José Clóvis de Azevedo: “Não é necessário mexer no plano de carreira do magistério”
Igor Natusch no Sul21
Nos últimos anos, a Secretaria de Educação transformou-se em uma das
maiores dores de cabeça do governo gaúcho. Com um número crescente de
aposentados, escolas em situação cada vez mais precária e clima de
guerra declarada com o sindicato da categoria (Cpers), a pasta é tão
problemática que mesmo partidos como o PDT, que tem na educação uma de
suas principais bandeiras, declinaram de indicar nomes durante a divisão
de secretarias entre a base aliada de Tarso Genro (PT). No fim das
contas, caberá a José Clóvis de Azevedo, identificado com a corrente
Democracia Socialista, desatar os nós que limitam as ações em um setor
fundamental para o futuro do Rio Grande do Sul.
José Clóvis de Azevedo tem uma trajetória significativa dentro da
educação gaúcha. Formado em História pela UFRGS, o professor foi
secretário-geral do Cpers e atuou como Secretário de Educação de Porto
Alegre, durante o governo de Raul Pont (PT). O pesquisador, que
atualmente exerce atividades no Centro Universitário Metodista IPA, teve
participação na elaboração do plano de governo do então candidato Tarso
Genro – e foi essa participação que motivou o convite para ocupar a
Secretaria de Educação no mandato que se inicia em 1º de janeiro de
2011.
Em conversa com o Sul21, o professor José Clóvis
discutiu abertamente várias das questões que fazem da pasta uma das mais
delicadas para o futuro governo. Falou sobre infraestrutura das
escolas, evasão escolar, capacitação profissional dos docentes, salários
e gratificações. Garantiu que não pensa em mexer no plano de carreira
do magistério, e deixou claro que não pretende usar gratificações ao
mérito, como o 14º salário aplicado por Eduardo Campos (PSB) em
Pernambuco. Disse que a escola precisa ser um ambiente integrado à
realidade cultural dos alunos, oferecendo a eles “carinho e acolhimento”
quando necessário. E manifestou o interesse de abrir conversações
imediatas com o Cpers, bem como de convocar concurso público ainda nos
primeiros meses de governo.
“Então, a dificuldade é a de pegar uma curva descendente, que vem de 30 anos pelo menos, e reverter esse sentido, transformando-a em uma curva ascendente.”
Sul21 – Muito foi dito, nos dias anteriores à confirmação de
seu nome, sobre como a Secretaria de Educação é uma pasta difícil,
minada pelo relacionamento conflituoso com o Cpers e cheia de problemas
na administração de recursos. Mais do que um desafio, ocupá-la seria a
quase certeza de virar vidraça. O senhor já formou uma opinião sobre as
dificuldades que envolvem administrar a educação no RS? Qual a sua visão
sobre o assunto, faltando poucos dias para a posse?
José Clóvis de Azevedo - De fato, é uma pasta
complexa. Nós tivemos, nos últimos 30 anos, um processo de
empobrecimento da rede, por falta de investimento. Isso nos levou a uma
crise generalizada. Não se fala muito em crise, é mais comum falar de
problemas específicos, mas eu acredito que vivemos uma crise. E essa
crise se manifesta em vários níveis, como na baixa autoestima entre os
professores, nas dificuldades vividas pelos alunos, nas escolas
fisicamente pauperizadas e mal cuidadas… Nós temos escolas com
bibliotecas fechadas porque têm vazamento de água, ginásios de esportes
fechados porque não apresentam condições de uso, refeitórios que não
funcionam, salas de aula bloqueadas… Infelizmente, esses casos não são
exceção, é um percentual significativo. Soma-se, então, um ambiente de
trabalho precarizado a uma situação de queda de poder aquisitivo dos
professores, de perdas salariais ao longo de trinta anos. O profissional
não sente que está tendo sua dignidade respeitada, e muitas vezes acaba
por não se sentir estimulado para realizar um trabalho de qualidade.
Temos a questão dos limites materiais e a questão do estado de espírito
também.
