, na província de Guangdong)
"É a primeira vez que eu falo com um estrangeiro. Você conhece o Michael Jackson? Tenho todas as músicas dele no meu telefone!”
É meia-noite e meia e estamos diante da entrada de Hongfujin, um braço
da Foxconn dedicado ao iPod. Na umidade noturna de Longhua, na periferia
de Shenzhen Longhua, um grupo de cozinheiros ambulantes, com o
fogareiro a gás soldado na garupa do triciclo, veio concorrer com a
cantina da fábrica. Eles atiçam esses milhares de jovens em jaquetas
rosa ou pretas que deixam o local de trabalho com a barriga vazia.
Alguns estão curiosos e nos abordam de maneira cândida e brincalhona.
Para os clientes sentados em volta do carrinho de Bo Zhang, a porção de
yakisoba sai por 3 yuans.1 Sozinho, Bo prepara ao menos mil
por dia. “Os chefes da Foxconn preferem manter seus empregados perto das
fábricas durante a pausa para a refeição. Então, assim que a gente
chega, esses safados abaixam o preço dos pratos da cantina para 1,50
yuan, em vez dos 4 yuans que custam normalmente!”
Bo Zhang é um ex-operário da Foxconn. Ele trabalhava na oficina de
laminagem das tampas metálicas dos MacBooks, em uma sala malventilada e
barulhenta, de calor sufocante; a poeira de alumínio recobria sua pele e
seus cabelos. Na época, os operários não apenas não tinham nenhum
contato com a hierarquia taiwanesa, mas até mesmo os executivos chineses
evitavam qualquer relação com seus pares taiwaneses, que eram os que
decidiam. Todos os seus pedidos para mudar de área eram recusados. Ele
deixou a fábrica depois de um ano, em maio de 2010. Para voltar melhor.
“Agora, são os operários que me fazem viver”, diverte-se. Em volta do
seu restaurante improvisado não tem guarda: apenas uma multidão de
jovens cansados, que preferem a simpatia de Bo à disciplina estrita que
reina na Foxconn, do outro lado dos portões de segurança. Segundo eles,
as humilhações e as punições dos chefes das oficinas pararam depois do
escândalo dos suicídios em série, durante o primeiro semestre de 2010.2
“Os gerentes são bem mais discretos. Na verdade, não os ouvimos mais.
Se temos a cabeça no lugar, dá para levar. Eu trabalho de pé, mas tenho
uma pausa de dez minutos a cada duas horas”, conta-nos Yang,3
21 anos e muito magro. Seu colega, Cao Di, se lembra das vexações
passadas: “Quando a meta de produção não era atingida, precisávamos
refletir sobre nossos erros ficando de pé, de frente para a parede,
durante seis horas”.
Apesar de tudo, a regra continua severa: “Evidentemente, deixamos
nossos telefones celulares na entrada e não podemos nem ir ao banheiro,
nem falar, nem beber um gole de água durante o trabalho”. É preciso
esperar as pausas. Juntos, os dois jovens embalam 8 mil iPads por dia,
das 8h às 19h. “Desde os da primeira geração, em 2010”, precisa um, com
orgulho.
Foi aqui, em 1988, em Longhua, na periferia de Shenzhen, que o fundador
taiwanês da Foxconn, Terry Tai Ming Gou, construiu sua primeira fábrica
chinesa. Fechados em um galpão de 3 quilômetros quadrados cercado pelos
dormitórios, 350 mil operários fabricam ali, dia e noite, as
impressoras e os cartuchos de tinta Hewlett-Packard (HP), os
computadores Dell ou Acer, os e-Readers Kindle da Amazon, os
Playstations da Sony e todos os produtos da Apple.
Diante da insaciável demanda mundial suscitada pelos produtos da Apple,
a Foxconn construiu duas fábricas suplementares, ainda maiores: uma em
Sichuan para os iPads e a outra em Henan para os iPhones. A produção
começou em 30 de setembro de 2010 na primeira e em agosto de 2011 na
segunda. Cada uma emprega cerca de 200 mil operários.
Em Shenzhen, desde a manhã, homens de terno escuro, imperturbáveis,
jogam baralho em uma sala enfumaçada. Eles administram uma dezena de
dormitórios com fachadas azulejadas, como existem em todo canto em
Shenzhen. Esses gerentes recebem os aluguéis de 12 mil operários
apertados nos 1,5 mil quartos (moças e rapazes separados), em nome de um
rico proprietário.
Por falta de espaço suficiente, a Foxconn abriga apenas 25% da sua mão de obra, num “campuscom
piscina olímpica, salões de ginástica e hospitais”, clamam os
comunicados de imprensa. A imensa maioria do pessoal ocupa então os
dormitórios privados construídos de qualquer jeito, colados uns aos
outros, em terrenos sem nome de rua. Os operários se encontram assim à
mercê dos comerciantes de todo tipo e dos hoteleiros gananciosos sobre
os quais a firma taiwanesa não tem nenhum controle.
De sua pick-up sofisticada, os policiais de Longhua acionam uma câmera
rotativa. Seu medo são as tentativas de manifestação recorrentes na
província; por outro lado, eles parecem muito mais tolerantes com
relação aos incontáveis bordéis camuflados em karaokês ou em salões de
massagem. Enfrentando as denúncias, a Foxconn declara: “Nunca
tentaríamos recorrer ao trabalho de menores. Se casos foram descobertos,
foi porque os trabalhadores utilizaram documentos falsos e pareciam
mais velhos do que sua idade”, já declarou a empresa. Investigações
feitas pela Apple em 2011 mostraram a presença de crianças em cinco dos
seus fornecedores.4
Em Longhua, a ingenuidade da mão de obra só se equipara a seu apetite
consumista. Após a saída das fábricas, os operários nadam em um universo
de tentações abordáveis. Os dormitórios mais próximos das saídas da
fábrica (Norte, Sul, Leste, Oeste) estão repletos de publicidades
luminosas e sonoras de telefones celulares ou bebidas energéticas. Na
rua, os jovens são pescados pelo megafone: pelúcias gigantes, bijuterias
vagabundas... ou até jaquetas Foxconn falsificadas, a 35 yuans cada,
“para o caso de eles terem perdido aquela dada pela direção no dia da
contratação e que eles devem usar obrigatoriamente seis dias por
semana”, diz a vendedora.
Longe do barulho, embaixo de uma loja de cobertores, ressoam os cantos
de uma igreja evangélica que conseguiu escapar do departamento de
assuntos religiosos de Shenzhen. “Deus os chama”, podemos até ler em
letras verdes e vermelhas na janela do primeiro andar. Desde sua
abertura, há cinco anos, operários da Foxconn vêm rezar, chorar e cantar
ali, de dia e de noite. Suas doações já permitiram comprar um pequeno
piano e financiar os deslocamentos de um pastor que mora em Dongguan.
Por enquanto, nada que perturbe as autoridades.
E também, em abril de 2011, um milagre: o metrô finalmente chegou a
Longhua. A cada oito minutos, um trem com ar condicionado para no
terminal de Qinghu, na Avenida Heping, e leva a juventude operária até
Lohuo, o bairro animado de Shenzhen, de frente para Hong Kong. “Cada vez
mais tráfego, tentações e insegurança”, resume Sunny Yang, engenheiro,
voltando de uma noitada de badminton entre amigos. Ele vive em Longhua
com a esposa e a filha de 2 anos e suporta cada vez menos a vida na
cidade-fábrica.
Uma nova população, mais velha, chega à cidade. Esses sexagenários não
se mudaram para o meio das fábricas por prazer, mas porque seus filhos
trabalhadores, empregados da Foxconn, chamaram por eles para cuidar de
sua prole. É o caso de Lei, 23 anos, originária de Hunan e mãe de um
menininho de 2 anos e meio: “Meus pais também foram operários migrantes
na região, e seu hukou rural [passaporte interno] não permitia a
inscrição na escola [os migrantes não têm os mesmos direitos que os
urbanos, principalmente com relação ao acesso aos serviços públicos].
Então eles deixaram o vilarejo. Durante toda a minha infância eu só os
via uma vez por ano, durante o Ano-Novo chinês. Eu não quero que meu
filho conheça a mesma solidão. Quero que ele tenha uma escolaridade
aqui, mesmo se eu tiver de pagar o preço”, reivindica essa jovem, que
nos fez visitar sua modesta morada.
Por enquanto, a família vive a três em um quarto de 9 metros quadrados,
por 350 yuans ao mês. Grande o suficiente para caber o colchão, a
televisão e o carrinho do bebê. O marido de Lei monta telefones fixos
Cisco, doze horas por dia, seis dias por semana. Ele ganha bem a vida:
até 4 mil yuans por mês. Lei parou de trabalhar quando o filho nasceu.
Ela está grávida de cinco meses. Quando o segundo filho nascer, ela vai
trazer seus pais aposentados e voltará ao trabalho, para dobrar o
salário da família.
Em Longhua, muitas mães e futuras mães irritam seus superiores
hierárquicos na fábrica. “Quando descobri que estava grávida, meu chefe
de seção me fez esperar dez dias antes de me isentar da passagem pelo
detector de metais. E quando pedi para mudar de seção, ele recusou. Tive
de convencer seu superior”, revela essa jovem. Grávida de oito meses,
Jun Hao trabalha agora na etiquetagem de caixas de computador. “Eu colo
adesivos por 3 mil yuans ao mês. É justo, não?” Depois do parto, ela
deve receber uma licença-maternidade de três meses: “Minha mãe não
acredita nem um pouco nisso, mas consta claramente no contrato”.
No centro ginecológico Huaai de Longhua, as operárias vão com o
companheiro recolher todo tipo de informações ligadas à maternidade ou à
contracepção. Apesar da decoração rosa-bebê, esse estabelecimento de
saúde se beneficia de uma parceria com o Exército Popular de Libertação
(EPL). A maioria dos seus médicos são oficiais militares. Ficamos sem
palavras diante dos cartazes ilustrados de educação sexual fixados ao
longo das calçadas, que um guarda nos proíbe terminantemente de
fotografar. “A homossexualidade é um fenômeno cultural como o
sadomasoquismo. Ele ainda não atingiu sua maturidade na China”, podemos
ler – modo de dizer que a sociedade chinesa não estaria completamente
pronta para aceitar a homossexualidade.
Para conservar sua mão de obra, a Foxconn deve agora disputar com os
patrões de pequenas fábricas que não hesitam mais em colar suas ofertas
de emprego até nas portas dos dormitórios nem a se alinhar com os
salários em vigor em Longhua. Eles aproveitam o ambiente high-tech da
zona industrial para vir fabricar seus próprios telefones, destinados
aos mercados modestos das pequenas cidades ou zonas rurais chinesas. “O
que perdemos em custo de mão de obra recuperamos na nossa margem, pois
vendemos diretamente nosso produto aos consumidores”, explica um homem
de negócios. De fato, os telefones KPT, inspirados nos Blackberry, ou os
Ying Haifu, parecidos com os Nokia, são também fabricados em Longhua.
Com essa concorrência e o ânimo de consumo dos jovens, a firma
taiwanesa escolheu continuar seu desenvolvimento em outro lugar, mais
para o interior do país, em províncias distantes dos portos comerciais,
onde é possível repensar um complexo industrial de A a Z e onde os
responsáveis locais lhe estendem o tapete vermelho. Como em Pixian, na
periferia de Chengdu, província de Sichuan, onde a Danone engarrafa sua
água Robust e a Intel fabrica seus processadores.
No dia 16 de outubro de 2009, ou seja, até mesmo antes da onda de
suicídios do primeiro semestre de 2010, uma promessa de investimento
conjunto foi assinada com as autoridades de Sichuan. O canteiro de obras
teve início em 25 de julho de 2010; a produção começou em 30 de
setembro. Mas uma explosão mortal aconteceu sete meses depois, causada
por um defeito estrutural de ventilação, como estabeleceu uma
investigação do New York Times detalhando as condições de trabalho dos operários de Chengdu.5
Hoje, a Foxconn fabrica ali 12 milhões de iPads por trimestre, ou seja,
dois terços de sua produção total, divididos em oito fábricas e
cinquenta linhas de produção superpostas em um perímetro de 4
quilômetros quadrados.
Aqui, nada de bordéis barulhentos e karaokês brilhantes nem anúncios
luminosos, fábricas de telefones falsificados e igrejas evangélicas: os
operários evoluem obedientemente em uma cidade-fábrica nova em folha,
higienizada, com arquitetura neostalinista. Rodovias com três pistas de
cada lado ligam as fábricas maciças A, B e C às portas dos dormitórios
1, 2 ou 3. São os ônibus articulados da cidade de Chengdu que garantem o
translado, tanto de dia como à noite – devagar, para escapar dos
radares eletrônicos. Além das betoneiras, os caminhões de mercadorias e
os carros de polícia são os únicos veículos que vemos circular em
Pixian.
Esse novo conjunto industrial, edificado em um tempo recorde – 75 dias –
por Jiangong, uma empresa controlada pela cidade de Chengdu, se situa
em uma nova zona franca; por isso, ele está isento de imposto.
