sábado, 25 de dezembro de 2010

O natal de 30 anos atrás por Gabriel Garcia Marquez

Estas sinistras festas de Natal
Por Gabriel García Márquez via blog esquerdopata
Artigo escrito para o El País 30 anos atrás

Ninguém mais se lembra de Deus no Natal. Há tanto barulho de cornetas e de fogos de artifício, tantas grinaldas de fogos coloridos, tantos inocentes perus degolados e tantas angústias de dinheiro para se ficar bem acima dos recursos reais de que dispomos que a gente se pergunta se sobra algum tempo para alguém se dar conta de que uma bagunça dessas é para celebrar o aniversário de um menino que nasceu há 2 mil anos em uma manjedoura miserável, a pouca distância de onde havia nascido, uns mil anos antes, o rei Davi.

Cerca de 954 milhões de cristãos – quase 1 bilhão deles, portanto – acreditam que esse menino era Deus encarnado, mas muitos o celebram como se na verdade não acreditassem nisso. Celebram, além disso, muitos milhões que nunca acreditaram, mas que gostam de festas e muitos outros que estariam dispostos a virar o mundo de ponta cabeça para que ninguém continuasse acreditando. Seria interessante averiguar quantos deles acreditam também no fundo de sua alma que o Natal de agora é uma festa abominável e não se atrevem a dizê-lo por um preconceito que já não é religioso, mas social.

O mais grave de tudo é o desastre cultural que estas festas de Natal pervertidas estão causando na América Latina. Antes, quando tínhamos apenas costumes herdados da Espanha, os presépios domésticos eram prodígios de imaginação familiar. O menino Jesus era maior que o boi, as casinhas nas colinas eram maiores que a Virgem e ninguém se fixava em anacronismos: a paisagem de Belém era complementada com um trenzinho de arame, com um pato de pelúcia maior que um leão que nadava no espelho da sala ou com um guarda de trânsito que dirigia um rebanho de cordeiros em uma esquina de Jerusalém.

Por cima de tudo, se colocava uma estrela de papel dourado com uma lâmpada no centro e um raio de seda amarela que deveria indicar aos Reis Magos o caminho da salvação. O resultado era na realidade feio, mas se parecia conosco e claro que era melhor que tantos quadros primitivos mal copiados do alfandegário Rousseau.

A mistificação começou com o costume de que os brinquedos não fossem trazidos pelos Reis Magos – como acontece na Espanha, com toda razão –, mas pelo menino Jesus. As crianças dormíamos mais cedo para que os brinquedos nos chegassem logo e éramos felizes ouvindo as mentiras poéticas dos adultos.

No entanto, eu não tinha mais do que cinco anos quando alguém na minha casa decidiu que já era hora de me revelar a verdade. Foi uma desilusão não apenas porque eu acreditava de verdade que era o menino Jesus que trazia os brinquedos, mas também porque teria gostado de continuar acreditando. Além disso, por uma pura lógica de adulto, eu pensei então que os outros mistérios católicos eram inventados pelos pais para entreter aos filhos e fiquei no limbo.

Naquele dia – como diziam os professores jesuítas na escola primária –, eu perdi a inocência, pois descobri que as crianças tampouco eram trazidas pelas cegonhas desde Paris, que é algo que eu ainda gostaria de continuar acreditando para pensar mais no amor e menos na pílula.

Tudo isso mudou nos últimos 30 anos, mediante uma operação comercial de proporções mundiais que é, ao mesmo tempo, uma devastadora agressão cultural. O menino Jesus foi destronado pela Santa Claus dos gringos e dos ingleses, que é o mesmo Papai Noel dos franceses e aos que conhecemos de mais. Chegou-nos com o trenó levado por um alce e o saco carregado de brinquedos sob uma fantástica tempestade de neve.

Na verdade, este usurpador com nariz de cervejeiro é simplesmente o bom São Nicolau, um santo de quem eu gosto muito e porque é do meu avô o coronel, mas que não tem nada a ver com o Natal e menos ainda com a véspera de Natal tropical da América Latina.

Segundo a lenda nórdica, São Nicolau reconstruiu e reviveu a vários estudantes que haviam sido esquartejados por um urso na neve e por isso era proclamado o patrono das crianças. Mas sua festa é celebrada em 6 de dezembro, e não no dia 25. A lenda se tornou institucional nas províncias germânicas do Norte no final do século 18, junto à árvore dos brinquedos e a pouco mais de cem anos chegou à Grã-Bretanha e à França.

Em seguida, chegou aos Estados Unidos, e estes mandaram a lenda para a América Latina, com toda uma cultura de contrabando: a neve artificial, as velas coloridas, o peru recheado e estes quinze dias de consumismo frenético a que muito poucos nos atrevemos a escapar.

No entanto, talvez o mais sinistro destes Natais de consumo seja a estética miserável que trouxeram com elas: esses cartões postais indigentes, essas cordinhas de luzes coloridas, esses sinos de vidro, essas coroas de flores penduradas nas portas, essas músicas de idiotas que são traduções malfeitas do inglês e tantas outras gloriosas asneiras para as quais nem sequer valia a pena ter sido inventada a eletricidade.

Tudo isso em torno da festa mais espantosa do ano. Uma noite infernal em que as crianças não podem dormir com a casa cheia de bêbados que erram de porta buscando onde desaguar ou perseguindo a esposa de outro que acidentalmente teve a sorte de ficar dormido na sala.

Mentira: não é uma noite de paz e amor, mas o contrário. É a ocasião solene das pessoas de quem não gostamos. A oportunidade providencial de sair finalmente dos compromissos adiados porque indesejáveis: o convite ao pobre cego que ninguém convida, à prima Isabel que ficou viúva há 15 anos, à avó paralítica que ninguém se atreve a exibir.