Então, a dificuldade é a de pegar uma curva descendente, que vem de
30 anos pelo menos, e reverter esse sentido, transformando-a em uma
curva ascendente. Mesmo que seja uma mudança gradativa, degrau por
degrau, essa é a nossa tarefa, de fazer um resgate geral da rede. Até
porque é difícil cuidar de tudo de uma vez. Não apenas pelo vulto das
obras que precisam ser feitas, mas também pelos próprios limites do
estado, de finanças, processos licitatórios e coisas assim. Não basta só
a nossa decisão, a vontade política de uma recuperação. Algumas
dificuldades estão fora da esfera da educação. O próprio aparelho de
estado, no RS, está muito prejudicado. Nós tivemos muitos governos com
essa concepção de estado mínimo, que não chega a desmontar o estado
propriamente, mas que não recupera as coisas na medida em que elas vão
se esgotando. Temos várias estruturas de suporte que estão
desaparelhadas e desestruturadas. Então, são desafios que estão
colocados, dos quais temos conhecimento, e faremos um grande esforço
para avançar na direção de soluções.
Sul21 – Nesse sentido, o noticiário informou nessa semana que
as “escolas de lata” adotadas no governo Yeda só serão plenamente
desativadas já em 2011. Isso provoca uma inevitável discussão sobre a
situação das instituições de ensino no RS. Como melhorar a
infraestrutura das escolas, não apenas nos imóveis em si, mas no
fornecimento de material para o dia-a-dia de alunos, professores e
funcionários?
JCA - Como eu disse, trabalharemos dentro de
limitações, mas queremos promover um mutirão em Porto Alegre e na Grande
Porto Alegre no sentido de melhorar a estrutura das escolas. Queremos
concentrar nossa atenção na recuperação física dos edifícios,
priorizando essa região, porque é onde os problemas são mais graves. Não
quer dizer que não haja problemas no interior, mas há uma concentração
maior aqui (na Grande Porto Alegre), por uma série de razões. Nas
cidades de tamanho pequeno e médio do interior, praticamente não existe
escola privada. Então, a escola pública é muito apreciada, tem um grande
valor junto a essas comunidades. O diretor é uma figura destacada, e a
própria escola é um espaço respeitado e até mesmo sustentado
materialmente, de forma que independe do governo estadual. Isso faz com
que as escolas do interior estejam, de modo geral, em melhor condição,
além de que a própria vida do professor é menos atribulada e
dispendiosa. Mesmo com um salário igual ao dos professores da capital,
eles acabam almoçando em casa, não tem tantos gastos com transporte, as
dificuldades não têm a mesma dimensão das que um assalariado do
magistério vive em Porto Alegre. Então, nós faremos essa concentração de
esforços para começar uma recuperação mais intensa das escolas da
Grande Porto Alegre, onde já detectamos que o problema é mais grave. É
claro que isso requer investimentos, requer um esforço de todo o
governo, não só da educação. Precisaremos de uma decisão política do
governador e do empenho de todos os órgãos – Fazenda, Administração,
Secretaria de Obras – para que esses objetivos se cumpram.
Sul21 – Haverá construção de novas escolas, para atender a demanda por vagas?
JCA – Na verdade, nós temos uma situação nova na
sociedade brasileira, que é a mudança do perfil etário de nossa
população. A população jovem está diminuindo. Em vinte anos, nós seremos
um dos países mais velhos do mundo. Então, isso muda também a demanda.
