O Fórum Social Mundial de Dakar está organizado em
três grandes temas: a conjuntura global e a crise, a situação dos
movimentos sociais e cívicos e o processo do Fórum Social Mundial. A
ideia é debater o caráter incompleto da descolonização e devir de uma
nova fase de descolonização; o alcance político das mobilizações
sociais; e a expressão política dos movimentos sociais e de sua relação
com os governos. Gustave Massiah e Nathalie Péré-Marzano * A situação global está marcada pelo aprofundamento da crise estrutural da globalização capitalista. As quatro dimensões da crise (social, geopolítica, ambiental e ideológica) serão abordadas em Dakar. A crise social será enfrentada em particular sob os pontos de vista da desigualdade, da pobreza e da discriminação, enquanto a crise geopolítica será discutida em particular da perspectiva da guerra e do conflito, do acesso às matérias primas e da emergência de novas potências. A crise ambiental será debatida, em particular, sob a perspectiva da mudança climática, enquanto a crise ideológica será discutida da perspectiva de ideologias seguras, da questão das liberdades e da democracia e da cultura, presentes desde o Fórum Social de Belém, que serão analisadas em profundidade. A evolução da crise lança luz sobre uma situação contraditória. Análises do movimento altermundista estão sendo aceitas, reconhecidas e contribuem para a crise do neoliberalismo. As propostas produzidas pelos movimentos são aceitas como base, por exemplo, para o monitoramento dos setores financeiro e bancário, para a eliminação dos paraísos fiscais, de tributos internacionais, para o conceito de segurança alimentar, até então considerados heresias, estão nas agendas do G8 e do G20. E mesmo assim ainda não foram traduzidos em políticas viáveis. Essas propostas tem sido acolhidas, mas não se efetivam por causa da arrogância das classes dominantes confiantes no seu poder. A validação das agendas resulta na transformação das palavras de ordem dos movimentos em lugares comuns. É preciso refinar as perspectivas e conceder mais relevância ao debate estratégico, à articulação entre a resistência de curto prazo e a de médio prazo e à mudança em curso sob a superfície dos acontecimentos. A situação lança uma luz sobre a natureza dual da crise, tensionada entre a crise do neoliberalismo, que é a fase da globalização capitalista e a crise da própria globalização capitalista; uma crise do sistema que pode ser analisada como uma crise de civilização, a crise da civilização ocidental, estabelecida desde princípios do século XV. Nesse contexto, alianças estratégicas devem obedecer a duas exigências. A primeira está vinculada à luta contra a pobreza, a miséria e a desigualdade, o uso do trabalho precário e a violação das liberdades no mundo, para melhorar as condições de vida e a expressão da classe trabalhadora diretamente afetada pela economia dominante e pelas políticas públicas. A segunda exigência prioriza o fato de que outro mundo é possível; um mundo necessário envolve um rompimento definitivo com os modos de produção e consumo da economia e da sociedade, bem como a redistribuição ambiental, com o equilíbrio geopolítico do poder estabelecido nas décadas recentes nos modelos democráticos proeminentes do ocidente. Três propostas emergem como respostas à crise: o neoconservadorismo, que propõe a continuação do atual padrão dominante e dos privilégios que os acompanham às custas das liberdades, da continuidade das desigualdades e da extensão dos conflitos e das guerras; uma reestruturação profunda do capitalismo defendido pelos militantes do “New Deal Verde”, que propõe regulação global, redistribuição relativa e uma promoção voluntarista das “economias verdes”; e uma alternativa ambiental e social radical, que corresponde a uma superação do atual sistema dominante. O Fórum Social Mundial reúne todos os que rejeitam a opção neoconservadora e a continuação do neoliberalismo, constituindo um fórum pela mudança vigorosa da discussão entre os movimentos que fazem parte de uma perspectiva de avanço de um “New Deal Verde” e os que defendem a necessidade de alternativas radicais. A REFERÊNCIA AO CONTEXTO AFRICANO O Fórum Social Mundial de Dakar vai enfatizar questões