sábado, 30 de junho de 2012

Marcio Porchmann lança "Nova Classe Média?"

Por Caio Zinet
Caros Amigos
Nova-Classe-Media-MPorchman-iDurante a última década, o Brasil vivenciou um intenso fenômeno político e econômico, a ascensão de milhões de pessoas à chamada “nova Classe C”. Para analisar esse novo elemento social brasileiro, o presidente do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), Márcio Porchmann, escreveu o livro "Nova Classe Média?" pela editora Boitempo. O livro tem lançamento e debate programados para o dia 29 desse mês de maio, às 19h30, no prédio da Economia da PUC, em São Paulo.
Para o pesquisador há uma disputa sobre o que represente essa nova Classe, principalmente em torno da discussão se ela pertence a um setor da classe média, ou se é um setor da classe trabalhadora. Para ele, essa discussão tem intensas repercussões sobre a atuação e o papel do Estado .
“Se a identidade que nos estamos tendo é a de classe média a pressão para que o Estado subsidie o setor privado tenderá a ser maior. Se nós entendemos que se trata de novos segmentos no interior da classe trabalhadora a pressão é de outra natureza”, afirmou.
Ele traçou ainda um perfil dessas novas pessoas que ascenderam da base da pirâmide social, que pare ele escaparam da influência das instituições políticas democráticas. Para ele isso tem repercussões importantes na política brasileira.
Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Caros Amigos - Quais são as principais características dessa nova classe C?

Marcio Porchmann - Ao meu ver todo esse processo não constituiu o surgimento de uma nova classe, pelo contrário são segmentos novos no interior da classe trabalhadora. Essa ascensão tem características muito individualistas, muito movidas pelo próprio consumo. É um segmento especialmente concentrado no setor de serviços, e que as instituições civil-democráticas, como por exemplo, associações de bairro, associações estudantis e de trabalhadores, os próprios partidos políticos, não conseguiram capturar.
Esse segmento ascende, emerge, mas é movido fundamentalmente pelo consumo. Isso é até natural, eu diria. Nós tivermos durante a década de 1970 outro momento de ascensão social importante, especialmente porque durante esse época vivenciamos o chamado “milagre econômico”, quando a economia cresceu em média 10% ao ano. Então houve um forte crescimento econômico que foi puxado pelos empregos na indústria. Nessa época a mobilidade social foi muito forte, porque eram as pessoas que vinham do campo, ainda nos anos 1960 e 1970 havia o campo que não conhecia luz elétrica, água encanada, etc.
Essas pessoas vieram para as grandes cidades basicamente por conta do emprego industrial, só que as cidades brasileiras não estavam preparadas para receber esse fluxo de imigrantes que vinham do campo e do interior do Brasil e com isso as pessoas acabaram indo morar nas favelas, onde não tinham acesso a água encanada, luz elétrica, etc. É dessa época parte significativa das favelas nas grandes cidades do Brasil. Isso gerou um estranhamento, e esse estranhamento na segunda metade dos anos 1970 foi de alguma maneira capturado por instituições que se formaram durante a transição política brasileira, da ditadura para o regime democrático. Instituições como as comunidades eclesiais de base, associações de bairro, o próprio renascimento do movimento estudantil, o renascimento do sindicalismo, a construção dos partidos políticos, e a transição para a democracia, e até mesmo a constituição de 1988 que de certa maneira é fruto do que aconteceu com esse novos segmentos emergentes que eram basicamente classe trabalhadora do ramo industrial. Eles foram protagonistas dessa transição.
O que nos estamos vendo agora é que o setor que é protagonista na geração de emprego nessa primeira do século XXI é o setor de serviços, e aí são postos de trabalho vinculados a atividades de terceirização, por exemplo, atividades temporárias. É um segmento que não tem suas aspirações capturadas pelas instituições democráticas, e isso aponta para um segmento onde justamente uma das características é a baixa escolarização.
É um segmento, que obviamente, depende do desenvolvimento econômico e da geração de empregos. Por outro lado se mostra conservador em outros valores como é o caso da pena de morte, religião, aborto, assim por diante. Então as características desse segmento são até naturais na medida em que não tenham um envolvimento com instituições democráticas. Esse é o desafio, eu diria assim, do movimento estudantil e sindical. Nós tivermos 1 milhão de estudantes de origem humilde que ascenderam ao nível superior por conta do ProUni (Programa Universidade para todos), por exemplo. Então esse segmento que ascendeu, de certa maneira, não foi fortalecer, não foi fazer parte do movimento estudantil, que é uma das instituições importantes da democracia. Em um país que não tem tradição democrática como é o nosso, que é um país que completou agora 50 anos de experiência democrática em 500 anos de história, isso é um fato bastante significativo a ser considerado.

CA - A inserção dessas pessoas se deu pela via do consumo, mas pouco pela via do direito. Quais as consequências disso?

MP - Se não tiver a cultura política o que ocorre é que cada um acha que a ascensão dependeu do seu próprio esforço físico, porque afinal de nova-classe-media-icontas foi ele que conseguiu o emprego, esse emprego veio com melhor salário e permitiu a ele ascender socialmente, então dá a perspectiva individualista, porque na verdade está faltando a cultura política. A expansão do emprego foi fruto de uma decisão política de uma nova maioria que se constituiu no país a partir de 2003 que entendeu que o Brasil não poderia mais seguir em uma trajetória de voo de galinha, que cresce um pouco um ano, no outro não crescia, que foi a experiência dos anos 1990.
A falta de uma política leva a esse quadro de uma visão mais individualizada. Ao mesmo tempo esses novos segmentos que ascenderam que são trabalhadores que não poupam, e que têm toda sua renda adicional voltada para o consumo, está sendo visto por alguns como nova classe média. O que está por trás disso é uma disputa sobre como deve ser a atuação do Estado, porque se eu identifico que esses segmentos são de estratos de classe média, o que está por trás disso não é a defesa, por exemplo, de políticas públicas universais. A classe média está preocupada com a educação e a saúde privada, está interessada em uma previdência privada, então isso é uma lógica diferente daqueles que nós poderíamos entender como sendo a de uma classe trabalhadora que está preocupada com políticas universais, como saúde e educação pública de qualidade.
Então esse é o embate que tem repercussões grandes no papel do Estado. Porque se a ideia é de classe média possivelmente a ação do Estado tende a ser cada vez mais dissociada de políticas voltadas para a universalização.
Durante os anos 1990 tinha-se uma clareza que o Estado não era eficiente, de que eficiente era o setor privado. Agora que essa tese, digamos assim, caiu, porque o Estado se mostrou absolutamente necessário. Agora se inicia um debate sobre como o Estado deve atuar, especialmente em termos de políticas públicas. Como se coloca esse dinheiro na sociedade, se é subsidiando a iniciativa privada. A receita federal, por exemplo, subsidia o gasto da saúde privada, da educação privada, da previdência privada, da assistência privada dos segmentos de maior renda no país. Porque quando você declara o imposto de renda pode-se abater do valor devido esse tipo de gasto. Então o Estado brasileiro financia o gasto privado nas áreas de educação, saúde, etc., desses segmentos que declaram imposto de renda, que não são os pobres.
Então se a identidade que nós estamos tendo é a de classe média, a pressão para que o Estado subsidie o setor privado tenderá a ser maior. Se nós entendemos que se trata de novos segmentos no interior da classe trabalhadora a pressão é de outra natureza.

CA - Essa política de crédito é uma política que pode se manter no longo prazo?

MP - A inteligência da política pública desde o início do governo Lula foi de viabilizar maior renda para esses segmentos da base da pirâmide social para ampliar o consumo, e ao ampliar o consumo nós fomos gradualmente ocupando a capacidade ociosa das empresas sem a necessidade de grandes investimentos. Agora estamos em condições mais difíceis para viabilizar essa perspectiva porque já há certa saturação da capacidade ociosa, e o grande desafio colocado é o do investimento, da ampliação da capacidade produtiva para atender as possibilidades de incorporação de novos segmentos, e ao mesmo tempo gerar empregos de classe média tradicional como bancários, professores. Mas isso só virá em grande quantidade com a ampliação nos investimentos, porque com mais investimentos se amplia a capacidade produtiva, o que significa a incorporação de novas tecnologias e a necessidade de incorporação de trabalhadores com maior escolaridade típica de classe média. O desafio, portanto, passa a ser o investimento e parece que o governo brasileiro está inclinado nesse sentido, especialmente quando nós olhamos as medidas mais recentes de reforço do setor produtivo com os subsídios fiscais, a queda na taxa de juros, as medidas de desvalorização da moeda. Esse conjunto de ações muito positivas está culminando para que o investimento produtivo ganhe maior dimensão.

CA - As condições de emprego que foram geradas durante a última década são diferentes das que foram geradas durante a década anterior?

MP - De fato o grosso das ocupações geradas foi de remuneração ao redor do salário mínimo, mas eu entendo que foi fundamental a geração desse universo de vagas, porque se nós tivéssemos gerados empregos tradicionais de classe média, esses segmentos que foram beneficiadas não teriam chance de disputar esses postos de trabalho, por terem um perfil em sua maioria de baixa escolaridade e de certa maneira ficariam marginalizados de empregos de maior requisito de contratação. Então é isso que explica o sucesso brasileiro de permitir que a inclusão social fosse o motor principal do próprio dinamismo econômico que inverteu a lógica anterior de crescer para depois distribuir. Para dar continuidade a essa política de mobilidade social é preciso de empregos de maior qualidade.

CA - Quais são os principais desafios do governo com relação a esse novo fenômeno?