A instalação da Foxconn é descrita na imprensa local como “o projeto
número 1 do governo de Sichuan”. Para agradar a Terry Gou, as
autoridades construíram seis novas estradas, duas pontes e 1,12 milhão
de metros quadrados de superfície habitável para os operários. Eles
gastaram 2,2 bilhões de yuans em indenizações de expropriações para 10
mil famílias, cujos catorze povoados foram dizimados a partir de agosto
de 2010.6
As novas fábricas da Foxconn não são nada além de austeras construções
brancas cheias de milhares de pequenas janelas pintadas. Elas se
espalham ao longo de duas avenidas retilíneas com nomes evocativos: Tian
Sheng Lu (“Céu Vitória”) e Tian Run Lu (“Céu Lucro”). Nenhuma rede
antissuicídio foi colocada em volta das fábricas, como é o caso em
Longhua. A mão de obra, mais jovem, é com certeza a mais mal paga – o
salário de base é de 1.550 yuans, contra 1.800 em Shenzhen –, mas ela é
da região e pode visitar a família mais facilmente. “Culturalmente,
Chengdu não tem nada a ver com Shenzhen, que é uma cidade composta
exclusivamente de migrantes. Nossa usina de Longhua conta, por exemplo,
com 20% de jovens de Henan e 10% de Sichuan”.
Segundo os testemunhos recolhidos por lá, as próprias autoridades
locais se encarregaram do recrutamento – prova de que Chengdu leva esse
projeto muito a sério. Cada vilarejo da província de Sichuan viu, assim,
impostas cotas de trabalhadores a fornecer à Foxconn. “Eu aceitei a
oferta do chefe de partido do vilarejo em troca de uma ajuda
administrativa: ele acelerou meus trâmites de casamento com minha
companheira, originária de uma província vizinha. Mas não se trata de
trabalho forçado. Eu posso me demitir quando quiser, e nosso vilarejo
pode continuar recebendo suas subvenções do governo da província”, diz
Yang, que trabalha nos estoques. Até mesmo os estudantes de informática
foram mobilizados para fazer ali seus estágios. “Esses métodos são
provisórios e correspondem a uma fase inicial de desenvolvimento. Os
operários não nos conhecem, eles não vêm por conta própria fazer fila no
centro de recrutamento. É preciso, então, ir buscá-los”, comentam na
Foxconn.
Vinte e quatro mil operários (7% da mão de obra) são demitidos e contratados todos os meses em Shenzhen Longhua, segundo o Daily Telegraph.7
Talvez sejam muitos mais em Chengdu: “Quando uns amigos quiseram
partir, um diretor de recursos humanos pediu a eles que esperassem. Ele
já tinha 40 mil cartas de demissão para cuidar”, conta-nos um
assalariado.
Batizado de “Juventude Alegre”, mas repleto de guardas, os dormitórios
de Pixian têm até dezoito andares, moças e rapazes separados. Eles são
divididos entre os bairros de Deyuan, Shunjiang e Qingjiang. Cada
conjunto de três edifícios tem cantina, supermercado sem álcool,
cibercafé, caixas eletrônicos, mesas de pingue-pongue e terrenos de
badminton. Cada apartamento abriga seis a oito pessoas – por um aluguel
mensal de 110 yuans por leito – e dispõe de um banheiro com vaso
sanitário e ducha. Para economizar tempo e energia dos trabalhadores,
sua roupa é lavada por uma empresa de limpeza.
O cibercafé, aprovado pela juventude operária de Pixian, oferece
decoração cuidadosa, ar-condicionado e grandes poltronas. Os
computadores trazem o logotipo da Foxconn estampado no fundo de tela. O
preço da conexão dobra quando passa de uma hora, incitando os operários a
não gastar muito tempo.
“Quando saímos do quarto ou da fábrica, a vida é muito cara”, lamenta
Cheng, cujo dia é regulado como uma partitura. “Eu me levanto às 6h,
pego o ônibus às 6h40 e começo o dia na fábrica às 7h30. Como trabalho
até as 20h30, chego em casa às 21h10. Isso me deixa uma hora para
aproveitar antes que apaguem as luzes.”
É essa mesma paisagem que acabam de construir na periferia de
Chongqing, a 300 quilômetros de Chengdu. A Foxconn mudou para o local
uma parte da sua fábrica das impressoras HP, antes produzidas em
Shenzhen. A produção está apenas começando, ônibus universitários de
Chongqing levam montes de estudantes requisitados para um estágio
obrigatório na fábrica. Eles vão se unir aos 10 mil operários da fábrica
HP de Shenzhen que já aceitaram voltar para sua província natal. Para
Pan Fang, de 22 anos, e seus amigos, seu novo quarto conta com oito
camas numeradas e oito banquinhos. Sua primeira impressão é positiva:
“Aqui o ar é menos poluído, e a Foxconn instalou para nós água quente,
ar-condicionado e até mesmo uma televisão”. Eles já sabem que seu
trabalho será idêntico: eles vão montar, cada um, seiscentas impressoras
por dia. E esperam que seu salário seja o mesmo também...
BOX:
O império Foxconn
Wuhan, Chengdu, Zhengzhou,Chongqing, Xangai, Ningbo ou ainda Tianjin:
no total, a Foxconn possui umas vinte fábricas chinesas de todos os
tamanhos. De consoles de videogame a Smartphones 4G − 40% dos produtos
eletrônicos de grande público mundial são fabricados na China pela
empresa taiwanesa, que emprega mais de 1 milhão de operários, em sua
maioria com menos de 25 anos e pagos com até R$ 1.117 por mês.Mas a
Foxconn também se apresenta fora da China: ela tem uma fábrica de
montagem de televisores Sony na Eslováquia. E começa agora uma produção
na Índia, na Malásia e no Brasil. Com 61 anos, Terry Tai Ming Gou, seu
fundador, detém 30% das ações e figura em 179º lugar na classificação
das grandes fortunas mundiais da revista Forbes.
Jordan Pouille
Jornalista - correspondente em Pequim, China
Ilustração: Bobby Yip / Reuters 1 1 yuan = R$ 0,32. 2 Entre janeiro e maio de 2010, treze jovens operários tentaram pôr um fim a seus dias; dez conseguiram. Ler Isabelle Thireau, “Cahiers de doléances du peuple chinois” [Cadernos de pêsames do povo chinês], Le Monde Diplomatique, set. 2010. 3 Algumas pessoas encontradas não revelaram o nome, frequentemente por medo de represálias. 4 “Apple Supplier Responsibility Report – 2012 Progress Report”, Apple.com. 5 The New York Times, 26 jan. 2012. Essa investigação levou a Apple a aderir à ONG Fair Labor. 6 Nanfang Zhoumo, Canton, 10 dez. 2010. 7 “Mass suicide protest at Apple manufacturer Foxconn company” [Protesto com suicídio em massa na fabricante da Apple Foxconn], The Daily Telegraph, Londres, 11 jan. 2012. |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Na China, a vida segundo a Apple
Marcadores:
asia,
Direitos Humanos,
homofobia,
relações de trabalho,
trabalho e renda
Dilma sanciona lei que cria 43,8 mil vagas de professores
MEC irá definir a distribuição dos cargos em um prazo de 90 dias
Do sitio 14NUCLEOCPERS
O Diário Oficial da União (DOU) trouxe,
publicada em sua edição de ontem, a sanção, por parte da presidente
Dilma Rousseff, da Lei nº 12.677/2012, que cria 43,8 mil vagas para
professores, sendo 19.569 vagas para a rede federal de Ensino Superior. A
legislação é originária de projeto aprovado pelo Senado Federal no dia
30 de maio, e, além das vagas para docentes no Ensino Superior,
estabelece a criação de 24.306 de professor de Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico. Outras 27.714 vagas destinam-se a
técnicos-administrativos.
No total, a lei cria 77.178 cargos efetivos, de direção e funções gratificadas. A União afirma que os novos cargos terão um impacto de R$ 70,5 milhões por ano para as universidades federais e R$ 102,3 milhões para os institutos.
O texto também reestrutura cargos técnicos e redefine suas especificações. Dessa forma, 2.571 cargos e 2.063 funções gratificadas foram extintos. Antigos cargos de confiança passam a ser de direção e funções gratificadas. A ocupação por pessoas não pertencentes aos quadros de cada instituição federal estará limitada a 10% do total. Caberá ao Ministério da Educação (MEC), em um prazo de 90 dias, definir a discriminação, por instituição federal de ensino, dos cargos e funções extintas.
A autorização para o provimento dos cargos efetivos criados será escalonada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, de acordo com o cumprimento das metas pactuadas entre o MEC e a instituição de ensino, especialmente quanto à relação de alunos por professor em cursos regulares presenciais de Educação Profissional e Tecnológica ou de graduação.
Segundo o ministério, as vagas anuais de ingresso em cursos de graduação passaram de 110 mil, aproximadamente, em 2003, para mais de 230 mil, em 2011. O número total de matrículas em instituições federais também aumentou, passando de 638 mil para mais de um milhão.
No total, a lei cria 77.178 cargos efetivos, de direção e funções gratificadas. A União afirma que os novos cargos terão um impacto de R$ 70,5 milhões por ano para as universidades federais e R$ 102,3 milhões para os institutos.
O texto também reestrutura cargos técnicos e redefine suas especificações. Dessa forma, 2.571 cargos e 2.063 funções gratificadas foram extintos. Antigos cargos de confiança passam a ser de direção e funções gratificadas. A ocupação por pessoas não pertencentes aos quadros de cada instituição federal estará limitada a 10% do total. Caberá ao Ministério da Educação (MEC), em um prazo de 90 dias, definir a discriminação, por instituição federal de ensino, dos cargos e funções extintas.
A autorização para o provimento dos cargos efetivos criados será escalonada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, de acordo com o cumprimento das metas pactuadas entre o MEC e a instituição de ensino, especialmente quanto à relação de alunos por professor em cursos regulares presenciais de Educação Profissional e Tecnológica ou de graduação.
Segundo o ministério, as vagas anuais de ingresso em cursos de graduação passaram de 110 mil, aproximadamente, em 2003, para mais de 230 mil, em 2011. O número total de matrículas em instituições federais também aumentou, passando de 638 mil para mais de um milhão.
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=96981
Marcadores:
educação,
governo federal,
POLITICAS PUBLICAS
A história é o inimigo quando as psy-ops se tornam notícia
por John Pilger
Ao chegar a uma aldeia no Vietname do Sul, deparei-me com duas crianças
que testemunhavam a mais longa guerra do século XX. Suas
terríveis deformidades eram familiares. Ao longo do rio Mekong, onde as
florestas foram petrificadas e silenciadas, pequenas mutações
humanas viviam o melhor que podiam.
Hoje, no hospital pediátrico Tu Du em Saigon, um antigo anfiteatro é conhecido como a "sala da colecção" e, não oficialmente, como a "sala dos horrores". Ali há prateleiras com grandes garrafas que contêm fetos grotescos. Durante a sua invasão do Vietname, os Estados Unidos pulverizaram um herbicida desfolhante sobre a vegetação e aldeias a fim de negar "cobertura ao inimigo". Era o Agente Laranja , o qual continha dioxina, venenos com tal poder que provocavam a morte fetal, abortos, danos cromossomáticos e cancro.
Em 1970, um relatório do Senado dos EUA revelou que "os EUA despejaram [sobre o Vietname do Sul] uma quantidade de produtos químicos tóxicos que se eleva a seis libras [2,72 kg] per capita da população, incluindo mulheres e crianças". O nome de código para esta destruição maciça, Operação Hades, foi alterado para o mais amistoso Operação Ranch Hand. Hoje, cerca de 4,8 milhões de vítimas do Agente Laranja são crianças.
Len Aldis, secretário da Sociedade de Amizade Britânico-Vietnamita, retornou recentemente do Vietname com uma carta ao Comité Olímpico Internacional escrita pela União das Mulheres do Vietname. A presidente da união, Nguyen Thi Thanh Hoa, descreveu "as graves deformações congénitas [provocadas pelo Agente Laranja] de geração para geração". Ela pedia ao COI que reconsiderasse a sua decisão de aceitar patrocínio das Olimpíadas de Londres pela Dow Chemical Corporation, que foi uma das companhias a fabricar o veneno e que se recusou a indemnizar as suas vítimas.
Aldis entregou a carta em mãos no gabinete de Lord Coe, presidente do Comité Organizador de Londres. Não houve resposta. Quando a Amnistia Internacional denunciou que em 2001 a Dow Chemical adquiriu "a companhia responsável pela fuga de gás de Bhopal [na Índia em 1984] que matou 7 mil a 10 mil pessoas de imediato e 15 mil nos 20 anos seguintes", David Cameron descreveu a Dow como uma "companhia respeitável". Aclamações, portanto, para as câmaras de TV ao longo dos painéis decorativos de £7 milhões [€8,75 milhões] que orlam o estádio olímpico: são o resultado de um "acordo" de 10 anos entre o COI e um destruidor tão respeitável.
A história é enterrada juntamente com os mortos e deformados do Vietname e de Bhopal. E a história é o novo inimigo. Em 28 de Maio, o presidente Obama lançou uma campanha para falsificar a história da guerra no Vietname. Para Obama, não houve Agente Laranja, nem zonas de fogo livre, nem disparos sobre indefesos (turkey shoots), nem encobrimentos de massacres, nem racismo desenfreado, nem suicídios (pois muitos americanos acabaram com as suas próprias vidas), nem derrota frente à força de resistência de uma sociedade empobrecida. Ela foi, disse o sr. Hopey Changey, "uma das mais extraordinárias histórias de bravura e integridade nos anais da história militar [dos EUA]".