Em Porto Alegre, já temos algumas escolas estaduais, especialmente em
áreas centrais, que estão em condição de ociosidade, enquanto na
periferia há falta de escolas de ensino médio. No Brasil, nos
praticamente já resolvemos a questão do ensino fundamental. Não faltam
vagas (nessa faixa de ensino). O que temos de problemas, no ensino
fundamental, é relacionado com as famílias desses alunos, que vivem uma
situação social tão grave que as crianças acabam não indo ou não
permanecendo na escola. Isso tem melhorado com o Bolsa Família. A
carência maior, então, é no ensino médio. Ou seja, não temos grandes
problemas de espaço físico, de falta de escolas. A questão é melhorar os
espaços que já existem e, quem sabe, de criar um sistema de transporte
escolar, das periferias para o centro, onde estão concentradas as
escolas ociosas. Isso é uma coisa que não está definida ainda, mas é uma
possibilidade que estamos estudando: de ampliar as vagas de ensino
médio nas grandes escolas do centro, algumas delas já com uma grande
ociosidade, e trazermos as crianças da periferia para estudarem lá, com
subsídio de transporte. Sem ignorar, é claro, o ensino infantil, mesmo
que ele seja responsabilidade principal das prefeituras.
“… precisamos, (…) de um projeto de formação de professores, que coloque à disposição deles uma discussão teórica, uma formação atualizada, uma discussão das correntes pedagógicas, uma apropriação dos achados que a ciência tem hoje sobre o funcionamento da mente humana e os processos de aprendizado.”
Sul21 – Um ponto bastante importante no programa de governo
de Tarso Genro trata da necessidade de manter os alunos na escola,
incentivando o aprendizado e trazendo a realidade cultural do aluno para
a sala de aula. É um tema complexo. Como o senhor pretende abordá-lo?
JCA – Temos, nesse ponto, um grande desafio. Para
avançarmos, precisamos, antes de tudo, de um projeto de formação de
professores, que coloque à disposição deles uma discussão teórica, uma
formação atualizada, uma discussão das correntes pedagógicas, uma
apropriação dos achados que a ciência tem hoje sobre o funcionamento da
mente humana e os processos de aprendizado. Queremos fazer um convênio,
que o governador Tarso tem chamado de Pacto pela Educação, envolvendo
universidades públicas e comunitárias de todo o estado, para a formação
de professores. Não só daqueles que ainda não possuem ensino superior,
mas também dos que são formados, com a possibilidade de cursos de
pós-graduação e da segunda licenciatura. Também queremos trabalhar a
questão da formação permanente em serviço, atuando em cima das próprias
questões que surgem no dia-a-dia da escola. Desta forma, tu tens um
aporte das universidades para a discussão de como lidar com o
aprendizado em determinados casos ou situações mais desafiadoras.
Queremos uma grande mobilização que mude a cultura da escola,
reforçando, por exemplo, a compreensão de que a responsabilidade de
aprender não é só do aluno. É uma responsabilidade compartilhada por
aluno, família, professor e escola, como instituição.
Sul21 – A relação de alunos e professores é proposta de forma equivocada, então?
JCA – Eu acho que nós temos que ter muito claro que,
quando o aluno não aprende, o resultado do trabalho não está
acontecendo, o trabalho está sendo ineficiente. E aí não é questão de
culpar A ou B, e sim de assumirmos todas as dimensões de aprendizagem.
Quando a criança tem uma família socialmente desestruturada, por
exemplo, ela se encontra em uma situação de vulnerabilidade social.
Então, a responsabilidade maior é da escola, porque a criança só tem a
escola para atendê-la. A escola tem que assumir esse dever e fazer
alguma coisa por essa criança. Mas, para que isso seja possível, temos
que mudar essa cultura. Atualmente, a ideia dominante é de que, quando o
aluno não aprende, é porque ele não estudou, é um vagabundo, então o
problema é dele. Mas não: o aluno pode ser tudo isso, mas a primeira
responsabilidade continua sendo da escola. Porque a escola é a
instituição especializada em ensinar, e se ela não estar ensinando,
então o fracasso é dela. Se o aluno é irresponsável ou pouco estudioso,
pode ser porque a escola não encontrou os caminhos, não estimula, talvez
não tenha feito nenhum esforço de integração desta criança ou
adolescente com o processo educativo. Mas é algo que precisa ser
construído, o professor precisa de muito estudo para chegar até essa
compreensão.
“Muitas crianças não confiam na escola, outros nem sabem bem no que a escola pode ajudá-los. Não há, na casa deles, qualquer tipo de debate sobre o que é a escola, sobre a importância de educar.”
