domingo, 9 de maio de 2010

Pela democratização das comunicações...

A comunicação e o mundo que queremos

Para utilizar uma expressão ao gosto dos grandes empresários do setor, precisamos de uma revolução capitalista na comunicação mundial. Mais proprietários, mais veículos, mais produtores de comunicação, produtos de melhor qualidade, consumidores mais exigentes, descentralização dos centros produtores para garantir o direito de todos os cidadãos do mundo terem informação e comunicação de qualidade. Isso, porém, não será feito no modelo atual, fortemente monopolista e excludente. O artigo é de Joaquim Ernesto Palhares.

Texto apresentado na Cúpula Eurolatinoamericana de Microempresas e economia social, realizada de 3 a 6 de maio em Cáceres, Espanha (foto).
Existem no Brasil inúmeras entidades representativas dos mais variados setores da economia, inclusive dos meios de comunicação. Entretanto, nenhuma das entidades formadas por empresas de comunicação – televisão, rádio, jornais e revistas -, defendem os interesses dos micro e pequenos empresários e empreendedores da comunicação.
Preocupados com essa realidade, um grupo expressivo de empresas, empresários e empreendedores individuais, reuniu-se em São Paulo e, após um processo de vários encontros e debates, fundou a ALTERCOM – Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação, da qual, com muito orgulho, fui eleito o primeiro Presidente.

O nome ALTERCOM, em português, significa tanto COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA como OUTRA COMUNICAÇÃO. É exatamente esse o espírito que fez esse expressivo número de empresários fundarem a ALTERCOM, já que não se sentem representados pelas várias entidades existentes, que defendem, exclusivamente, os interesses das grandes empresas de comunicação.

A recente crise financeira e econômica internacional mostrou mais uma vez a importância das micro, pequenas e médias empresas na vida dos países. Quando grandes corporações financeiras e não-financeiras desmoronaram em virtude de irresponsáveis e enlouquecidas movimentações no cassino financeiro global, a conta foi enviada para toda a sociedade. Não foi por acaso que os países que saíram mais rapidamente da crise foram aqueles que possuíam mercados internos bem estabelecidos. E não há mercado interno sem pequenos produtores. O Brasil é um exemplo disso, possuindo cerca de 5 milhões de micro e pequenas empresas, que representam 98% do total das empresas brasileiras. Em termos estatísticos, esse segmento empresarial representa cerca de 25% do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), gerando 14 milhões de empregos, o que representa cerca de 60% do emprego formal no país, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

A existência dessa rede de pequenas e micro empresas garante capilaridade econômica e social, um fator crucial para fazer circular sangue nas veias da economia e manter um país saudável perante a crise. Gostaria de propor uma reflexão sobre a crescente diminuição dessa capilaridade em um setor essencial em nossas vidas, o da comunicação, e sobre como esse problema pode atrasar e prejudicar os processos de integração entre nossos povos.

A mídia e a crise
O comportamento da maioria das empresas de comunicação no processo de colapso do sistema financeiro internacional, em 2008, é exemplar para ilustrar o que estamos falando aqui. Durante pelo menos duas décadas, os veículos dessas empresas repetiram à exaustão a mesma ladainha de exaltação do Estado mínimo, do livre mercado, das privatizações, da desregulamentação dos mercados, da necessidade de flexibilizar as relações trabalhistas e a legislação ambiental. Quando esse modelo afundou, saíram todos correndo bater às portas daquele que era, até então, o grande vilão: o Estado. Os lucros milionários destas décadas foram apropriados por alguns poucos afortunados. Já os prejuízos foram socializados com o conjunto da população. E a mídia fez de conta que não havia dito o que disse durante décadas.

Neste processo os meios de comunicação, com seus altíssimos níveis de audiência, trataram de estruturar diariamente uma determinada realidade dos fatos, gerando sentidos e interpretações e definindo as “verdades” sobre atores sociais, econômicos e políticos. Segundo essa realidade e essas verdades, o Estado deveria parar de atrapalhar os mercados para que a prosperidade econômica pudesse chegar a todos. Nunca chegou, como se sabe. Nunca chegará neste modelo excludente e concentrador de renda. A propaganda foi fraudulenta. Mentiras e discursos puramente ideológicos foram repetidos dia e noite, difundindo distorções e preconceitos. Quando veio o vendaval, nenhum desses meios veio a público assumir sua parcela de responsabilidade.

Os mais audaciosos chegaram a criticar o Estado por ter fracassado em fazer o que deveria: fiscalizar os mercados. É claro que se o Estado tentasse fazer isso, imediatamente soariam os “editoriais cidadãos” denunciando o autoritarismo iminente e a ameaça à liberdade individual. E agora já vemos em ritmo crescente uma espantosa campanha midiática que utiliza alguns sinais isolados para dizer que o pior da crise econômica mundial já passou. O renascimento das bolhas financeiras nas bolsas de valores é apresentado como o sintoma de uma melhoria geral. Na verdade, os socorros (públicos) globais de 2008-2009 desaceleraram a queda econômica, mas geraram enormes déficits fiscais em diversos países (EUA, entre eles), trazendo graves ameaças inflacionárias. Ou seja, há preocupações de sobra no horizonte.

No entanto, prossegue a prática de uma autêntica barbárie política diária, de desinformação e gestação permanente de mensagens formadoras de uma consciência coletiva reacionária, conservadora e desinformada. Uma consciência que procura alimentar uma opinião pública de perfil anti-político, que desacredita a existência de um Estado democraticamente interventor na luta de interesses sociais, que apresenta os políticos como seres que oscilam do ridículo ao monstruoso.

Democracia e comunicação
A democracia precisa de maior diversidade informativa e de instrumentos que garantam um amplo direito à comunicação. Para que isso se torne realidade, é necessário modificar a lógica que impera hoje no setor e que privilegia os interesses dos grandes grupos econômicos. Os proprietários dos grandes meios de comunicação defendem, entre seus ideais, a liberdade de expressão, a pluralidade, a competição e o livre mercado. No entanto, o poder midiático está cada vez mais concentrado nas mãos de um pequeno grupo de corporações, que dominam o sistema de produção e difusão de informações e detém a imensa maioria dos recursos de publicidade (públicos e privados).

Qualquer menção à necessidade de democratizar esse cenário é rebatida fortemente por artigos e editoriais enfurecidos destes grupos hegemônicos. Quem defende a democratização da produção e do acesso à informação é imediatamente acusado de “autoritário” e “inimigo da liberdade de imprensa”. O poder das grandes corporações midiáticas é muito forte, estendendo-se também às escolas e universidades que formam os futuros profissionais da comunicação.

O escritor francês Paul Virilio, ao falar sobre o papel da mídia no mundo de hoje, definiu bem o tamanho do problema a ser enfrentado. A mídia contemporânea, disse Virilio, é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. A justificativa para tal procedimento trafega entre o cinismo e a treva: uma vez afetada a liberdade de imprensa, todas as liberdades estarão em perigo. Cinismo, denuncia, porque esta reivindicação agressiva trata de negar o óbvio: os meios de divulgação e de formação de opinião vêm se concentrando, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes empresas.

Vejamos alguns dados apresentados pelo professor Venício Lima ("Quem controla a mídia", Carta Maior, 23/04/2010):

Uma das conseqüências da crise internacional, no setor da mídia impressa, tem sido a compra de publicações tradicionais por investidores – russos, árabes, australianos, latino-americanos, portugueses – cujo compromisso maior é exclusivamente o sucesso de seus negócios. Aparentemente, não há espaço para o interesse público. Já aconteceu com os britânicos The Independent e The Evening Standard e com o France-Soir na França. Na Itália, está em curso uma briga de gigantes no mercado de televisão envolvendo o primeiro ministro e proprietário de mídia Silvio Berlusconi (Mediaset) e o australiano naturalizado americano Ropert Murdoch (Sky Itália). O mesmo acontece no leste europeu. Na Polônia, tanto o Fakt (o diário de maior tiragem), quanto o Polska (300 mil exemplares/dia) são controlados por grupos alemães.