No dia seguinte, o New York Times publicou um longo artigo a documentar como Obama selecciona pessoalmente as vítimas dos seus ataques drone por todo o mundo. Ele faz isto nas "terças-feiras de terror" quando folheia álbuns com fotos de rostos numa "lista da morte", alguns deles adolescentes, incluindo "uma garota que parecia ainda mais jovem do que os seus 17 anos". Muitos são desconhecidos ou simplesmente em idade militar. Guiados por "pilotos" sentados frente a écrans de computador em Las Vegas, os drones disparam mísseis Hellfire que sugam o ar para fora dos pulmões e explodem pessoas em bocados. Em Setembro último, Obama matou um cidadão americano, Anwar al-Awlaki, puramente na base de rumor de que ele estava a incentivar terrorismo. "Este aqui é fácil", ele é citado por ajudantes como dizendo isso ao assinar a sentença de morte do homem. Em 6 de Junho, um drone matou 18 pessoas numa aldeia no Afeganistão, incluindo mulheres, crianças e um idoso que estavam a celebrar um casamento.
O artigo do New York Times não foi uma fuga ou uma revelação. Foi uma matéria de relações públicas concebida pela administração Obama para mostrar num ano de eleição quão duro o "comandante em chefe" pode ser . Se reeleito, a Marca Obama continuará a servir a riqueza, a perseguir os que dizem a verdade, a ameaçar países, a propagar vírus de computador e a assassinar pessoas toda terça-feira.
As ameaças contra a Síria, coordenadas em Washington e Londres, escalam novos picos de hipocrisia. Ao contrário da propaganda primária apresentada como notícia, o jornalismo investigativo do jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung identifica os responsáveis pelo massacre em Houla como sendo os "rebeldes" apoiados por Obama e Cameron. As fontes do jornal incluem os próprios rebeldes. Isto não foi completamente ignorado na Grã-Bretanha. Escrevendo no seu blog pessoal, de modo extremamente calmo, Jon Williams, o editor de notícias mundiais da BBC, efectivamente serve a sua própria "cobertura", citando responsáveis ocidentais que descrevem a operação "psy-ops" [operação psicológica] contra a Síria como "brilhante". Tão brilhante quanto a destruição da Líbia, do Iraque e do Afeganistão.
E tão brilhante quanto a psy-ops mais recente do Guardian com a promoção de Alastair Campbell, o colaborador chefe de Tony Blair na criminosa invasão do Iraque. Nos seus "diários", Campbell tenta salpicar sangue iraquiano sobre o demónio Murdoch. Há em abundância para encharcar todos eles. Mas o reconhecimento de que os medida respeitáveis, liberais, bajuladores de Blair, foram um acessório vital para um crime tão gigantesco é omitido e permanece como um teste singular de honestidade intelectual e moral na Grã-Bretanha.
Até quando devemos sujeitar-nos a um tal "governo invisível"? Esta expressão para a propaganda insidiosa cunhada por Edward Bernays – o sobrinho de Sigmund Freud que inventou as modernas relações públicas – nunca foi tão adequada. A "realidade falsa" exige amnésia histórica, a mentira por omissão e a transferência de significância para o insignificante. Deste modo, sistemas políticos que prometiam segurança e justiça social foram substituídos pela pirataria, "austeridade" e "guerra perpétua": um extremismo destinado ao derrube da democracia. Aplicado a um indivíduo, isto identificaria um psicopata. Por que aceitamos isto?
Hoje, no hospital pediátrico Tu Du em Saigon, um antigo anfiteatro é conhecido como a "sala da colecção" e, não oficialmente, como a "sala dos horrores". Ali há prateleiras com grandes garrafas que contêm fetos grotescos. Durante a sua invasão do Vietname, os Estados Unidos pulverizaram um herbicida desfolhante sobre a vegetação e aldeias a fim de negar "cobertura ao inimigo". Era o Agente Laranja , o qual continha dioxina, venenos com tal poder que provocavam a morte fetal, abortos, danos cromossomáticos e cancro.
Em 1970, um relatório do Senado dos EUA revelou que "os EUA despejaram [sobre o Vietname do Sul] uma quantidade de produtos químicos tóxicos que se eleva a seis libras [2,72 kg] per capita da população, incluindo mulheres e crianças". O nome de código para esta destruição maciça, Operação Hades, foi alterado para o mais amistoso Operação Ranch Hand. Hoje, cerca de 4,8 milhões de vítimas do Agente Laranja são crianças.
Len Aldis, secretário da Sociedade de Amizade Britânico-Vietnamita, retornou recentemente do Vietname com uma carta ao Comité Olímpico Internacional escrita pela União das Mulheres do Vietname. A presidente da união, Nguyen Thi Thanh Hoa, descreveu "as graves deformações congénitas [provocadas pelo Agente Laranja] de geração para geração". Ela pedia ao COI que reconsiderasse a sua decisão de aceitar patrocínio das Olimpíadas de Londres pela Dow Chemical Corporation, que foi uma das companhias a fabricar o veneno e que se recusou a indemnizar as suas vítimas.
Aldis entregou a carta em mãos no gabinete de Lord Coe, presidente do Comité Organizador de Londres. Não houve resposta. Quando a Amnistia Internacional denunciou que em 2001 a Dow Chemical adquiriu "a companhia responsável pela fuga de gás de Bhopal [na Índia em 1984] que matou 7 mil a 10 mil pessoas de imediato e 15 mil nos 20 anos seguintes", David Cameron descreveu a Dow como uma "companhia respeitável". Aclamações, portanto, para as câmaras de TV ao longo dos painéis decorativos de £7 milhões [€8,75 milhões] que orlam o estádio olímpico: são o resultado de um "acordo" de 10 anos entre o COI e um destruidor tão respeitável.
A história é enterrada juntamente com os mortos e deformados do Vietname e de Bhopal. E a história é o novo inimigo. Em 28 de Maio, o presidente Obama lançou uma campanha para falsificar a história da guerra no Vietname. Para Obama, não houve Agente Laranja, nem zonas de fogo livre, nem disparos sobre indefesos (turkey shoots), nem encobrimentos de massacres, nem racismo desenfreado, nem suicídios (pois muitos americanos acabaram com as suas próprias vidas), nem derrota frente à força de resistência de uma sociedade empobrecida. Ela foi, disse o sr. Hopey Changey, "uma das mais extraordinárias histórias de bravura e integridade nos anais da história militar [dos EUA]".
No dia seguinte, o New York Times publicou um longo artigo a documentar como Obama selecciona pessoalmente as vítimas dos seus ataques drone por todo o mundo. Ele faz isto nas "terças-feiras de terror" quando folheia álbuns com fotos de rostos numa "lista da morte", alguns deles adolescentes, incluindo "uma garota que parecia ainda mais jovem do que os seus 17 anos". Muitos são desconhecidos ou simplesmente em idade militar. Guiados por "pilotos" sentados frente a écrans de computador em Las Vegas, os drones disparam mísseis Hellfire que sugam o ar para fora dos pulmões e explodem pessoas em bocados. Em Setembro último, Obama matou um cidadão americano, Anwar al-Awlaki, puramente na base de rumor de que ele estava a incentivar terrorismo. "Este aqui é fácil", ele é citado por ajudantes como dizendo isso ao assinar a sentença de morte do homem. Em 6 de Junho, um drone matou 18 pessoas numa aldeia no Afeganistão, incluindo mulheres, crianças e um idoso que estavam a celebrar um casamento.
O artigo do New York Times não foi uma fuga ou uma revelação. Foi uma matéria de relações públicas concebida pela administração Obama para mostrar num ano de eleição quão duro o "comandante em chefe" pode ser . Se reeleito, a Marca Obama continuará a servir a riqueza, a perseguir os que dizem a verdade, a ameaçar países, a propagar vírus de computador e a assassinar pessoas toda terça-feira.
As ameaças contra a Síria, coordenadas em Washington e Londres, escalam novos picos de hipocrisia. Ao contrário da propaganda primária apresentada como notícia, o jornalismo investigativo do jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung identifica os responsáveis pelo massacre em Houla como sendo os "rebeldes" apoiados por Obama e Cameron. As fontes do jornal incluem os próprios rebeldes. Isto não foi completamente ignorado na Grã-Bretanha. Escrevendo no seu blog pessoal, de modo extremamente calmo, Jon Williams, o editor de notícias mundiais da BBC, efectivamente serve a sua própria "cobertura", citando responsáveis ocidentais que descrevem a operação "psy-ops" [operação psicológica] contra a Síria como "brilhante". Tão brilhante quanto a destruição da Líbia, do Iraque e do Afeganistão.
E tão brilhante quanto a psy-ops mais recente do Guardian com a promoção de Alastair Campbell, o colaborador chefe de Tony Blair na criminosa invasão do Iraque. Nos seus "diários", Campbell tenta salpicar sangue iraquiano sobre o demónio Murdoch. Há em abundância para encharcar todos eles. Mas o reconhecimento de que os medida respeitáveis, liberais, bajuladores de Blair, foram um acessório vital para um crime tão gigantesco é omitido e permanece como um teste singular de honestidade intelectual e moral na Grã-Bretanha.
Até quando devemos sujeitar-nos a um tal "governo invisível"? Esta expressão para a propaganda insidiosa cunhada por Edward Bernays – o sobrinho de Sigmund Freud que inventou as modernas relações públicas – nunca foi tão adequada. A "realidade falsa" exige amnésia histórica, a mentira por omissão e a transferência de significância para o insignificante. Deste modo, sistemas políticos que prometiam segurança e justiça social foram substituídos pela pirataria, "austeridade" e "guerra perpétua": um extremismo destinado ao derrube da democracia. Aplicado a um indivíduo, isto identificaria um psicopata. Por que aceitamos isto?
21/Junho/2012
O original encontra-se em
www.johnpilger.com/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
Marcadores:
asia,
Direitos Humanos,
Historia,
imperialismo,
movimentos sociais,
opinião filosofica
terça-feira, 26 de junho de 2012
Formigas derrubam muro de cobrança da Folha
Foto: Edição/247
Desde que a Folha de S. Paulo passou a cobrar por seu conteúdo na web, internautas buscaram meios de burlar o sistema; é uma prova de que as tentativas de fechar uma plataforma aberta, como a rede, raramente funcionam
247 – Na semana passada, a Folha de S.
Paulo instituiu o seu “muro de cobrança poroso”. Trata-se de um sistema
que permite aos internautas acessarem uma quantidade restrita de seu
conteúdo – acima desse limite, só pagando. No caso da Folha, são 20
artigos por mês e a estratégia é idêntica à do The New York Times. No
domingo, o editor-executivo do jornal, Sérgio D´ávila defendeu a
decisão, alegando que “qualidade custa caro”.
No entanto, o muro da Folha já foi derrubado na rede. O internauta
“Formiga Solitária” enviou um tutorial, passo a passo, para ler a
íntegra da Folha, sem passar pelo muro de cobrança. Basta impedir que os
navegadores executem comandos JavaScript. Fizemos o teste e, realmente,
funciona. Abaixo, as instruções:
COMO VER O CONTEÚDO DA FOLHA DE SÃO PAULO, SEM SER INCOMODADO E/OU BLOQUEADO
passo 1: baixar o google chrome
passo 2: Depois de baixado, no google chrome colocar o endereço chrome://chrome/settings/content
passo 3: Em JavaScript selecionar " Não permitir que nenhum site execute o JavaScript"
passo 4: Fechar a janela ( x ) do lado direito superior e reiniciar o Chrome.
passo 5: Pronto, agora poderá navegar no site da Folha de São Paulo sem ser incomodado.
passo 6: Se conseguirem, eu aceito os obrigados de bom grado.
passo 1: baixar o google chrome
passo 2: Depois de baixado, no google chrome colocar o endereço chrome://chrome/settings/content
passo 3: Em JavaScript selecionar " Não permitir que nenhum site execute o JavaScript"
passo 4: Fechar a janela ( x ) do lado direito superior e reiniciar o Chrome.
passo 5: Pronto, agora poderá navegar no site da Folha de São Paulo sem ser incomodado.
passo 6: Se conseguirem, eu aceito os obrigados de bom grado.
O exemplo ilustra como é difícil erguer muros e fechar uma plataforma
aberta, como é o caso da internet. Quando o New York Times decidiu
fechar seu conteúdo, um de seus principais colunistas, o economista Paul
Krugman, passou a ensinar os leitores a ‘by-passarem” o muro. Bastava
segui-lo no Twitter.
Mais recentemente, no mesmo dia em que o jornal The Daily, também
passou a cobrar pela navegação, um internauta postou na rede social
Tumblr todo o conteúdo da publicação.
Na primeira semana de julho, em Olinda (PE), um encontro nacional
discutirá a questão do direito autoral na internet. Segundo Sérgio
Amadeu, um dos participantes do evento, não faz sentido entrar numa
plataforma aberta, como a internet, com uma mentalidade fechada.
Surpresa no Paraguai: é possível reverter o golpe
Há resistência social no país e isolamento internacional dos golpistas. Aos poucos, desvenda-se trama que levou à quebra da legalidade
Por Antonio Martins no OUTRAS PALAVRAS
Nas primeiras horas de domingo, o presidente eleito pelos paraguaios,
Fernando Lugo, abandonou a postura de resignação que mantinha desde
sexta-feira, quando deposto, e tomou uma atitude que pode mudar o futuro
imediato do país. Lugo dirigiu-se à rua Alberdi, no centro de Assunção,
onde centenas de manifestantes haviam ocupado a TV Pública, em protesto
contra ameaças de censura. Dirigiu-se a eles e à imprensa internacional
sem meias palavras: “Sem dúvidas, foi um golpe. Um golpe parlamentar
contra a cidadania e a democracia, e isso precisa ser denunciado aos
quatro ventos”.
Precedida de intensa movimentação social e diplomática, a fala desfez
a aparência de “normalidade” com que contavam os golpistas e seus
apoiadores locais e externos – Estados Unidos e Vaticano, em especial.