essenciais que aparecem com mais nitidez com as referências ao contexto africano. A ênfase estará no lugar da África no mundo e na crise. A África é objeto privilegiado de análise, ao tempo em que exemplifica a situação global. Não é pobre; é empobrecida. A África não é marginalizada; é explorada. Com suas matérias primas e recursos humanos cobiçados pelos países do Norte e pelas potências emergentes, e com a cumplicidade ativa dos líderes de alguns estados africanos, a África é indispensável para a economia global e para o equilíbrio ambiental do planeta. A ênfase também estará na descolonização como um processo histórico incompleto. A crise do neoliberalismo e a crise de hegemonia dos Estados Unidos são indicativos da possibilidade de uma nova fase de descolonização, e do enfraquecimento das potências coloniais europeias. A representação Norte-Sul está mudando, uma situação que não elimina a realidade geopolítica e as contradições entre o Norte e o Sul. O Fórum priorizará as diásporas e as migrações como uma das questões centrais da globalização. A questão será enfrentada com base na situação atual dos imigrantes e seus direitos, numa análise de longo termo, com o comércio de escravos posto sob a perspectiva do crescimento do papel das diásporas culturais e econômicas. O Fórum debaterá as mudanças no sistema internacional, nas instituições multilaterais e nas negociações internacionais. Em particular, vai focar nas questões que tornam clara a necessidade de regulação global: equilíbrio ambiental, migração e diásporas, conflitos e guerras. A SITUAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E COMUNITÁRIOS A convergência dos movimentos de que o Fórum Social Mundial se constitui está comprometida com a resistência ambiental e democrática. Com as lutas sociais presentes nos combates cívicos pelas liberdades e contra a discriminação. A resistência é inseparável das práticas emancipatórias específicas levadas a cabo pelos movimentos. A direção estratégica dos movimentos está voltada para a acessibilidade universal ao direito, pela igualdade de direitos e pelo imperativo democrático. Os movimentos trazem consigo um movimento histórico de emancipação que são extensão e renovação de movimentos anteriores. Será em torno da definição, da implementação e da garantia de direitos que um novo período de emancipação possível será definido. Essa definição exige que essas concepções de diferentes gerações de direitos sejam revisitadas: direitos políticos e civis formalizados pelas revoluções do século XVIII, reafirmados pela Declaração Universal de Direitos Humanos, complementadas pelos desafios do totalitarismo dos anos 60; os direitos dos povos que o movimento de descolonização promoveu, com base no direito da autodeterminação, o controle dos recursos naturais, o direito ao desenvolvimento e à democracia; direitos sociais, econômicos e culturais especificados pela Declaração Universal e estipulados pelo Protocolo Adicional adotado pelas Nações Unidas na Assembleia Geral em 2000. Uma nova geração de direitos está em gestação. Direitos que correspondem à expressão da dimensão global e dos direitos definidos com vistas a um mundo diferente da globalização dominante. A partir desse ponto de vista, duas questões serão as mais proeminentes em Dakar: direitos ambientais para a preservação do planeta e os direitos dos migrantes e da migração que questione o papel das fronteiras, bem como a organização do mundo. O Fórum Social Mundial de Belém enfatizou os benefícios para os movimentos de abarcarem a agenda ambiental em todas as suas dimensões, do clima à destruição dos recursos naturais e da biodiversidade, e da preservação da água, da terra e das suas matérias primas. O FSM de Dakar priorizará um novo tratamento da questão da migração, com a ligação entre migrações e diásporas e a Carta Mundial dos Migrantes. O FSM Dakar também será o momento para o debate sobre o caráter incompleto da descolonização e devir de uma nova fase descolonização. É nesse contexto que a relação entre o Norte e o Sul está mudando. Considerando que a representação Norte/Sul está mudando na perspectiva da estrutura social, há um Norte no Sul e um Sul no Norte. A emergência do poder de grandes estados está