MP - Inegavelmente você entra no tema de reformas, nós temos um padrão de arrecadação de recursos pelo Estado brasileiro que reforça a desigualdade, porque se arrecada fundamentalmente dos pobres e não dos que têm mais dinheiro. O Estado, nesse sentido, mostra que é muito forte para arrecadar dinheiro do pobre, mas é muito fraco para arrecadar dinheiro dos mais ricos. E esse tipo de receita, que é uma receita regressiva, não ajuda a diminuir a desigualdade, pelo contrário. Do ponto de vista do gasto do Estado nós percebemos que também não há um padrão homogêneo de intervenção do Estado. Por exemplo, na área de assistência social eu diria que é um padrão de característica social-democrata porque os segmentos mais pauperizados é que são beneficiados pelas políticas de assistência social. O mesmo não pode-se dizer em relação ao tema cultural, por exemplo. O Estado brasileiro, seja União, governos estaduais ou municipais não coloca os principais aparelhos de cultura na periferia, que é onde o povo pobre está. Os principais aparelhos culturais estão nas áreas mais ricas. Se olhamos do ponto de vista dos bancos, especialmente dos públicos, a presença dos bancos não estão nos pequenos municípios de maneira mais organizada. Nas favelas a mesma realidade. Então nós ainda temos um serviço bancário público em um formato para um segmento de renda um pouco maior. Portanto a reorientação do papel do Estado com esse olhar de enfrentamento da pobreza e da desigualdade é um grande desafio.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Protesto reúne indignados com as políticas do governo Tarso


Professores, funcionários de escola, estudantes e trabalhadores de outras categorias realizaram na tarde desta sexta-feira (29), em Porto Alegre, uma manifestação de protesto contra as políticas do governo Tarso para a área da educação e de outras áreas de responsabilidade do poder público.
Da sede do CPERS/Sindicato, na avenida Alberto Bins, os manifestantes se deslocaram até o Palácio Piratini. Bandeiras, faixas, banners e outros materiais com frases de protesto emprestaram cores à caminhada, que passou pelas ruas Otávio Rocha, Dr. Flores, Salgado Filho e Jerônimo Coelho.
Na Praça da Matriz foi lembrado que o governo Tarso realizou um concurso público feito para que a aprovação fosse a mínima possível. A contradição explicitada nos critérios de avaliação evidencia a proposta do governo. Tarso tinha como objetivo desmoralizar a categoria perante a opinião pública e manter a política de contratos emergenciais.
Tarso não quer nomear porque isso dá direito ao ingresso no plano de carreira. O governador prefere manter os contratos emergenciais, pois esse tipo de vínculo não oportuniza ao trabalhador as vantagens que o plano garante.
Os manifestantes lembraram que Tarso governa o estado que menos investe em educação no país. O governador também se nega a cumprir a lei do piso para professores e funcionários, mesmo que isso tenha sido promessa de campanha, e ainda aumentou a contribuição de todos os servidores para a previdência de 11% para 13,25%.

A manifestação foi encerrada com os presentes chutando baldes em frente ao Palácio Piratini. Chutar baldes foi o jeito encontrado para mostrar a indignação de todos que estão sendo prejudicados pelas políticas do governo, voltadas a atacar direitos e manter privilégios.

João dos Santos e Silva, assessor de imprensa do CPERS/Sindicato
Foto: Cristiano Estrela

quinta-feira, 28 de junho de 2012

O crime perfeito contra Lugo


Clóvis Rossi

O sociólogo Felippe Ramos (Universidade Federal da Bahia) fez para o site da revista América Economia o que os jornalistas deveríamos ter feito antes: visitou a peça de acusação que serviu para o fuzilamento sumário do presidente Fernando Lugo.
Fica evidente que Lugo estava condenado de antemão. No item “provas que sustentam a acusação”, se diz que “todas as causas [para o impeachment] são de notoriedade pública, motivo pelo qual não precisam ser provadas, conforme nosso ordenamento jurídico vigente”.
Como é que Lugo –ou qualquer outra pessoa– poderia provar o contrário do que não precisa ser provado? Impossível, certo?
O processo pode até ter seguido as regras constitucionais e o “ordenamento jurídico vigente”, mas, nos termos em que foi colocada a acusação, só pode ser chamado de farsa.
Veja-se, por exemplo, a primeira das acusações: Lugo teria autorizado uma reunião política de jovens no Comando de Engenharia das Forças Armadas, financiado por instituições do Estado e pela binacional Yacyreta.
Se esse é argumento para cassar algum mandatário, não haveria presidente, governador ou prefeito das Américas que poderia escapar, de direita, de centro, de esquerda, de cima ou de baixo. Ademais, não consta que a Constituição paraguaia proíba o presidente ou qualquer outra autoridade de autorizar concentrações de jovens. Aliás, é até saudável que se estimule a participação política dos jovens.
Mais: o evento foi em 2009. Se houvesse irregularidade, caberia ao Congresso ter tomado à época as providências, em vez de esperar três anos para pendurá-lo em um processo “trucho”, como se diz na gíria latino-americana.
A acusação mais fresca, digamos assim, diz respeito, como todo o mundo sabe, à morte de 17 pessoas, entre policiais e camponeses, em um incidente mal esclarecido no dia 15 passado. Diz a acusação: “Não cabe dúvida de que a responsabilidade política e penal dos trágicos eventos (…) recai no presidente da República, Fernando Lugo, que, por sua inação e incompetência, deu lugar aos fatos ocorridos, de conhecimento público, os quais não precisam ser provados, por serem fatos públicos e notórios”.
De novo, a acusação dispensa a apresentação de provas e condena por antecipação o réu, como faria qualquer república bananeira ou qualquer ditadura.
Nem o mais aloprado petista pediu o impeachment do presidente Fernando Henrique Cardoso por conta da morte de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás (Pará), em abril de 1996, no incidente que mais parentesco tem com o que ocorreu há duas semanas em Curuguaty, no Paraguai.
É importante ressaltar que líderes dos “carperos”, os sem-terra paraguaios, disseram que os primeiros disparos no conflito do dia 15 não saíram nem deles nem dos policiais, mas de franco-atiradores. Enquanto não se esclarecer o episódio, qualquer “ordenamento jurídico” sério vetaria o uso do incidente em qualquer peça de acusação.
Deu-se, pois, o crime perfeito: cobriu-se um processo sujo com o imaculado manto da Constituição.

CNTE: A vitória da mobilização!

Sitio da CNTE

Ontem (26) parte do Congresso Nacional brasileiro fez história! A Comissão Especial do Plano Nacional de Educação concluiu a votação do PL 8.035/10 fixando o percentual de investimento na educação pública em 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Até o quinto ano de vigência do PNE o investimento direto na educação (pública) deverá ser de 7% do PIB e ao final do decênio, 10%. Foi uma vitória gigantesca da sociedade, que pressionou os parlamentares da Comissão para seguir a orientação da Conae 2010, devendo, agora, o trabalho de convencimento ser transferido para o Senado Federal. Antes disso, porém, é preciso afastar qualquer tentativa de procrastinação do trâmite do PNE na Câmara dos Deputados, através de eventual apresentação de recurso ao plenário da Casa.
Além do percentual de 10% do PIB, a Comissão Especial também estabeleceu prazo de um ano, após a aprovação do PNE, para o Congresso Nacional aprovar a Lei de Responsabilidade Educacional - outra reivindicação da sociedade. No que diz respeito à meta 17, o prazo para a equiparação da remuneração média do magistério com a de outras categoriais profissionais de mesmo nível de escolaridade foi reduzido para o sexto ano de vigência do plano decenal, impondo a necessidade de se preservar a política de valorização real do piso nacional da categoria.
Sobre a viabilidade dos 10% do PIB, é preciso esclarecer que a Comissão Especial amparou-se não apenas na vontade popular histórica, mas, sobretudo, nos estudos sobre a necessidade desse percentual específico - apresentados por acadêmicos renomados - e sobre a viabilidade do financiamento, demonstrado pelo próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Governo Federal.
Contudo, ainda falta ao Congresso aprovar o regime de cooperação entre os entes federados, previsto no parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, o qual deverá fixar as parcelas contributivas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para o financiamento da educação. Esse ponto equivale a uma minirreforma tributária e não há dúvida que será de grande embate no Congresso. Ele é fundamental para equilibrar o financiamento da educação, à luz da aplicação do Custo Aluno Qualidade, e para viabilizar as metas do PNE - atualmente, quem mais arrecada impostos, a União, é quem menos contribui para o investimento educacional.
Por outro lado, a cooperação institucional vinculará os compromissos fiscais das três esferas administrativas, que se autofiscalizarão sobre a potencialidade e a execução de suas receitas de impostos, visando à harmonia do pacto federativo e à qualidade da educação com equidade nacional em todos os níveis, etapas e modalidades.
Neste momento, a CNTE regozija-se com seus parceiros de luta na defesa da educação pública, laica, democrática e de qualidade socialmente referenciada para todos e todas, e espera reencontrá-los nas próximas jornadas pela aprovação do PNE - ou seja: na sequência do processo legislativo e na sanção - sem vetos - pela presidenta Dilma Rousseff. Em seguida, os nossos esforços concentrar-se-ão na efetiva aplicação de políticas públicas que conduzam ao cumprimento das metas do PNE e ao controle social das verbas públicas, a fim de que a educação se torne, efetivamente, prioridade para a superação dos gargalos que emperram a promoção do desenvolvimento social e sustentável de nosso país.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Na China, a vida segundo a Apple


A gigante taiwanesa Foxconn, primeira fornecedora mundial de eletrônicos e principal empregador privado da China, está cada vez mais espremida em seu bunker gigante em Shenzhen Longhua. A companhia se desloca para Dongguan, depois a Sichuan, local emblemático da sua renovação industrial
por Jordan Pouille no LeMondeBrasil
(Trabalhadores da Foxconn participam de celebração de "valorização da vida", em Longhua, na província de Guangdong)