Está gerando uma reação em cadeia de resistências sociais e diplomáticas
cujos lances mais recentes são a exclusão do “presidente” golpista do
Mercosul e da Unasul (domingo à tarde) e a formação de um governo
paralelo liderado por Lugo (esta manhã, em Assunção). Caso se mantenha,
este processo pode reverter o golpe de Estado e colocar em novo patamar o
que alguns chamam de “nova independência” sul-americana. Os fatos
decisivos estão se produzindo neste início de semana: aos poucos,
torna-se possível desvendá-los e romper a cortina de silêncio que os
jornais comerciais brasileiros insistem em manter sobre o episódio.
A resistência avança explorando o calcanhar-de-aquiles dos golpistas:
“como careciam de causas racionais que justificassem uma medida tão
extrema, optaram por praticá-la com máxima pressa, explica, no jornal paraguaio Última Hora
o analista político Alfredo Boccia. Ele prossegue: “O libelo acusatório
causa vergonha alheia, de tão ridículo: não cuidaram das mínimas
formalidades legais e atropelaram o respeito aos prazos de defesa”.
Lugo estava no Brasil, participando da Rio+20, quando a Câmara dos
Deputados abriu, na quinta-feira, o “processo” que levaria a sua
“cassação”. Washington Uranga, colunista do Página 12 argentino, conta:
os opositores aproveitaram-se da ausência para concretizar finalmente
uma ameaça que fizeram “em 23 ocasiões anteriores, pelos mais diversos
motivos”. E mais: “a maioria destas manobras foi facilitada pelo próprio
vice-presidente Federico Franco. (…) Sabendo que contava com os votos
próprios [do Partido Liberal] mais os do Partido Colorado, em várias
ocasiões o vice foi até a sede do governo para ameaçar Lugo e tentar
extorqui-lo com a ameaça de juízo político, apenas para obter benefícios
econômicos para si mesmo…”
Vinte e quatro horas depois, o Legislativo, que sempre bloqueou todas
as iniciativas apresentadas por Lugo (da reforma agrária à nomeação de
embaixadores), decretava seu impeachment por ampla maioria (39 x 4). A flagrante ilegalidade da aventura foi destacada pelo chanceler argentino Héctor Timerman, em entrevista ao Página 12: “Praticaram
uma execução sumária. Darem duas horas de defesa a um presidente
democraticamente eleito – um tempo menor que o se concede a quem recorre
de uma multa por avançar um sinal vermelho”.
Mas quem dava respaldo aos aventureiros?
“É muito provável que o pequeno Paraguai se dispusesse a confrontar as
regras do Mercosul e da Unasul, entrando em conflito com seus dois
vizinhos, se não contasse com o estímulo e proteção do governo
norteamericano”, sugere o economista Flávio Lyra, num texto que Outras Palavras publica hoje. Na mesma entrevista ao Página 12, um
relato do chanceler argentino confirma esta impressão. Timerman estava
em Assunção nas horas que antecederam o golpe. Havia voado para lá com
uma delegação de colegas da Unasul, alarmados pela perspectiva de
deposição do presidente eleito. Reporta, em detalhes, as
insistentes tentativas de diálogo dirigidas pelos diplomatas à oposição
paraguaia – e a soberba com que foram rechaçadas. Eis um dos trechos:
“Às 11h45 [de sexta-feira], faltavam 15 minutos para o começo do
julgamento. Disse-lhes: ‘Senhores, virão épocas muito duras para o
Paraguai, porque nós teremos de aplicar a cláusula democrática’. Não
pareceu comovê-los em nada”.
No final da tarde de sexta, Lugo
estava deposto. Quase sincronicamente, em Washington, o porta-voz do
Departamento de Estado para a América Latina, Darla Jordan, emitia nota
que se calava diante do ataque à democracia, mas pedia “calma e
responsabilidade” aos paraguaios… Ao contrário do que se informou no
sábado, porém, a Casa Branca ainda não reconheceu
oficialmente o novo “governo” paraguaio. Já o Vaticano e os bispos –
que exercem forte influência, num país católico e conservador – foram
menos sutis. Na quinta-feira, uma comitiva episcopal tentou, sem
sucesso, convencer Lugo a renunciar. No domingo, o núncio apostólico
Eliseo Ariotti, representante oficial do Papa no Paraguai, afirmou, a
respeito da deposição do presidente: “alegra-me muito que o povo simples
e todas as autoridades tenham pensado no bem do país”. Como se o
grotesco da declaração fosse pouco, anunciou que celebraria uma missa na
catedral “pela paz”. Na cerimônia, ofereceu pessoalmente a comunhão ao
golpista (foto).
* * *
A primeira atitude de Lugo, após a
deposição, foi conformar-se. Débil no Parlamento desde o início de seu
governo, o presidente também viveu, ao longo do mandato, uma série de
desencontros com os movimentos sociais. Houve erros de parte a parte,
consideram Emir Sader (em Carta Maior) e Santiago O’Donnel (em Página 12):
o presidente não cumpriu a maior parte de seu programa; os movimentos
não compreenderam que, sem apoiá-lo, ele não teria força para executar
as reformas propostas.
Por paradoxo, talvez o golpe tenha
produzido uma aproximação necessária. A partir da noite de sábado, a TV
Pública, criada por Lugo em 2011, converteu-se num centro da resistência
popular. Centenas de manifestantes acorreram à rua Alberdi, assim que
surgiram sinais de que o governo ilegítimo pretendia censurá-la. O Página 12 narra:
naquela mesma noite, grupos de jovens construíram duas barricadas nas
ruas de acesso. O cineasta Marcelo Martinessi, diretor nomeado pelo
presidente eleito, alegrou-se: “as pessoas estão tomando este projeto
como seu”. Um microfone foi estendido aos manifestantes: a resistência
já tinha um canal para ir ao ar.
Na manhã de domingo, Lugo
compareceria ao local, para sua fala emblemática. Horas depois, os
ativistas já eram milhares. Foram eles que rapidamente restabeleceram, à
tarde, o fornecimento de energia e recolocaram a emissora no ar, depois
de um corte executado pela agência nacional de eletricidade.
Os fatos vêm se acelerando desde então. Formou-se
uma Frente pela Defesa da Democracia no Paraguai. Mais tarde, ainda no
domingo, Lugo deu novo passo e anunciou a formação de um governo
paralelo, composto por seus ministros e com primeira reunião marcada
para esta manhã. A edição desta manhã de Pagina 12 estampa uma entrevista
em que confirma “já começamos a resistência pacífica. (…) Já surgem
manifestações de cidadãs e cidadãos. (…) O repúdio [ao golpe] crescerá”.
O jornal confirma: estão programadas para hoje manifestações diante dos
edifícios públicos e interrupção do trânsito em avenidas estradas.
Ao contrário do que ocorreu em tantos
precedentes históricos, os governos da América do Sul parecem dispostos
a reagir ao golpe. O envio de uma delegação de chanceleres a Assunção
pode ser mais que um gesto simbólico. Ainda no sábado, convocou-se uma
reunião de emergência do Mercosul, em Córdoba (Argentina), a partir da
próxima quinta-feira. No domingo, anunciou-se
que Fernando Lugo – e não o governo instituído por golpe – será
recebido como representante do Paraguai. Num primeiro sinal de
vacilação, Federico Franco, o presidente instituído pelo golpe, anunciou
que pediria ao homem que depôs para “atenuar as tensões desencadeadas
na América Latina”. Foi, evidentemente, rechaçado por Lugo.
Desde sexta-feira, os países da
América do Sul estão retirando seus embaixadores de Assunção, em
protesto contra o golpe de Estado. Há dois anos, na resistência ao golpe
de Estado praticado em Honduras, o Brasil jogou papel destacado. Desta
vez, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, parece ter assumido
este papel. Foi ela quem tomou a iniciativa, ainda na sexta-feira, de
retirar seu embaixador de Assunção, “até o restabelecimento da ordem
democrática”. Nos dias seguintes, o gesto seria seguido por Bolívia,
Brasil, Equador, Uruguai e Venezuela. Nas últimas horas, aderiram ao
movimento Colômbia e México, o que parece indicar uma tendência
isolamento dos Estados Unidos. A própria Organização dos Estados
Americanos, em outras épocas dominada por Washington está agora questionando a legitimidade da deposição de Lugo.
* * *
Ninguém é capaz de
dizer, a esta altura, qual será o desfecho dos acontecimentos. Mas é
evidente que uma sequência tão impressionante de fatos novos, cheia de
surpresas, num país vizinho ao Brasil, seria um tema jornalístico de
relevância máxima. A mídia brasileira, porém, trata-o de forma
modorrenta e burocrática. Na maior parte das publicações, o Paraguai
esteve nas manchetes apenas quando Lugo foi afastado. Ao contrário da
imprensa argentina, nenhuma publicação ousou usar a palavra golpe.
No momento em que este texto é concluído, a manchete da Folha de S.Paulo,
em sua edição online, destaca as declarações do “chanceler” (do governo
golpista paraguaio, que se queixa de ter sido afastado “sem defesa” da
reunião do Mercosul… Por sugestiva coincidência,O Globo e Estado de S.Paulo,
embora menos discretos, ocultam a série de reviravoltas em Assunção
para destacar o mesmo personagem… Já o UOL, também do grupo Folha,
enviou por algum motivo o repórter Guilherme Balza à capital paraguaia –
mas tem relegado a segundo plano as ótimas matérias produzidas por ele (como este vídeo)…
O rápido surgimento de
um movimento de resistência no Paraguai – e em especial o fato
emblemático de ele ter por centro a TV Pública – revelam: talvez, também
no Paraguai, a sociedade já seja capaz de superar as velhas formas de
controle da informação e seus laços com os antigos donos do poder…
Marcadores:
America Latina,
Direitos Humanos,
Ditaduras,
movimentos sociais
segunda-feira, 25 de junho de 2012
O papel da Monsanto na morte dos camponeses e no golpe contra Lugo
Por Idilio Méndez Grimaldi
Na Carta Maior via PORTAL DO MST
Quem está por trás desta trama tão sinistra? Os impulsionadores de
uma ideologia que promove o lucro máximo a qualquer preço e quanto mais,
melhor, agora e no futuro. No dia 15 de junho de 2012, um grupo de
policiais que ia cumprir uma ordem de despejo no departamento de
Canindeyú, na fronteira com o Brasil, foi emboscado por
franco-atiradores, misturados com camponeses que pediam terras para
sobreviver.
A ordem de despejo foi dada por um juiz e uma promotora para proteger
um latifundiário. Resultado da ação: 17 mortos, 6 policiais e 11
camponeses, além de dezenas de feridos graves. As consequências: o
governo frouxo e tímido de Fernando Lugo caiu com debilidade ascendente e
extrema, cada vez mais à direita, a ponto de ser levado a julgamento
político por um Congresso dominado pela direita.
Trata-se de um duro revés para a esquerda e para as organizações sociais e campesinas, acusadas pela oligarquia latifundiária de instigar os camponeses. Representa ainda um avanço do agronegócio extrativista nas mãos de multinacionais como a Monsanto, mediante a perseguição dos camponeses e a tomada de suas terras. Finalmente, implica a instalação de um cômodo palco para as oligarquias e os partidos de direita para seu retorno triunfal nas eleições de 2013 ao poder Executivo.
No dia 21 de outubro de 2011, o Ministério da Agricultura e Pecuária, dirigido pelo liberal Enzo Cardozo, liberou ilegalmente a semente de algodão transgênico Bollgard BT, da companhia norteamericana de biotecnologia Monsanto, para seu plantio comercial no Paraguai. Os protestos de organizações camponesas e ambientalistas foram imediatos. O gene deste algodão está misturado com o gene do Bacillus thurigensis, uma bactéria tóxica que mata algumas pragas do algodão, como as larvas do bicudo, um coleóptero que deposita seus ovos no botão da flor do algodão.
O Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal e de Sementes (Senave), instituição do Estado paraguaio dirigida por Miguel Lovera, não inscreveu essa semente nos registros de cultivares pela falta de parecer do Ministério da Saúde e da Secretaria do Ambiente, como exige a legislação.
Campanha midiática
Nos meses posteriores, a Monsanto, por meio da União de Grêmios de Produção (UGP), estreitamente ligada ao grupo Zuccolillo, que publica o jornal ABC Color, lançou uma campanha contra o Senave e seu presidente por não liberar o uso comercial em todo o país da semente de algodão transgênico da Monsanto. A contagem regressiva decisiva parece ter iniciado com uma nova denúncia por parte de uma pseudosindicalista do Senave, chamada Silvia Martínez, que, no dia 7 de junho, acusou Lovera de corrupção e nepotismo na instituição que dirige, nas páginas do ABC Color. Martínez é esposa de Roberto Cáceres, representante técnico de várias empresas agrícolas, entre elas a Agrosan, recentemente adquirida por 120 milhões de dólares pela Syngenta, outra transnacional, todas sócias da UGP.
No dia seguinte, 8 de junho, a UGP publicou no ABC uma nota em seis colunas: “Os 12 argumentos para destituir Lovera”. Estes supostos argumentos foram apresentados ao vice-presidente da República, correligionário do ministro da Agricultura, o liberal Federico Franco, que naquele momento era o presidente interino do Paraguai, em função de uma viagem de Lugo pela Ásia.
No dia 15, por ocasião de uma exposição anual organizada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, o ministro Enzo Cardoso deixou escapar um comentário diante da imprensa que um suposto grupo de investidores da Índia, do setor de agroquímicos, cancelou um projeto de investimento no Paraguai por causa da suposta corrupção no Senave. Ele nunca esclareceu que grupo era esse. Aproximadamente na mesma hora daquele dia, ocorriam os trágicos eventos de Curuguaty.