mudando a economia global e o equilíbrio de forças geopolíticas, e é reforçado pelo crescimento de mais de trinta estados que podem ser chamados de economias emergentes. Para tudo isso, contudo, as formas de dominação continuam a ser cruciais na ordem global. O conceito de Sul continua a ser altamente relevante. O Fórum Social Mundial enfatiza uma nova questão: o papel histórico e estratégico dos movimentos sociais nos países emergentes como um todo em relação ao seu Estado e o papel futuro desses estados no mundo. Essa questão, que já marcou os fóruns com o debate sobre o papel jogado pelos movimentos no Brasil e na Índia assume uma importância particular estratégica com a mudança geopolítica associada à crise. O Fórum Social Mundial é o ponto de encontro para movimentos de vários tipos e de diferentes partes do mundo. Esses movimentos já começaram a se encontrar em redes que reúnem diferentes movimentos nacionais. O processo dos fóruns revela duas mudanças. A primeira delas é as conexões entre movimentos de acordo com suas regiões, características e contextos específicos unificam os movimentos da América Latina, América do Norte e Sul da Ásia (e em particular, a Índia), o sudoeste da Ásia, Japão, Europa e Rússia. O Fórum Social Mundial de Dakar terá dois impactos maiores. O ano de 2010 e os preparativos para Dakar foram marcados pela nova importância conquistada pelos movimentos da região do Magreb-Machrek. O vigor dos movimentos sociais africanos será visível em Dakar, na forma de movimentos de campesinos, sindicatos, grupos feministas, de juventude, habitantes locais, grupos de imigrantes reprimidos, grupos indígenas e culturais, comitês contra a pobreza e contra a dívida, a economia informal e a economia solidária, etc. Esses movimentos são visíveis, com sua convergência diversidade em sub-regiões da África: no Norte da África e em particular no Magreb, no Oeste e na África Central, na África do Leste e na do Sul. No Fórum Social Mundial de Dakar uma questão fundamental será a do seu alcance político nas mobilizações sociais e da cidadania. Isso conduz ao problema da expressão política dos movimentos e das extensões dos movimentos em relação às instituições, ao cenário político e aos governos dos estados. Com respeito aos movimentos como um todo, a análise avança sobre a importância da especificidade, via invenção de uma nova cultura política, da relação entre poder e política. O processo do FSM pôs em cena as bases para essa nova cultura política (horizontalidade, diversidade, convergência das redes de cidadãos e dos movimentos sociais, atividades autogestionadas, etc.) mas ainda deve inovar mais em muitas dificuldades relativas à política e ao poder, para conseguir superar a cultura política caduca, que para a imensa maioria persevera dominante. Além disso, a tradução política dos avanços e das mobilizações dependem das instituições e das representações: num nível local, com a possibilidade de influenciar as decisões das autoridades locais; em nível nacional e internacional, com os governos dos estados, os regimes políticos e as instituições multilaterais; em nível regional e global, com alianças geoeconômicas e geoculturais e com a construção de uma opinião pública global e uma consciência universal. O PROCESSO DOS FÓRUNS SOCIAIS MUNDIAIS Depois de o Fórum Social Mundial de Belém ter tomado o ano de 2010 como o ano da ação global, mais de quarenta eventos demonstraram o vigor do seu processo. Isso incluiu as atividades dos 10 anos do FSM em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial dos Estados Unidos, o Fórum Social Mundial do México e o Fórum das Américas, vários fóruns na Ásia, o Fórum Mundial de Educação na Palestina, mais de oito fóruns do Magreb e Machrek, etc. Cada evento associado foi iniciativa do comitê local. Esse comitê se refere na Carta de Princípios do Fórum Social Mundial, que adota uma metodologia privilegiando as atividades autogestionadas e declara sua iniciativa no Conselho Internacional do FSM. Essa multiplicação de eventos abre espaço para projeções relativos à extensão do processo dos fóruns. Ele assumiu uma nova forma, “um fórum estendido”, que consiste no uso da Internet para ligar iniciativas locais em diferentes