Nos Estados Unidos, a News Corporation de Murdoch avança a passos largos: depois do New York Post, o principal tablóide do país, veio a Fox News, canal de notícias 24h na TV a cabo; o The Wall Street Journal; o estúdio Fox Films e a editora Harper Collins. E o mexicano Carlos Slim é um dos novos acionistas do The New York Times. Professor da New York University, Crispin Miller, fez a seguinte advertência em relação ao que vem ocorrendo nos Estados Unidos (matéria da revista Carta Capital, 591):

“O grande perigo para a democracia norte-americana não é a virtual morte dos jornais diários. É a concentração de donos da mídia no país. Ironicamente, há 15 anos, se dizia que era prematuro falar em uma crise cívica, com os conglomerados exercendo poder de censura sobre a imensidão de notícias disponíveis no mundo pós-internet (...)”.

A transformação dos veículos de comunicação em grandes empresas, com interesses que vão muito além daqueles propriamente midiáticos, fez da informação, definitivamente, uma mercadoria regida pela lógica que comanda o mundo do lucro. Ela, a informação, progressivamente, deixa de ser um bem e um serviço público. Isso se reflete diretamente na qualidade dos noticiários que assistimos todos os dias nos jornais, rádios, televisões e sites. A economia passou a reinar nestes espaços. Todo o resto passou a ser tratado de forma secundária e como um espetáculo. Esse fenômeno é mais dramático na política, onde a cobertura tornou-se, no mais das vezes, uma exploração de fofocas, intrigas e banalidades. As pautas e os espaços prioritários passam a ser definidos pelos interesses econômicos estratégicos dessas empresas.

Grande mídia ignora interesses dos pequenos
Esse poderio econômico tem repercussão direta na vida política e social dos países. Assim, falar da necessidade de democratizar a mídia implica, diretamente, falar da necessidade de democratizar o poder político e econômico. Os interesses econômicos e as articulações políticas decorrentes destes interesses refletem-se diretamente na qualidade da informação oferecida ao público. Não é por acaso que a cobertura política dos grandes veículos mal consegue disfarçar seus interesses econômicos e políticos e ignora quase que completamente os interesses de micros, pequenos e médios empresários.

Para utilizar uma expressão ao gosto dos grandes empresários do setor, precisamos de uma revolução capitalista na comunicação mundial. Mais proprietários, mais veículos, mais produtores de comunicação, produtos de melhor qualidade, consumidores mais exigentes, descentralização dos centros produtores para garantir o direito de todos os cidadãos do mundo terem informação e comunicação de qualidade. Isso, porém, não será feito no modelo atual, fortemente monopolista e excludente. Os empresários da comunicação precisam decidir se querem mesmo fazer comunicação, entendida como um bem de utilidade pública, ou seguirão tratando-a como uma mercadoria qualquer, cujo sucesso, depende de esmagar os competidores a qualquer preço.

Falar de uma comunicação de qualidade, neste cenário, significa falar, entre outras coisas, em liberdade de criação, de difusão e de acesso. Significa compartilhar conhecimentos, recursos, práticas e iniciativas. As palavras “liberdades” e “compartilhamento” expressam, em boa medida, o que é sonegado hoje à maioria das populações globalizadas. Elas apontam para uma visão generosa de um mundo mais solidário, onde a comunicação, o diálogo com o próximo e a criatividade não são reduzidas à condição de mais uma mercadoria destinada a gerar lucro máximo a custo mínimo.

A queda na qualidade do jornalismo é algo assustador que ameaça o futuro da própria democracia. Não se trata, portanto, de um debate restrito aos profissionais do setor, mas de uma agenda de toda a sociedade. É o direito de dispor de uma informação de qualidade que está em jogo. E quando falamos em processos de integração é impossível fazê-lo sem levar em conta a questão da comunicação. Trata-se, afinal de contas, de construir canais de diálogo e informação entre povos que estão afastados e que não conhecem uns a vida dos outros. É preciso tomar iniciativas concretas nesta direção e é preciso começar já. Mais do que declarações genéricas, precisamos construir iniciativas concretas que mostrem aos cidadãos do mundo a natureza do problema e como ele influencia nas suas vidas diária. Um dos primeiros passos é o fortalecimento da articulação política entre todos aqueles setores preocupados com os temas da integração e da comunicação. Essa articulação pode se traduzir em algumas medidas concretas:

- Incluir o debate sobre a comunicação em todos os eventos que tenham a integração como pauta;

- Criar um espaço virtual para que esse debate possa ocorrer, apontando para a criação de um Fórum Social Mundial da Comunicação;

- Organizar o Fórum Mundial da Comunicação, no âmbito do processo do Fórum Social Mundial. Trabalhar para realizar o primeiro Fórum Mundial da Comunicação no próximo FSM que será realizado no Senegal. Cabe lembrar aqui a importância do Fórum Social Mundial como espaço internacional que se levantou contra o chamado Consenso de Washington, superando em importância mundial o Fórum Econômico de Davos, e que desembocou na eleição de Lula no Brasil e de vários presidentes progressistas na América do Sul.

- Criar uma secretaria geral internacional, para a organização do Fórum, com a participação da ALAMPYME, da APYME, da RECOM, ASEMCE, da EUROCHAMBRES, e da ALTERCOM, bem como de outras entidades, como o CEXECI, o MEDIA WATCH GLOBAL, o OBSERVATÓRIO BRASILEIRO DE MÍDIA e outras associações aqui não incluídas, mas que por sua atividades cotidiana, mereçam o convite para participarem.

Todas essas iniciativas podem convergir para uma articulação internacional entre nossos países pela democratização da comunicação e pela construção de uma globalização dos nossos povos e da solidariedade e não apenas do capital.

(*) Diretor da Carta Maior e Presidente da ALTERCOM

sábado, 8 de maio de 2010

Serra e o suicidio eleitoral....

 Serra e a direita kamikase



Por Márcia Denser*, no Congresso em Foco via Viomundo


“Ao sugerir extiguir o Mercosul, o que Serra propõe é um caminho suicida, desfavorável para o pais como um todo: sair do integrador periférico e submeter-se completamente às turbulências do mercado internacional”

Em nossos dias, optar por correr na contramão da História não leva meramente ao retrocesso – sempre corrigível lá na frente – mas ao suicídio, este sem volta. Porque a megacrise de 2008, que decretou a morte do neoliberalismo global como ideologia e política hegemônica, determinou duas conseqüências importantes:

1) globalmente,forçou os vários países a um movimento autodefensivo integrador-regionalista como estratégia, não só de evasão da crise, mas já apontando, em seus desdobramentos, para um novo realinhamento de forças político-comerciais globais, índice claro do fim dum mundo unipolar comandado pelos EUA;
2) globalmente, deixou como viúvas as chamadas “direitas loucas”, praticantes do kamikazismo histórico, representando setores agora mergulhados numa crise sistêmica que vai jogando-os numa posição caótica, não só no nível econômico, como também no plano psicológico – o que os torna cada vez mais perigosos e imprevisíveis.
Segundo a excelente análise de Jorge Beinstein, economista e professor da Universidade de Buenos Aires (Carta Maior em 02/05/2010), um bom exemplo disto é a proposta de Serra no sentido de revisar, “flexibilizar” e até abolir os acordos do Mercosul, uma posição direitista kamikase que, se mantida, levaria ao suicídio do sistema industrial brasileiro que ficaria exposto à feroz concorrência na América Latina de países desesperados por aumentar suas vendas, a começar dos gigantes econômicos como Alemanha, França, Espanha, na UE, EUA e até China (que acaba de registrar seu primeiro déficit comercial em cinco anos) – todos acossados pela contração do comércio internacional provocada pela crise. Em 2009, as exportações brasileiras caíram cerca de 22% devido à crise,mas essa queda teria sido muito maior sem a existência da retaguarda latinoamericana, sem esses países vizinhos ligados ao Brasil por múltiplos laços econômicos, políticos e culturais. Romper ou “flexibilizar” esses laços em um contexto internacional como o atual, marcado por uma crise que vai se agravando seria uma loucura. O Brasil estaria dando de presente a sua parte dos mercados regionais a competidores de todos os continentes.
A proposta de Serra vai na contramão da tendência global dominante rumo às integrações periféricas em resposta às crescentes dificuldades das economias das potências centrais (EUA, União Européia e Japão). No começo de 2010, a China firmou acordo de integração comercial com os países do Sudeste Asiático, agrupados na ASEAN, um mercado com cerca de 1,9 bilhão de pessoas, e a ASEAN, por sua vez, fez acordo semelhante com a Índia. Somados os dois acordos e as populações envolvidas (China, Índia e países da ASEAN) chega-se a cerca de três bilhões de pessoas, ou seja, quase 45% da população mundial. E esse processo está relacionado com a integração entre China e Rússia que, através da Organização de Cooperação de Shangai, agrupa as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, devendo também integrar proximamente Índia, Paquistão, Mongólia e Irã.
Este movimento de integração eurasiática incluindo mais da metade da população mundial está mudando não só a estrutura do comércio internacional, mas também suas relações políticas e militares, e é hoje o coração do processo de despolarização mundial, do fim da unipolaridade norte-americana. A outra tendência integradora importante é a da América Latina que, partindo do Mercosul, foi se ampliando, incluindo a Unasul (390 milhões de habitantes) e a recentemente criada Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELC).
O vínculo entre esses dois fenômenos regionais é o BRIC – convergência entre Brasil, Rússia, Índia e China, onde o Brasil é precisamente o elo que os articula estrategicamente. O que Serra propõe é um caminho suicida, desfavorável para o pais como um todo (e a médio prazo, desfavorável até mesmo para a elite que ele representa) ou seja: sair do integrador periférico e submeter-se completamente às turbulências do mercado internacional sem nenhum tipo de escudo protetor regional. Assim, o Brasil passaria a fazer parte da estratégia de recomposição geopolítica imperial dos EUA, cujo objetivo principal é a desestruturação das integrações regionais tanto na Eurásia quanto na América Latina.
Beinstein enfatiza: “Serra propõe substituir o Mercosul e as demais alianças periféricas (Unasul, BRIC, etc.) por um conjunto de tratados de livre comércio. A retirada política do Brasil significaria automaticamente um decisivo aumento da influência dos EUA na América Latina, abrindo o caminho para suas estratégias de desestabilização e conquista. O contexto regional de estabilidade obtido na década passada se deterioraria rapidamente, convertendo uma parte importante do entorno geográfico do Brasil numa área caótica, infestada de frentes reacionárias que finalmente conseguiriam afetar nossa estabilidade democrática e dinâmica produtiva.”
No esquema Serra, sem a rede protetora de tais acordos, o Brasil teria só um caminho para continuar se desenvolvendo num mundo cada vez mais hostil: o da competição selvagem respaldada pelo arrocho salarial e impostos reduzidos para os ricos, ou seja, apoiada na miséria crescente do grosso de sua população (começando pelos assalariados e seguindo pelas classes médias), no encolhimento do Estado e, inevitavelmente, na expansão das estruturas repressivas, e assim na rápida deterioração das liberdades democráticas.
Em síntese, é um processo que começa com um discurso comercial e culmina inexoravelmente num modelo político claramente autoritário. Deste modo, Serra passa a formar parte do grupo de políticos latino-americanos de raiz neoliberal, nostálgicos das velhas relações neocoloniais com o Império. Estes políticos, superados pelas tendências integradoras e autonomizantes hoje dominantes, precisam desesperadamente reconquistar o poder, mas a realidade lhes escapa porque agora o momento histórico é seu inimigo.
Cresce assustadoramente a irracionalidade nos sistemas de poder do centro decadente do mundo e, num movimento mimético, também em seus lacaios periféricos. Hoje, as direitas loucas expressam não só o passado (neoliberal) mas, sobretudo, a garantia dum futuro sinistro. Se Serra pretende realmente posicionar-se como o anti-Lula, com o dito no 1º. de maio: “Quem fuma é uma pessoa sem Deus”, ele se define por completo: um composto ruinoso de preconceito, truculência, irracionalidade, excludência burra e, claro, primeiro lugar absoluto em matéria de gafe política.
Só que, na verdade, não foi irracional e muito menos, gafe. Segundo editorial da Carta Maior, o dito condensa mais uma pérola do oportunismo eleitoral tucano: “De um lado, encontra-se aquilo que a Folha denomina como sendo ‘a classe média iluminista’, preocupada com o consumo politicamente correto e a descarbonização do seu almoço sob o capitalismo. Do outro, segmentos da pobreza urbana abandonados pela Igreja Católica e capturados pelo salvacionismo religioso, como o da Assembléia de Deus, de Marina Silva, que patrocinou a pregação de Serra. A operação embutida na frase do tucano busca dar a esse coquetel uma coerência ideológica baseada na idéia de que a questão social no século XXI será resolvida pela ‘técnica’ (agenda verde + ‘gestão eficiente’) e pelo fanatismo religioso.”
Em suma: expressando o pensamento da direita, Serra nunca falou tão sério em sua vida!

*A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), A Ponte das Estrelas (1990), Toda Prosa (2002 – Esgotado), Diana Caçadora/Tango Fantasma (2003,Ateliê Editorial, reedição), Caim (Record, 2006), Toda Prosa II – Obra Escolhida (Record, 2008). É traduzida na Holanda, Bulgária, Hungria, Estados Unidos, Alemanha, Suiça, Argentina e Espanha (catalão e galaico-português). Dois de seus contos – O Vampiro da Alameda Casabranca e Hell’s Angel – foram incluídos nos 100 Melhores Contos Brasileiros do Século, sendo que Hell’s Angel está também entre os 100 Melhores Contos Eróticos Universais. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUCSP, é pesquisadora de literatura, jornalista e curadora de Literatura da Biblioteca Sérgio Milliet em São Paulo.

Homenagem a João Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata

João Cândido, petróleo, racismo e emprego

Sociedade e Mídia reproduz, a seguir, matéria do jornalista Beto Almeida, publicada pela Agência Carta Maior, sobre a retomada da industria naval brasileira, sucateada durante o período das privatizações.

Beto Almeida (*)
 
 Nesta sexta-feira a Transpetro lançou ao mar o navio petroleiro João Cândido. Batizado com o nome de um dos nossos heróis, marinheiro negro, filho de escravos e líder da Revolta da Chibata, o navio tem 247 metros de comprimento, casco duplo que previne acidente e vários significados históricos. Primeiro, leva a industrialização para Pernambuco, contribuindo para reduzir as desigualdades regionais. Em segundo lugar, dá um cala-boca para quem insinuou de forma maldosa que o PAC era apenas virtual. Em terceiro, prova que está em curso a remontagem da indústria naval brasileira criminosamente destruída na era da privataria. Como um simbolismo adicional, um total de 120 operários dekasseguis foram trazidos do Japão, com suas famílias, para juntarem-se aos operários nordestinos que construíram o navio. Os primeiros não precisam mais morar longe da pátria; os outros, saem do canavial para a indústria e não precisam mais pegar o pau-de-arara, nem entoar com amargura a Triste Partida, de Patativa do Assaré, como um certo pernambucano teve que fazer na década de 50. Até que virou presidente.

Mulheres trabalhando como chefes de equipe de soldagem no Estaleiro Atlântico Sul, no município de Ipojuca, em Pernambuco, pronunciavam frases orgulhosas lembrando que não sabiam nem que esta também poderia ser uma tarefa feminina. O ex-pescador de caranguejo contava em depoimento agreste que antes do estaleiro não sabia direito como ganhar o sustento da família a cada dia que acordava. O ex-canavieiro, agora operário, destaca que não depende mais temporalidade insegura da colheita da cana e quando acorda já tem para onde ir, quando antes vivia a insegurança. Estes alguns dos vários depoimentos colhidos na inauguração do navio petroleiro João Cândido ao ser lançado ao mar pernambucano. Deixa em terra um rastro de transformação.

Inicialmente, na vida destas pessoas antes lançadas ao deus-dará de uma economia nordestina reprimida, desindustrializada. A transformação atinge os municípios mais próximos, pois no local onde foi construído o estaleiro, uma antiga moradora, Mônica Roberta de França, negra de 24 anos, que foi escolhida para ser a madrinha do navio, dizia que ali era um imenso areal, não tinha nada. Agora tem uma indústria e uma escola técnica para os jovens da região. E que só agora ela tem seu primeiro emprego na vida com carteira assinada.