É a alegria por decreto, o carinho por piedade, o momento de dar presente porque nos dão presentes e de chorar em público sem dar explicações. É a hora feliz de que os convidados bebam tudo o que sobrou do Natal anterior: o creme de menta, o licor de chocolate, o vinho passado.

Não é raro, como aconteceu frequentemente, que a festa acabe a tiros. Nem tampouco é raro que as crianças – vendo tantas coisas atrozes – terminem acreditando de verdade que o menino Jesus não nasceu em Belém, mas nos Estados Unidos.


Leia mais em: EsquerdoNews: Gabriel García Márquez e o natal made in USA

O machismo macabro dos jornais argentinos


Por Altamiro Borges em seu blog

O Observatório de Imprensa e Direitos Humanos da Universidade Nacional de Cuyo (UnCuyo) acaba de divulgar um estudo sobre a cobertura da mídia impressa da Argentina após o falecimento do ex-presidente Néstor Kirchner. A investigação cobre o período de 28 de outubro até 6 de novembro de 2010. A conclusão é que os dois principais jornais diários do país, Clarin e La Nación, continuam sua campanha sistemática e raivosa de ataques à presidenta Cristina Kirchner, abusando dos estereótipos machistas e apostando em iniciativas desestabilizadoras e golpistas.

Antes da morte de Néstor, estes diários insistiam na tese de que ele é quem mandava no governo argentino, que sua esposa era apenas uma marionete. Néstor era apresentado como um ditador populista, que controlava com mãos de ferro os destinos da nação. Após a morte e diante da forte comoção da sociedade, os dois jornais passaram a bajular o ex-presidente, responsável por tirar a Argentina da crise econômica imposta pelos governos neoliberais – com apoio desta mesma mídia. O alvo agora é Cristina Kirchner, apontada como incapaz de administar o país.

“Vazio de poder e orfandade”

O Observatório de Imprensa e Direitos Humanos da UnCuyo comprova, mediante uma investigação rigorosa, que o Clarín e La Nación firmaram uma espécie de aliança tática para construir as suas próprias imagens sobre o falecimento do ex-presidente, instaurando a sensação de “vazio do poder”, de “instabilidade” e de “quebra” de um modelo de país por uma suposta “incapacidade” da presidenta Cristina Kirchner. Ela não teria condições para seguir o “modelo vitorioso” do seu ex-marido. É muito cinismo e machismo para justificar o golpismo midiático.

“A sucessão Kirchner-Kirchner, que deveria ser celebrada há três anos, se transforma agora num duelo. O emocional e o institucional se entrelaçam e agregam azar a este processo”, escreveu o colunista de La Nación, Carlos Pagni, na mesma linha terrorista do editorial do jornal. Para ele, “o coração do poder está coberto hoje pelo sentimento de orfandade”. Em tom similar, o Clarín alerta sobre o “rumo incerto pelo desaparecimento físico de Néstor Kirchner”, que exercia “controle total” do governo e do Partido Justicialista. Ele também bate na tecla do “vazio de poder”.

Fantasma do caos político

Os dois jornais também tentam criar fantasmas sobre o perigo da instabilidade política no país. Néstor seria mais conciliador, já Cristina tenderia a ficar sob a influência de “grupos radicais”. O próprio velório do ex-presidente, que mobilizou milhões de pessoas, é apontado como prova deste “risco”. La Nación, por exemplo, criticou a presença de jovens e sindicalistas “radicais e violentos”. “Não devemos descartar que algum setor do oficialismo, talvez o mais jovem, convide Cristina a assumir o lugar do militante morto, encarregando-a de aprofundar suas batalhas”.

No mesmo rumo, o Clarín alerta: “Os jovens militantes que fizeram ouvir seus gritos de guerra no velório reforçam a suspeita que agita as águas já revoltas da política argentina: a de um ‘kirchnerismo recarregado’, que tome maior distância do judicialismo tradicional, reforçe os laços com os ‘movimentos sociais’ e ‘gire para a esquerda’. Cristina parece abonar esta hipótese, e não só com palavras, mas sim com a seleção de um círculo íntimo que é bem mais estreito que o de seu marido. Ela confirma a opinião de que Néstor era o mais pragmático e moderado da dupla e que sua ausência seria ocasião para que suas iniciativas contra a mídia independente e os interesses empresariais se ‘aprofundem’”.

Dilma que se cuide!

A linha editorial adotada pelos dois principais diários do país após o falecimento de Néstor Kirchner sinaliza que a mídia argentina, que apoiou o golpe e a sanguinária ditadura militar, reforçará sua ofensiva golpista contra Cristina. Ela apostará todas as suas fichas para desestabilizar o governo e para interferir na eleição presidencial do próximo ano. Para isso, não vacilará em utilizar os piores estereótipos machistas. Dilma Rousseff, no Brasil, que se cuide. A mídia brasileira, que também apoiou o golpe e a ditadura, tende a seguir a mesma linha editorial.

Os telegramas do Wikileaks, a mídia e o MST


Os jornais brasileiros divulgaram na semana passada referências ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) feitas em telegramas sigilosos enviados nos últimos anos por diplomatas estadunidenses no Brasil aos seus superiores em Washington e revelados pela rede Wikileaks. Algumas reflexões podem ser feitas a partir da leitura desse material.


Por Igor Fuser*no portal vermelho

1. A imprensa empresarial brasileira manteve nesse episódio sua habitual postura de hostilidade sistemática ao MST, apresentado sempre por um viés negativo, e sem direito a apresentar o seu ponto de vista. Para os jornais das grandes famílias que controlam a informação no país, como os Marinho e os Frias, o acesso a vazamentos da correspondência diplomática representou a chance de lançar um novo ataque à imagem do MST, sob o disfarce da objetividade jornalística. Afinal, para todos os efeitos, não seriam eles, os jornalistas, os responsáveis pelo conteúdo veiculado, e sim os autores dos telegramas.