países, com um Fórum em cada. Assim, enquanto ocorria o Fórum Mundial da Educação na Palestina, mais de 40 iniciativas estavam em curso em Ramallah. As iniciativas associadas com “Dakar estendida” inovarão o processo dos fóruns. A preparação para o FSM Dakar baseou-se nos eventos do ano da ação global, 2010, bem como numa série de iniciativas que asseguraram a convergência de ações e permitiram novos caminhos a serem explorados em termos de organização e metodologia dos fóruns. Assim, já se pode usar as caravanas convergindo para Dakar, dos fóruns de mulheres em Kaolack, das migrações e diásporas, dos encontros para convergência de ações, dos fóruns associados (Assembleia Mundial dos Povos, fóruns pela ciência e pela democracia, sindicatos, autoridades locais e da periferia, parlamentares, teologia e libertação, etc.). Depois de Dakar, um novo ciclo no processo dos fóruns irá começar. O fortalecimento do processo dos fóruns sociais mundiais poderia ocorrer com a reunião com grandes eventos, como o Rio+20, G8, G20, cúpulas e outras poderiam acordar com sua perspectiva. Seriam reconhecidos como eventos associados ao processo do fórum, estabelecendo assim uma proximidade com os acontecimentos de Seattle, em 1999, que contribuíram para a criação do FSM. * Gustave Massiah e Nathalie Péré-Marzano SÃO representantes da Research and Information Centre for Development (CRID – France) no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial. A tradução é de Katarina Peixoto. Artigo publicado pela Agência Carta Maior (www.cartamaior.com.br). |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
O que está em jogo no FSM de 2011
Pepe Escobar: Fúria, fúria, contra a contrarrevolução
Pepe Escobar, Asia Times Online
Fúria, fúria, contra a morte da luz (Dylan Thomas)
Islamófobos de todo o mundo calem o bico e ouçam o som do poder do
povo. A dicotomia artificial que inventaram para o Oriente Médio – ou a
ditadura de vocês ou o jihadismo – jamais passou de truque barato.
Repressão política, desemprego em massa e comida cara são mais letais
que um exército de homens-bomba. Assim se escreve a história real; um
país de 80 milhões – dois milhões dos quais nascidos depois de o ditador
de hoje ter chegado ao poder em 1981, e nada menos que o coração do
mundo árabe – põe afinal abaixo o Muro do Medo e passa para o lado do
autorrespeito.
O neofaraó egípcio Hosni Mubarak ordenou toque de recolher; ninguém
arredou pé das ruas. A polícia atacou; os cidadãos organizaram a própria
segurança. Chegaram os tanques; a multidão continuou a cantar “de mãos
dadas, o exército e o povo são aliados”. Nada de revolução colorida
parida em think-tanks, nada de islâmicos em ordem unida; são egípcios
médios, carregando a bandeira nacional, “juntos, como indivíduos num
grande esforço cooperativo para exigir de volta o país que nos pertence”
– nas palavras do romancista egípcio e Prêmio Nobel Ahdaf Soueif.
E então, inevitável como a morte, a contrarrevolução levantou a
cabeçorra armada. Jatos bombardeiros made in USA e helicópteros
militares atacaram “bravamente” em voos rasantes as multidões na Praça
Tahrir [Praça Liberdade] (retrato do governo de Mubarak como exército de
ocupação no Egito; e imaginem o ultraje do ocidente, se o ataque
acontecesse em Teerã). Comandantes militares falando sem parar pela
televisão estatal. Ameaça de que tanques de fabricação norte-americana
tomariam as ruas – conduzidos por soldados de batalhões de elite – para o
ataque final (embora os próprios soldados dissessem a jornalistas da
rede al-Jazeera que em nenhum caso disparariam contra a multidão). Para
coroar, a “subversiva” rede al-Jazeera foi repentinamente cortada do ar.
Diga alô ao meu suave torturador…
A Intifada egípcia – dentre outros múltiplos significados – já
reduziu a cacos a propaganda inventada no ocidente, de que “árabes são
terroristas”. Agora, as mentes afinal descolonizadas, os árabes inspiram
o mundo inteiro, ensinam ao ocidente como se faz mudança democrática. E
adivinhem só! Ninguém precisou de “choque e horror”, rendições, tortura
e trilhões de dólares do Pentágono para que a coisa funcionasse! Não
surpreende que Washington, Telavive, Riad, Londres e Paris, todas, nem
suspeitaram do que estava a caminho.