Desculpas à Nação
 
Para o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o lançamento do João Cândido ao mar tem o mesmo alcance histórico do gesto de Getúlio Vargas quando deu forte impulso à nacionalização da indústria naval brasileira, na década de 30, por meio da empresa de navegação estatal. “Aqueles que destruíram a indústria naval tem que assumir sua responsabilidade e pedir desculpas à Nação”, disse Campos na solenidade que teve a participação de 5 mil pessoas aproximadamente, sobretudo dos operários.

O Navio João Cândido abre uma nova rota para a economia brasileira. Incialmente, porque a Petrobrás já não será obrigada a desembolsar cerca de 2,5 bilhões de reais por ano com o afretamento de navios estrangeiros. Há, portanto, um revigoramento do papel do estado na medida em que a reconstrução da indústria naval brasileira é resultado direto de encomendas da nossa empresa estatal petroleira. O que também permite avaliar a gravidade e o caráter antinacional das decisões que levaram um país com a enorme costa que possui, tendo montado uma economia naval de peso internacional respeitável, retroceder em um setor tão estratégico.

E isso quando nossa economia petroleira, há anos, já dava sinais de expansão, mesmo quando estavam no poder os que promoveram o espantoso sucateamento, a desnacionalização e a abertura da navegação em favor dos países que querem impedir nosso desenvolvimento. Este tema, certamente, não poderá faltar nos debates da campanha presidencial deste ano.

Almirante negro
 
A escolha do nome João Cândido também foi destacada na solenidade por meio do novo ministro da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, Eloy Moreira. Vale registrar que há pouco mais de um ano Lula participou de homenagem ao Almirante Negro inaugurando sua estátua na Praça XV, no Rio, que estava há anos guardada, supostamente porque não teria havido grande empenho da Marinha na realização desta solenidade. Pois bem, agora João Cândido não está apenas nas “pedras pisadas do cais”, com diz a maravilhosa canção de Bosco e Blanc. Está na estátua e está cruzando mares levando para o mundo afora o nome de um de nossos heróis.

Navegar é possível
 
O novo petroleiro estatal, portanto, é uma prova real de que sim “navegar é possível”, como dizia uma faixa no ato. Navegar na rota inversa daquela que promoveu o desmantelamento da nossa indústria naval. Navegar na rota da revitalização e qualificação do papel protagonista do estado. Recuperar um curso que havia sido fundado lá durante a Era Vargas onde se combinava industrialização e nacionalização com geração de empregos e direitos trabalhistas. Se no período neoliberal foi proclamada a idéia de destruir a “Era Vargas”, agora, está não apenas proclamada, mas já colocada em marcha, a necessidade de reconstruir a partir dos escombros da ruína das privatizações - entulho neoliberal - tendo no dorso no navio-gigante o nome heróico do líder da Revolta da Chibata. Sem revanchismo, o episódio permite lembrar outra canção: “É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”

(*) Presidente da TV Cidade Livre de Brasília

Entrevista com o geólogo argentino Rualdo Menegat...

"A Civilização ficou cega frente à natureza"



 
Os recentes terremotos no Haiti e no Chile trouxeram mais uma vez ao noticiário global perguntas perplexas sobre o que estaria acontecendo com a natureza. Desde o final do século XX, sentimentos catastrofistas tornaram-se mercadoria comum nos meios de comunicação e na indústria de entretenimento, especialmente no cinema. Mas estará, de fato, ocorrendo algo incomum? Na avaliação do geólogo Rualdo Menegat, professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o único fenômeno novo que esses terremotos estão mostrando é a progressiva cegueira da civilização humana contemporânea em relação à natureza. Ele alerta que a humanidade está bordejando todos os limites perigosos do planeta Terra e se aproxima cada vez mais de áreas de riscos, como bordas de vulcões e regiões altamente sísmicas. “Estamos ocupando locais que, há 50 anos atrás, não ocupávamos. Como as nossas cidades estão ficando gigantes e cegas, elas não enxergam o tamanho do precipício, a proporção do perigo desses locais que elas ocupam”.


 Em entrevista à Adverso, Menegat relata sua vivência de um terremoto no Peru e critica as sociedades contemporâneas que não conseguem manter memórias dos fenômenos naturais, como mantinham os povos míticos, que eram capazes disso, justamente por causa do mito. “O nosso sistema cultural, por dar as costas tão violentamente à natureza, está sofrendo enormemente. Essa civilização excessivamente urbana que esquece do meio ambiente está sofrendo e tem gente que chama isso de “vingança da natureza”. Mas o universo não é um ser animado que se vinga. O que ocorre é uma falência cultural da civilização que, por ser muito grande, tornou-se autônoma em relação à natureza, ou melhor, tornou-se cega à ela”. E a mídia, adverte o geólogo, contribui enormemente para isso, ao espetacularizar essas tragédias naturais.
                                                           Por: Marco Aurélio Weissheimer
Adverso- Qual sua avaliação sobre a percepção que a população tem hoje de fenômenos como os terremotos do Haiti e do Chile a partir da cobertura que os meios de comunicação fazem sobre esses acontecimentos?
Rualdo Menegat - Há três coisas aí que precisamos reconhecer. A primeira é que a vida urbana contemporânea está tão absorvente - faz com que as pessoas fiquem tão ligadas em suas rotinas - que parece que nada pode atrapalhar esse modo de existência. Mas, felizmente, ainda temos natureza. Há um universo aí fora, que requer atenção humana, pois é em relação a ele que podemos ou não construir o processo civilizatório. Quem determina essas possibilidades civilizatórias ainda são os processos dinâmicos da Terra. Vivendo em um mundo absorvido pela máquina urbana, nós pensamos que somos absolutamente autônomos em relação à natureza. Não somos.

A segunda questão diz respeito ao trabalho da imprensa, que torna os fenômenos naturais que afligem a humanidade em espetáculos. Ela espetaculariza essas tragédias de uma maneira que não ajuda as pessoas entenderem que há uma manifestação das forças naturais aí e que nós precisamos saber nos precaver. Isso é o que chamamos de civilização: a forma de ocupar uma determinada região da Terra de modo que seja possível garantir proteção, alimentos, segurança e longevidade a um grupo humano. A maneira como a grande imprensa trata estes acontecimentos (como vulcões, terremotos e enchentes), ao invés de provocar uma reflexão sobre o nosso lugar na natureza, traz apenas as imagens de algo que veio interromper o que não poderia ser interrompido, a saber, a nossa rotina urbana. Essa percepção de que nosso dia a dia não pode ser interrompido pelas manifestação das forças naturais está ligada à ideia de que somos sobrenaturais, de que estamos para além da natureza.


 A terceira e importante questão é que, de fato, estamos diante de uma humanidade gigantesca. Isso é algo muito difícil para nossa percepção cotidiana. Estamos falando de 6 bilhões e 700 milhões de habitantes, dos quais mais da metade, cerca de 3,7 bilhões, vive em cidades. Essas urbes que nos capturam e nos deixam absorvidos por seus afazeres e rotinas. Uma população com tais dimensões, espalhada sobre a superfície do globo, leva a uma situação inédita em termos humanos: para cada movimento da dinâmica natural do planeta temos um impacto em termos de vidas e de recursos materiais e também uma informação imediata.


 Isso aumenta a percepção da tragédia como algo assustador. A humanidade gigantesca já está bordejando todos os limites perigosos do planeta Terra. Estamos na borda dos grandes vulcões, na borda das placas tectônicas. Estamos ocupando locais que, há 50 anos atrás, não ocupávamos. Como as nossas cidades estão ficando muito gigantes e as pessoas estão cegas, elas não se dão conta do tamanho do precipício e do tamanho do perigo desses locais onde estão instaladas. Isso faz também com que tenhamos uma visão dessas catástrofes como algo surpreendente. Então, um terremoto no Haiti é recebido como um imprevisto quando todos nós sabemos, pelos estudos geológicos e pelos mapas que já estão prontos, que se trata de uma zona de alto risco sísmico.


 Temos vários exemplos disso. A missão do Exército brasileiro no Haiti e uma missão da ONU deram sinais de que não sabiam desse risco. Um soldado relatou que ao mesmo tempo em que fotografava uma igreja que caía por causa do tremor, não sabia o que estava acontecendo. Isso indica que a missão da ONU não tinha conhecimento do terreno, do caráter físico do local para onde foi enviada. E mostra o quão pouco a humanidade está se importando com as questões da natureza. E, neste contexto, o terremoto, a catástrofe, acaba sendo uma surpresa. Bem, o Haiti era a crônica de uma morte anunciada. E, lamentavelmente, uma tragédia deste tipo afeta com muito mais gravidade os pobres. Então, toda essa cegueira humana perante a natureza e a dinâmica da Terra tem uma consequência muito mais grave, pois implica que nem todos sofram da mesma maneira.