Desrespeitou-se assim, mais uma vez, um princípio elementar da ética jornalística, que obriga os veículos de comunicação a conceder espaço a todas as partes envolvidas sempre que estão em jogo acusações ou temas controvertidos. Uma postura jornalística honesta, voltada para a busca da verdade, exigiria que O Globo, a Folha e o Estadão mobilizassem seus repórteres para investigar as acusações que diplomatas dos EUA no Brasil transmitiram aos seus superiores.

Em certos casos, nem seria necessário deslocar um repórter até o local dos fatos. Nem mesmo dar um telefonema ou sequer pesquisar os arquivos. Qualquer jornalista minimamente informado sobre os conflitos agrários está careca de saber que os assentados no Pontal do Paranapanema mencionados em um dos telegramas não possuem qualquer vínculo com o MST. Ou seja, os jornais que escreveram sobre o assunto estão perfeitamente informados de que o grupo ao qual um diplomata estadunidense atribui o aluguel de lotes de assentamento para o agronegócio não é o MST. O diplomata está enganado ou agiu de má fé. E os jornais foram desonestos ao omitirem essa informação essencial.

Esse é apenas um exemplo, revelador da postura antiética da imprensa em todo o episódio. Se os vazamentos do Wikileaks mencionassem algum grande empresário brasileiro, ele seria, evidentemente, consultado pela imprensa, antes da publicação, e sua versão ganharia grande destaque. Já com o MST os jornais deixam de lado qualquer consideração ética.

2. A cobertura da mídia ignora o que os telegramas revelam de mais relevante: a preocupação das autoridades estadunidenses com os movimentos sociais no Brasil (e, por extensão, na América Latina como um todo). Os diplomatas gringos se comportam, no Brasil do século XXI, do mesmo modo que os agentes coloniais do finado Império Britânico, sempre alertas perante o menor sinal de rebeldia dos “nativos” nos territórios sob o seu domínio.

Nas referidas mensagens, os funcionários se mostram muitos incomodados com a força dos movimentos sociais, e tratam de avaliar seus avanços e recuos, ainda que, muitas vezes, de forma equivocada. O “abril vermelho”, em especial, provoca uma reação de medo entre os agentes de Washington. Talvez por causa da cor... A pergunta é: por que tanta preocupação do império estadunidense com questões que, supostamente, deveriam interessar apenas aos brasileiros?

3. O fato é que o imperialismo estadunidense é, sim, uma parte envolvida nos conflitos agrários no Brasil. Essa constatação emerge, irrefutável, no telegrama que trata da ocupação de uma fazenda registrada em nome de proprietários estadunidenses em Unaí, Minas Gerais, em 2005. Pouco importa o tamanho da propriedade (70 mil hectares, segundo o embaixador, ou 44 mil, segundo o Incra). O fundamental é que está em curso uma ocupação silenciosa do território rural brasileiro por empresas estrangeiras. Milhões de hectares de terra fértil – segundo alguns cálculos, 3% do território nacional – já estão em mãos de estrangeiros. O empenho do embaixador John Danilovich no caso de Unaí sinaliza a importância desse tema.

4. Em todas as referências a atores sociais brasileiros, os telegramas deixam muito claro o alinhamento dos EUA com os interesses mais conservadores – os grandes fazendeiros, os grandes empresários dos municípios onde se instalam assentamentos, os juízes mais predispostos a assinarem as ordens de reintegração de posse.

5. Por fim, o material veiculado pelo Wikileaks fornece pistas sobre o alcance da atuação da embaixada e dos órgãos consulares dos EUA como órgãos de coleta de informações políticas. Evidentemente, essas informações fazem parte do dia-a-dia da atividade diplomática em qualquer lugar no mundo. Mas a história do século XX mostra que, quando se trata dos EUA, a diplomacia muitas vezes funciona apenas como uma fachada para a espionagem e a interferência em assuntos internos de outros países.

Aqui mesmo, no Brasil, fomos vítimas dessa postura com o envolvimento de agentes dos EUA (inclusive diplomatas) nos preparativos do golpe militar de 1964. À luz desses antecedentes, notícias como a de que o consulado estadunidense em São Paulo enviou um “assessor econômico” ao interior paulista para investigar a situação dos assentamentos de sem-terra constituem motivos de preocupação. Será essa a conduta correta de um diplomata estrangeiro em um país soberano?

*Igor Fuser é jornalista, professor na Faculdade Cásper Líbero, doutorando em Ciência Política na USP e autor do livro “Petróleo e Poder – O Envolvimento Militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico” (Editora Unesp, 2008).

Fonte: MST

1920 (25/12)- Nasce o Partido Comunista Francês

 Max Altman no OperaMundi

O XVIII Congresso do partido socialista abre em 25 de dezembro de 1920 suas portas na cidade de Tours. A importante reunião se estenderia até 30 de dezembro debaixo de intensos confrontos de opinião. A maioria dos membros da SFIO (Section française de l'Internationale Ouvrière – Seção Francesa da Internacional Operária) se mostrou favorável a uma adesão à III Internacional e decide então criar a SFIC (Section française de l'Internationale communiste – Seção Francesa da Internacional Comunista).

Wikicommons

Sede do Partido Comunista Francês, projetada pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer

Durante o verão daquele ano, já tinha aceitado as 21 condições de adesão apresentadas por Vladimir Lenin. Os instigadores do movimento, a facção à esquerda, Boris Souvarine e Fernand Loriot e a facção mais moderada de Marcel Cachin e Ludovic Frossard, obtêm três quartos dos votos e aceitam desse modo alinhar sua política àquela decidida em Moscou pelo Partido Comunista Bolchevique. Marcel Sembat, Léon Blum e Albert Thomas, no entanto, recusam-se a ceder. Eis a razão por quê a SFIO se cinde entre uma maioria comunista e a minoria restante, que daria seguimento ao Partido Socialista SFIO.