Sul21 – Ou seja, para que o aluno se sinta mais estimulado a
permanecer na escola, é necessário que o tratamento que ele recebe do
professor e da escola seja diferente do que tem sido.
JCA – Exatamente. E precisamos levar em conta outra
questão também. Quando eu era estudante, quem ia para escola eram os
filhos das classes mais altas, ou de famílias humildes que tinham que se
esforçar muito para que seus filhos pudessem frequentar as aulas. O
Julinho (Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre), por
exemplo, mesmo sendo uma escola pública, era onde estudavam os filhos da
elite gaúcha. A realidade, hoje, é outra – a escola se abriu,
democratizou-se o acesso ao ensino. Com a Constituição de 1988, a
educação passou a ser um direito, e não mais um privilégio. No momento
em que a educação passou a ser um direito, aquelas camadas sociais que
estavam historicamente alijadas do acesso à escola, passaram a ter
acesso. Mas a escola não foi preparada para recebê-las. A escola foi
estruturada para nós, de classe média, classe alta. Ela carrega os
nossos códigos, nossos discursos. Queremos impor nossos códigos a essas
pessoas (das classes mais baixas), e é isso que gera os conflitos.
Muitas crianças não confiam na escola, outros nem sabem bem no que a
escola pode ajudá-los. Não há, na casa deles, qualquer tipo de debate
sobre o que é a escola, sobre a importância de educar. Além disso,
costumamos avaliar as crianças pelo seu desempenho na matemática ou
português. E uma pessoa não é só isso, uma pessoa é um conjunto de
sensibilidades dos mais variados tipos. É sensibilidade linguística,
lógico-matemática, histórico-social, artística… Se você avalia apenas
matemática e português, pega apenas uma dimensão de todo esse espectro.
Sul21 – E como a escola pode ajudar a mudar essa situação social?
JCA – É uma questão delicada, porque a situação é
muito mais precária do que a gente pensa. Nós temos 90 milhões de pobres
no Brasil, e 40 milhões abaixo da linha da pobreza. As crianças que vêm
desse universo de 40 milhões chegam na escola com marcas de violência,
abuso sexual, alcoolismo, inexistência de figura paterna, moradia
precária… E a escola ainda não se deu conta disso, de que ela tem outra
população chegando até as instituições de ensino. É aí que entra a
educação popular, essa questão de compreender o contexto cultural e
absorver esse contexto no currículo. Construir uma linguagem a partir
desse conhecimento, que motive as crianças a permanecer na aula. E aí
precisa de outras coisas, precisa de carinho, de cuidado, de
acolhimento. Elas precisam ser conquistadas, até porque essas crianças
já são culturalmente violentas. Elas estão acostumadas a apanhar e a
bater, e o jeito que eles se tratam dentro da escola reflete essa
vivência. Então, tu tens que reverter isso, tens que ensinar a criança a
interagir, a usar um banheiro, tens que fazer demonstrações de carinho.
E essas crianças, quando tem acesso a um computador, por exemplo, em
dois dias já estão “bombando”, como se diz por aí. É um grande desafio,
que está ligado a oportunidades e qualidade de vida.
“Antigamente, quando um professor era contratado, era um contrato de 12 horas, em uma escola só. Agora, nós temos contratos de 12 ou 14 horas, com professores trabalhando em três ou quatro escolas diferentes.”
Sul21 – Outra questão preocupante é referente à falta de
professores. Muitas turmas acabam não tendo aulas de determinadas
matérias, por falta de quem possa ministrá-las. A defasagem que isso
provoca no aprendizado é indiscutível. Como encarar essa carência de
profissionais?