Hoje somos todos egípcios. O vírus latino-americano – bye-bye
ditaduras e neoliberalismo arrogante, caolho, míope – contaminou o
Oriente Médio. Primeiro a Tunísia. Agora o Egito. Depois o Iêmen e
possivelmente a Jordânia. Logo a Casa de Saud (não surpreende que culpem
os egípcios pelos “tumultos”). Mas o terremoto político do norte da
África, na Tunísia, em 2011 também colheu a faísca dos movimentos de
massa na Europa em 2010 – Grécia, Itália, França, Reino Unido. Fúria,
fúria contra a repressão política, contras as ditaduras, contra a
brutalidade da Polícia, contra os preços da comida, contra a inflação,
contra empregos miseráveis, contra o desemprego em massa.
Faraó 2011 parece remix de Xá do Irã 1979. Claro, não há aiatolá
Ruhollah Khomeini para liderar as massas egípcias, e o ex-chefe da
Agência Internacional de Energia Atômica, o egípcio Mohamed ElBaradei,
está sendo acusado por alguns, nas ruas, de “assaltar nossa revolução”.
Mas é difícil não lembrar que o Xá do Irã está enterrado no Cairo,
porque os iranianos não permitiram que fosse enterrado na terra-mãe.
O Faraó reagiu à Intifada nomeando para a vice-presidência seu czar
“suave” da inteligência, Omar Suleiman (o primeiro vice-presidente,
desde que o Faraó assumiu o poder em 1981), e virtual sucessor. Suleiman
é sinistro suave especialista em rendição, no qual a CIA confia e que
supervisionou número incontável de sessões de tortura de ditos
“terroristas” em território egípcio; senhor, que fala inglês, de sua
Guantánamo árabe. Em Washington, o establishment gostou muito.
Mas os imperialistas que anotem bem: a última vez que as ruas
egípcias levantaram-se como levantaram-se hoje, foi em 1919, durante a
revolução contra os britânicos. Agora, para muçulmanos e cristãos,
operários, classe média, massas desempregadas, advogados, juízes,
professores e doutores da Universidade al-Azhar, alunos, camponeses,
teólogos, jornalistas e blogueiros independentes, ativistas da Irmandade
Muçulmana, Associação Nacional para a Mudança, Movimento 16 de abril,
para todos esses, os dias de Mubarak de Revolução dos Bichos estão
contados.
Cinco movimentos de oposição – inclusive a Fraternidade Muçulmana –
autorizaram ElBaradei a negociar a formação de um “governo de salvação
nacional” de transição. Aposta-se que o Faraó nada ou quase nada
negociará. Para aumentar a complexidade o núcleo da geração de jovens
ativistas crê muito mais em “comitês populares” que em ElBaradei.
É verdade que, no que tenha a ver com as próximas eleições em
setembro, Mubarak, 82, está morto. O filho, Gamal, 47, idem. Relatos não
confirmados dizem que, à moda típica dos filhos de ditadores, o filho
já fugiu para Londres, usando seu passaporte britânico, com montanhas de
bagagem, e estaria agora escondido na casa londrina da família, em
Knightsbridge.
O futuro crucial imediato depende do lado para o qual penderá o
exército egípcio. No pé em que estão as coisas, ainda não está
totalmente afastado uma alternativa Tiananmen – repressão linha
duríssima. Seja como for, o poder de ação do governo é claro; pode
acontecer até de o Faraó meter-se naquele avião – como cantam as ruas –,
mas o regime, a ditadura militar, tem de ser mantida.
O general Hussein Tantawi, comandante em chefe do exército e ministro
da Defesa, amigo que bebe o vinho e come a comida do Pentágono, do qual
recebe 1,3 bilhão de dólares anuais a título de “ajuda” – voou de volta
ao Cairo. Numa trilha paralela, o Faraó, jogando desesperadamente com
os medos do ocidente sobre “estabilidade”, tentou desqualificar a
Intifada como grupo de desordeiros e arruaceiros donos de terrenos nas
favelas, que querem ver cada vez mais caos e destruição. Um grupo de
blogueiros egípcios não tem dúvidas – a estratégia do Faraó é assustar
as pessoas e empurrá-las de volta para dentro das casas, implorando por
“segurança”.