 Os pobres são os maiores afetados pela cegueira urbana. Isso precisa ser visto em várias medidas. Tivemos uma dimensão sem precedentes como a do Haiti, com mais de 230 mil mortos, quase todos pobres, e uma situação como a de Niterói, no Rio de Janeiro. Nas catástrofes brasileiras quem padece também são os menos privilegiados. As classes média e alta estão, em geral, melhor posicionadas no terreno desta mega-cidade global. Se olharmos um mapa do globo feito com a ajuda de satélites, só pelas luzes das cidades temos um mapeamento das bordas dos continentes, que são bordas de placas tectônicas. Vemos o quanto a humanidade está alastrada até os limites máximos dos grandes perigos da dinâmica terrestre.



Adverso- De um modo metafórico, poderíamos lembrar daquela imagem que os antigos tinham de uma Terra plana e cujos mares acabariam em um abismo. Havia uma noção de limite nesta idéia, que a humanidade parece ter perdido...



Rualdo Menegat - Sim. Embora a imagem estivesse errada na sua forma, ela estava correta no seu conteúdo. Nós temos limites evidentes de ocupação no planeta Terra. Não podemos ocupar o fundo dos mares, não podemos ocupar arcos vulcânicos, não podemos ocupar de forma intensiva bordas de placas tectônicas ativas, como o Japão, o Chile, toda borda andina, a borda do oeste americano, como Anatólia, na Turquia...



Adverso- A impressão que se tem é que o ser humano, na verdade, não quer enxergar...



Rualdo Menegat - Estamos vivendo um processo perigoso de cegueira cultural urbana no mundo contemporâneo. Neste contexto, a catástrofe aparece como espetáculo, como surpresa, e nós, cidadãos, ficamos reféns deste jogo que a grande mídia nos oferece. Ao fazer isso, ela se recusa a ser um instrumento de culturalização, que ajude a sociedade a entender e se preparar para enfrentar esses fenômenos.


 Eu tive uma rica vivência neste sentido na belíssima cidade peruana de Arequipa, uma cidade organizada toda em xadrez, com edificações históricas feitas em blocos de rocha vulcânica branca. Devido ao centro de Arequipa ser tão bonito, a cidade foi crescendo olhando para esse centro. E esse crescimento se deu da região central para trás, para as bordas do local. Nos últimos 40 anos, ela cresceu tanto que foi empurrada para a saia do vulcão que emoldura sua paisagem. Arequipa tem hoje 800 mil habitantes e foi empurrada para a saia de um vulcão!


 Eu vivi uma experiência de terremoto em Arequipa, onde estava fazendo a pesquisa  de meu doutorado, um terremoto de 6,8 pontos na escala Richter e que abalou a cidade. Como um dos poucos geólogos na cidade, fui convocado pelas autoridades para participar do Comitê de Defesa Civil que agiu após o tremor. Pude constatar diretamente a consequência do nosso despreparo cultural para enfrentar esse tipo de problema. A Defesa Civil era desorganizada e parecia não esperar nunca um terremoto. A população também não contava que a Defesa Civil fosse a campo e não respondeu a esse trabalho. Ir a campo, neste caso, significa vistoriar as habitações e edificações. Nós fomos realizar este serviço e encontramos as portas todas as trancadas, com as pessoas com medo de ter que abandonar suas casas e pertences. Isso, é claro, aumenta as chances da tragédia crescer. Nós temíamos novos abalos, o que, de fato, aconteceu. Felizmente foram de magnitudes menores e não causaram grandes danos.


 Isso é a cegueira urbana. Todas as cidades contemporâneas estão na mesma situação. Se os cidadãos de Arequipa quisessem falar de Porto Alegre poderiam dizer que nós, portoalegrenses, também temos a mesma cegueira. Nós conseguimos infestar um importante corpo de água que é o Guaíba. Emporcalhamos a água que usamos para beber. Isso não é cegueira? Que ser vivo no planeta polui a própria água que bebe? E podemos falar a mesma coisa de cidades como São Paulo, Paris, Londres e tantas outras.

Adverso- Na sua opinião, existe alguma possibilidade da humanidade resgatar a consciência necessária para se viver em paz com a natureza?

Rualdo Menegat - Claro, para isso é preciso educação, é preciso uma culturalização nesse sentido. Precisamos tornar a natureza algo presente na vida humana. Temos como cultura sempre o dogma tecnológico, acreditando que a tecnologia nos salvará. Algumas pessoas poderiam perguntar: mas nós não temos tecnologia para prever esses terremotos? Não, não temos. Não temos tecnologia para tudo. Além disso, conhecer a Terra e a natureza não é uma prioridade cultural. A prioridade  tem sido gastar milhões de dólares acelerando uma partícula subatômica em Genebra. Essa é, no momento, a prioridade cultural da nossa civilização. Faltarão milhões de dólares para fazer as pesquisas sobre terremotos. É uma civilização que não aposta no conhecimento da Terra, de sua paisagem, de sua região. Nós, portoalegrenses, não estamos interessados em conhecer o local onde vivemos. E isso não é um traço terceiromundista. Se vamos para Nova York é a mesma coisa.

O Pig ataca novamente com análises descontextualizadas...

Os muquiranas voltaram

 Miguel do Rosario no blog Oleo do Diabo

Os urubus sentiram cheiro de carniça. A quebradeira na Grécia trouxe alegria aos agourentos. Miriam Leitão voltou a ser feliz, porque pode apontar os dedos para o berço da civilização ocidental e vaticinar as mesmas desgraças para nós.

A boa vontade oficial para com reajustes acima da inflação na previdência, por exemplo, é mostrada como erro terrível que nos conduzirá ao abismo.

Acontece que o Brasil não tem nada a ver com a Grécia. Nem jamais terá. Sem contar que a crise grega está muito mal explicada. O culpado não é o funcionário público grego ou a previdência. Ou pelo menos não só isso.

Os países ricos possuem vastos e generosos programas de previdência social, com níveis de salário muito superiores aos praticados no Brasil. Esse é um dos fatores que fazem deles ricos e desenvolvidos. Há mais dinheiro circulando internamente. A política da muquiranagem que alguns círculos economicos defendem para o Brasil tem um fundamento ideológico reacionário, colonizado, injusto.

Explico. Primeiro porque ainda falta muito para o peso do funcionalismo no Brasil atingir o patamar dos países europeus mais liberais. Quanto mais a Grécia, que supostamente exagerou no estatismo. Em segundo lugar porque o Brasil, ao contrário da Grécia, tem uma população jovem e um potencial econômico extraordinário. A Grécia, país de topografia acidentada, com suas ilhas minúsculas, não tem agricultura, não tem minérios, não tem petróleo. Suas indústrias foram sugadas pelo ultra-moderno aspirador alemão, de um lado, e pelos modelos populares da Ásia, de outro.

Provado está que a previdência é uma das âncoras sociais mais importantes do país, e que o aposentado colabora fortemente para a estabilidade econômica. A aposentadoria, contudo, é baixa. Há espaço para ampliar os salários. Os urubus esquecem que esse dinheiro não é totalmente um gasto, porque ele volta para o governo multiplicado na forma de impostos e desenvolvimento. O aposentado compra, se diverte, ajuda a família.

O trabalhador brasileiro é sofrido, ganha pouco, sem falar nas terríveis privações por que passou na história recente. Se há perspectivas positivas para a economia brasileira, é justo que os aposentados, que viram seu poder aquisitivo despencar vergonhosamente nas últimas décadas, ganhem um pouquinho mais.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Ode aos professores....

Ode aos professores

Juremir Machado da Silva

 
Recebi esta pergunta: "Por que o senhor defende tanto os professores?". Achei, inicialmente, a pergunta estranha. Afinal, a resposta sempre me parecera óbvia. Depois, comecei a responder para mim mesmo. Embora seja impossível estabelecer objetivamente um ranking de profissões, eu acho o trabalho de professor o mais importante que existe, especialmente o de professor de ensino fundamental e médio, função que nunca exerci, embora tenha chegado a passar num concurso. Sei da importância dos médicos, dos engenheiros, dos padeiros, dos lixeiros e de tantos outros profissionais. Mesmo assim, considero que o professor é a base de tudo.