Após os primeiros movimentos de unificação da esquerda francesa em 1901, o Partido Socialista Francês e o Partido Socialista da França se unem em 26 de abril de 1905 para formar a SFIO. Este novo agrupamento, que começou a operar a partir do Congresso de Globe, permite aos marxistas representados por Jules Guesde e aos reformistas como Jean Jaurès de fazer uma frente comum. Divididos depois do Congresso de Tours, que assiste ao nascimento do Partido Comunista Francês, a SFIO seria marcada visivelmente pelas personalidades de Jean Jaurès e de Léon Blum. Teria sua denominação mudada para Partido Socialista somente em 1969.

Quando a Europa inteira acabava de decretar a mobilização geral diante do espectro do início da Primeira Guerra Mundial, o líder do Partido Socialista, Jean Jaurès, é assassinado em 31 de julho de 1934 por Raoul Villain no cefé du Croissant, rua Montmartre, em Paris. A França mergulha em comoção: a única personalidade política capaz de impedir a guerra havia desaparecido.

Leia mais:
1899 - Presidente da França morre nos braços da amante
1917 - Lenin volta do exílio para organizar a Revolução Russa
1919 - Organização Internacional do Trabalho é fundada em Paris
Hoje na História: 1960 - Vietnã do Norte cria a Frente Nacional de Libertação
Hoje na História: 1914 - Líder socialista francês Jean Jaures é assassinado em Paris

As cinzas de Jaurès seriam transferidas ao Panthéon em 1924 e seu assassino, que havia sido julgado e absolvido em 1919, se exilaria na Espanha onde seria fuzilado pelos republicanos em 1936. Léon Blum, por seu lado, seria guindado a primeiro ministro em 1936 à testa da Frente Popular que se havia formado entre socialistas, comunistas e radicais.

O Partido Comunista Francês foi fundado em 1920 por aqueles que na SFIO defendiam a Revolução de Outubro na Rússia e se opuseram à participação na Primeira Guerra Mundial. Com efeito, as tensões dentro da SFIO tinham vindo à tona em 1914 com o começo das hostilidades. Naquela altura a maioria dos membros da direção da SFIO, que os da ala esquerda chamavam de ‘social-chauvinistas’, alinhou-se na sustentação do esforço francês na guerra.

O partido recentemente criado, rebatizado mais tarde Partido Comunista Francês com 120 mil membros era três vezes maior do que a SFIO. Ho Chi Minh, que criaria Viet Minh em 1941 e declara então a independência de Vietnã, era um dos membros fundadores.

O PCF logo entraria em crise tendo expulsado um dos seus líderes, Boris Souvarine e perdido influência já no final dos anos 1920. Apesar disso conseguiu atrair vários intelectuais e artistas de renome, como André Breton, Henri Lefebvre, Paul Eluard, Louis Aragon, entre outros.

Capitalismo, do fim da história para a estória do fim






251210_pt_capitalismo_senilA Comuna - [João Dias] 

Das imensas confusões que se criam, propositadamente por uns e despropositadamente por outros, é que economia e capitalismo são uma espécie de sinónimos.
Sem patrões não há empresas, sem empresas não há emprego, sem emprego não há salário...este é um raciocínio lógico, contudo não é necessariamente verdadeiro se tivermos em conta a pluralidade da economia.
Assim, comece-se por desvincular estas duas realidades, capitalismo é uma teoria ideológica de organização económica, economia é a pluralidade de formas de organização social do trabalho e da propriedade. Esta confusão está latente quando se diz que a economia evoluiu da economia política para uma versão pós-moderna “limpa” e que subsiste enquanto ciência empírica positivista. Nada mais errado, qualquer cariz mais positivista do actual modelo obrigaria a revisões profundas perante a crise que eclodiu em 2008. No entanto, assistimos a uma continuação agressiva (em crescendo) das mesmas políticas que nos trouxeram até aqui.
Não está aqui a defesa do regresso à economia política, está antes a constatação de nunca existiu outra economia que não a política. Se os patrões exploram assalariados é porque uma determinada visão política assim o quis, não há nenhuma ordem natural que obrigatoriamente nos direccione para esse modelo verticalizado de relação produtiva. As necessidades sociais de consumo, essas sim, são naturais. Não produzimos porque sim, produzimos porque precisamos e deveríamos produzir aquilo que precisamos na medida das nossas necessidades.
Logo aí, o capitalismo quebra o “elo embrionário” da necessidade social de produção, é que ele produz (para) uma sociedade desigual, produz em demasia para poucos e produz em consonância com apetites irracionais mercantis não estando direccionado para a realização das necessidades sociais objectivas. Não é preciso ser muito elaborado nesta constatação, basta pensarmos nas assimetrias sociais que ditam que haja quem possa fazer colecção de carros de alta cilindrada e quem tenha de se sujeitar a trabalho escravo para alimentar a si e aos seus dependentes. Esta é primeira diferença que nos aponta para as soluções à esquerda, é a visão heterodoxa da sociedade, uma visão política que vê as desigualdades e procura soluções. O capitalismo não permite a evolução, a libertação da sociedade, porque para esta teoria ideológica a desigualdade é condição natural e motor da economia ao passo que para as teorias de esquerda essa é a principal falha e indicator de fracasso de um modelo económico.
Mas se capitalismo não é economia, o capitalismo também está contra a economia. Todas as teses ditas consensuais da vulgata económica são atropeladas pelos próprios que as proclamam em horário nobre sem contraditório. Nenhum economista “da praça” dirá abertamente que é objectivo criar desemprego, pelo contrário, contudo assistimos à pressão da economia de casino* para flexibilizar os despedimentos. Fala-se em lei de oferta-procura mas os juros de dívida pública continuavam a disparar apesar da oferta por parte dos credores ter sido o dobro da solicitada pelo Estado português (se há muita oferta de crédito em relação à necessidade/procura de crédito, os juros teriam de baixar ou ser baixos). A produtividade será a solução de todos os males mas assistimos a um deslocamento massivo de investimentos para sectores não produtivos (finança) e os salários não acompanham o crescimento da produtividade (mais uma vez transfere-se do trabalho para o capital). Diz-se que vivemos num regime de meritocracia mas se nas empresas públicas temos nomeações políticas para altos cargos, nas privadas temos uma monarquia de longa data e desenvolvemos relações laborais com base em relações parasitárias de propriedade**.
Para aqueles que advogavam o capitalismo como o fim da história é melhor começarem a pensar na estória do seu fim, porque o futuro será escrito pelos que lutam pela liberdade, pela emancipação dos povos. Não é de futurologia que falo, simplesmente com capitalismo não há futuro. À esquerda cabe encurtar o período de transição entre capitalismo e democracia económica, não ficando de braços cruzados à espera que a degradação siga o seu curso, até porque os ciclos económicos criam a ilusão que tudo vai mudar quando no longo prazo caminhamos para degradação das condições de quem trabalha.