"É a primeira vez que eu falo com um estrangeiro. Você conhece o Michael Jackson? Tenho todas as músicas dele no meu telefone!”
É meia-noite e meia e estamos diante da entrada de Hongfujin, um braço da Foxconn dedicado ao iPod. Na umidade noturna de Longhua, na periferia de Shenzhen Longhua, um grupo de cozinheiros ambulantes, com o fogareiro a gás soldado na garupa do triciclo, veio concorrer com a cantina da fábrica. Eles atiçam esses milhares de jovens em jaquetas rosa ou pretas que deixam o local de trabalho com a barriga vazia. Alguns estão curiosos e nos abordam de maneira cândida e brincalhona. Para os clientes sentados em volta do carrinho de Bo Zhang, a porção de yakisoba sai por 3 yuans.1 Sozinho, Bo prepara ao menos mil por dia. “Os chefes da Foxconn preferem manter seus empregados perto das fábricas durante a pausa para a refeição. Então, assim que a gente chega, esses safados abaixam o preço dos pratos da cantina para 1,50 yuan, em vez dos 4 yuans que custam normalmente!”
Bo Zhang é um ex-operário da Foxconn. Ele trabalhava na oficina de laminagem das tampas metálicas dos MacBooks, em uma sala malventilada e barulhenta, de calor sufocante; a poeira de alumínio recobria sua pele e seus cabelos. Na época, os operários não apenas não tinham nenhum contato com a hierarquia taiwanesa, mas até mesmo os executivos chineses evitavam qualquer relação com seus pares taiwaneses, que eram os que decidiam. Todos os seus pedidos para mudar de área eram recusados. Ele deixou a fábrica depois de um ano, em maio de 2010. Para voltar melhor. “Agora, são os operários que me fazem viver”, diverte-se. Em volta do seu restaurante improvisado não tem guarda: apenas uma multidão de jovens cansados, que preferem a simpatia de Bo à disciplina estrita que reina na Foxconn, do outro lado dos portões de segurança. Segundo eles, as humilhações e as punições dos chefes das oficinas pararam depois do escândalo dos suicídios em série, durante o primeiro semestre de 2010.2
“Os gerentes são bem mais discretos. Na verdade, não os ouvimos mais. Se temos a cabeça no lugar, dá para levar. Eu trabalho de pé, mas tenho uma pausa de dez minutos a cada duas horas”, conta-nos Yang,3 21 anos e muito magro. Seu colega, Cao Di, se lembra das vexações passadas: “Quando a meta de produção não era atingida, precisávamos refletir sobre nossos erros ficando de pé, de frente para a parede, durante seis horas”.
Apesar de tudo, a regra continua severa: “Evidentemente, deixamos nossos telefones celulares na entrada e não podemos nem ir ao banheiro, nem falar, nem beber um gole de água durante o trabalho”. É preciso esperar as pausas. Juntos, os dois jovens embalam 8 mil iPads por dia, das 8h às 19h. “Desde os da primeira geração, em 2010”, precisa um, com orgulho.
Foi aqui, em 1988, em Longhua, na periferia de Shenzhen, que o fundador taiwanês da Foxconn, Terry Tai Ming Gou, construiu sua primeira fábrica chinesa. Fechados em um galpão de 3 quilômetros quadrados cercado pelos dormitórios, 350 mil operários fabricam ali, dia e noite, as impressoras e os cartuchos de tinta Hewlett-Packard (HP), os computadores Dell ou Acer, os e-Readers Kindle da Amazon, os Playstations da Sony e todos os produtos da Apple.
Diante da insaciável demanda mundial suscitada pelos produtos da Apple, a Foxconn construiu duas fábricas suplementares, ainda maiores: uma em Sichuan para os iPads e a outra em Henan para os iPhones. A produção começou em 30 de setembro de 2010 na primeira e em agosto de 2011 na segunda. Cada uma emprega cerca de 200 mil operários.
Em Shenzhen, desde a manhã, homens de terno escuro, imperturbáveis, jogam baralho em uma sala enfumaçada. Eles administram uma dezena de dormitórios com fachadas azulejadas, como existem em todo canto em Shenzhen. Esses gerentes recebem os aluguéis de 12 mil operários apertados nos 1,5 mil quartos (moças e rapazes separados), em nome de um rico proprietário.
Por falta de espaço suficiente, a Foxconn abriga apenas 25% da sua mão de obra, num “campuscom piscina olímpica, salões de ginástica e hospitais”, clamam os comunicados de imprensa. A imensa maioria do pessoal ocupa então os dormitórios privados construídos de qualquer jeito, colados uns aos outros, em terrenos sem nome de rua. Os operários se encontram assim à mercê dos comerciantes de todo tipo e dos hoteleiros gananciosos sobre os quais a firma taiwanesa não tem nenhum controle.
De sua pick-up sofisticada, os policiais de Longhua acionam uma câmera rotativa. Seu medo são as tentativas de manifestação recorrentes na província; por outro lado, eles parecem muito mais tolerantes com relação aos incontáveis bordéis camuflados em karaokês ou em salões de massagem. Enfrentando as denúncias, a Foxconn declara: “Nunca tentaríamos recorrer ao trabalho de menores. Se casos foram descobertos, foi porque os trabalhadores utilizaram documentos falsos e pareciam mais velhos do que sua idade”, já declarou a empresa. Investigações feitas pela Apple em 2011 mostraram a presença de crianças em cinco dos seus fornecedores.4
Em Longhua, a ingenuidade da mão de obra só se equipara a seu apetite consumista. Após a saída das fábricas, os operários nadam em um universo de tentações abordáveis. Os dormitórios mais próximos das saídas da fábrica (Norte, Sul, Leste, Oeste) estão repletos de publicidades luminosas e sonoras de telefones celulares ou bebidas energéticas. Na rua, os jovens são pescados pelo megafone: pelúcias gigantes, bijuterias vagabundas... ou até jaquetas Foxconn falsificadas, a 35 yuans cada, “para o caso de eles terem perdido aquela dada pela direção no dia da contratação e que eles devem usar obrigatoriamente seis dias por semana”, diz a vendedora.
Longe do barulho, embaixo de uma loja de cobertores, ressoam os cantos de uma igreja evangélica que conseguiu escapar do departamento de assuntos religiosos de Shenzhen. “Deus os chama”, podemos até ler em letras verdes e vermelhas na janela do primeiro andar. Desde sua abertura, há cinco anos, operários da Foxconn vêm rezar, chorar e cantar ali, de dia e de noite. Suas doações já permitiram comprar um pequeno piano e financiar os deslocamentos de um pastor que mora em Dongguan. Por enquanto, nada que perturbe as autoridades.
E também, em abril de 2011, um milagre: o metrô finalmente chegou a Longhua. A cada oito minutos, um trem com ar condicionado para no terminal de Qinghu, na Avenida Heping, e leva a juventude operária até Lohuo, o bairro animado de Shenzhen, de frente para Hong Kong. “Cada vez mais tráfego, tentações e insegurança”, resume Sunny Yang, engenheiro, voltando de uma noitada de badminton entre amigos. Ele vive em Longhua com a esposa e a filha de 2 anos e suporta cada vez menos a vida na cidade-fábrica.
Uma nova população, mais velha, chega à cidade. Esses sexagenários não se mudaram para o meio das fábricas por prazer, mas porque seus filhos trabalhadores, empregados da Foxconn, chamaram por eles para cuidar de sua prole. É o caso de Lei, 23 anos, originária de Hunan e mãe de um menininho de 2 anos e meio: “Meus pais também foram operários migrantes na região, e seu hukou rural [passaporte interno] não permitia a inscrição na escola [os migrantes não têm os mesmos direitos que os urbanos, principalmente com relação ao acesso aos serviços públicos]. Então eles deixaram o vilarejo. Durante toda a minha infância eu só os via uma vez por ano, durante o Ano-Novo chinês. Eu não quero que meu filho conheça a mesma solidão. Quero que ele tenha uma escolaridade aqui, mesmo se eu tiver de pagar o preço”, reivindica essa jovem, que nos fez visitar sua modesta morada.
Por enquanto, a família vive a três em um quarto de 9 metros quadrados, por 350 yuans ao mês. Grande o suficiente para caber o colchão, a televisão e o carrinho do bebê. O marido de Lei monta telefones fixos Cisco, doze horas por dia, seis dias por semana. Ele ganha bem a vida: até 4 mil yuans por mês. Lei parou de trabalhar quando o filho nasceu. Ela está grávida de cinco meses. Quando o segundo filho nascer, ela vai trazer seus pais aposentados e voltará ao trabalho, para dobrar o salário da família.
Em Longhua, muitas mães e futuras mães irritam seus superiores hierárquicos na fábrica. “Quando descobri que estava grávida, meu chefe de seção me fez esperar dez dias antes de me isentar da passagem pelo detector de metais. E quando pedi para mudar de seção, ele recusou. Tive de convencer seu superior”, revela essa jovem. Grávida de oito meses, Jun Hao trabalha agora na etiquetagem de caixas de computador. “Eu colo adesivos por 3 mil yuans ao mês. É justo, não?” Depois do parto, ela deve receber uma licença-maternidade de três meses: “Minha mãe não acredita nem um pouco nisso, mas consta claramente no contrato”.
No centro ginecológico Huaai de Longhua, as operárias vão com o companheiro recolher todo tipo de informações ligadas à maternidade ou à contracepção. Apesar da decoração rosa-bebê, esse estabelecimento de saúde se beneficia de uma parceria com o Exército Popular de Libertação (EPL). A maioria dos seus médicos são oficiais militares. Ficamos sem palavras diante dos cartazes ilustrados de educação sexual fixados ao longo das calçadas, que um guarda nos proíbe terminantemente de fotografar. “A homossexualidade é um fenômeno cultural como o sadomasoquismo. Ele ainda não atingiu sua maturidade na China”, podemos ler – modo de dizer que a sociedade chinesa não estaria completamente pronta para aceitar a homossexualidade.
Para conservar sua mão de obra, a Foxconn deve agora disputar com os patrões de pequenas fábricas que não hesitam mais em colar suas ofertas de emprego até nas portas dos dormitórios nem a se alinhar com os salários em vigor em Longhua. Eles aproveitam o ambiente high-tech da zona industrial para vir fabricar seus próprios telefones, destinados aos mercados modestos das pequenas cidades ou zonas rurais chinesas. “O que perdemos em custo de mão de obra recuperamos na nossa margem, pois vendemos diretamente nosso produto aos consumidores”, explica um homem de negócios. De fato, os telefones KPT, inspirados nos Blackberry, ou os Ying Haifu, parecidos com os Nokia, são também fabricados em Longhua.
Com essa concorrência e o ânimo de consumo dos jovens, a firma taiwanesa escolheu continuar seu desenvolvimento em outro lugar, mais para o interior do país, em províncias distantes dos portos comerciais, onde é possível repensar um complexo industrial de A a Z e onde os responsáveis locais lhe estendem o tapete vermelho. Como em Pixian, na periferia de Chengdu, província de Sichuan, onde a Danone engarrafa sua água Robust e a Intel fabrica seus processadores.
No dia 16 de outubro de 2009, ou seja, até mesmo antes da onda de suicídios do primeiro semestre de 2010, uma promessa de investimento conjunto foi assinada com as autoridades de Sichuan. O canteiro de obras teve início em 25 de julho de 2010; a produção começou em 30 de setembro. Mas uma explosão mortal aconteceu sete meses depois, causada por um defeito estrutural de ventilação, como estabeleceu uma investigação do New York Times detalhando as condições de trabalho dos operários de Chengdu.5 Hoje, a Foxconn fabrica ali 12 milhões de iPads por trimestre, ou seja, dois terços de sua produção total, divididos em oito fábricas e cinquenta linhas de produção superpostas em um perímetro de 4 quilômetros quadrados.
Aqui, nada de bordéis barulhentos e karaokês brilhantes nem anúncios luminosos, fábricas de telefones falsificados e igrejas evangélicas: os operários evoluem obedientemente em uma cidade-fábrica nova em folha, higienizada, com arquitetura neostalinista. Rodovias com três pistas de cada lado ligam as fábricas maciças A, B e C às portas dos dormitórios 1, 2 ou 3. São os ônibus articulados da cidade de Chengdu que garantem o translado, tanto de dia como à noite – devagar, para escapar dos radares eletrônicos. Além das betoneiras, os caminhões de mercadorias e os carros de polícia são os únicos veículos que vemos circular em Pixian.
Esse novo conjunto industrial, edificado em um tempo recorde – 75 dias – por Jiangong, uma empresa controlada pela cidade de Chengdu, se situa em uma nova zona franca; por isso, ele está isento de imposto.
A instalação da Foxconn é descrita na imprensa local como “o projeto número 1 do governo de Sichuan”. Para agradar a Terry Gou, as autoridades construíram seis novas estradas, duas pontes e 1,12 milhão de metros quadrados de superfície habitável para os operários. Eles gastaram 2,2 bilhões de yuans em indenizações de expropriações para 10 mil famílias, cujos catorze povoados foram dizimados a partir de agosto de 2010.6
As novas fábricas da Foxconn não são nada além de austeras construções brancas cheias de milhares de pequenas janelas pintadas. Elas se espalham ao longo de duas avenidas retilíneas com nomes evocativos: Tian Sheng Lu (“Céu Vitória”) e Tian Run Lu (“Céu Lucro”). Nenhuma rede antissuicídio foi colocada em volta das fábricas, como é o caso em Longhua. A mão de obra, mais jovem, é com certeza a mais mal paga – o salário de base é de 1.550 yuans, contra 1.800 em Shenzhen –, mas ela é da região e pode visitar a família mais facilmente. “Culturalmente, Chengdu não tem nada a ver com Shenzhen, que é uma cidade composta exclusivamente de migrantes. Nossa usina de Longhua conta, por exemplo, com 20% de jovens de Henan e 10% de Sichuan”.
Segundo os testemunhos recolhidos por lá, as próprias autoridades locais se encarregaram do recrutamento – prova de que Chengdu leva esse projeto muito a sério. Cada vilarejo da província de Sichuan viu, assim, impostas cotas de trabalhadores a fornecer à Foxconn. “Eu aceitei a oferta do chefe de partido do vilarejo em troca de uma ajuda administrativa: ele acelerou meus trâmites de casamento com minha companheira, originária de uma província vizinha. Mas não se trata de trabalho forçado. Eu posso me demitir quando quiser, e nosso vilarejo pode continuar recebendo suas subvenções do governo da província”, diz Yang, que trabalha nos estoques. Até mesmo os estudantes de informática foram mobilizados para fazer ali seus estágios. “Esses métodos são provisórios e correspondem a uma fase inicial de desenvolvimento. Os operários não nos conhecem, eles não vêm por conta própria fazer fila no centro de recrutamento. É preciso, então, ir buscá-los”, comentam na Foxconn.
Vinte e quatro mil operários (7% da mão de obra) são demitidos e contratados todos os meses em Shenzhen Longhua, segundo o Daily Telegraph.7 Talvez sejam muitos mais em Chengdu: “Quando uns amigos quiseram partir, um diretor de recursos humanos pediu a eles que esperassem. Ele já tinha 40 mil cartas de demissão para cuidar”, conta-nos um assalariado.
Batizado de “Juventude Alegre”, mas repleto de guardas, os dormitórios de Pixian têm até dezoito andares, moças e rapazes separados. Eles são divididos entre os bairros de Deyuan, Shunjiang e Qingjiang. Cada conjunto de três edifícios tem cantina, supermercado sem álcool, cibercafé, caixas eletrônicos, mesas de pingue-pongue e terrenos de badminton. Cada apartamento abriga seis a oito pessoas – por um aluguel mensal de 110 yuans por leito – e dispõe de um banheiro com vaso sanitário e ducha. Para economizar tempo e energia dos trabalhadores, sua roupa é lavada por uma empresa de limpeza.
O cibercafé, aprovado pela juventude operária de Pixian, oferece decoração cuidadosa, ar-condicionado e grandes poltronas. Os computadores trazem o logotipo da Foxconn estampado no fundo de tela. O preço da conexão dobra quando passa de uma hora, incitando os operários a não gastar muito tempo.
“Quando saímos do quarto ou da fábrica, a vida é muito cara”, lamenta Cheng, cujo dia é regulado como uma partitura. “Eu me levanto às 6h, pego o ônibus às 6h40 e começo o dia na fábrica às 7h30. Como trabalho até as 20h30, chego em casa às 21h10. Isso me deixa uma hora para aproveitar antes que apaguem as luzes.”
É essa mesma paisagem que acabam de construir na periferia de Chongqing, a 300 quilômetros de Chengdu. A Foxconn mudou para o local uma parte da sua fábrica das impressoras HP, antes produzidas em Shenzhen. A produção está apenas começando, ônibus universitários de Chongqing levam montes de estudantes requisitados para um estágio obrigatório na fábrica. Eles vão se unir aos 10 mil operários da fábrica HP de Shenzhen que já aceitaram voltar para sua província natal. Para Pan Fang, de 22 anos, e seus amigos, seu novo quarto conta com oito camas numeradas e oito banquinhos. Sua primeira impressão é positiva: “Aqui o ar é menos poluído, e a Foxconn instalou para nós água quente, ar-condicionado e até mesmo uma televisão”. Eles já sabem que seu trabalho será idêntico: eles vão montar, cada um, seiscentas impressoras por dia. E esperam que seu salário seja o mesmo também...
 