No marco desta exposição preparada pelo citado Ministério, a Monsanto apresentou outra variedade de algodão, duplamente transgênica: BT e RR, ou Resistente ao Roundup, um herbicida fabricado e patenteado pela transnacional. A pretensão da Monsanto é a liberação desta semente transgênica no Paraguai, tal como ocorreu na Argentina e em outros países do mundo.
Antes desses fatos, o diário ABC Color denunciou sistematicamente, por supostos atos de corrupção, a ministra da Saúde, Esperanza Martínez, e o ministro do Ambiente, Oscar Rivas, dois funcionários do governo que não deram parecer favorável a Monsanto.
Em 2001, a Monsanto faturou 30 milhões de dólares, livre de impostos (porque não declara essa parte de sua renda), somente na cobrança de royalties pelo uso de sementes de soja transgênica no Paraguai. Toda a soja cultivada no país é transgênica, numa extensão de aproximadamente 3 milhões de hectares, com uma produção em torno de 7 milhões de toneladas em 2010.
Por outro lado, na Câmara de Deputados já se aprovou o projeto de Lei de Biossegurança, que cria um departamento de biossegurança dentro do Ministério da Agricultura, com amplos poderes para a aprovação para cultivo comercial de todas as sementes transgênicas, sejam de soja, de milho, de arroz, algodão e mesmo algumas hortaliças. O projeto prevê ainda a eliminação da Comissão de Biossegurança atual, que é um ente colegiado forma por funcionários técnicos do Estado paraguaio.
Enquanto transcorriam todos esses acontecimentos, a UGP preparava um ato de protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo para o dia 25 de junho. Seria uma manifestação com máquinas agrícolas fechando estradas em distintos pontos do país. Uma das reivindicações do chamado “tratoraço” era a destituição de Miguel Lovera do Senave, assim como a liberalização de todas as sementes transgênicas para cultivo comercial.
As conexões
A UGP é dirigida por Héctor Cristaldo, apoiado por outros apóstolos como Ramón Sánchez – que tem negócios com o setor dos agroquímicos -, entre outros agentes das transnacionais do agronegócio. Cristaldo integra o staff de várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo Zuccolillo, diretor proprietário do diário ABC Color, desde sua função sob o regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
O grupo Zuccolillo é sócio principal no Paraguai da Cargill, uma das maiores transnacionais do agronegócio no mundo. A sociedade entre os dois grupos construiu um dos portos graneleiros mais importantes do Paraguai, denominado Porto União, a 500 metros da área de captação de água da empresa de abastecimento do Estado paraguaio, no Rio Paraguai, sem nenhuma restrição.
As transnacionais do agronegócio no Paraguai praticamente não pagam impostos, mediante a férrea proteção que tem no Congresso, dominado pela direita. A carga tributária no Paraguai é apenas de 13% sobre o PIB. Cerca de 60% do imposto arrecadado pelo Estado paraguaio é via Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Os latifundiários não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da carga tributária, cerca de 5 milhões de dólares, segundo estudo do Banco Mundial, embora a renda do agronegócio seja de aproximadamente 30% do PIB, o que representa cerca de 6 bilhões de dólares anuais.
O Paraguai é um dos países mais desiguais do mundo. Cerca de 85% das terras, aproximadamente 30 milhões de hectares, estão nas mãos de 2% de proprietários, que se dedicam à produção meramente para exportação ou, no pior dos casos, à especulação sobre a terra. A maioria desses oligarcas possui mansões em Punta del Este ou em Miami e mantém estreitas relações com transnacionais do setor financeiro, que guardam seus bens mal havidos nos paraísos fiscais ou tem investimentos facilitados no exterior. Todos eles, de uma ou outra maneira, estão ligados ao agronegócio e dominam o espectro político nacional, com amplas influências nos três poderes do Estado. Ali reina a UGP, apoiada pelas transnacionais do setor financeiro e do agronegócio.
Os fatos de Curugaty
Curuguaty é uma cidade na região oriental do Paraguai, a cerca de 200 quilômetros de Assunção, capital do país. A alguns quilômetros de Curuguaty encontra-se a fazenda Morombi, de propriedade do latifundiário Blas Riquelme, com mais de 70 mil hectares nesse lugar. Riquelme provém das entranhas da ditadura de Stroessner (1954-1989), sob cujo regime acumulou uma intensa fortuna. Depois, aliou-se ao general Andrés Rodríguez, que executou o golpe de Estado que derrubou o ditador Stroessner. Riquelme, que foi presidente do Partido Colorado por muitos anos e senador da República, dono de vários supermercados e estabelecimentos pecuários, apropriou-se mediante subterfúgios legais de aproximadamente 2 mil hectares que pertencem ao Estado paraguaio.
Esta parcela foi ocupada pelos camponeses sem terra que vinham solicitando ao governo de Fernando Lugo sua distribuição. Um juiz e uma promotora ordenaram o despejo dos camponeses, por meio do Grupo Especial de Operações (GEO), da Polícia Nacional, cujos membros de elite, em sua maioria, foram treinados na Colômbia, sob o governo de Uribe, para a luta contra as guerrilhas.
Só uma sabotagem interna dentro dos quadros de inteligência da polícia, com a cumplicidade da promotoria, explica a emboscada, na qual morreram seis policiais. Não se compreende como policiais altamente treinados, no marco do Plano Colômbia, puderam cair facilmente em uma suposta armadilha montada pelos camponeses, como quer fazer crer a imprensa dominada pela oligarquia. Seus camaradas reagiram e dispararam contra os camponeses, matando 11 e deixando uns 50 feridos. Entre os policiais mortos estava o chefe do GEO, comissário Erven Lovera, irmão do tenente coronel Alcides Lovera, chefe de segurança do presidente Lugo.
O plano consiste em criminalizar, levar até ao ódio extremo todas as organizações campesinas, para fazer os camponeses abandonarem o campo, deixando-o para uso exclusivo do agronegócio. É um processo doloroso, “descampesinização” do campo paraguaio, que atenta diretamente contra a soberania alimentar, a cultura alimentar do povo paraguaio, por serem os camponeses produtores e recriadores ancestrais de toda a cultura guarani.
Tanto o Ministério Público, como o Poder Judiciário e a Polícia Nacional, assim como diversos organismos do Estado paraguaio estão controlados mediante convênios de cooperação com a USAID, agência de cooperação dos Estados Unidos.
O assassinato do irmão do chefe de segurança do presidente da República obviamente foi uma mensagem direta a Fernando Lugo, cuja cabeça seria o próximo objetivo, provavelmente por meio de um julgamento político, mesmo que ele tenha levado seu governo mais para a direita, tratando de acalmar as oligarquias. O ocorrido em Curuguaty derrubou Carlos Filizzola do Ministério do Interior. Em seu lugar, foi nomeado Rubén Candia Amarilla, proveniente do opositor Partido Colorado, o qual Lugo derrotou nas urnas em 2008, após 60 anos de ditadura colorada, incluindo a tirania de Alfredo Stroessner.
Candia foi ministro da Justiça do governo colorado de Nicanor Duarte (2003-2008) e atuou como procurador geral do Estado por um período, até o ano passado, quando foi substituído por outro colorado, Javier Díaz Verón, por iniciativa do próprio Lugo. Candia é acusado de ter promovido a repressão contra dirigentes de organizações campesinas e de movimentos populares. Sua indicação como procurador geral do Estado em 2005 foi aprovada pelo então embaixador dos Estados Unidos, John F. Keen. Candia foi responsável por um maior controle do Ministério Público por parte da USAID e foi acusado por Lugo no início do governo de conspirar para tirá-lo do poder.
Após assumir como ministro político de Lugo, a primeira coisa que Candia fez foi anunciar o fim do protocolo de diálogo com os campesinos que ocupam propriedades. A mensagem foi clara: não haverá conversação, mas simplesmente a aplicação da lei, o que significa empregar a força policial repressiva sem contemplação. Dois dias depois de Candia assumir, os membros do UGP, encabeçados por Héctor Cristaldo, foram visitar o flamante ministro do Interior, a quem solicitaram garantias para a realização do tratoraço no dia 25. No entanto, Cristaldo disse que a medida de força poderia ser suspensa, em caso de sinais favoráveis para a UGP (leia-se: liberação das sementes transgênicas da Monsanto, destituição de Lovera e de outros ministros, entre outras vantagens para o grande capital e os oligarcas), levando o governo ainda mais para a direita.
Cristaldo é pré-candidato a deputado para as eleições de 2013 por um movimento interno do Partido Colorado, liderado por Horacio Cartes, um empresário investigado em passado recente nos Estados Unidos por lavagem de dinheiro e narcotráfico, segundo o próprio ABC Color, que foi ecoado por várias mensagens do Departamento de Estado dos EUA, conforme divulgado por Wikileaks. Entre elas, uma se referia diretamente a Cartes, no dia 15 de novembro de 2011.
Julgamento político de Lugo
Enquanto escrevia esse artigo, a UGP (4), alguns integrantes do Partido Colorado e os próprios integrantes do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), dirigido pelo senador Blas Llano e aliado do governo até então, começaram a ameaçar com a abertura de um processo de impeachment de Fernando Lugo para destituí-lo do cargo de presidente da República. Lugo passou a depender do humor dos colorados para seguir como presidente do país, assim como do de seus aliados liberais, que passaram a ameaçá-lo com um julgamento político, seguramente buscando mais espaços de poder (dinheiro) como condição para a paz. O Partido Colorado, aliado a outros partidos minoritários de oposição tinha a maioria necessária para destituir o presidente de suas funções.
Talvez esperassem “os sinais favoráveis” de Lugo que a UGP – em nome da Monsanto, da pátria financeira e dos oligarcas – estava exigindo do governo. Caso contrário se passaria à fase seguinte, de interrupção deste governo que nasceu como progressista e lentamente foi terminando como conservador, controlado pelos poderes da oposição.
Entre outras coisas, Lugo é responsável pela aprovação da Lei Antiterrorista, patrocinada pelos EUA em todo o mundo depois do 11 de setembro. Em 2010, ele autorizou a implementação da Iniciativa Zona Norte, que consiste na instalação e deslocamento de tropas e civis norteamericanos no norte da região oriental – no nariz do Brasil – supostamente para desenvolver atividades a favor das comunidades campesinas.
A Frente Guazú, coalizão das esquerdas que apoia Lugo, não conseguiu unificar seu discurso e seus integrantes acabaram perdendo a perspectiva na análise do poder real, ficando presos nos jogos eleitorais imediatistas. Infiltrados pelo USAID, muitos integrantes da Frente Guazú, que participavam da administração do Estado, sucumbiram ao canto de sereia do consumismo galopante do neoliberalismo. Se corromperam até os ossos, convertendo-se em cópias vaidosas de novos ricos que integravam os recentes governos do direitista Partido Colorado.
Curuguaty também engloba uma mensagem para a região, especialmente para o Brasil, em cuja fronteira se produziram esses fatos sangrentos, claramente dirigidos pelos senhores da guerra, cujos teatros de operações estão montados no Iraque, Líbia, Afeganistão e, agora, Síria. O Brasil está construindo um processo de hegemonia mundial junto com a Rússia, Índia e China, denominado BRIC. No entanto, os EUA não recuam na tentativa de manter seu poder de influência na região. Já está em marcha o novo eixo comercial integrado por México, Panamá, Colômbia, Peru e Chile. É um muro de contenção aos desejos expansionistas do Brasil na direção do Pacífico.
Enquanto isso, Washington segue sua ofensiva diplomática em Brasília, tratando de convencer o governo de Dilma Rousseff a estreitar vínculos comerciais, tecnológicos e militares. Além disso, a IV Frota dos EUA, reativada há alguns anos após estar fora de serviço desde o fim da Segunda Guerra Mundial, vigia todo o Atlântico Sul, caracterizando um outro cerco ao Brasil, caso a persuasão diplomática não funcione.
E o Paraguai é um país em disputa entre ambos países hegemônicos, sendo ainda amplamente dominado pelos EUA. Por isso, os eventos de Curuguaty representam também um pequeno sinal para o Brasil, no sentido de que o Paraguai pode se converter em um obstáculo para o desenvolvimento do sudoeste do Brasil.
Mas, acima de tudo, os mortos de Curuguaty representam um sinal do grande capital, do extrativismo explorador que assola o planeta e aplasta a vida em todos os rincões da Terra em nome da civilização e do desenvolvimento. Felizmente, os povos do mundo também vêm dando respostas a estes sinais da morte, com sinais de resistência, de dignidade e de respeito a todas as formas de vida no planeta.
Trata-se de um duro revés para a esquerda e para as organizações sociais e campesinas, acusadas pela oligarquia latifundiária de instigar os camponeses. Representa ainda um avanço do agronegócio extrativista nas mãos de multinacionais como a Monsanto, mediante a perseguição dos camponeses e a tomada de suas terras. Finalmente, implica a instalação de um cômodo palco para as oligarquias e os partidos de direita para seu retorno triunfal nas eleições de 2013 ao poder Executivo.
No dia 21 de outubro de 2011, o Ministério da Agricultura e Pecuária, dirigido pelo liberal Enzo Cardozo, liberou ilegalmente a semente de algodão transgênico Bollgard BT, da companhia norteamericana de biotecnologia Monsanto, para seu plantio comercial no Paraguai. Os protestos de organizações camponesas e ambientalistas foram imediatos. O gene deste algodão está misturado com o gene do Bacillus thurigensis, uma bactéria tóxica que mata algumas pragas do algodão, como as larvas do bicudo, um coleóptero que deposita seus ovos no botão da flor do algodão.
O Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal e de Sementes (Senave), instituição do Estado paraguaio dirigida por Miguel Lovera, não inscreveu essa semente nos registros de cultivares pela falta de parecer do Ministério da Saúde e da Secretaria do Ambiente, como exige a legislação.
Campanha midiática
Nos meses posteriores, a Monsanto, por meio da União de Grêmios de Produção (UGP), estreitamente ligada ao grupo Zuccolillo, que publica o jornal ABC Color, lançou uma campanha contra o Senave e seu presidente por não liberar o uso comercial em todo o país da semente de algodão transgênico da Monsanto. A contagem regressiva decisiva parece ter iniciado com uma nova denúncia por parte de uma pseudosindicalista do Senave, chamada Silvia Martínez, que, no dia 7 de junho, acusou Lovera de corrupção e nepotismo na instituição que dirige, nas páginas do ABC Color. Martínez é esposa de Roberto Cáceres, representante técnico de várias empresas agrícolas, entre elas a Agrosan, recentemente adquirida por 120 milhões de dólares pela Syngenta, outra transnacional, todas sócias da UGP.
No dia seguinte, 8 de junho, a UGP publicou no ABC uma nota em seis colunas: “Os 12 argumentos para destituir Lovera”. Estes supostos argumentos foram apresentados ao vice-presidente da República, correligionário do ministro da Agricultura, o liberal Federico Franco, que naquele momento era o presidente interino do Paraguai, em função de uma viagem de Lugo pela Ásia.
No dia 15, por ocasião de uma exposição anual organizada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, o ministro Enzo Cardoso deixou escapar um comentário diante da imprensa que um suposto grupo de investidores da Índia, do setor de agroquímicos, cancelou um projeto de investimento no Paraguai por causa da suposta corrupção no Senave. Ele nunca esclareceu que grupo era esse. Aproximadamente na mesma hora daquele dia, ocorriam os trágicos eventos de Curuguaty.
No marco desta exposição preparada pelo citado Ministério, a Monsanto apresentou outra variedade de algodão, duplamente transgênica: BT e RR, ou Resistente ao Roundup, um herbicida fabricado e patenteado pela transnacional. A pretensão da Monsanto é a liberação desta semente transgênica no Paraguai, tal como ocorreu na Argentina e em outros países do mundo.
Antes desses fatos, o diário ABC Color denunciou sistematicamente, por supostos atos de corrupção, a ministra da Saúde, Esperanza Martínez, e o ministro do Ambiente, Oscar Rivas, dois funcionários do governo que não deram parecer favorável a Monsanto.
Em 2001, a Monsanto faturou 30 milhões de dólares, livre de impostos (porque não declara essa parte de sua renda), somente na cobrança de royalties pelo uso de sementes de soja transgênica no Paraguai. Toda a soja cultivada no país é transgênica, numa extensão de aproximadamente 3 milhões de hectares, com uma produção em torno de 7 milhões de toneladas em 2010.
Por outro lado, na Câmara de Deputados já se aprovou o projeto de Lei de Biossegurança, que cria um departamento de biossegurança dentro do Ministério da Agricultura, com amplos poderes para a aprovação para cultivo comercial de todas as sementes transgênicas, sejam de soja, de milho, de arroz, algodão e mesmo algumas hortaliças. O projeto prevê ainda a eliminação da Comissão de Biossegurança atual, que é um ente colegiado forma por funcionários técnicos do Estado paraguaio.
Enquanto transcorriam todos esses acontecimentos, a UGP preparava um ato de protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo para o dia 25 de junho. Seria uma manifestação com máquinas agrícolas fechando estradas em distintos pontos do país. Uma das reivindicações do chamado “tratoraço” era a destituição de Miguel Lovera do Senave, assim como a liberalização de todas as sementes transgênicas para cultivo comercial.
As conexões
A UGP é dirigida por Héctor Cristaldo, apoiado por outros apóstolos como Ramón Sánchez – que tem negócios com o setor dos agroquímicos -, entre outros agentes das transnacionais do agronegócio. Cristaldo integra o staff de várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo Zuccolillo, diretor proprietário do diário ABC Color, desde sua função sob o regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
O grupo Zuccolillo é sócio principal no Paraguai da Cargill, uma das maiores transnacionais do agronegócio no mundo. A sociedade entre os dois grupos construiu um dos portos graneleiros mais importantes do Paraguai, denominado Porto União, a 500 metros da área de captação de água da empresa de abastecimento do Estado paraguaio, no Rio Paraguai, sem nenhuma restrição.
As transnacionais do agronegócio no Paraguai praticamente não pagam impostos, mediante a férrea proteção que tem no Congresso, dominado pela direita. A carga tributária no Paraguai é apenas de 13% sobre o PIB. Cerca de 60% do imposto arrecadado pelo Estado paraguaio é via Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Os latifundiários não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da carga tributária, cerca de 5 milhões de dólares, segundo estudo do Banco Mundial, embora a renda do agronegócio seja de aproximadamente 30% do PIB, o que representa cerca de 6 bilhões de dólares anuais.
O Paraguai é um dos países mais desiguais do mundo. Cerca de 85% das terras, aproximadamente 30 milhões de hectares, estão nas mãos de 2% de proprietários, que se dedicam à produção meramente para exportação ou, no pior dos casos, à especulação sobre a terra. A maioria desses oligarcas possui mansões em Punta del Este ou em Miami e mantém estreitas relações com transnacionais do setor financeiro, que guardam seus bens mal havidos nos paraísos fiscais ou tem investimentos facilitados no exterior. Todos eles, de uma ou outra maneira, estão ligados ao agronegócio e dominam o espectro político nacional, com amplas influências nos três poderes do Estado. Ali reina a UGP, apoiada pelas transnacionais do setor financeiro e do agronegócio.
Os fatos de Curugaty
Curuguaty é uma cidade na região oriental do Paraguai, a cerca de 200 quilômetros de Assunção, capital do país. A alguns quilômetros de Curuguaty encontra-se a fazenda Morombi, de propriedade do latifundiário Blas Riquelme, com mais de 70 mil hectares nesse lugar. Riquelme provém das entranhas da ditadura de Stroessner (1954-1989), sob cujo regime acumulou uma intensa fortuna. Depois, aliou-se ao general Andrés Rodríguez, que executou o golpe de Estado que derrubou o ditador Stroessner. Riquelme, que foi presidente do Partido Colorado por muitos anos e senador da República, dono de vários supermercados e estabelecimentos pecuários, apropriou-se mediante subterfúgios legais de aproximadamente 2 mil hectares que pertencem ao Estado paraguaio.
Esta parcela foi ocupada pelos camponeses sem terra que vinham solicitando ao governo de Fernando Lugo sua distribuição. Um juiz e uma promotora ordenaram o despejo dos camponeses, por meio do Grupo Especial de Operações (GEO), da Polícia Nacional, cujos membros de elite, em sua maioria, foram treinados na Colômbia, sob o governo de Uribe, para a luta contra as guerrilhas.
Só uma sabotagem interna dentro dos quadros de inteligência da polícia, com a cumplicidade da promotoria, explica a emboscada, na qual morreram seis policiais. Não se compreende como policiais altamente treinados, no marco do Plano Colômbia, puderam cair facilmente em uma suposta armadilha montada pelos camponeses, como quer fazer crer a imprensa dominada pela oligarquia. Seus camaradas reagiram e dispararam contra os camponeses, matando 11 e deixando uns 50 feridos. Entre os policiais mortos estava o chefe do GEO, comissário Erven Lovera, irmão do tenente coronel Alcides Lovera, chefe de segurança do presidente Lugo.
O plano consiste em criminalizar, levar até ao ódio extremo todas as organizações campesinas, para fazer os camponeses abandonarem o campo, deixando-o para uso exclusivo do agronegócio. É um processo doloroso, “descampesinização” do campo paraguaio, que atenta diretamente contra a soberania alimentar, a cultura alimentar do povo paraguaio, por serem os camponeses produtores e recriadores ancestrais de toda a cultura guarani.
Tanto o Ministério Público, como o Poder Judiciário e a Polícia Nacional, assim como diversos organismos do Estado paraguaio estão controlados mediante convênios de cooperação com a USAID, agência de cooperação dos Estados Unidos.
O assassinato do irmão do chefe de segurança do presidente da República obviamente foi uma mensagem direta a Fernando Lugo, cuja cabeça seria o próximo objetivo, provavelmente por meio de um julgamento político, mesmo que ele tenha levado seu governo mais para a direita, tratando de acalmar as oligarquias. O ocorrido em Curuguaty derrubou Carlos Filizzola do Ministério do Interior. Em seu lugar, foi nomeado Rubén Candia Amarilla, proveniente do opositor Partido Colorado, o qual Lugo derrotou nas urnas em 2008, após 60 anos de ditadura colorada, incluindo a tirania de Alfredo Stroessner.
Candia foi ministro da Justiça do governo colorado de Nicanor Duarte (2003-2008) e atuou como procurador geral do Estado por um período, até o ano passado, quando foi substituído por outro colorado, Javier Díaz Verón, por iniciativa do próprio Lugo. Candia é acusado de ter promovido a repressão contra dirigentes de organizações campesinas e de movimentos populares. Sua indicação como procurador geral do Estado em 2005 foi aprovada pelo então embaixador dos Estados Unidos, John F. Keen. Candia foi responsável por um maior controle do Ministério Público por parte da USAID e foi acusado por Lugo no início do governo de conspirar para tirá-lo do poder.
Após assumir como ministro político de Lugo, a primeira coisa que Candia fez foi anunciar o fim do protocolo de diálogo com os campesinos que ocupam propriedades. A mensagem foi clara: não haverá conversação, mas simplesmente a aplicação da lei, o que significa empregar a força policial repressiva sem contemplação. Dois dias depois de Candia assumir, os membros do UGP, encabeçados por Héctor Cristaldo, foram visitar o flamante ministro do Interior, a quem solicitaram garantias para a realização do tratoraço no dia 25. No entanto, Cristaldo disse que a medida de força poderia ser suspensa, em caso de sinais favoráveis para a UGP (leia-se: liberação das sementes transgênicas da Monsanto, destituição de Lovera e de outros ministros, entre outras vantagens para o grande capital e os oligarcas), levando o governo ainda mais para a direita.
Cristaldo é pré-candidato a deputado para as eleições de 2013 por um movimento interno do Partido Colorado, liderado por Horacio Cartes, um empresário investigado em passado recente nos Estados Unidos por lavagem de dinheiro e narcotráfico, segundo o próprio ABC Color, que foi ecoado por várias mensagens do Departamento de Estado dos EUA, conforme divulgado por Wikileaks. Entre elas, uma se referia diretamente a Cartes, no dia 15 de novembro de 2011.
Julgamento político de Lugo
Enquanto escrevia esse artigo, a UGP (4), alguns integrantes do Partido Colorado e os próprios integrantes do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), dirigido pelo senador Blas Llano e aliado do governo até então, começaram a ameaçar com a abertura de um processo de impeachment de Fernando Lugo para destituí-lo do cargo de presidente da República. Lugo passou a depender do humor dos colorados para seguir como presidente do país, assim como do de seus aliados liberais, que passaram a ameaçá-lo com um julgamento político, seguramente buscando mais espaços de poder (dinheiro) como condição para a paz. O Partido Colorado, aliado a outros partidos minoritários de oposição tinha a maioria necessária para destituir o presidente de suas funções.
Talvez esperassem “os sinais favoráveis” de Lugo que a UGP – em nome da Monsanto, da pátria financeira e dos oligarcas – estava exigindo do governo. Caso contrário se passaria à fase seguinte, de interrupção deste governo que nasceu como progressista e lentamente foi terminando como conservador, controlado pelos poderes da oposição.
Entre outras coisas, Lugo é responsável pela aprovação da Lei Antiterrorista, patrocinada pelos EUA em todo o mundo depois do 11 de setembro. Em 2010, ele autorizou a implementação da Iniciativa Zona Norte, que consiste na instalação e deslocamento de tropas e civis norteamericanos no norte da região oriental – no nariz do Brasil – supostamente para desenvolver atividades a favor das comunidades campesinas.
A Frente Guazú, coalizão das esquerdas que apoia Lugo, não conseguiu unificar seu discurso e seus integrantes acabaram perdendo a perspectiva na análise do poder real, ficando presos nos jogos eleitorais imediatistas. Infiltrados pelo USAID, muitos integrantes da Frente Guazú, que participavam da administração do Estado, sucumbiram ao canto de sereia do consumismo galopante do neoliberalismo. Se corromperam até os ossos, convertendo-se em cópias vaidosas de novos ricos que integravam os recentes governos do direitista Partido Colorado.
Curuguaty também engloba uma mensagem para a região, especialmente para o Brasil, em cuja fronteira se produziram esses fatos sangrentos, claramente dirigidos pelos senhores da guerra, cujos teatros de operações estão montados no Iraque, Líbia, Afeganistão e, agora, Síria. O Brasil está construindo um processo de hegemonia mundial junto com a Rússia, Índia e China, denominado BRIC. No entanto, os EUA não recuam na tentativa de manter seu poder de influência na região. Já está em marcha o novo eixo comercial integrado por México, Panamá, Colômbia, Peru e Chile. É um muro de contenção aos desejos expansionistas do Brasil na direção do Pacífico.
Enquanto isso, Washington segue sua ofensiva diplomática em Brasília, tratando de convencer o governo de Dilma Rousseff a estreitar vínculos comerciais, tecnológicos e militares. Além disso, a IV Frota dos EUA, reativada há alguns anos após estar fora de serviço desde o fim da Segunda Guerra Mundial, vigia todo o Atlântico Sul, caracterizando um outro cerco ao Brasil, caso a persuasão diplomática não funcione.