Issander El Amrani, do blog The Arabist (http://www.arabist.net/),
destaca que “é difícil acreditar que Mubarak ainda esteja no poder, mas o
núcleo duro do regime está usando meios extremos para salvar sua
posição”. Nas ruas, todos suspeitam de um golpe orquestrado por
Washington na cúpula do regime – EUA/Israel apostando tudo na fórmula
“Mubarak talvez caia/mas sem mudança de regime”, com sauditas,
israelenses e a mídia egípcia oficial mexendo todos os pauzinhos para
desacreditar a revolução. Para analisar com algum distanciamento: nos
EUA houve dois governos de Ronald Reagan, um de George H W Bush, dois de
Bill Clinton, dois de George W Bush e um de Barack Obama. No Egito,
sempre só houve Mubarak.
A classe média egípcia, empobrecida mas letrada e orgulhosa, e a os
trabalhadores, nada querem além de um país regido por leis e com
eleições transparentes. Como, então, acreditariam em Suleiman,
torturador ligado à CIA, para conduzir a transição? Para nem falar de um
Parlamento completamente controlado pelo inacreditavelmente corrupto
Partido Nacional Democrático de Mubarak, cuja sede foi incendiada pelos
manifestantes.
O passo do dissidente egípcio
No início de 2003, passei dois meses no Cairo e em Alexandria, à
espera da invasão de Bush ao Iraque – convivendo quase exclusivamente
com o oceano de rejeitados pelo sistema de Mubarak, de universitários
formados a imigrantes sudaneses, inclusive representantes rejeitados dos
40% da população que vive com menos de 2 dólares por dia. Desnecessário
dizer que todos viam Mubarak como poodle repulsivo de Washington – e
todos estavam em choque ante a tragédia do Iraque, que o Egito
reverencia historicamente como flanco leste da nação árabe. O regime,
para eles, era do tipo que “afoga mendigos no Nilo”.
Foi elucidativo – e terrivelmente doloroso – conhecer em campo as
consequências do regime de Mubarak, aplicado regime pupilo do
neoliberalismo aplicado pelos EUA. Consequências inevitáveis, a inflação
alta e o enorme desemprego. A classe média urbana praticamente já
desaparecera. A classe trabalhadora, sufocada na mão de ferro dos
sindicatos. E a classe média rural – que foi base do regime – também em
crise, com os jovem obrigados a imigrar para as cidades à procura de
empregos (que não encontram). Sobrevivente, só uma pequena classe de
comerciantes, corruptos, associados ao Estado (a maioria dos quais hoje
já fugiu para Dubai em jatos privados).
Não surpreende pois que não se trate de uma revolução islâmica, como
no Irã em 1979. É a economia, estúpido. O Islã hoje no Egito está
dividido em duas correntes: salafitas não politizados e a Fraternidade
Muçulmana – dizimada por décadas de repressão e tortura e, hoje, sem
qualquer programa político explícito, além de oferecer serviços de
assistência à população negligenciada pelo Estado.
O fato de a Fraternidade Muçulmana ter-se mantido nas coxias do
movimento das ruas explica-se por dois fatores. Se se expusesse demais,
Mubarak teria o pretexto perfeito para associar a revolução aos
“terroristas”. Além disso, a Fraternidade avalia que, hoje, é apenas um
ator entre vários.
Trata-se de movimento popular espontâneo que segue as pegadas do
Kefaya (“Basta!”) – movimento popular “amarelo” (escolheu essa cor), de
intelectuais e ativistas políticos, cujo slogan, já em 2004 era La
lil-tamdid, La lil-tawrith (“Não a outro mandato, não queremos uma
república hereditária”) [mais, sobre o movimento, em
http://en.wikipedia.org/wiki/Kefaya].