BOX:
O império Foxconn
Wuhan, Chengdu, Zhengzhou,Chongqing, Xangai, Ningbo ou ainda Tianjin: no total, a Foxconn possui umas vinte fábricas chinesas de todos os tamanhos. De consoles de videogame a Smartphones 4G − 40% dos produtos eletrônicos de grande público mundial são fabricados na China pela empresa taiwanesa, que emprega mais de 1 milhão de operários, em sua maioria com menos de 25 anos e pagos com até R$ 1.117 por mês.Mas a Foxconn também se apresenta fora da China: ela tem uma fábrica de montagem de televisores Sony na Eslováquia. E começa agora uma produção na Índia, na Malásia e no Brasil. Com 61 anos, Terry Tai Ming Gou, seu fundador, detém 30% das ações e figura em 179º lugar na classificação das grandes fortunas mundiais da revista Forbes.
Jordan Pouille
Jornalista - correspondente em Pequim, China


Ilustração: Bobby Yip / Reuters
1 1 yuan = R$ 0,32.

2 Entre janeiro e maio de 2010, treze jovens operários tentaram pôr um fim a seus dias; dez conseguiram. Ler Isabelle Thireau, “Cahiers de doléances du peuple chinois” [Cadernos de pêsames do povo chinês], Le Monde Diplomatique, set. 2010.

3 Algumas pessoas encontradas não revelaram o nome, frequentemente por medo de represálias.
4 “Apple Supplier Responsibility Report – 2012 Progress Report”, Apple.com.
5 The New York Times, 26 jan. 2012. Essa investigação levou a Apple a aderir à ONG Fair Labor.
6 Nanfang Zhoumo, Canton, 10 dez. 2010.
7 “Mass suicide protest at Apple manufacturer Foxconn company” [Protesto com suicídio em massa na fabricante da Apple Foxconn], The Daily Telegraph, Londres, 11 jan. 2012.