* Economia de casino define bem a visão política de Cavaco, é de dentro de um casino que este diz aos portugueses que se devem envergonhar pela pobreza. Esta é a mesma pessoa que defende os mercados financeiros que atacam Portugal e que ataca os Açores por não cortar nos salários da função pública. De facto terão de ser os portugueses a envergonhar-se, porque o actual Presidente da Répública não tem mesmo vergonha.
** As relações de trabalho que desenvolvemos com base na propriedade fazem lembrar a criança que levava a bola para jogar com os colegas mas que vendo que o jogo não lhe corria de feição ditava as regras à medida da sua conveniência e se, mesmo assim, a coisa não se compunha ao seu jeito, levava a bola para casa e deixava os colegas sem bola para jogar. Qualquer semelhança com leis laborais e deslocalizações é da pura responsabilidade de 36 anos de governação à direita.

Lula, um operário em construção...



quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Vaccarezza apresenta PL redigido por lobbista da Monsanto

do blog Conexão Brasília Maranhão

Houve um tempo em que a missão maior do PT no parlamento era servir de ponte entre as demandas populares e o poder público. O lema era algo como “um pé na rua, outro no parlamento”.
Hoje, boa parte — eu arrisco dizer que até a maioria — dos parlamentares do Partido dos Trabalhadores ainda se guia por este princípio, embora as contradições sejam muitas.
Por isso espanta muito que um parlamentar petista — e não um deputado qualquer, mas um dos principais nomes do partido — seja usado como porta-voz de uma das empresas mais condenadas judicialmente e combatidas pela sociedade civil no mundo.
Pois a Monsanto — que tem até diretoria de direitos humanos, acredite se quiser! — usou seu lobby para tentar aprovar, através de um PL do deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP), o uso das sementes “Terminator” no Brasil.
Óbvio que Vaccarezza nega, mas o nome de uma advogada da Monsanto consta como autora do documento em PDF do PL que ele apresentou com proposta que favorece diretamente a multinacional. Ou seja, a naturalidade da relação é tão grande que ninguém se preocupou em corrigir o erro, evitando que se constatasse que o arquivo saiu do computador da advogada da Monsanto.
Por conta de sua proximidade com os ruralistas, Vaccarezza foi alvo de protesto do Greeenpeace na Câmara, há poucos dias.
As sementes “Terminator”, também chamadas de “suicidas”, não se reproduzem mais de ume vez e, na prática, tornam o agricultor escravo da Monsanto, de forma ainda mais aguda do que ocorre com as sementes transgênicas tradicionais e os herbicidas equivalentes. Mais informações sobre a Terminator: www.aspta.org.br

Para saber mais sobre as condenações judiciaisi por conta de práticas muito “éticas” e “socialmente responsáveis” da  Monsanto, assista ao excelente documentário “O mundo segundo a Monsanto”http://www.mefeedia.com/watch/26253257

Leia a matéria do Congresso em Foco que explica em detalhes o caso.

O Jejum durante o mês de Ramadã (Saum)

Do sitio Arabesq
O quarto pilar do Islã (arkan al-Islam), o Jejum (Saum) no mês de Ramadã (o nono mês do calendário lunar islâmico), foi inicialmente um ato voluntário de abnegação mas tornou-se uma obrigação para a prática do islamismo como citado no (C:2 V:185) do alcorão sagrado.
Neste mês, do nascer ao por do sol, o muçulmano se abstém de comer, beber, fumar e praticar atos sexuais. Todo muçulmano adulto tem que praticar este dever, com exceção de mulheres grávidas ou amamentando, doentes, viajantes e trabalhadores em trabalho pesado (Ex.construção). Esses podem compensar de outras formas ou realizar o jejum em outro momento mais apropriado. Portanto o jejum é obrigatório desde que não represente perigo à vida do muçulmano.
O jejum é um modo de autodisciplina física para uma purificação interna e um agradecimento a Deus pelas conquistas na vida. Durante o mês de Ramadã, os muçulmanos são unidos pelo jejum e tendem a se aproximar do seu semelhante e de seus familiares que se reúnem diariamente para o desjejum.  Ramadã é um período de renovação da fé, da prática mais intensa da caridade, e vivência profunda da fraternidade e dos valores da vida familiar. Neste período pede-se ao fiel maior proximidade dos valores sagrados, leitura mais assídua do Alcorão, freqüência à mesquita, correção pessoal e autodomínio. Além das cinco orações diárias (salá), durante este mês sagrado recita-se uma oração especial chamada Taraweeh (oração noturna).
De acordo com ditos do profeta Maomé (Muhammad S.A.A.S.), Deus considera o jejum como o melhor das orações, porque só ele e o praticante é que sabem sobre a sua veracidade.
A 27ª noite de Ramadã chamada de “Noite do Destino” (Laylat al-qadr) é muito importante pois nela o profeta Maomé (Muhammad S.A.A.S.) recebeu a primeira revelação divina. A data é especialmente comemorada com grandes festividades religiosas e familiares e doações de presentes e alimentos aos pobres.