E o Paraguai é um país em disputa entre ambos países hegemônicos, sendo ainda amplamente dominado pelos EUA. Por isso, os eventos de Curuguaty representam também um pequeno sinal para o Brasil, no sentido de que o Paraguai pode se converter em um obstáculo para o desenvolvimento do sudoeste do Brasil.
Mas, acima de tudo, os mortos de Curuguaty representam um sinal do grande capital, do extrativismo explorador que assola o planeta e aplasta a vida em todos os rincões da Terra em nome da civilização e do desenvolvimento. Felizmente, os povos do mundo também vêm dando respostas a estes sinais da morte, com sinais de resistência, de dignidade e de respeito a todas as formas de vida no planeta.
“Estamos saindo às ruas e conversando com os cidadãos”, diz Lugo em entrevista ao Página 12
Por Martín Granovsky, do Página 12 via SUL21
O presidente deposto do Paraguai, Fernando Lugo, não pretende cruzar
os braços após sua derrubada do poder no país. Oficialmente, Federico
Franco, ex-vice de Lugo, está no comando do país, mas,
extraoficialmente, o agora ex-presidente vem mantendo articulações
locais e internacionais para tentar retornar ao palácio presidencial.
Em entrevista concedida na noite de domingo (24) ao jornal argentino Página 12,
Lugo conta que está conversando com cidadãos, com líderes sindicais e
políticos, e que ainda mantém unido o primeiro escalão de seu governo. O
ex-presidente também justifica a reação pacífica que adotou ao que
qualifica como “golpe de Estado parlamentar”. “Nos submetemos ao
impeachment e aceitamos o veredito para evitar derramamento de sangue”,
explicou.
Página 12 – Franco diz que o senhor é o responsável por
qualquer represália externa que o Paraguai possa receber. Que só o
senhor pode evitar os conflitos internacionais.
Fernando Lugo – Cospem em você e ao mesmo tempo
dizem que você é bonito. Não são castigos ao Paraguai. Estamos diante de
um grande movimento de solidariedade internacional no qual participa o
teu país também. A Argentina é um país irmão, um vizinho muito próximo
que conhece muito bem a realidade paraguaia.
Página 12 – Retirou o embaixador Rafael Romá.
Lugo – A Argentina fez o que, dentro de sua
soberania, considerou que seria útil para a liberdade e a soberania de
um país que quer a democracia como o Paraguai.
Página 12 – E se a solidariedade ao Sr. se converter em problemas para os cidadãos, como o senhor reagirá?
Lugo – Lamentavelmente, muitos inocentes podem
sofrer as consequências. Eu quero o melhor para o Paraguai e por isso
repudio o atual regime.
Página 12 – Na madrugada de domingo, em frente à sede da
televisão pública, o senhor defendeu uma resistência pacífica. Essa será
a tática?
Lugo – Sim, já começamos a resistência pacífica e um
não reconhecimento da Presidência que se instalou depois do golpe de
Estado parlamentar. E já é possível ver as manifestações de cidadãs e
cidadãos, elas existem e são crescentes e pacíficas. Se expressam contra
o que o Parlamento decidiu naquela sexta-feira negra. Também faremos
uma reunião de gabinete.
Página 12 – Quando?
Lugo – Às 6h (desta segunda-feira, 25). Todos os
meus colaboradores que integravam o gabinete ministerial quando
estávamos no governo irão participar.
Página 12 – Quando o senhor se despediu dos chanceleres da Unasul, disse a eles que voltaria ao seu trabalho político nas bases.
Lugo – E já começamos a fazer isso. Vamos unir forças com os movimentos sociais e os sindicatos.
Página 12 – Sempre dentro da lógica da não violência?
Lugo – Sim, sempre.
Página 12 – Por isso na sexta, quando o senhor foi deposto, teve uma atitude pacífica?
Lugo – Exatamente. Nos submetemos ao impeachment e
aceitamos o veredito para evitar derramamento de sangue. Somos contra
todo o tipo de violência e neste dia havia a possibilidade de violência e
repressão. Hoje, já com o espírito sereno, as manifestações da
cidadania são exemplares. É o que se pode ver nas ruas ou nas
transmissões do Canal 13.
Página 12 – Essa forma de ação política será também adotada no interior do Paraguai?
Lugo – Sim e estamos tranquilos para essa tarefa. É
por isso que nossa atitude na sexta-feira foi muito bem pensada. Há
muita violência no Paraguai. Naquela sexta-feira, os mercadores da morte
estavam rondando. O impeachment foi injusto, irracional e sem
argumentos, mas precisávamos reagir da forma como reagimos. Era o
melhor.
Página 12 – O dinamismo da suas ações aumentará?
Lugo – Estamos saindo às ruas e conversando com os
cidadãos. Hoje mantivemos uma série de reuniões com líderes sociais e
políticos. O repúdio está crescendo, estou certo disso. Haverá uma
consolidação do repúdio contra a Presidência que surgiu após a minha
destituição.
Página 12 – Franco insiste em dizer que o Congresso apenas
aplicou o artigo da Constituição que estipula os procedimentos do
impeachment.
Lugo – É interessante destacar o que disse o
presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. A ferramenta do impeachment é
válida do ponto de vista jurídico e constitucional, mas os
congressistas exageraram na maneira como agiram.
Página 12 – Os congressistas poderiam dizer que votaram com maiorias qualificadas.
Lugo – Foi um simples acordo de cúpulas feito entre os dirigentes dos três partidos tradicionais.
Página 12 – Na sua primeira aparição pública após a
destituição, o senhor disse que havia setores políticos vinculados ao
narcotráfico. A quem o senhor se referia?
Lugo – Há muitos parlamentares acusados de ter uma
grande participação em negócios ilícitos. O narcotráfico está presente
em alguns setores da política. Há investigações que foram publicadas e
denunciadas.
Tradução de Samir Oliveira.
Marcadores:
America Latina,
Direitos Humanos,
Ditaduras
domingo, 24 de junho de 2012
TÍTULO DO FILME: CABRA MARCADO PARA MORRER (Brasil, 1984) DIREÇÃO: Eduardo Coutinho
Filme documentário, Cabra Marcado para Morrer foi dirigido por Eduardo Coutinho inicialmente em fevereiro1964, sendo obrigado a interromper as filmagens devido ao golpe militar de 31 de março, quando as forças militares cercam a locação no engenho da Galiléia. Dezessete anos depois em 1984 retoma o projeto, seu lançamento foi no ano seguinte em 1985.
Conta história das Ligas Camponesas de Galiléia e de Sapé além da vida de João Pedro Teixeira que era um líder camponês da Paraíba assassinado a mando de latifundiários de Pernambuco em 1962.
Através de depoimento da viúva Elizabeth Teixeira, de seus filhos e de camponeses que presenciaram a história, coletou informações para o documentário. O tema principal do filme passa a ser a trajetória de cada um dos personagens que, por meio de lembranças e imagens do passado, evocam o drama de uma família de camponeses durante os longos anos do regime militar.
TÍTULO DO FILME: CABRA MARCADO PARA MORRER (Brasil, 1984) DIREÇÃO: Eduardo Coutinho
ELENCO: Elisabeth Teixeira e família, João Virgínio da Silva e os habitantes de Galiléia (Pernambuco). Narração de Ferreira Gullar, Tite Lemos e Eduardo Coutinho. 120 min., Globo Vídeo.
Gênero: Documentário, Ano de Lançamento: 1985, País de Origem: Brasil, Idioma do Áudio: Português do Brasil,
Para saber mais leia em:
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=242
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cabra_Marcado_para_Morrer
http://nuevomundo.revues.org/1520
http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000386663
Marcadores:
cinema crítico,
revolucionários,
Software Livre,
videos
Ironia na internet: bonitinha, mas ordinária
Como hoje é sexta, trouxe uma leitura mais leve. A gente
merece, né? Afinal de contas, a Rio+20 produziu um excelente documento
final, está tudo em paz no Paraguai e os trabalhadores rurais desfrutam
de segurança no Pará.
Pedi para Rodolfo Vianna, jornalista, mestre em
Linguística e amigo, escrever um texto para este blog sobre o seu objeto
de estudo: a ironia. Achei que seria pertinente ainda mais em um tempo
em que as pessoas se levam a sério demais. Afinal, o milagre não é uma
ironia passar despercebida mas, sim, ser entendida.
“Toda vez que ouço Wagner, me dá uma vontade de invadir a Polônia…”
Woody Allen
Woody Allen
Bonitinha, mas ordinária. Assim podemos definir a ironia, já que ela
se caracteriza como uma argumentação indireta tida como astuta,
inteligente, articulando um ponto de vista sob um manto de humor, numa
jocosidade nobre daqueles que sabem que somente as grandes burrices
tendem a ser gravemente sérias. Entretanto, a mesma ironia pode não ser
compreendida, pode agir justamente no sentido contrário da argumentação
pretendida pela sua manifestação, voltar-se contra seu feiticeiro.
A beleza da ironia, enquanto manifestação retórica, está na sua
economia argumentativa. Por meio de um comentário irônico, posso
ridicularizar toda uma construção argumentativa sólida e extensa; da
mesma forma que, para se desconstruir uma ironia, o mesmo trabalho
argumentativo extenso é necessário. O poder de síntese que a ironia
possui é que a faz ser vista como uma manifestação de inteligência, de
sagacidade, já que ela mobiliza no seu intuito argumentativo um vasto
conjunto de informações e valores para, a partir deles, construir sua
argumentação indireta: seu elogio como crítica, sua aprovação como
censura, sua afirmação como uma negativa.
Vale ressaltar aqui, en passant, que a ironia não se reduz a
dizer algo com o intuito de expressar justamente seu contrário. A
ironia abre-se à inferência de um ou mais significados que não estão
presentes na literalidade do enunciado irônico, significados estes que
carregam valores apreciativos sobre esse mesmo dito. Esses outros
significados que podem ser depreendidos de uma ironia não
necessariamente se restringem à negação do dito, como uma simples
antífrase.
Ambiguidade – Mas por que ordinária? Ora, a ironia
só se realiza quando percebida como ironia, independentemente da
intenção daquele que a produziu. Uma metáfora, por exemplo, se não for
reconhecida como tal passa a ser uma contra-verdade: se eu não entender
que “chove canivete lá fora” é uma metáfora, a frase perde sua validade
pela confrontação com a realidade, já que não chove canivete. Agora, se
eu falasse para o Neymar que ele poderia ser modelo se não fosse jogador
de futebol, e ele, por algum misterioso motivo, não entendesse a
ironia, poderia até mesmo me agradecer pelo comentário. E nada impede,
por sua vez, de ser esse agradecimento também uma ironia por parte dele.
É da natureza da ironia ser ambígua, e na ambiguidade está a armadilha.
É no reconhecimento da ironia, ou não, que mora o perigo. Aquele que
propõe fazer uma construção irônica deve prever como será a possível
percepção dela por aqueles a quem a dirige. E, para isso, é necessário
haver um compartilhamento de crenças, valores, experiências, assim como
conhecer aquele faz a ironia, para que desse arcabouço comum se possam
extrair elementos que permitam entender aquele enunciado como irônico.
“Prefiro o cheiro dos meus cavalos ao cheiro do povo” seria uma ironia
se fosse dita por Florestan Fernandes. Mas não foi ele quem disse, e não
era ironia.
Entretanto, toda a previsão é suscetível a falhas, ainda mais quando
falamos do universo da linguagem, do imaginário e da compreensão de
outrem. Por mais que existam recursos que o ironista utiliza para
sinalizar que se trata de uma ironia, seja numa conversa, seja num
texto, eles não garantem a obrigatoriedade da sua compreensão. E como
não existe ironia se ela não for percebida como tal (já que o
significado literal, não irônico, permanece válido), a responsabilidade
última de fazê-la existir é do destinatário, e não do ironista: se não
há reconhecimento da ironia, logo também não existe o ironista. Esse é o
preço a se pagar pela economia argumentativa da ironia, o preço da
ambiguidade, ou seja, o de assumir o argumento/opinião do qual queria se
afastar.
Por essas e outras que, muitas vezes, somos levados a não enxergar
ironia onde ela foi proposta, como também a entender alguma coisa como
irônica quando ela não fora assim intencionada. Atualmente, no caso
específico da internet, isso acaba ocorrendo frequentemente, já que
links em páginas de relacionamentos ou em portais nos levam a textos de
pessoas que nunca lemos antes, que não conhecemos, que não sabemos quais
são seus pontos de vista, e, portanto, não temos um arcabouço de
subentendidos e pressupostos que possibilitariam identificar pistas de
uma possível ironia presente. O quê me faz crer que esse tal de Woody
Allen não queira mesmo invadir a Polônia?
Apesar de tudo, a ironia existe, é objeto de reflexão há mais de 2
mil anos, remontando à Sócrates, e cotidianamente nos deparamos com ela.
Porém, sua concretização está mais próxima de um milagre do que da
efetivação de uma equação matemática, uma vez que ela é um paradoxo à
fria racionalidade. Mas o mundo intersubjetivo é, antes de tudo, ruído. E
na linguagem verbal nem sempre 2 + 2 = 4.