JCA - Isso não se resolve a curto prazo, mas temos
que iniciar a solução desses problemas. Temos que voltar a fazer
concurso para professores, que é algo que queremos encaminhar logo em
seguida à posse. Eu fui sindicalista até 1990 e, quando deixei as
atividades do sindicato, nós tínhamos uma situação trabalhista
estabilizada. Praticamente não tínhamos contratos na rede (de ensino),
eram contratos residuais. No entanto, eu chego agora na Secretaria de
Educação com quase 30 mil contratados, contando funcionários. Quase a
metade dos professores do RS são contratados, e com critérios que eu
considero muito problemáticos. Antigamente, quando um professor era
contratado, era um contrato de 12 horas, em uma escola só. Agora, nós
temos contratos de 12 ou 14 horas, com professores trabalhando em três
ou quatro escolas diferentes. Esses contratados acabam não tendo raízes
com a escola; eles vão lá dar suas aulas rapidamente e se retiram em
seguida. Nem eles conhecem a escola, nem a escola os conhece.
É claro que não estamos combatendo os contratados. Nós queremos criar
condições para que se faça concurso, que sejam aprovados e nomeados,
para regularizar sua situação. Então, nos já queremos anunciar, assim
que assumirmos, um concurso público para o mais breve possível. E também
estabelecer um banco de nomeados, para que não falte professores. Mas
nós também temos alguns problemas que vão além disso, como a falta de
professores formados em algumas áreas, em especial para matemática,
física e biologia. Esses programas de formação, dos quais queremos
lançar mão, devem ajudar a preencher com qualidade essas áreas
específicas. Essas coisas precisam de tempo para ser resolvidas. Não
estou aqui com um discurso escapista, e sim realista. Todos os esforços
que faremos serão para dar início a uma solução para problemas
estruturais do nosso ensino, que precisam de um esforço duradouro para
ser resolvidos.
Sul21 – Qual a sua opinião a respeito da meritocracia?
JCA – Sinceramente, eu não assumo essa pauta. A
minha pauta é essa que estou conversando contigo: como fazer para manter
a garantia permanente do aluno na escola, para melhorar a qualidade de
formação do professor, para atender essa população toda que entrou agora
na escola…
“Quando se fala em meritocracia em um sentido de valorizar o mérito, nós estamos de acordo. Agora, quando a meritocracia vem acompanhada do valor competição, prêmio ou castigo, aí não é nossa pauta.”
Sul21 – Mas trata-se de uma questão que foi muito discutida
durante a eleição. O governo de Pernambuco, que está na mão de um
partido aliado (Eduardo Campos, do PSB) e é citado como exemplo de
sucesso na administração da educação, adota um 14º salário como meio de
incentivar os professores a buscar metas mais altas em termos de ensino.
Como o governo Tarso vai lidar com essa questão?
JCA - O mérito nós temos que valorizar. Criar um
método de formação dos professores pelo qual ele possa melhorar sua
titulação, o que irá valorizá-lo no plano de carreira e qualificá-lo
para participação em novos projetos: isso tudo é valorizar o mérito. O
que nós não achamos interessante é estabelecer um processo de competição
entre os professores ou entre as escolas. Temos tantos problemas com
excluídos, e vamos criar outro mecanismo de exclusão, dentro das
próprias escolas? Porque perder, em uma competição dessas, acaba sendo
equivalente a uma exclusão. Quando se fala em meritocracia em um sentido
de valorizar o mérito, nós estamos de acordo. Agora, quando a
meritocracia vem acompanhada do valor competição, prêmio ou castigo, aí
não é nossa pauta.
Sul21 – E quanto ao plano de carreira do magistério? Vai haver alguma mudança? Isso vai ser discutido?
JCA – Não é necessário mexer no plano de carreira.