Dilma sanciona lei que cria 43,8 mil vagas de professores

MEC irá definir a distribuição dos cargos em um prazo de 90 dias

Do sitio 14NUCLEOCPERS

O Diário Oficial da União (DOU) trouxe, publicada em sua edição de ontem, a sanção, por parte da presidente Dilma Rousseff, da Lei nº 12.677/2012, que cria 43,8 mil vagas para professores, sendo 19.569 vagas para a rede federal de Ensino Superior. A legislação é originária de projeto aprovado pelo Senado Federal no dia 30 de maio, e, além das vagas para docentes no Ensino Superior, estabelece a criação de 24.306 de professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. Outras 27.714  vagas destinam-se a técnicos-administrativos.

No total, a lei cria 77.178 cargos efetivos, de direção e funções gratificadas. A União afirma que os novos cargos terão um impacto de R$ 70,5 milhões por ano para as universidades federais e R$ 102,3 milhões para os institutos.

O texto também reestrutura cargos técnicos e redefine suas especificações. Dessa forma, 2.571 cargos e 2.063 funções gratificadas foram extintos. Antigos cargos de confiança passam a ser de direção e funções gratificadas. A ocupação por pessoas não pertencentes aos quadros de cada instituição federal estará limitada a 10% do total. Caberá ao Ministério da Educação (MEC), em um prazo de 90 dias, definir a discriminação, por instituição federal de ensino, dos cargos e funções extintas.

A autorização para o provimento dos cargos efetivos criados será escalonada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, de acordo com o cumprimento das metas pactuadas entre o MEC e a instituição de ensino, especialmente quanto à relação de alunos por professor em cursos regulares presenciais de Educação Profissional e Tecnológica ou de graduação.

Segundo o ministério, as vagas anuais de ingresso em cursos de graduação passaram de 110 mil, aproximadamente, em 2003, para mais de 230 mil, em 2011. O número total de matrículas em instituições federais também aumentou, passando de 638 mil para mais de um milhão.
 
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=96981

A história é o inimigo quando as psy-ops se tornam notícia

por John Pilger
Manifestação nos EUA contra a Dow Chemical. 















Ao chegar a uma aldeia no Vietname do Sul, deparei-me com duas crianças que testemunhavam a mais longa guerra do século XX. Suas terríveis deformidades eram familiares. Ao longo do rio Mekong, onde as florestas foram petrificadas e silenciadas, pequenas mutações humanas viviam o melhor que podiam.

Hoje, no hospital pediátrico Tu Du em Saigon, um antigo anfiteatro é conhecido como a "sala da colecção" e, não oficialmente, como a "sala dos horrores". Ali há prateleiras com grandes garrafas que contêm fetos grotescos. Durante a sua invasão do Vietname, os Estados Unidos pulverizaram um herbicida desfolhante sobre a vegetação e aldeias a fim de negar "cobertura ao inimigo". Era o Agente Laranja , o qual continha dioxina, venenos com tal poder que provocavam a morte fetal, abortos, danos cromossomáticos e cancro.

Em 1970, um relatório do Senado dos EUA revelou que "os EUA despejaram [sobre o Vietname do Sul] uma quantidade de produtos químicos tóxicos que se eleva a seis libras [2,72 kg] per capita da população, incluindo mulheres e crianças". O nome de código para esta destruição maciça, Operação Hades, foi alterado para o mais amistoso Operação Ranch Hand. Hoje, cerca de 4,8 milhões de vítimas do Agente Laranja são crianças.

Len Aldis, secretário da Sociedade de Amizade Britânico-Vietnamita, retornou recentemente do Vietname com uma carta ao Comité Olímpico Internacional escrita pela União das Mulheres do Vietname. A presidente da união, Nguyen Thi Thanh Hoa, descreveu "as graves deformações congénitas [provocadas pelo Agente Laranja] de geração para geração". Ela pedia ao COI que reconsiderasse a sua decisão de aceitar patrocínio das Olimpíadas de Londres pela Dow Chemical Corporation, que foi uma das companhias a fabricar o veneno e que se recusou a indemnizar as suas vítimas.

Aldis entregou a carta em mãos no gabinete de Lord Coe, presidente do Comité Organizador de Londres. Não houve resposta. Quando a Amnistia Internacional denunciou que em 2001 a Dow Chemical adquiriu "a companhia responsável pela fuga de gás de Bhopal [na Índia em 1984] que matou 7 mil a 10 mil pessoas de imediato e 15 mil nos 20 anos seguintes", David Cameron descreveu a Dow como uma "companhia respeitável". Aclamações, portanto, para as câmaras de TV ao longo dos painéis decorativos de £7 milhões [€8,75 milhões] que orlam o estádio olímpico: são o resultado de um "acordo" de 10 anos entre o COI e um destruidor tão respeitável.

A história é enterrada juntamente com os mortos e deformados do Vietname e de Bhopal. E a história é o novo inimigo. Em 28 de Maio, o presidente Obama lançou uma campanha para falsificar a história da guerra no Vietname. Para Obama, não houve Agente Laranja, nem zonas de fogo livre, nem disparos sobre indefesos (turkey shoots), nem encobrimentos de massacres, nem racismo desenfreado, nem suicídios (pois muitos americanos acabaram com as suas próprias vidas), nem derrota frente à força de resistência de uma sociedade empobrecida. Ela foi, disse o sr. Hopey Changey, "uma das mais extraordinárias histórias de bravura e integridade nos anais da história militar [dos EUA]".

No dia seguinte, o New York Times publicou um longo artigo a documentar como Obama selecciona pessoalmente as vítimas dos seus ataques drone por todo o mundo. Ele faz isto nas "terças-feiras de terror" quando folheia álbuns com fotos de rostos numa "lista da morte", alguns deles adolescentes, incluindo "uma garota que parecia ainda mais jovem do que os seus 17 anos". Muitos são desconhecidos ou simplesmente em idade militar. Guiados por "pilotos" sentados frente a écrans de computador em Las Vegas, os drones disparam mísseis Hellfire que sugam o ar para fora dos pulmões e explodem pessoas em bocados. Em Setembro último, Obama matou um cidadão americano, Anwar al-Awlaki, puramente na base de rumor de que ele estava a incentivar terrorismo. "Este aqui é fácil", ele é citado por ajudantes como dizendo isso ao assinar a sentença de morte do homem. Em 6 de Junho, um drone matou 18 pessoas numa aldeia no Afeganistão, incluindo mulheres, crianças e um idoso que estavam a celebrar um casamento.

O artigo do New York Times não foi uma fuga ou uma revelação. Foi uma matéria de relações públicas concebida pela administração Obama para mostrar num ano de eleição quão duro o "comandante em chefe" pode ser . Se reeleito, a Marca Obama continuará a servir a riqueza, a perseguir os que dizem a verdade, a ameaçar países, a propagar vírus de computador e a assassinar pessoas toda terça-feira.

As ameaças contra a Síria, coordenadas em Washington e Londres, escalam novos picos de hipocrisia. Ao contrário da propaganda primária apresentada como notícia, o jornalismo investigativo do jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung identifica os responsáveis pelo massacre em Houla como sendo os "rebeldes" apoiados por Obama e Cameron. As fontes do jornal incluem os próprios rebeldes. Isto não foi completamente ignorado na Grã-Bretanha. Escrevendo no seu blog pessoal, de modo extremamente calmo, Jon Williams, o editor de notícias mundiais da BBC, efectivamente serve a sua própria "cobertura", citando responsáveis ocidentais que descrevem a operação "psy-ops" [operação psicológica] contra a Síria como "brilhante". Tão brilhante quanto a destruição da Líbia, do Iraque e do Afeganistão.

E tão brilhante quanto a psy-ops mais recente do Guardian com a promoção de Alastair Campbell, o colaborador chefe de Tony Blair na criminosa invasão do Iraque. Nos seus "diários", Campbell tenta salpicar sangue iraquiano sobre o demónio Murdoch. Há em abundância para encharcar todos eles. Mas o reconhecimento de que os medida respeitáveis, liberais, bajuladores de Blair, foram um acessório vital para um crime tão gigantesco é omitido e permanece como um teste singular de honestidade intelectual e moral na Grã-Bretanha.