Por pensar assim, sempre vejo como injustos e até mesmo absurdos os salários pagos aos professores do ensino público. Não consigo aceitar que qualquer jogador de futebol ruim ganhe mais do que um professor. Esperamos dos professores que eles eduquem os nossos filhos, dando-lhes conhecimentos e valores. Depositamos enormes esperanças na atividade desses mestres de poucos recursos e muita perseverança. Cobramos muito. Pagamos pouco. A desculpa é sempre a mesma: os cofres públicos não comportam salários maiores para uma categoria tão numerosa. Essa explicação sempre me parece fácil, simplória, hipócrita e até canalha. É uma maneira de lavar as mãos. A culpa não é só dos governantes. É da sociedade. Por que não nos organizamos para pagar melhor os professores? Outro dia, na Rádio Guaíba, o senador Paulo Paim nos garantiu que não existe o rombo da Previdência Social. Autorizou-me a chamar de mentiroso quem afirme o contrário. Não perderei a oportunidade.

De minha parte, farei uma afirmação categórica: a sociedade brasileira pode pagar melhor seus professores. Não o faz por não os valorizar suficientemente. Volta e meia, ouço alguém atacar os professores dizendo algo assim: "Se não estão satisfeitos que mudem de profissão". Nunca ouço argumento semelhante aplicado aos grandes proprietários que pedem subsídios aos governos. Os professores viraram saco de pancada. Os governantes empurram com a barriga o eterno problema dos baixos salários. Por toda parte, vejo professores trabalhando duro e ganhando pouco. Ser professor é cada vez mais difícil e bonito. Hoje, além de saber passar informações, é preciso saber educar num ambiente de liberdade. Muita gente tem saudades dos castigos corporais e dos métodos medievais nas escolas. São os mesmos que sentem saudade da ditadura militar e que fecham os olhos para a tortura.

Imagino um leitor conservador dizendo-se que estou empilhando clichês ou fazendo demagogia. Num ano eleitoral, eu espero que algum candidato apresente um plano consistente para a educação. Teria meu voto. Toda hora alguém diz que só a educação muda um país. Para que a educação mude um país, no entanto, o país precisa mudar a sua educação. Um bom começo seria pagar melhor os professores. Eu não me importaria de pagar mais impostos para isso. Pagar impostos pode ser muito bom. Faz bem para a sociedade. Não há serviços sem impostos. Jamais.

Juremir Machado da Silva é jornalista e professor

* Artigo publicado no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre/RS, edição do dia 4 de maio de 2010

Política economica de Serra, para o Brasil...

O anti-Lula de Serra: sua verdadeira política econômica

Emir Sader no carta maior
 
Serra ficou furioso. Sua equipe econômica deu entrevista à agência Reuters e abriu o jogo, revelando o plano econômico real que, caso ganhasse o tucano, colocaria em prática, confirmando os principais neoliberais de Serra – os mesmos que orientaram seu governo em São Paulo. Serra esbravejou, esperneou, distribuiu broncas, ordenou que ninguém repercutisse nos partidos da imprensa. Mas já era tarde.

A primeira medida econômica de Serra seria um duro ajuste fiscal – como é típico dos governos neoliberais. Segundo revelado por dois membros da equipe econômica tucana, se promoveria a renegociação de contratos e o corte de despesas públicas – conforme o modelo do FMI. Esse seria o começo do “choque de gestão”, típico das gestões tucanas.
“Ele vai entrar com medidas fiscais e até renegociação de alguns contratos”, disse a fonte tucana.”As despesas da máquina pública estão sob um controle muito frouxo...”

Critica-se o aumento das despesas públicas, uma suposta queda na arrecadação e as desonerações feitas para resistir aos efeitos da crise mundial. Anuncia que estão vigilantes sobre a cotação do real frente ao dólar. O papel dos bancos públicos seria “relativizado”, de forma coerente com a privatização do Banespa, vendido ao banco espanhol Santander, assim como a colocação à venda da Nossa Caixa que, felizmente, foi resgatada pelo Banco do Brasil. Assim, São Paulo, o estado mais rico do país, não tem mais nenhum banco público, o candidato tucano preferiu liquidar o patrimônio para fazer estradas, que aparecem muito mais do que financiamentos subsidiados para casa própria, por exemplo, como faz o governo federal. “Relativizado” significa baixo perfil, Estado mínimo, conforme o receituário neoliberal, para que os bancos privados possam ser absolutizados, possam ocupar mais espaço ainda.

Diz o tucano, na entrevista a Reuters, que o fortalecimento dos bancos públicos contribuiria para “aumentar a pressão inflacionária, ao aquecer em demasia a atividade” (sic), preocupação prioritária dos neoliberais, que não aprendem com o governo Lula que se pode – e se deve – aumentar os salários e diminuir as taxas de juros que, em um marco de crescimento com distribuição de renda, não apresentam riscos inflacionários. “Não acho que os bancos públicos precisam ter uma política tão protagonista (sic) neste pós-crise”, afirma a fonte, de forma coerente.

“Uma atuação menos arrojada, inclusive, poderia ser um dos caminhos para evitar a alta das taxas de juros a fim de controlar a inflação e as expectativas de preços”, comenta Reuters, a partir da conversa com membros da equipe econômica tucana.

A equipe serrista considera exagerados os estímulos fiscais dados pelo governo Lula durante a crise. “Não precisava dar para toda a linha branca e depois para móveis...” Parece que seguem acreditando que o próprio mercado tem mecanismos próprios de reativação econômica.

Apostam pouco na concretização de reformas como a tributária, em que o interesse seria apenas o de desonerar investimentos e folha de pagamento, sem nada que apontasse para uma estrutura tributária em que “quem ganha mais, paga mais”, como seria socialmente justo.

Então, a surpresa que Serra esconde é similar à de Carlos Menem e à de Carlos Andrés Perez: um grande pacote de ajuste, escondido sob o disfarce de um “choque de gestão”, tão a gosto do neoliberalismo tucano.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A piada marketeira de Serra...

Serra como o "pós-Lula", ou o cinismo como marketing eleitoral

Mauricio Caleiro em seu Blog Cinema & outras Artes


A tentativa de José Serra de “vender-se” como o pós-Lula, elogiando publicamente e com frequência o atual presidente, embora não deixe de apresentar aspectos risíveis, põe em prática uma das operações de marketing político mais cínicas da história das eleições brasileiras.

Ofensiva ao eleitorado brasileiro - ao qual trata como um ignorante político e um desmemoriado - o oportunismo de Serra no episódio, demeritório para si próprio e para seu passado, equivale a uma desautorização pública de seu partido - que vive, há 8 anos, às turras com Lula.

Se tivéssemos uma imprensa de fato, com um mínimo de vergonha na cara, ela estaria hoje desmascarando essa farsa, com a arma do sarcasmo que tal fanfarrice demanda e com o amplo apoio dos arquivos e dos fatos, sejam estes bem recentes (quando o candidado tucano era governador de São Paulo) ou distantes (referentes ao longo antagonismo não só entre PT e PSDB, mas, incluindo embates eleitorais, entre as figuras de Lula e de Serra).

Porém, em relação a tamanha hipocrisia, os colunistas de política da “grande imprensa”, sempre tão moralistas, fiscalizadores das mínimas derrapadas verbais dos políticos com os quais seus patrões antipatizam – notadamente o presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff -, ostentam um silêncio tão sepulcral quanto epifânico.
Dois pesos, duas medidas

Compara-se a reação desses mercenários do jornalismo com a que tiveram quando o PT passou a flexibilizar suas alianças e orientação política - rumo a um neoliberalismo menos ortodoxo do que o então praticado pelo PSDB – para se ter uma idéia dos reais valores (ou dos valores em reais, como queiram) que regem suas opiniões. Não que a “lulilação de Serra” e a “neoliberalização do PT” sejam equivalentes: esta, sem deixar de ser eventualmente criticável, representa um processo de correção de rumo face às condições históricas vivenciado por um número significativo de partidos políticos (como as sociais-democracias européias e o trabalhismo inglês, para ficar em dois exemplos óbvios), enquanto a metamorfose de Serra em admirador de Lula pertence a outra ordem de coisas: a das farsas grotescas.