O movimento Kefaya, apesar de ser movimento de elite, sem liderança,
não-ideológico, foi a faísca que despertou mais de mil movimentos,
dentre os quais “Jornalistas pela Mudança”, “Operários pela Mudança”,
“Médicos para a Mudança” ou “Jovens para a Mudança” levaram à atual onda
de incontáveis fóruns online em que se reúnem cidadãos urbanos, de
classe média e baixa, todos usuários experientes da internet.
Outro desenvolvimento crucial foi a greve, em 2008, dos trabalhadores
das indústrias têxteis da cidade de Mahalla al-Kubra no delta do Nilo,
onde três operários foram mortos pelos guardas de segurança de Mubarak
dia 16 de abril –, e que inspirou a criação do movimento online de mesmo
nome (Facebook. Sobre o movimento, ver
http://www.wired.com/techbiz/startups/magazine/16-11/ff_facebookegypt ).
O Santo Graal demorou para mobilizar as massas. Semana passada,
afinal, conseguiram. Os jovens influenciados pelo movimento Kefaya
preferem comitês populares para guiar os passos futuros de sua
revolução, em vez de políticos. O pulso das ruas parece indicar que a
maioria dos egípcios não querem que nenhuma ideologia política ou
religiosa monopolize o que é movimento líquido, pluralista, múltiplo
para reformar radicalmente o país e criar ali um novo modelo para o
mundo árabe. Talvez um pouco sedutoramente romântico demais. Mas que
tenha vivido 30 anos numa espécie de Revolução dos Bichos precisa
dolorosamente de alguma catarse.
Rebelo-me, logo, existo
Para Fawaz Gerges, professor de economia da London School of
Economics, tudo isso “ultrapassa em muito o problema Mubarak. A barreira
do medo foi removida. É realmente o começo do fim do status quo na
Região.” Que é maior que Mubarak, é; é exemplo vigoroso do que seja
ativismo político orgânico, de base.
Ora, no discurso de elite do Dr. Zbigniew Brzezinski, guru de
política exterior dos EUA, trata-se de seu temido “despertar político
global” em ação – a Geração Y em todo o mundo em desenvolvimento,
furiosa, irada, ultrajada, emocionalmente em frangalhos, quase toda
desempregada, com a dignidade em farrapos, deixando aflorar seu
potencial revolucionário e virando o status quo de cabeça para baixo
(mesmo depois de o Faraó ter conseguido implantar o maior blecaute da
história da Internet).
Assim como o movimento Kefaya foi a fagulha, essa foi também uma
revolução do Facebook – que hoje, nas ruas do Cairo, Alexandria e Suez
já foi rebatizado e chama-se agora Sawrabook (“o livro da revolução”).
Uma rede RASD (“de monitoramento”, em árabe) foi lançada no primeiro dia
dos protestos, 4ª-feira passada, configurada como uma espécie de
“observatório da revolução”.
É crucialmente importante observar que naquele momento – há menos de
uma semana – a rede al-Jazeera ainda não chegara ao Egito e a televisão
estatal egípcia exibia, como sempre, velhos filmes em branco e preto. Em
apenas três dias, a RASD reuniu em rede cerca de 400 mil usuários, no
Egito e no mundo. Quando o regime do Faraó acordou, já era tarde demais –
e de nada lhe serviu derrubar a internet.
É esse espírito de solidariedade em ação que invadiu as ruas sob a
forma de jovens ativistas operando telefones sem fio, fotografando e
filmando ataques e feridos ou montando tendas para atendimento de
campanha. Ou moradores da cidade do Cairo, oferecendo as próprias casa
para abrigar manifestantes e organizando piquetes de vizinhos para
proteger-se da ação de saqueadores e ladrões – muitos dos quais
mostrados por blogueiros, quando carregavam equipamentos de
identificação dos postos armas retiradas dos postos de polícia de
Mubarak.