Até quando devemos sujeitar-nos a um tal "governo invisível"? Esta expressão para a propaganda insidiosa cunhada por Edward Bernays – o sobrinho de Sigmund Freud que inventou as modernas relações públicas – nunca foi tão adequada. A "realidade falsa" exige amnésia histórica, a mentira por omissão e a transferência de significância para o insignificante. Deste modo, sistemas políticos que prometiam segurança e justiça social foram substituídos pela pirataria, "austeridade" e "guerra perpétua": um extremismo destinado ao derrube da democracia. Aplicado a um indivíduo, isto identificaria um psicopata. Por que aceitamos isto?
21/Junho/2012
O original encontra-se em www.johnpilger.com/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

terça-feira, 26 de junho de 2012

Formigas derrubam muro de cobrança da Folha

Formigas derrubam muro de cobrança da Folha Foto: Edição/247

Desde que a Folha de S. Paulo passou a cobrar por seu conteúdo na web, internautas buscaram meios de burlar o sistema; é uma prova de que as tentativas de fechar uma plataforma aberta, como a rede, raramente funcionam

247 – Na semana passada, a Folha de S. Paulo instituiu o seu “muro de cobrança poroso”. Trata-se de um sistema que permite aos internautas acessarem uma quantidade restrita de seu conteúdo – acima desse limite, só pagando. No caso da Folha, são 20 artigos por mês e a estratégia é idêntica à do The New York Times. No domingo, o editor-executivo do jornal, Sérgio D´ávila defendeu a decisão, alegando que “qualidade custa caro”.
No entanto, o muro da Folha já foi derrubado na rede. O internauta “Formiga Solitária” enviou um tutorial, passo a passo, para ler a íntegra da Folha, sem passar pelo muro de cobrança. Basta impedir que os navegadores executem comandos JavaScript. Fizemos o teste e, realmente, funciona. Abaixo, as instruções:
COMO VER O CONTEÚDO DA FOLHA DE SÃO PAULO, SEM SER INCOMODADO E/OU BLOQUEADO

passo 1: baixar o google chrome
passo 2: Depois de baixado, no google chrome colocar o endereço chrome://chrome/settings/content
passo 3: Em JavaScript selecionar " Não permitir que nenhum site execute o JavaScript"
passo 4: Fechar a janela ( x ) do lado direito superior e reiniciar o Chrome.
passo 5: Pronto, agora poderá navegar no site da Folha de São Paulo sem ser incomodado.
passo 6: Se conseguirem, eu aceito os obrigados de bom grado.
O exemplo ilustra como é difícil erguer muros e fechar uma plataforma aberta, como é o caso da internet. Quando o New York Times decidiu fechar seu conteúdo, um de seus principais colunistas, o economista Paul Krugman, passou a ensinar os leitores a ‘by-passarem” o muro. Bastava segui-lo no Twitter.
Mais recentemente, no mesmo dia em que o jornal The Daily, também passou a cobrar pela navegação, um internauta postou na rede social Tumblr todo o conteúdo da publicação.
Na primeira semana de julho, em Olinda (PE), um encontro nacional discutirá a questão do direito autoral na internet. Segundo Sérgio Amadeu, um dos participantes do evento, não faz sentido entrar numa plataforma aberta, como a internet, com uma mentalidade fechada.

Surpresa no Paraguai: é possível reverter o golpe


Há resistência social no país e isolamento internacional dos golpistas. Aos poucos, desvenda-se trama que levou à quebra da legalidade

Por Antonio Martins no OUTRAS PALAVRAS

Nas primeiras horas de domingo, o presidente eleito pelos paraguaios, Fernando Lugo, abandonou a postura de resignação que mantinha desde sexta-feira, quando deposto, e tomou uma atitude que pode mudar o futuro imediato do país. Lugo dirigiu-se à rua Alberdi, no centro de Assunção, onde centenas de manifestantes haviam ocupado a TV Pública, em protesto contra ameaças de censura. Dirigiu-se a eles e à imprensa internacional sem meias palavras: “Sem dúvidas, foi um golpe. Um golpe parlamentar contra a cidadania e a democracia, e isso precisa ser denunciado aos quatro ventos”.
Precedida de intensa movimentação social e diplomática, a fala desfez a aparência de “normalidade” com que contavam os golpistas e seus apoiadores locais e externos – Estados Unidos e Vaticano, em especial. Está gerando uma reação em cadeia de resistências sociais e diplomáticas cujos lances mais recentes são a exclusão do “presidente” golpista do Mercosul e da Unasul (domingo à tarde) e a formação de um governo paralelo liderado por Lugo (esta manhã, em Assunção). Caso se mantenha, este processo pode reverter o golpe de Estado e colocar em novo patamar o que alguns chamam de “nova independência” sul-americana. Os fatos decisivos estão se produzindo neste início de semana: aos poucos, torna-se possível desvendá-los e romper a cortina de silêncio que os jornais comerciais brasileiros insistem em manter sobre o episódio.
A resistência avança explorando o calcanhar-de-aquiles dos golpistas: “como careciam de causas racionais que justificassem uma medida tão extrema, optaram por praticá-la com máxima pressa, explica, no jornal paraguaio Última Hora o analista político Alfredo Boccia. Ele prossegue: “O libelo acusatório causa vergonha alheia, de tão ridículo: não cuidaram das mínimas formalidades legais e atropelaram o respeito aos prazos de defesa”.
Lugo estava no Brasil, participando da Rio+20, quando a Câmara dos Deputados abriu, na quinta-feira, o “processo” que levaria a sua “cassação”. Washington Uranga, colunista do Página 12 argentino, conta: os opositores aproveitaram-se da ausência para concretizar finalmente uma ameaça que fizeram “em 23 ocasiões anteriores, pelos mais diversos motivos”. E mais: “a maioria destas manobras foi facilitada pelo próprio vice-presidente Federico Franco. (…) Sabendo que contava com os votos próprios [do Partido Liberal] mais os do Partido Colorado, em várias ocasiões o vice foi até a sede do governo para ameaçar Lugo e tentar extorqui-lo com a ameaça de juízo político, apenas para obter benefícios econômicos para si mesmo…”
Vinte e quatro horas depois, o Legislativo, que sempre bloqueou todas as iniciativas apresentadas por Lugo (da reforma agrária à nomeação de embaixadores), decretava seu impeachment por ampla maioria (39 x 4). A flagrante ilegalidade da aventura foi destacada pelo chanceler argentino Héctor Timerman, em entrevista ao Página 12: “Praticaram uma execução sumária. Darem duas horas de defesa a um presidente democraticamente eleito – um tempo menor que o se concede a quem recorre de uma multa por avançar um sinal vermelho”.
Mas quem dava respaldo aos aventureiros? “É muito provável que o pequeno Paraguai se dispusesse a confrontar as regras do Mercosul e da Unasul, entrando em conflito com seus dois vizinhos, se não contasse com o estímulo e proteção do governo norteamericano”, sugere o economista Flávio Lyra, num texto que Outras Palavras publica hoje. Na mesma entrevista ao Página 12, um relato do chanceler argentino confirma esta impressão. Timerman estava em Assunção nas horas que antecederam o golpe. Havia voado para lá com uma delegação de colegas da Unasul, alarmados pela perspectiva de deposição do presidente eleito. Reporta, em detalhes, as insistentes tentativas de diálogo dirigidas pelos diplomatas à oposição paraguaia – e a soberba com que foram rechaçadas. Eis um dos trechos: “Às 11h45 [de sexta-feira], faltavam 15 minutos para o começo do julgamento. Disse-lhes: ‘Senhores, virão épocas muito duras para o Paraguai, porque nós teremos de aplicar a cláusula democrática’. Não pareceu comovê-los em nada”.
No final da tarde de sexta, Lugo estava deposto. Quase sincronicamente, em Washington, o porta-voz do Departamento de Estado para a América Latina, Darla Jordan, emitia nota que se calava diante do ataque à democracia, mas pedia “calma e responsabilidade” aos paraguaios… Ao contrário do que se informou no sábado, porém, a Casa Branca ainda não reconheceu oficialmente o novo “governo” paraguaio. Já o Vaticano e os bispos – que exercem forte influência, num país católico e conservador – foram menos sutis. Na quinta-feira, uma comitiva episcopal tentou, sem sucesso, convencer Lugo a renunciar. No domingo, o núncio apostólico Eliseo Ariotti, representante oficial do Papa no Paraguai, afirmou, a respeito da deposição do presidente: “alegra-me muito que o povo simples e todas as autoridades tenham pensado no bem do país”. Como se o grotesco da declaração fosse pouco, anunciou que celebraria uma missa na catedral “pela paz”. Na cerimônia, ofereceu pessoalmente a comunhão ao golpista (foto).
* * *

A primeira atitude de Lugo, após a deposição, foi conformar-se. Débil no Parlamento desde o início de seu governo, o presidente também viveu, ao longo do mandato, uma série de desencontros com os movimentos sociais. Houve erros de parte a parte, consideram Emir Sader  (em Carta Maior) e Santiago O’Donnel (em Página 12): o presidente não cumpriu a maior parte de seu programa; os movimentos não compreenderam que, sem apoiá-lo, ele não teria força para executar as reformas propostas.
Por paradoxo, talvez o golpe tenha produzido uma aproximação necessária. A partir da noite de sábado, a TV Pública, criada por Lugo em 2011, converteu-se num centro da resistência popular. Centenas de manifestantes acorreram à rua Alberdi, assim que surgiram sinais de que o governo ilegítimo pretendia censurá-la. O Página 12 narra: naquela mesma noite, grupos de jovens construíram duas barricadas nas ruas de acesso. O cineasta Marcelo Martinessi, diretor nomeado pelo presidente eleito, alegrou-se: “as pessoas estão tomando este projeto como seu”. Um microfone foi estendido aos manifestantes: a resistência já tinha um canal para ir ao ar.
Na manhã de domingo, Lugo compareceria ao local, para sua fala emblemática. Horas depois, os ativistas já eram milhares. Foram eles que rapidamente restabeleceram, à tarde, o fornecimento de energia e recolocaram a emissora no ar, depois de um corte executado pela agência nacional de eletricidade.
Os fatos vêm se acelerando desde então. Formou-se  uma Frente pela Defesa da Democracia no Paraguai. Mais tarde, ainda no domingo, Lugo deu novo passo e anunciou a formação de um governo paralelo, composto por seus ministros e com primeira reunião marcada para esta manhã. A edição desta manhã de Pagina 12 estampa uma entrevista  em que confirma “já começamos a resistência pacífica. (…) Já surgem manifestações de cidadãs e cidadãos. (…) O repúdio [ao golpe] crescerá”. O jornal confirma: estão programadas para hoje manifestações diante dos edifícios públicos e interrupção do trânsito em avenidas estradas.
Ao contrário do que ocorreu em tantos precedentes históricos, os governos da América do Sul parecem dispostos a reagir ao golpe. O envio de uma delegação de chanceleres a Assunção pode ser mais que um gesto simbólico. Ainda no sábado, convocou-se uma reunião de emergência do Mercosul, em Córdoba (Argentina), a partir da próxima quinta-feira. No domingo, anunciou-se que Fernando Lugo – e não o governo instituído por golpe – será recebido como representante do Paraguai. Num primeiro sinal de vacilação, Federico Franco, o presidente instituído pelo golpe, anunciou que pediria ao homem que depôs para “atenuar as tensões desencadeadas na América Latina”. Foi, evidentemente, rechaçado por Lugo.
Desde sexta-feira, os países da América do Sul estão retirando seus embaixadores de Assunção, em protesto contra o golpe de Estado. Há dois anos, na resistência ao golpe de Estado praticado em Honduras, o Brasil jogou papel destacado. Desta vez, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, parece ter assumido este papel. Foi ela quem tomou a iniciativa, ainda na sexta-feira, de retirar seu embaixador de Assunção, “até o restabelecimento da ordem democrática”. Nos dias seguintes, o gesto seria seguido por Bolívia, Brasil, Equador, Uruguai e Venezuela. Nas últimas horas, aderiram ao movimento Colômbia e México, o que parece indicar uma tendência isolamento dos Estados Unidos. A própria Organização dos Estados Americanos, em outras épocas dominada por Washington está agora questionando a legitimidade da deposição de Lugo.