Mexer ou não mexer no plano de carreira, na verdade, está muito mais
ligado a uma questão ideológica do que uma necessidade. Existe uma
cultura muito forte, incutida pelo neoliberalismo, que acha que todos os
problemas se resolvem atacando o funcionalismo público. Eu penso que é o
contrário, ou seja, que nós temos é que melhorar o setor público,
aumentar sua autoconfiança. Os professores consideram seu plano de
carreira uma conquista histórica, é o pouco que eles têm. Não temos
necessidade de mexer no plano de carreira. Isso só poderia acontecer
quando outras coisas se resolvessem, e os próprios professores chegassem
à conclusão de que coisas poderiam ser mudadas ou melhoradas. Hoje,
quando se fala em mexer no plano de carreira, geralmente se quer achatar
os níveis. Eu até ouvi esses dias a governadora Yeda dizer algo do
tipo: “nós queremos pagar bem para quem ganha pouco, mas os que ganham
muito não querem deixar”. Na verdade, quem ganha “muito” no magistério
está na minha situação – e eu, que me aposentei depois de 35 anos no
ensino estadual, com pós-graduação e todas as produções possíveis,
recebo 3 mil reais. Eu sou a elite, e ganho esse valor como
aposentadoria. Então, não é o plano de carreira o problema. Geralmente,
se fala em plano de carreira no sentido de nivelar por baixo,
aumentando o salário para quem ganha 600 reais por mês para 1.500 reais,
por exemplo, mas achatando os salários de quem ganha mais. Claro que
esses professores (que ganham menos) merecem ganhar 1.500 reais ou até
mais, mas a verdade é que todos merecem melhores salários. Não vamos
entrar nesse debate com o magistério, não vamos mexer no plano. Queremos
outros resultados, que eles sejam protagonistas, junto conosco, das
melhoras no ensino, sem atacá-los.
“Acho que é possível conseguir uma melhora gradativa nos salários dos professores, mantendo o plano de carreira.”
Sul21 – Mas alguns especialistas argumentam que, do jeito que
está, o plano de carreira criará uma situação impossível de
administrar. Que, se os benefícios continuarem sendo incorporados ao
salário do professor aposentado, podemos chegar a um ponto onde será
impossível pagar a todos.
JCA – Eu acho que isso é uma falácia. Isso não é
verdadeiro. Acho que é possível conseguir uma melhora gradativa nos
salários dos professores, mantendo o plano de carreira. Claro que não
temos muita margem de manobra dentro do orçamento do estado. Penso que
vivemos um período de vinte anos de recessão, onde o estado teve graves
dificuldades para se financiar, além de políticas fiscais muito abertas,
privilegiando alguns grupos empresariais, o que também dificultou o
financiamento do estado. Mas hoje nós estamos vivendo em outra situação,
com a economia crescendo 7% ao ano e o RS crescendo acima do PIB
nacional. Evidente que isso reflete nos cofres públicos, no aumento da
capacidade de investimento do estado. Então, os 35% que o estado deve
destinar para a educação, que nunca foram de fato executados, passam a
ser um volume maior, graças à arrecadação. Isso não permite que se
resolva todos os problemas, mas nos leva a acreditar que podemos
reverter a curva.
Sul21 – A relação da entidade de classe dos professores
gaúchos (Cpers) e o governo estadual sempre teve conflitos, mas as
divergências se intensificaram nos últimos quatro anos. Restabelecer um
diálogo construtivo com o Cpers é visto como um dos maiores desafios do
governo Tarso. Como o senhor pretende conduzir as negociações com o
Cpers?
JCA – A primeira coisa que vamos fazer é estabelecer
uma mesa de negociação. Vamos dialogar com o Cpers em todos os níveis,
porque queremos o protagonismo do Cpers na construção do nosso modelo
pedagógico. Não queremos discutir só salário, queremos discutir questão
pedagógica, o plano de reforma das escolas, a política de formação de
professores… Queremos que eles digam o que pensam dessas coisas, e que
nos apresentem as suas demandas. Pretendemos ter um diálogo muito amplo
com a entidade de classe, e é claro que nenhum diálogo vai para frente
se ele não tiver concretude, se ele não remeter a coisas concretas.
Nenhum diálogo se sustenta em cima de promessas, queremos dialogar
sempre no sentido de concretizar coisas. Isso não quer dizer que não
haja conflitos. O sindicato tem suas demandas, a sua dinâmica, e o
estado tem a sua. Mas é importante deixar claro que não vamos sempre
valorizar o diálogo, em busca de soluções negociadas para as
divergências que surgirem.