Su-Hoor

Para suportar o jejum de comida e bebida durante o dia, antes da alvorada, o muçulmano realiza uma refeição chamada (su-hoor) que substitui o café da manhã. Em muitas cidades árabes ainda é possível presenciar a tradição do (Messaher) um homem cuja função é andar pelas vilas e ruelas dos bairros batendo em um pequeno tambor e gritando ou cantando para acordar os fieis para o SuHoor.

Iftar (Desjejum)

Ao término de cada dia, o jejum é finalizado com uma oração e uma refeição especial tomada em conjunto, chamada iftar (árabe: إفطار). O iftar é o momento para reunir os membros da família e os seus amigos numa celebração de fé e de alegria. Após esta refeição, é prática social sair com a família para visitar amigos e familiares.
Muitos praticantes de outras religiões são convidados a partilhar este momento de convívio e é cada vez mais freqüente que cristãos ofereçam e celebrem um iftar para os seus amigos muçulmanos. O iftar é um momento também disputado pelos canais de TV que produzem e exibem o melhor de seu conteúdo no período para aproveitar a presença de todos os membros da família à mesa, normalmente de frente para a TV para acompanhar o (Adan) que informa ao muçulmano que já pode desjejuar. O mês do Ramadã é o mês objetivado pelos produtores de telenovelas que guardam as superproduções para ser exibidas no decorrer desse mês.

EId al Fitr

Ocorre quando a lua nova é avistada no céu no fim do mês de Ramadã, isto quer dizer que o mês de Shawwal inicia-se, dando fim ao mês de Ramadan. No primeiro dia deste novo mês, ocorrem feriados de 3 dias consecutivos. Nesse feriado é praticada a distribuição de alimentos e presentes para os pobres e familiares, especialmente as crianças são presenteadas com roupas novas e brinquedos. O simbolismo religioso e festivo da data pode ser comparado ao Natal do cristianismo. Em muitas cidades islâmicas grandes celebrações são realizadas para o EId al Fitr.

Voz do Brasil e regulamentação da mídia


Na contra-mão dos esforços para a regulamentação, nota-se um incoerente silêncio do movimento de democracia na mídia em relação a uma iniciativa da ABERT e dos magnatas da mídia para flexibilizar a transmissão do mais antigo programa do rádio brasileiro ainda no ar, a Voz do Brasil. O programa surge de um esforço de regulação do estado sobre o campo informativo, na Era Vargas, levando informações relevantes para um público estimado em cerca de 80 milhões de ouvintes que, sem a VB, não possui praticamente outra via para ter acesso a informações sobre a atividade dos poderes públicos. O artigo é de Beto Almeida.

A regulamentação da mídia passou a fazer parte, com justiça, da agenda de debates políticos da sociedade brasileira. Após a Confecom, onde a proposta ficou entre as teses aprovadas, agora foi o próprio Governo Federal, por ação do Ministro Franklin Martins, da Secom, que, corajosamente, assumiu uma posição clara e inequívoca pela regulamentação de tal forma combater o verdadeiro exercício de tirania midiática no Brasil, um de seus maiores déficits democráticos.

Na contra-mão dos esforços para a regulamentação, nota-se um incoerente silêncio do movimento de democracia na mídia em relação a uma iniciativa da ABERT e dos magnatas da mídia para flexibilizar a transmissão do mais antigo programa do rádio brasileiro ainda no ar, a Voz do Brasil. O programa surge de um esforço de regulação do estado sobre o campo informativo, na Era Vargas, levando informações relevantes para um público estimado em cerca de 80 milhões de ouvintes que, sem a VB, não possui praticamente outra via para ter acesso a informações sobre a atividade dos poderes públicos.

Vencedor de vários prêmios de jornalismo, reconhecido como canal de acesso a informações precisas e objetivas sobre o Estado, o Governo e a Cidadania, a Voz do Brasil, se flexibilizada, resultará numa menor presença do público na vida dos brasileiros que vivem nos grotões do campo e da cidade, e que são praticamente proibidos da leitura de jornal ou revista. Menos informação sobre verbas para a saúde, sobre políticas públicas para a agricultura, a reforma agrária, a pesca, o meio-ambiente, os transportes, educação no campo etc. Por quê o silêncio?

Sem a Voz, crescerá o déficit democrático, o tempo de programação de qualidade duvidosa, que é o caracteriza grande parte do rádio no Brasil. Os que acusam o Voz do Brasil de ser “chapa-branca”, calam-se diante do fato de que o rádio comercial, predominante hoje, pode ser apresentado precisamente como “rádio chapa-mercado”. O curioso, pela incoerência que estampa, é que ao lado dos grandes empresários de mídia que patrocinam a flexibilização da Voz do Brasil - com o claro intuito de torná-lo sem audiência, facilitando sua extinção - encontram-se alinhados alguns atores do movimento de democratização da mídia.