E não basta invocar a estratégia “Lulinha paz e amor”, proposta por Duda Mendonça e posta em prática pelo candidato petista em 2002, para autorizar a estratégia serrista de marketing, não só porque até isso o candidato tucano copia – por meio da tal da campanha da “meiguice” -, mas porque suavizar o discurso, como o hoje presidente fez, é bem diferente de negar não apenas o próprio passado mas o do partido ao qual é filiado, e passar a forçar a barra para uma identificação com o líder do partido opositor. Seria como se Lula tentasse fingir concordar com Fernando Henrique Cardoso em 2002 – o que nunca fez, até porque, com a popularidade que o ex-presidente tinha, seria um péssimo negócio.


"Última esperança branca"
Se quer ganhar a eleição, Serra não tem mesmo outra alternativa: identificar-se como o tucano que é significa evidenciar sua filiação ao legado de FHC, a quem o povo brasileiro detesta, por conta de seu governo anti-povo, privatista, recessivo, no qual o desemprego bateu recordes (atualmente continua a batê-los, mas em sentido inverso: o de março foi o menor da história desde que o índice começou a ser medido).

Não ter alternativas não é, no entanto, justificativa para a manutenção dessa pantomima ofensiva à democracia. A decência pede, com mais ênfase aos homens públicos, que assumam o seu passado e suas posições político-ideológicas, mesmo que à custa de eventuais sacrifícios eleitorais.


Olho vivo
Denunciar a farsa grotesca do Serra lulista deve ser a prioridade número um da candidatura de Dilma. Isso se também esta não se vir vítima do “tapetão” judiciário ao qual o PSDB tem sistematicamente apelado – e o qual pede redobrada atenção da sociedade civil quanto aos procedimentos da Justiça Eleitoral.

Pois, segundo os jornais de hoje, o programa de TV do PT pode, se o TSE acatar o entendimento da procuradora Sandra Cureau, não ir ao ar devido às acusações que fez ao governo FHC de “só ter governado para os ricos” (ué, cadê os defensores histéricos da liberdade de imprensa agora? sumiram?). Ora, se isso for suficiente para vetar o horário petista, a transformação de Serra em lulista desde criancinha serve com folga ao impedimento do horário tucano. Basta acessar os arquivos e rodar o VT.

As contradições do mundo capitalista...


A Cancún que ninguém vê fala 50 línguas 'proibidas' e não pode ir à praia

Indispensáveis para o funcionamento do turismo no balneário mexicano, centenas de milhares de pessoas vivem e trabalham em condições precárias, além de sofrerem discriminação racial
As águas azuladas de Cancún, cidade conhecida como a “pérola do Caribe”, permeiam o sonho de turistas do mundo todo. Principal destino do México, o município de cerca de 700 mil habitantes recebe mais de três milhões de turistas a cada ano – a grande maioria vinda dos Estados Unidos, seguidos por canadenses e espanhóis. A matéria foi feita pela jornalista Natalia Viana para o Opera Mundi

Os turistas são como a norte-americana Beverly Alston, de Nova Jersey, que vêm todo ano com a família para se hospedar em luxuosos resorts na região. “Amamos o México. Vamos voltar mais vezes”, diz ela ao embarcar em um cruzeiro acompanhada da filha e do marido. 
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Até a década de 1970, Cancún não passava de um vilarejo de pescadores com cerca de dois mil habitantes. Apostando no potencial do turismo internacional (70% dos turistas são estrangeiros), o governo implantou uma urbanização voltada para o turismo de luxo.


Não tão longe das praias paradisíacas vivem os habitantes - quase invisíveis - de Cancún


Abriram-se largas avenidas, seguindo o modelo norte-americano, abrindo espaço para as cadeias de hotéis – inicialmente o plano inicial era construir não mais do que 200, oferecendo cerca de 17 mil quartos. Hoje em dia, há mais de 32 mil quartos de hotel em Cancún, segundo dados da Prefeitura.

“Isso aqui é a Pequena Miami”, brinca o ativista Alejandro Eguiá Liz, diretor da ONG Tzol K’in, que trabalha com mexicanos que sofrem com os impactos do turismo. Ele aponta para a zona hoteleira: uma faixa de 17 quilômetros que margeia a praia com hotéis como Mariott e Hilton, além de resorts como “Casa de los Sueños Resort”, “Crown Paradise” e “Moon Palac”, cujos valores de diária podem chegar até cinco mil dólares. A zona hoteleira também oferece bares consagradas nos EUA, como Hard Rock Café e Hooters, boates e lojas de luxo como Armani, Cartier e Dolce & Gabanna. 
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Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Geografia do México, 67% dos turistas que chegaram à região em 2008 se hospedaram em hotéis cinco estrelas, e outros 14% em hotéis de quatro estrelas.

“Nós vivemos muito longe de Deus e muito perto dos EUA”, brinca Alejandro com a citação do ditador mexicano Porfirio Díaz, ao explicar que os habitantes não têm acesso às praias da cidade. “Cada hotel tem sua faixa de areia com serviço de bar e restaurante. As entradas, obrigatórias por lei, são de difícil acesso”.

O pedreiro Daniel Paz Gómez, de 27 anos, conta que, embora trabalhe construindo hotéis na beira da praia, raramente visita a orla. “Se entramos, os seguranças vêm atrás da gente”, conta ele, que é do interior da região de Chiapas, no sul.

Cancún é uma cidade de migrantes como Daniel. Atraídos pela promessa de melhor remuneração e gorjetas em dólar, pessoas de vários lugares ajudaram a formar o mais vertiginoso fluxo migratório interno do México. Estima-se que nada menos que 50 línguas nativas sejam faladas na cidade. Até hoje, Cancún ostenta um dos mais altos índices de crescimento urbano do país - 9% ao ano, segundo a prefeitura.

Mas essa diversidade cultural é escondida pelos hotéis, segundo Alejandro, que, antes de se dedicar ao terceiro setor, trabalhou como treinador de equipes em redes hoteleiras. “Os trabalhadores não podem falar espanhol entre eles, imagine suas línguas nativas”.

Passeando pela praia, os turistas canadenses Alana e Donny Smith confirmam que não tiveram que falar uma só palavra em espanhol desde que chegaram. “Os funcionários sempre se esforçam para falar inglês”, diz Donny. 
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Mas, para o carregador de malas Arturo Ek Rodríguez, o maior problema é mesmo o preconceito contra os indígenas, que habitam a região desde tempos pré-colombianos. “Tive de procurar muitos hotéis antes de conseguir este trabalho”, diz ele. “Disseram-me várias vezes que eu não tinha a altura adequada e que não tinha o perfil. Tinha de ter a pele mais branca e um biotipo mais europeu”, explica.

“Os funcionários são ensinados a ser servis e nunca reclamar”, diz Alejandro Eiguá. Uma terapeuta corporal que não quis se identificar contou à reportagem do Opera Mundi que foi demitida do resort onde trabalhava por tentar organizar as colegas de trabalho para reivindicar melhores condições. O sindicalista Salvador Reyes Trinidad, dirigente da Federação Revolucionária de Empregados e Trabalhadores, diz que muitos têm medo de se filiar aos sindicatos. “A pressão é muito forte porque os gerentes dizem que há muitos outros como você querendo o emprego”, conta.

Segundo ele, um dos grande problemas é o uso frequente de contratos temporários de 28 dias que, na prática, retiram quaisquer direitos do trabalhador. Segundo ele, grande parte dos trabalhadores como construtores, faxineiros e encanadores trabalham com esses contratos, renovados infinitas vezes. “No caso do setor gastronômico, os hotéis costumam contratar empresas terceirizadas, que não pagam a previdência e ficam mudando o empregado de hotel, evitando qualquer relação duradoura com os colegas e patrões”, diz.