* * *
Ninguém é capaz de dizer, a esta altura, qual será o desfecho dos acontecimentos. Mas é evidente que uma sequência tão impressionante de fatos novos, cheia de surpresas, num país vizinho ao Brasil, seria um tema jornalístico de relevância máxima. A mídia brasileira, porém, trata-o de forma modorrenta e burocrática. Na maior parte das publicações, o Paraguai esteve nas manchetes apenas quando Lugo foi afastado. Ao contrário da imprensa argentina, nenhuma publicação ousou usar a palavra golpe.
No momento em que este texto é concluído, a manchete  da Folha de S.Paulo, em sua edição online, destaca as declarações do “chanceler” (do governo golpista paraguaio, que se queixa de ter sido afastado “sem defesa” da reunião do Mercosul… Por sugestiva coincidência,O Globo e Estado de S.Paulo, embora menos discretos, ocultam a série de reviravoltas em Assunção para destacar o mesmo personagem… Já o UOL, também do grupo Folha, enviou por algum motivo o repórter Guilherme Balza à capital paraguaia – mas tem relegado a segundo plano as ótimas matérias produzidas por ele (como este vídeo)…
O rápido surgimento de um movimento de resistência no Paraguai – e em especial o fato emblemático de ele ter por centro a TV Pública – revelam: talvez, também no Paraguai, a sociedade já seja capaz de superar as velhas formas de controle da informação e seus laços com os antigos donos do poder…

segunda-feira, 25 de junho de 2012

O papel da Monsanto na morte dos camponeses e no golpe contra Lugo



 Por Idilio Méndez Grimaldi
Na Carta Maior via PORTAL DO MST



Quem está por trás desta trama tão sinistra? Os impulsionadores de uma ideologia que promove o lucro máximo a qualquer preço e quanto mais, melhor, agora e no futuro. No dia 15 de junho de 2012, um grupo de policiais que ia cumprir uma ordem de despejo no departamento de Canindeyú, na fronteira com o Brasil, foi emboscado por franco-atiradores, misturados com camponeses que pediam terras para sobreviver.
A ordem de despejo foi dada por um juiz e uma promotora para proteger um latifundiário. Resultado da ação: 17 mortos, 6 policiais e 11 camponeses, além de dezenas de feridos graves. As consequências: o governo frouxo e tímido de Fernando Lugo caiu com debilidade ascendente e extrema, cada vez mais à direita, a ponto de ser levado a julgamento político por um Congresso dominado pela direita.

Trata-se de um duro revés para a esquerda e para as organizações sociais e campesinas, acusadas pela oligarquia latifundiária de instigar os camponeses. Representa ainda um avanço do agronegócio extrativista nas mãos de multinacionais como a Monsanto, mediante a perseguição dos camponeses e a tomada de suas terras. Finalmente, implica a instalação de um cômodo palco para as oligarquias e os partidos de direita para seu retorno triunfal nas eleições de 2013 ao poder Executivo.

No dia 21 de outubro de 2011, o Ministério da Agricultura e Pecuária, dirigido pelo liberal Enzo Cardozo, liberou ilegalmente a semente de algodão transgênico Bollgard BT, da companhia norteamericana de biotecnologia Monsanto, para seu plantio comercial no Paraguai. Os protestos de organizações camponesas e ambientalistas foram imediatos. O gene deste algodão está misturado com o gene do Bacillus thurigensis, uma bactéria tóxica que mata algumas pragas do algodão, como as larvas do bicudo, um coleóptero que deposita seus ovos no botão da flor do algodão.

O Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal e de Sementes (Senave), instituição do Estado paraguaio dirigida por Miguel Lovera, não inscreveu essa semente nos registros de cultivares pela falta de parecer do Ministério da Saúde e da Secretaria do Ambiente, como exige a legislação.

Campanha midiática

Nos meses posteriores, a Monsanto, por meio da União de Grêmios de Produção (UGP), estreitamente ligada ao grupo Zuccolillo, que publica o jornal ABC Color, lançou uma campanha contra o Senave e seu presidente por não liberar o uso comercial em todo o país da semente de algodão transgênico da Monsanto. A contagem regressiva decisiva parece ter iniciado com uma nova denúncia por parte de uma pseudosindicalista do Senave, chamada Silvia Martínez, que, no dia 7 de junho, acusou Lovera de corrupção e nepotismo na instituição que dirige, nas páginas do ABC Color. Martínez é esposa de Roberto Cáceres, representante técnico de várias empresas agrícolas, entre elas a Agrosan, recentemente adquirida por 120 milhões de dólares pela Syngenta, outra transnacional, todas sócias da UGP.

No dia seguinte, 8 de junho, a UGP publicou no ABC uma nota em seis colunas: “Os 12 argumentos para destituir Lovera”. Estes supostos argumentos foram apresentados ao vice-presidente da República, correligionário do ministro da Agricultura, o liberal Federico Franco, que naquele momento era o presidente interino do Paraguai, em função de uma viagem de Lugo pela Ásia.

No dia 15, por ocasião de uma exposição anual organizada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, o ministro Enzo Cardoso deixou escapar um comentário diante da imprensa que um suposto grupo de investidores da Índia, do setor de agroquímicos, cancelou um projeto de investimento no Paraguai por causa da suposta corrupção no Senave. Ele nunca esclareceu que grupo era esse. Aproximadamente na mesma hora daquele dia, ocorriam os trágicos eventos de Curuguaty.

No marco desta exposição preparada pelo citado Ministério, a Monsanto apresentou outra variedade de algodão, duplamente transgênica: BT e RR, ou Resistente ao Roundup, um herbicida fabricado e patenteado pela transnacional. A pretensão da Monsanto é a liberação desta semente transgênica no Paraguai, tal como ocorreu na Argentina e em outros países do mundo.

Antes desses fatos, o diário ABC Color denunciou sistematicamente, por supostos atos de corrupção, a ministra da Saúde, Esperanza Martínez, e o ministro do Ambiente, Oscar Rivas, dois funcionários do governo que não deram parecer favorável a Monsanto.

Em 2001, a Monsanto faturou 30 milhões de dólares, livre de impostos (porque não declara essa parte de sua renda), somente na cobrança de royalties pelo uso de sementes de soja transgênica no Paraguai. Toda a soja cultivada no país é transgênica, numa extensão de aproximadamente 3 milhões de hectares, com uma produção em torno de 7 milhões de toneladas em 2010.

Por outro lado, na Câmara de Deputados já se aprovou o projeto de Lei de Biossegurança, que cria um departamento de biossegurança dentro do Ministério da Agricultura, com amplos poderes para a aprovação para cultivo comercial de todas as sementes transgênicas, sejam de soja, de milho, de arroz, algodão e mesmo algumas hortaliças. O projeto prevê ainda a eliminação da Comissão de Biossegurança atual, que é um ente colegiado forma por funcionários técnicos do Estado paraguaio.

Enquanto transcorriam todos esses acontecimentos, a UGP preparava um ato de protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo para o dia 25 de junho. Seria uma manifestação com máquinas agrícolas fechando estradas em distintos pontos do país. Uma das reivindicações do chamado “tratoraço” era a destituição de Miguel Lovera do Senave, assim como a liberalização de todas as sementes transgênicas para cultivo comercial.

As conexões

A UGP é dirigida por Héctor Cristaldo, apoiado por outros apóstolos como Ramón Sánchez – que tem negócios com o setor dos agroquímicos -, entre outros agentes das transnacionais do agronegócio. Cristaldo integra o staff de várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo Zuccolillo, diretor proprietário do diário ABC Color, desde sua função sob o regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

O grupo Zuccolillo é sócio principal no Paraguai da Cargill, uma das maiores transnacionais do agronegócio no mundo. A sociedade entre os dois grupos construiu um dos portos graneleiros mais importantes do Paraguai, denominado Porto União, a 500 metros da área de captação de água da empresa de abastecimento do Estado paraguaio, no Rio Paraguai, sem nenhuma restrição.

As transnacionais do agronegócio no Paraguai praticamente não pagam impostos, mediante a férrea proteção que tem no Congresso, dominado pela direita. A carga tributária no Paraguai é apenas de 13% sobre o PIB. Cerca de 60% do imposto arrecadado pelo Estado paraguaio é via Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Os latifundiários não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da carga tributária, cerca de 5 milhões de dólares, segundo estudo do Banco Mundial, embora a renda do agronegócio seja de aproximadamente 30% do PIB, o que representa cerca de 6 bilhões de dólares anuais.