Junto ao silêncio destes movimentos, que jamais apresentaram proposta para renovação e aperfeiçoamento do VB, há uma estranha atitude da Fenaj que mesmo tendo aprovado em seu recente Congresso a defesa da Voz, manteve a resolução na gaveta. Silêncio da Fenaj, dos sindicatos de jornalistas, dos movimentos sociais diante do risco da Voz. A Abert comemora esta paralisia de quem tanto fala em regulamentação.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

As previsões de fim de ano e o futuro da internet


Desde os tempos imemoriais, sempre houve a resistência do poder à democratização da informação. Uma das teorias mais alucinadas, e que ainda ocupa alguns especialistas ociosos, é a de que Mozart foi assassinado por conta de segredos maçônicos que ele teria deixado transparecer na sua ópera "A Flauta Mágica".

As previsões de fim de ano, por serem as cartomantes e profetas mais afeitos aos sortilégios do que à tecnologia, talvez devessem incluir um ou outro palpite quanto ao futuro da internet. O Departamento de Estado americano acaba de decretar a proibição de qualquer funcionário ou candidato a cargos no governo, de ler os documentos do WikiLeaks. É uma determinação que supõe a espionagem ou, máxime, um levantamento acurado dos subentendidos em qualquer texto para concursos a cargos públicos. Como ficará a questão da censura, e a liberdade de expressão deveria preocupar os defensores das direitos civis, não apenas os quase todos que consideramos os EUA "a maior democracia do mundo".

Eric Hobsbawm, historiador inglês ainda vivo, logo que o neoliberalismo se impôs ao Ocidente como uma das conseqüências do fim do socialismo na URSS, augurou que os direitos trabalhistas estariam com seus dias contados. Não exagerou muito, já que todas as soluções para as crises na Europa e na Ásia estão a supor a diminuição dos salários e a "flexibilização das leis trabalhistas". Ademais, a censura não parece estranha nem mesmo a instituições de arte, como a Bienal de São Paulo. Por razões que o bom senso não nega, mas que a democracia não aceita, na feira de artes mais libertária que existe no País, uma moça que no ano retrasado pichou uma parede vazia da Bienal, pegou três meses de cadeia. Fica claro que o poder do mundo já não vê a democracia como um valor permanente ou absoluto. Há ameaças bem mais que previsíveis, a espreitar as diferenças.

Mas qual a importância da internet? Talvez na aparente liberdade que ela concede a quem quer que tenha um computador e a acesse. E que, em teoria, pode ter à mão todo o mundo do saber - da história, aos mais requintados cálculos matemáticos, além das informações sobre as fofocas entre diplomatas do mundo - incluindo-se os dos EUA. As previsões de fim de ano deveriam, por isso, incluir uma pitonisa da informática: ela nos contaria de que forma os filmes de ficção que previram um governo mundial a ditar o que podemos ou não ler, ou acreditar - se realizarão num contexto de controle virtual, da internet.

Desde os tempos imemoriais, sempre houve a resistência do poder à democratização da informação. Uma das teorias mais alucinadas, e que ainda ocupa alguns especialistas ociosos, é a de que Mozart foi assassinado por conta de segredos maçônicos que ele teria deixado transparecer na sua ópera "A Flauta Mágica". A peça, de fato, tem a ver com alguns ritos maçônicos aos quais o músico tinha acesso por ser membro da tal sociedade secreta. Mas se quase ninguém, de sã consciência, leva a sério tal possibilidade. A Igreja Católica, por sua vez, jamais discutiu que seu "Index Librorum Proihibitorum" (índice dos livros proibidos) deveu-se à invenção da imprensa por Guttenberg.

Na medida em que a alfabetização se tornasse universal, censurar livros ou proibi-los aos católicos, seria a única maneira de manter intacta a visão vaticana do mundo. É infindável o número de livros que há séculos fazem uma das mais interessantes bibliotecas de quantas existem em qualquer país . É a que o Vaticano recolheu por séculos a fio, e que derrisoriamente recebia a denominação de "inferno" pelo próprio clero. Eram livros considerados heréticos, facultados apenas a teólogos e exegetas altamente confiáveis. Dela, entre milhares de livros constavam (e ainda constam, já que não se sabe que tenha sido desmobilizada) o indefectível "O Príncipe", de Maquiavel, mas também algumas obras-primas da literatura como a "Utopia" de Thomas Morus. Apesar de canonizado, o Vaticano nunca perdoou ao intelectual inglês, morto por Henrique VIII, ter inventado uma sociedade ideal sem a propriedade privada, destituída da luta de classes, e onde o coletivo se sobrepunha aos interesses individuais.

Pode-se discutir as razões da Igreja - e ela as têm além da censura- mas o fundamental era o acesso irrestrito aos livros: eles revelavam, por exemplo, como na "Religiosa", de Diderot, que os conventos não eram só rezas, ou auto-flagelação. Podiam, inclusive, eventualmente, ser depositários de moças para o deleite de reis e nobres, como foram, em certa época, principalmente para a aristocracia de Portugal. Não se deu por um descuido, enfim, que um católico fervoroso como o ex-ditador português Antônio de Oliveira Salazar defendesse o analfabetismo quase como programa de governo: os livros, no fundo, não ensinariam nada de útil aos cidadãos de seu país. Entre a difusão do pecado pelos livros, e a salvação da alma pela ignorância, o grande defensor do catolicismo preferia interditar a seus compatriotas "Os Maias", de Eça de Queirós, "Eurico, o Presbítero", de Alexandre Herculano, mas também "Os Lusíadas", de Camões.