Enfim, tantas linhas para dizer que a ironia não passa de uma bobagem…
Rodolfo Vianna é formado em jornalismo (USP) e mestre em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP). É autor da
dissertação Jornalismo, ironia e “informação”. Para baixá-la, clique aqui.
sábado, 23 de junho de 2012
Os bancos ocidentais ganham milhões com a cocaína colombiana
– Enquanto a produção de cocaína devasta os países da América Central, os consumidores dos EUA e da Europa ajudam as economias desenvolvidas a enriquecerem-se com os lucros dessa produção.
por Ed Vulliamy
Os vastos lucros do tráfico e da produção de droga
vão para os países ricos e consumidores – como os da Europa
ou os Estados Unidos da América – numa proporção
muito superior do que ficam nos países devastados por essa
produção, como a Colômbia ou o México, revela um
estudo recente
[1]
. Os seus autores afirmam que as entidades reguladoras
são relutantes em investigar o enorme processo da lavagem de dinheiro
da droga, levada a cabo pelos bancos europeus e norte-americanos.
A mais recente análise da economia da droga – no caso específico da Colômbia – demonstra que apenas 2,6 % do total do valor de mercado da cocaína produzida fica nesse país, ao passo que uns espantosos 97,4% dos lucros são arrecadados pelas máfias criminosas do chamado primeiro mundo, sendo posteriormente submetidos a um processo de "lavagem de dinheiro" nos bancos desses países.
"A história acerca de quem realmente lucra com a cocaína colombiana é uma metáfora para o fardo desproporcionado colocado de todas as maneiras sobre países "produtores" como a Colômbia em consequência da proibição das drogas" afirma, Alejandro Gaviria, um dos autores do estudo, aquando do lançamento da edição inglesa do mesmo na semana passada.
"A sociedade colombiana tem sofrido imenso e não tem retirado nenhuma vantagem económica do tráfico de drogas, os verdadeiros lucros revertem a favor das redes criminosas de distribuição nos países consumidores de drogas, que os "reciclam" no sistema bancário local, sistema esse que opera com muito menos restrições do que o sistema bancário colombiano."
O seu co-autor, Daniel Mejia, acrescentou: "O sistema aplicado pelas autoridades dos países consumidores de drogas tem como objectivo a repressão do pequeno distribuidor, ele é o elo mais fraco da rede, estas nunca procuram atingir os grandes negociantes de drogas ou os sistemas financeiros que os suportam e é aí que está realmente o grosso do dinheiro".
Este trabalho, de dois economistas da Universidade de Los Andes, em Bogotá, faz parte de uma iniciativa do governo da Colômbia para reformular a política anti-droga global recentrando-a nos processos de lavagem de dinheiro levados a cabo pelos grandes bancos norte-americanos e europeus, assim como na prevenção social e num processo de descriminalização de algumas ou mesmo de todas as drogas.
Estes economistas tomaram em consideração vários factores económicos, sociais e políticos, das guerras da droga que têm devastado a Colômbia. O conflito estendeu-se, com graves consequências, ao México e receia-se que possa alastrar-se à América Central. Mas a conclusão mais chocante está relacionada com aquilo a que os autores chamam "microeconomia da produção de cocaína" na Colômbia.
Gaviria e Mejía calculam que, ao mais baixo valor que a cocaína pura produzida na Colômbia pode atingir nas ruas (cerca de 100 dólares/ 80 euros por grama) o lucro foi, no ano de 2008, de 300 mil milhões de dólares, dos quais apenas 7,8 mil milhões ficaram no país.
"É uma porção minúscula do PNB", disse Mejía, "o que pode ter um efeito desastroso na vida política e social da Colômbia, mas não na economia. A economia da cocaína colombiana está fora da Colômbia".
Mejía disse ainda a The Observer: "Na minha perspectiva a proibição das drogas é um processo de transferência de custos do problema das drogas, dos países consumidores para os países produtores".
"Se países como a Colômbia lucrassem economicamente com o tráfico de droga, ainda faria um pouco de sentido" afirmou Gaviria". Em vez disso, a Colômbia e o México pagam o maior preço para que outros tenham lucro".
"Eu gostava de ilustrar a situação para os cidadãos norte-americanos: imaginem que o consumo de cocaína nos Estados Unidos desaparecia e se deslocava para o Canadá. Será que os americanos gostariam de ver a taxa de homicídio de Seattle disparar para que se evitasse que a cocaína e o dinheiro fossem para o Canadá? Desta maneira talvez percebessem os custos desta situação para países como o México e a Colômbia"
Os mecanismos de lavagem de dinheiro foram tratados pelo The Observer no ano passado, depois de um raríssimo acordo judicial em Miami entre o governo federal dos Estados Unidos e o Wanchovia Bank, tendo este último admitido que fazia entrar 110 milhões de dólares de dinheiro da droga nos Estados Unidos. No entanto as autoridades não conseguiram monitorizar os 376 mil milhões de dólares que, ao longo de quatro anos, entraram nas contas desse banco através de casas de câmbio no México. O Wachovia Bank foi, já depois deste acordo, adquirido pelo Wells Fargo que cooperava com a investigação.
No entanto ninguém foi preso, e o banco está hoje fora de qualquer complicação judicial. "O sentimento geral é o de uma grande relutância em ir atrás dos lucros reais da droga" disse Mejía. "Eles não se ocupam daquela parte do sistema onde está a maior soma. Na Europa e nos EUA o dinheiro está disperso – quando chega a estes países o dinheiro entra no sistema, em todas as cidades, em todos os estados. Eles preferem ir atrás da pequena economia, dos pequenos intermediários e das plantações de coca na Colômbia, mesmo sabendo que essa economia é minúscula".
O Dr. Mejía acrescentou: "Na Colômbia eles colocam aos bancos questões que nunca colocariam aos bancos nos Estados Unidos. Se o fizessem seria contra as leis do sigilo bancário. Nos Estados Unidos existem leis muito fortes que protegem o segredo bancário, na Colômbia tais leis não existem – ainda que a lavagem de dinheiro se faça mais nos Estados Unidos. É um sistema um pouco hipócrita, não?"
"É uma extensão da forma como operam no seu próprio país. Vão atrás das classes baixas, dos elos mais fracos da cadeia, do pobre tipo – para mais facilmente mostrar resultados. Mais uma vez: é a vontade de transferir o custo da guerra da droga para os mais pobres, deixando o sistema financeiro e os grandes negociantes intocados, que motiva todo este sistema"
Tendo o Reino Unido suplantado os EUA e a Espanha como o maior consumidor mundial de cocaína per capita , a investigação ao Wachovia mostrou também que muito do dinheiro da droga era lavado através da City de Londres, onde o principal denunciante do caso, Martin Woods, estava sediado, no departamento anti-lavagem de dinheiro do banco. Martin Woods foi posteriormente demitido depois de ter denunciado a situação.
Gaviria disse ainda: "Nós sabemos que as autoridades nos Estados Unidos e no Reino Unido sabem mais do que aquilo que as suas acções fazem transparecer. As autoridades apercebem-se de inúmeros casos de pessoas que tentam movimentar dinheiro para o tráfico de droga – mas a DEA (Departamento Anti-droga dos EUA) age apenas num número mínimo de casos"
"É um verdadeiro tabu perseguir os grandes bancos" acrescentou Mejía, "seria suicidário neste clima económico devido às elevadas quantias de dinheiro reciclado"
A mais recente análise da economia da droga – no caso específico da Colômbia – demonstra que apenas 2,6 % do total do valor de mercado da cocaína produzida fica nesse país, ao passo que uns espantosos 97,4% dos lucros são arrecadados pelas máfias criminosas do chamado primeiro mundo, sendo posteriormente submetidos a um processo de "lavagem de dinheiro" nos bancos desses países.
"A história acerca de quem realmente lucra com a cocaína colombiana é uma metáfora para o fardo desproporcionado colocado de todas as maneiras sobre países "produtores" como a Colômbia em consequência da proibição das drogas" afirma, Alejandro Gaviria, um dos autores do estudo, aquando do lançamento da edição inglesa do mesmo na semana passada.
"A sociedade colombiana tem sofrido imenso e não tem retirado nenhuma vantagem económica do tráfico de drogas, os verdadeiros lucros revertem a favor das redes criminosas de distribuição nos países consumidores de drogas, que os "reciclam" no sistema bancário local, sistema esse que opera com muito menos restrições do que o sistema bancário colombiano."
O seu co-autor, Daniel Mejia, acrescentou: "O sistema aplicado pelas autoridades dos países consumidores de drogas tem como objectivo a repressão do pequeno distribuidor, ele é o elo mais fraco da rede, estas nunca procuram atingir os grandes negociantes de drogas ou os sistemas financeiros que os suportam e é aí que está realmente o grosso do dinheiro".
Este trabalho, de dois economistas da Universidade de Los Andes, em Bogotá, faz parte de uma iniciativa do governo da Colômbia para reformular a política anti-droga global recentrando-a nos processos de lavagem de dinheiro levados a cabo pelos grandes bancos norte-americanos e europeus, assim como na prevenção social e num processo de descriminalização de algumas ou mesmo de todas as drogas.
Estes economistas tomaram em consideração vários factores económicos, sociais e políticos, das guerras da droga que têm devastado a Colômbia. O conflito estendeu-se, com graves consequências, ao México e receia-se que possa alastrar-se à América Central. Mas a conclusão mais chocante está relacionada com aquilo a que os autores chamam "microeconomia da produção de cocaína" na Colômbia.
Gaviria e Mejía calculam que, ao mais baixo valor que a cocaína pura produzida na Colômbia pode atingir nas ruas (cerca de 100 dólares/ 80 euros por grama) o lucro foi, no ano de 2008, de 300 mil milhões de dólares, dos quais apenas 7,8 mil milhões ficaram no país.
"É uma porção minúscula do PNB", disse Mejía, "o que pode ter um efeito desastroso na vida política e social da Colômbia, mas não na economia. A economia da cocaína colombiana está fora da Colômbia".
Mejía disse ainda a The Observer: "Na minha perspectiva a proibição das drogas é um processo de transferência de custos do problema das drogas, dos países consumidores para os países produtores".
"Se países como a Colômbia lucrassem economicamente com o tráfico de droga, ainda faria um pouco de sentido" afirmou Gaviria". Em vez disso, a Colômbia e o México pagam o maior preço para que outros tenham lucro".
"Eu gostava de ilustrar a situação para os cidadãos norte-americanos: imaginem que o consumo de cocaína nos Estados Unidos desaparecia e se deslocava para o Canadá. Será que os americanos gostariam de ver a taxa de homicídio de Seattle disparar para que se evitasse que a cocaína e o dinheiro fossem para o Canadá? Desta maneira talvez percebessem os custos desta situação para países como o México e a Colômbia"
Os mecanismos de lavagem de dinheiro foram tratados pelo The Observer no ano passado, depois de um raríssimo acordo judicial em Miami entre o governo federal dos Estados Unidos e o Wanchovia Bank, tendo este último admitido que fazia entrar 110 milhões de dólares de dinheiro da droga nos Estados Unidos. No entanto as autoridades não conseguiram monitorizar os 376 mil milhões de dólares que, ao longo de quatro anos, entraram nas contas desse banco através de casas de câmbio no México. O Wachovia Bank foi, já depois deste acordo, adquirido pelo Wells Fargo que cooperava com a investigação.
No entanto ninguém foi preso, e o banco está hoje fora de qualquer complicação judicial. "O sentimento geral é o de uma grande relutância em ir atrás dos lucros reais da droga" disse Mejía. "Eles não se ocupam daquela parte do sistema onde está a maior soma. Na Europa e nos EUA o dinheiro está disperso – quando chega a estes países o dinheiro entra no sistema, em todas as cidades, em todos os estados. Eles preferem ir atrás da pequena economia, dos pequenos intermediários e das plantações de coca na Colômbia, mesmo sabendo que essa economia é minúscula".
O Dr. Mejía acrescentou: "Na Colômbia eles colocam aos bancos questões que nunca colocariam aos bancos nos Estados Unidos. Se o fizessem seria contra as leis do sigilo bancário. Nos Estados Unidos existem leis muito fortes que protegem o segredo bancário, na Colômbia tais leis não existem – ainda que a lavagem de dinheiro se faça mais nos Estados Unidos. É um sistema um pouco hipócrita, não?"
"É uma extensão da forma como operam no seu próprio país. Vão atrás das classes baixas, dos elos mais fracos da cadeia, do pobre tipo – para mais facilmente mostrar resultados. Mais uma vez: é a vontade de transferir o custo da guerra da droga para os mais pobres, deixando o sistema financeiro e os grandes negociantes intocados, que motiva todo este sistema"
Tendo o Reino Unido suplantado os EUA e a Espanha como o maior consumidor mundial de cocaína per capita , a investigação ao Wachovia mostrou também que muito do dinheiro da droga era lavado através da City de Londres, onde o principal denunciante do caso, Martin Woods, estava sediado, no departamento anti-lavagem de dinheiro do banco. Martin Woods foi posteriormente demitido depois de ter denunciado a situação.
Gaviria disse ainda: "Nós sabemos que as autoridades nos Estados Unidos e no Reino Unido sabem mais do que aquilo que as suas acções fazem transparecer. As autoridades apercebem-se de inúmeros casos de pessoas que tentam movimentar dinheiro para o tráfico de droga – mas a DEA (Departamento Anti-droga dos EUA) age apenas num número mínimo de casos"
"É um verdadeiro tabu perseguir os grandes bancos" acrescentou Mejía, "seria suicidário neste clima económico devido às elevadas quantias de dinheiro reciclado"
O original encontra-se em www.guardian.co.uk/world/2012/jun/02/western-banks-colombian-cocaine-trade
Tradução de MQ.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
Marcadores:
America Latina,
inimigos da coisa pública
Assinar:
Postagens (Atom)