O Paraguai é um dos países mais desiguais do mundo. Cerca de 85% das terras, aproximadamente 30 milhões de hectares, estão nas mãos de 2% de proprietários, que se dedicam à produção meramente para exportação ou, no pior dos casos, à especulação sobre a terra. A maioria desses oligarcas possui mansões em Punta del Este ou em Miami e mantém estreitas relações com transnacionais do setor financeiro, que guardam seus bens mal havidos nos paraísos fiscais ou tem investimentos facilitados no exterior. Todos eles, de uma ou outra maneira, estão ligados ao agronegócio e dominam o espectro político nacional, com amplas influências nos três poderes do Estado. Ali reina a UGP, apoiada pelas transnacionais do setor financeiro e do agronegócio.

Os fatos de Curugaty

Curuguaty é uma cidade na região oriental do Paraguai, a cerca de 200 quilômetros de Assunção, capital do país. A alguns quilômetros de Curuguaty encontra-se a fazenda Morombi, de propriedade do latifundiário Blas Riquelme, com mais de 70 mil hectares nesse lugar. Riquelme provém das entranhas da ditadura de Stroessner (1954-1989), sob cujo regime acumulou uma intensa fortuna. Depois, aliou-se ao general Andrés Rodríguez, que executou o golpe de Estado que derrubou o ditador Stroessner. Riquelme, que foi presidente do Partido Colorado por muitos anos e senador da República, dono de vários supermercados e estabelecimentos pecuários, apropriou-se mediante subterfúgios legais de aproximadamente 2 mil hectares que pertencem ao Estado paraguaio.

Esta parcela foi ocupada pelos camponeses sem terra que vinham solicitando ao governo de Fernando Lugo sua distribuição. Um juiz e uma promotora ordenaram o despejo dos camponeses, por meio do Grupo Especial de Operações (GEO), da Polícia Nacional, cujos membros de elite, em sua maioria, foram treinados na Colômbia, sob o governo de Uribe, para a luta contra as guerrilhas.

Só uma sabotagem interna dentro dos quadros de inteligência da polícia, com a cumplicidade da promotoria, explica a emboscada, na qual morreram seis policiais. Não se compreende como policiais altamente treinados, no marco do Plano Colômbia, puderam cair facilmente em uma suposta armadilha montada pelos camponeses, como quer fazer crer a imprensa dominada pela oligarquia. Seus camaradas reagiram e dispararam contra os camponeses, matando 11 e deixando uns 50 feridos. Entre os policiais mortos estava o chefe do GEO, comissário Erven Lovera, irmão do tenente coronel Alcides Lovera, chefe de segurança do presidente Lugo.

O plano consiste em criminalizar, levar até ao ódio extremo todas as organizações campesinas, para fazer os camponeses abandonarem o campo, deixando-o para uso exclusivo do agronegócio. É um processo doloroso, “descampesinização” do campo paraguaio, que atenta diretamente contra a soberania alimentar, a cultura alimentar do povo paraguaio, por serem os camponeses produtores e recriadores ancestrais de toda a cultura guarani.

Tanto o Ministério Público, como o Poder Judiciário e a Polícia Nacional, assim como diversos organismos do Estado paraguaio estão controlados mediante convênios de cooperação com a USAID, agência de cooperação dos Estados Unidos.

O assassinato do irmão do chefe de segurança do presidente da República obviamente foi uma mensagem direta a Fernando Lugo, cuja cabeça seria o próximo objetivo, provavelmente por meio de um julgamento político, mesmo que ele tenha levado seu governo mais para a direita, tratando de acalmar as oligarquias. O ocorrido em Curuguaty derrubou Carlos Filizzola do Ministério do Interior. Em seu lugar, foi nomeado Rubén Candia Amarilla, proveniente do opositor Partido Colorado, o qual Lugo derrotou nas urnas em 2008, após 60 anos de ditadura colorada, incluindo a tirania de Alfredo Stroessner.

Candia foi ministro da Justiça do governo colorado de Nicanor Duarte (2003-2008) e atuou como procurador geral do Estado por um período, até o ano passado, quando foi substituído por outro colorado, Javier Díaz Verón, por iniciativa do próprio Lugo. Candia é acusado de ter promovido a repressão contra dirigentes de organizações campesinas e de movimentos populares. Sua indicação como procurador geral do Estado em 2005 foi aprovada pelo então embaixador dos Estados Unidos, John F. Keen. Candia foi responsável por um maior controle do Ministério Público por parte da USAID e foi acusado por Lugo no início do governo de conspirar para tirá-lo do poder.

Após assumir como ministro político de Lugo, a primeira coisa que Candia fez foi anunciar o fim do protocolo de diálogo com os campesinos que ocupam propriedades. A mensagem foi clara: não haverá conversação, mas simplesmente a aplicação da lei, o que significa empregar a força policial repressiva sem contemplação. Dois dias depois de Candia assumir, os membros do UGP, encabeçados por Héctor Cristaldo, foram visitar o flamante ministro do Interior, a quem solicitaram garantias para a realização do tratoraço no dia 25. No entanto, Cristaldo disse que a medida de força poderia ser suspensa, em caso de sinais favoráveis para a UGP (leia-se: liberação das sementes transgênicas da Monsanto, destituição de Lovera e de outros ministros, entre outras vantagens para o grande capital e os oligarcas), levando o governo ainda mais para a direita.

Cristaldo é pré-candidato a deputado para as eleições de 2013 por um movimento interno do Partido Colorado, liderado por Horacio Cartes, um empresário investigado em passado recente nos Estados Unidos por lavagem de dinheiro e narcotráfico, segundo o próprio ABC Color, que foi ecoado por várias mensagens do Departamento de Estado dos EUA, conforme divulgado por Wikileaks. Entre elas, uma se referia diretamente a Cartes, no dia 15 de novembro de 2011.

Julgamento político de Lugo

Enquanto escrevia esse artigo, a UGP (4), alguns integrantes do Partido Colorado e os próprios integrantes do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), dirigido pelo senador Blas Llano e aliado do governo até então, começaram a ameaçar com a abertura de um processo de impeachment de Fernando Lugo para destituí-lo do cargo de presidente da República. Lugo passou a depender do humor dos colorados para seguir como presidente do país, assim como do de seus aliados liberais, que passaram a ameaçá-lo com um julgamento político, seguramente buscando mais espaços de poder (dinheiro) como condição para a paz. O Partido Colorado, aliado a outros partidos minoritários de oposição tinha a maioria necessária para destituir o presidente de suas funções.

Talvez esperassem “os sinais favoráveis” de Lugo que a UGP – em nome da Monsanto, da pátria financeira e dos oligarcas – estava exigindo do governo. Caso contrário se passaria à fase seguinte, de interrupção deste governo que nasceu como progressista e lentamente foi terminando como conservador, controlado pelos poderes da oposição.

Entre outras coisas, Lugo é responsável pela aprovação da Lei Antiterrorista, patrocinada pelos EUA em todo o mundo depois do 11 de setembro. Em 2010, ele autorizou a implementação da Iniciativa Zona Norte, que consiste na instalação e deslocamento de tropas e civis norteamericanos no norte da região oriental – no nariz do Brasil – supostamente para desenvolver atividades a favor das comunidades campesinas.

A Frente Guazú, coalizão das esquerdas que apoia Lugo, não conseguiu unificar seu discurso e seus integrantes acabaram perdendo a perspectiva na análise do poder real, ficando presos nos jogos eleitorais imediatistas. Infiltrados pelo USAID, muitos integrantes da Frente Guazú, que participavam da administração do Estado, sucumbiram ao canto de sereia do consumismo galopante do neoliberalismo. Se corromperam até os ossos, convertendo-se em cópias vaidosas de novos ricos que integravam os recentes governos do direitista Partido Colorado.

Curuguaty também engloba uma mensagem para a região, especialmente para o Brasil, em cuja fronteira se produziram esses fatos sangrentos, claramente dirigidos pelos senhores da guerra, cujos teatros de operações estão montados no Iraque, Líbia, Afeganistão e, agora, Síria. O Brasil está construindo um processo de hegemonia mundial junto com a Rússia, Índia e China, denominado BRIC. No entanto, os EUA não recuam na tentativa de manter seu poder de influência na região. Já está em marcha o novo eixo comercial integrado por México, Panamá, Colômbia, Peru e Chile. É um muro de contenção aos desejos expansionistas do Brasil na direção do Pacífico.

Enquanto isso, Washington segue sua ofensiva diplomática em Brasília, tratando de convencer o governo de Dilma Rousseff a estreitar vínculos comerciais, tecnológicos e militares. Além disso, a IV Frota dos EUA, reativada há alguns anos após estar fora de serviço desde o fim da Segunda Guerra Mundial, vigia todo o Atlântico Sul, caracterizando um outro cerco ao Brasil, caso a persuasão diplomática não funcione.

E o Paraguai é um país em disputa entre ambos países hegemônicos, sendo ainda amplamente dominado pelos EUA. Por isso, os eventos de Curuguaty representam também um pequeno sinal para o Brasil, no sentido de que o Paraguai pode se converter em um obstáculo para o desenvolvimento do sudoeste do Brasil.

Mas, acima de tudo, os mortos de Curuguaty representam um sinal do grande capital, do extrativismo explorador que assola o planeta e aplasta a vida em todos os rincões da Terra em nome da civilização e do desenvolvimento. Felizmente, os povos do mundo também vêm dando respostas a estes sinais da morte, com sinais de resistência, de dignidade e de respeito a todas as formas de vida no planeta.