No caso da Internet, pouco a conjeturar. No próximo ano, todo o aparato do poder, que inclui parte da grande imprensa - principalmente essa - terá certamente de se ver, mais que nunca, com a amplidão ilimitada da internet. Há que se prever o que será o futuro também aqui. Ao que tudo indica, o WiliLeaks, é apenas um começo de conversa. Por outro lado, a bola de cristal, ou o Anjo anunciador que levou a Igreja a inventar seu "Index", muito provavelmente não se revelará a qualquer visionário - ou cartomante, mais eficiente do que, as que animaram Anthony Burgess e Stanley Kubrik, a fazerem previsões apocalípticas como as revelados no filme "Laranja Mecânica". Na obra, a suposição da sociedade repressiva não se faz no mundo russo, ou chinês - o que confirmaria o "Império do Mal", de Ronald Reagan,- mas naquele falado em inglês, num meio ambiente prá lá de conhecido, de inequívoca extração cultural do Ocidente, nada estranho, em suma, aos Papai Noéis, aos Beethovens ou à Coca-Cola.

O previsível mundo novo, seria a reedição dos piores pesadelos do fascismo ou do estalinismo, mas não num contexto de filmes e romances de tipo "noir" como nos legaram os grandes cineastas do passado - Fritz Lang, ou Charles Chaplin, para só citar alguns. Ou escritores como Kafka e Orwell para, de novo, só mencionar uns poucos. Naqueles e nesses, o mundo é preto e branco; no mundo virtual nunca deixará de ser uma bela paisagem- até quando pode ser colorida- só que nos limites de uma tela de computador. O sociólogo Francisco de Oliveira, ao discutir a inevitável crise do capitalismo, lembrou, há anos, que o filósofo Theodor W. Adorno, previa o ressurgimento do fascismo exatamente nos Estados Unidos, não em outro país qualquer.

Claro que tais assuntos não são matéria para pitonisas ou astrólogos de fim de ano - mas talvez interesse saber a forma com que o poder tratará a internet e a sua liberdade sem peias. A fogueira física dos livros - a cena famosa do "Dom Quixote", tão bem descrita no livro, quando o cura e o barbeiro queimam as obras que teriam enlouquecido o Cavaleiro da Triste Figura - é apenas um episódio exemplar do passado. Na Europa de Cervantes era corrente que os livros podiam abalar corações e mentes, o que não deixa de ser verdade ainda hoje. Santo Inácio de Loyola, criador da Companhia de Jesus, teria se convertido depois de ler "A Imitação de Cristo", de Tomas de Kempis - mas as tribos nômades e das cidades do Oriente Médio, que se juntaram ao Profeta, na formação do primeiro Império Islâmico, só o fizeram, no eco dos conceitos reunidos no Alcorão.

Os militares de 64 no Brasil, palmilharam, sem escrúpulos, a esteira da Idade Média, e da Inquisição, ao proibirem jornais e livros (e filmes, e novelas, e peças de teatro e músicas) durante a ditadura. Como justificou um dos ministros militares da época, o ainda vivo Jarbas Passarinho, se os comunistas proibiam livros - por que não imitá-los, vetando-os também do lado de cá do mundo? Era a lógica da oposição de uma ditadura à outra, exatamente dentro da mesma dinâmica de interditos e de violências. Na era da internet isso, evidentemente, não é mais possível. Difícil para um regime medievalesco evitar o que não seja concreto, visível, ao alcance das mãos de um esbirro qualquer.

No entanto, não só nas ditaduras, há também sempre o invisível da ficção de terror. Mesmo nos filmes e livros infantis, como "O Mágico de Oz" e "Alice no País das Maravilhas", os personagens são movidos por forças incorpóreas: conduzem-se como as Parcas da antigüidade helênica; elas tecem as existências inclusive dos deuses e nada as determina senão o Destino inexorável e inadivinhado - que, aliás, não valia só para os homens, senão também para as divindades. A internet, certamente, é também incorpórea, e num aspecto assemelha-se às parcas: em seu indeterminismo, ela traça destinos, denuncia crimes e encobre outros. Sob qualquer aspecto, porém, ela é a antítese do sistema de poder, da determinação ou do que ficou conhecido como "administração das vidas".

Seu terreno invisível constitui-se, até agora, numa espécie de terra da liberdade, do "laissez-faire". Talvez a conclusão seja precipitada, mas é a primeira vez na história em que, uma vez ultrapassada a cultura oral - o retorno à oralidade pode-se fazer sem os ouvidos das paredes. Pelo menos é essa, por enquanto, a regra do jogo.

Até quando?

Não para sempre, de certo. A invisibilidade da internet não é o mesmo que a opacidade do poder invisível. Esse talvez tenha como controlar as ingerências que ele próprio, o poder, nunca imaginou, embora o tenha gerado. Será, quem sabe, e - por enquanto- uma batalha virtual, mas a detenção física do dirigente do WikiLeaks, se não destrói sistemas, pode ser o mote para o seu controle. A China tem realizado ensaios aproveitáveis para quem quer que imagine uma internet devidamente domada - exeqüível, portanto, somente para os bem comportados.

As previsões catastróficas talvez não requeiram pitonistas ou cartomantes -mas inventores, ficcionistas. Eles preverão que os sonhos do poder são inextinguíveis. E imprevisíveis. Nenhum marxista sincero calculava que a revolução bolchevique desse no estalinismo. Jacques-Louis Davi (748-1825), o grande pintor de Napoleão, ferrenho defensor da Revolução de 1789 na França, sonhava com que a democracia sobreviria ao Império napoleônico; morreu na Béligica, exilado, a assistir o retorno dos Bourbons na França.

As pitonisas e cartomantes são muito boas, parece, para preverem destinos individuais - não lêem nos astros ou nas cartas os caminhos da história. As tentativas de domar a internet são claramente uma tentativa de mudança na história. O lugar-comum de que a democracia é uma luta diária - talvez canse, mas não parece ter outro jeito de mantê-la.

Guimarães Rosa dizia sofrer horrores à vista de um novo livro que começava a despontar em seu cérebro. É o que parece ficar ao fim de cada ano para os que sabem o que é uma ditadura anacrônica; a virtual que nos ameaça no futuro deve ser bem pior.

Enio Squeff é artista plástico e jornalista.