Outro problema é relatado pela imigrante Rubí Argaez, que mora em uma das 300 favelas que se espalham pela periferia de Cancún – quase sempre escondidas atrás de grandes avenidas e terrenos baldios. “Eu vim com minhas duas filhas procurando uma vida melhor, mas o sonho não se realizou”, conta. Segundo ela, o trabalho em hotéis era desgastante demais porque frequentemente era obrigada a cumprir jornadas duplas ou triplas sem poder voltar para casa, nem reclamar. “Ficava com medo de deixar as meninas sozinhas”. 

Rubí Argaez, ao lado de uma das filhas, faz bicos na construção civil e como babá


A favela Colonia Maracuya, onde Rubí mora, fica a cerca de 20 minutos da zona hoteleira – mas parece um mundo à parte. Situada atrás de uma enorme loja de departamentos no extremo norte da cidade, a favela abriga cerca de 200 habitantes em precárias casas de madeira, sem abastecimento oficial de eletricidade, água ou esgoto.

Rubí, que ganha algum dinheiro fazendo bicos na indústria da construção ou como babá, conta que teve muitas dificuldades para que as filhas fossem admitidas em uma escola pública. “Não aceitavam minha declaração de que eu moro aqui na Colonia, já que eu não tenho um comprovante oficial”, diz ela.

A crise

A crise mundial chegou a Cancún de maneira violenta. Em 2008, o nível de desemprego subiu de 3% para 8%. Além do impacto na economia por conta da dependência econômica dos EUA – que levou o PIB mexicano a uma queda de 6,5% em 2009 – a gripe suína afastou ainda mais os turistas, deixando milhares de quartos de hotéis desocupados. Os mais afetados foram os trabalhadores do setor.

No município de Playa del Carmen, em uma praia ao lado da agitada rua Benito Juárez, dezenas de pedreiros ficam sentados desde as seis da manhã à espera de um possível empregador que ofereça trabalho por pelo menos um dia. Muitos carregam mochilas com ferramentas de trabalho. Normalmente, o pagamento é de 150 pesos (cerca de 20 reais) mas, nos últimos anos as condições têm sido cada vez piores.

“Tem pouco trabalho agora,” diz o pedreiro José Louis Bolaños. Nascido no interior, mas morando em Cancún há oito anos, ele comenta que muitos dos empregadores não pagam o dinheiro devido. “Esse cara aí não é de confiança”, explica, apontando para um homem que estaciona um furgão ao lado da praça e logo é cercado por uma dezena de candidatos ao trabalho. “Trabalhei com eles uma semana e depois ele desapareceu. Fiquei sem o dinheiro”. 
Para amenizar o impacto da crise, uma das estratégias usadas por agências de turismo e redes hoteleiras no balneário mexicano de Cancún tem sido apostar ainda mais nos pacotes com “tudo incluído” no preço. O visitante paga bem menos pelo voo, incluindo todas as refeições, estadia e diversão no próprio hotel. Dentro dos resorts, há restaurantes, boates, clínicas de massagem, salão de jogos e até shows exclusivos para os hóspedes.

“Parecem verdadeiras mini-cidades”, diz Astrid Cavazos, gerente do hotel Porto Royal. Ela admite que os comerciantes locais não podem competir, já que os preços oferecidos pelos pacotes são muito mais baixos.

O comerciante Rubén Cahán, dono de uma lojinha de lembranças a oito quarteirões dos resorts de Playa del Carmen, diz que muitos turistas nem chegam a sair do hotel, o que tem um sério impacto nos negócios. “Está cada vez mais difícil”, diz ele. “Alguns turistas falam que as lojinhas de nativos ficam muito longe”.
*Texto e fotos

Vazamento de petróleo do Golfo do México....

Catástrofe no Golfo do México serve de alerta

Por Matthew Berger, da IPS


 Enquanto uma enorme mancha de petróleo continua afetando a riqueza do Golfo do México, após a explosão há duas semanas de uma plataforma de extração, ambientalistas insistem em dizer que a catástrofe deveria servir de alerta para acabar com as perfurações no mar e para se afastar dos combustíveis fósseis. Alguns em Washington começam. Os Estados Unidos deveriam começar a dar passos para uma economia verde, afirmou o senador Robert Menendez, do governante Partido Democrata. “Agora todos deveríamos ter claro que a perfuração no mar não é muito segura, e nunca foi”, acrescentou.

Por sua vez, o diretor-executivo da organização ambientalista norte-americana Sierra Club, Michael Brune, comparou o vazamento de petróleo com uma “boca de fogo decapitada”. O “que não sei é quantas vezes precisamos ter esta conversa” sobre vazamento de petróleo em lugares como o Golfo do México, o Oceano Ártico e o Rio Amazonas, disse aos jornalistas. No dia 30 de abril, Brune afirmou que o vazamento marcou “o limite de nossa atração pelos combustíveis fósseis”.

Por sua vez, a diretora-executiva do grupo Environment America, Margie Alt, afirmou: “Temos de tomar isto como uma lição para passar a uma economia de energias limpas”. O petróleo começou a se espalhar quando a plataforma Deepwater Horizon, que a British Petroleum (BP) arrendou da firma Transocean, com sede na Suíça, explodiu no dia 20 de abril e afundou. Estima-se que agora o poço vaze cinco mil barris (de 159 litros) por dia nas águas do Golfo do México.

Até agora, os esforços para deter o vazamento têm sido em vão e é incerto se vai parar. É considerado o pior desastre ambiental e econômico para os Estados Unidos desde que o petroleiro Exxon Valdez sofreu um vazamento, em 1989, de quase 50 milhões de litros na Baía de Prince William Sound, no Alasca. Enquanto se redobra o esforço para deter a mancha de óleo, em Washington predomina um sentimento de traição.

“Há tempos a indústria petroleira nos disse que nada aconteceria, mas, lamentavelmente, aconteceu, e antes também, não apenas em nosso país, mas em todo o mundo”, disse Menendez. O senador se referiu repetidas vezes ao vazamento da plataforma de Montara, no Mar de Timor, entre Austrália e Timor Leste, que durou dez semanas no ano passado. O diretor-executivo da BP, Tony Hayward, disse à norte-americana National Public Radio que considera improvável que o desastre no Golfo do México chegue à mesma magnitude.

O vazamento tem impacto no debate público norte-americano. As perfurações petroleiras marítimas já eram um tema quente na política do país há alguns anos. Desde o aumento dos preços do gás no verão de 2008, crescem os apelos por uma economia verde, com maior uso de fontes renováveis de energia, como solar e eólica. Entretanto, líderes do opositor Partido Republicano, incluindo o ex-candidato presidencial John McCain, fizeram uma campanha a favor da extração de combustíveis fósseis sob o lema “Drill, baby, drill” (perfure, querida, perfure), disse o legislador. O que se tem agora é uma “bomba atômica ambiental”, ressaltou.

Ao menos um destacado político tirou uma lição do ocorrido no Golfo. O governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, decidiu suspender um plano com o qual pensava cobrir o déficit orçamentário de sua administração, vendendo autorizações para realizar extrações marítimas na costa da cidade de Santa Bárbara. O governador disse que as imagens do vazamento no Golfo foram um fator fundamental em sua decisão. Em 1969, Santa Bárbara já sofreu um vazamento, após a explosão de uma plataforma. Essa catástrofe originou um amplo movimento ambiental, o mesmo que agora se vê fortalecido pelo ocorrido no Golfo do México.

Impacto na legislação

O vazamento também pode afetar os atuais esforços para que o Senado aprove uma lei contra o aquecimento global. Esses esforços se baseavam em concessões a políticos conservadores mais inclinados a aceitar a nova lei. Uma dessas concessões foi ao anúncio feito pelo presidente Barack Obama no mês passado de que se levantaria a proibição de novas perfurações petroleiras em algumas áreas marítimas dos Estados Unidos.

Mas o anúncio não teve o efeito esperado. Pelo contrário, agora alguns senadores progressistas dizem que não aprovarão a lei se forem permitidas novas extrações. “A proposta do presidente já estava morta ao chegar”, disse o democrata Bill Nelson, do Estado da Flórida. “Se a perfuração marítima é parte da legislação sobre mudança climática, essa legislação não irá a parte alguma”, acrescentou.

Por sua vez, Menendez disse que havia outro tipo de concessão que poderia interessar aos conservadores sem apelar para perfurações, como construir novas usinas atômicas e incentivar pesquisas com “carvão limpo”.

(IPS/Envolverde)
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