Por mais alarmadas que estejam as rarefeitas elites globais – basta
seguir o labirinto de ambiguidades que liga Washington e as capitais
europeias –, Brzezinski, pelo menos, parece suficientemente ligado para
entender a deriva geral, quando “as principais potências mundiais, novas
e velhas (…) enfrentam uma nova realidade: embora a letalidade do poder
bélico seja hoje maior do que nunca, a capacidade de impor controle a
massas que já despertaram para a vida política alcança hoje o ponto mais
baixo de toda a história.”
A velha ordem está morrendo, mas a nova ainda não nasceu. A Idade da
Fúria no arco que vai da África do Norte ao Oriente Médio parece ter
começado – mais ainda não se sabe qual será a nova configuração
geopolítica. O povo se fará ouvir – ou acabará encurralado e controlado
pelas potências que aí estão?
O Egito não se converterá em democracia que funciona porque falta a
infraestrutura política. Mas pode recomeçar do começo, com todas as
oposições tão desprestigiadas quando o regime. A geração mais jovem –
potencializada pela emoção de estar lutando do lado certo da história –
terá papel crucial.
Não aceitarão a ilusão de ótica de alguma falsa mudança de regime, só
para preservar alguma “estabilidade”. Não aceitarão ser sequestrados
por EUA e Europa, apresentados como neofantoches. Querem o choque do
novo; governo verdadeiramente soberano, nada de neoliberalismo e uma
nova ordem política para o Oriente Médio.
A contrarrevolução será feroz. E atacará muito mais do que alguns bunkers no Cairo.
Por quanto tempo Mubarak aguentará?
A senhora, idosa, de véu vermelho,
estava parada a polegadas de um tanque M1 fabricado nos EUA, do 3º
Exército Egípcio, bem à margem da Praça Tahrir. Os soldados eram
paramilitares, alguns com barretes vermelhos, outros com capacetes,
barreiras de fuzis apontadas para a praça, metralhadoras pesadas armadas
nos tabiques. “Se atirarem contra o povo egípcio, Mubarak está acabado”
– disse ela. “E se não atirarem contra o povo egípcio, Mubarak está
acabado”. O povo no Egito está tomado dessa sabedoria.
Robert Fisk - The Independent via Carta Maior
A senhora, idosa, de véu vermelho, estava
parada a polegadas de um tanque M1 fabricado nos EUA, do 3º Exército
Egípcio, bem à margem da Praça Tahrir. Os soldados eram paramilitares,
alguns com barretes vermelhos, outros com capacetes, barreiras de fuzis
apontadas para a praça, metralhadoras pesadas armadas nos tabiques. “Se
atirarem contra o povo egípcio, Mubarak está acabado” – disse ela. “E se
não atirarem contra o povo egípcio, Mubarak está acabado”. O povo no
Egito está tomado dessa sabedoria.
Pouco antes de amanhecer, quatro F-16 Falcons – outra vez, é claro, fabricados no país do presidente Obama – apareceram ganindo sobre a praça, os ecos reverberando nas paredes cinzentas do gigantesco prédio nasserista, seguidos por dezenas de milhares de olhos que se erguiam da praça para o céu. “Estão conosco”, muitos gritaram. Acho que não, pensei. Nem os tanques, novos na praça, ao todo 14 que apareceram sem slogans grafitados, os soldados, assustados, não saíram das cabines – e que os manifestantes também acreditavam que ali estivessem para protegê-los.
Mas então, quando me aproximei de um oficial num dos tanques, vi que abria um sorriso. “Jamais atiraremos contra nosso povo, ainda que venham ordens para atirar” – ele gritou, para fazer-se ouvir acima do barulho do motor. Tampouco me convenceu completamente. O presidente Hosni Mubarak – ou talvez se deva escrever ‘presidente’, entre aspas, estava no quartel-general, depois de nomear a nova junta de ex-militares e agentes de inteligência. Os boatos zuniam pela praça: o velho lobo lutaria até o fim. Para outros, não faria diferença. “Poderá matar 80 milhões de egípcios?”
Começaram a crescer sentimentos de antiamericanismo, depois de o presidente Obama ter mantido o apoio de sempre, embora morno, ao governo de Mubarak. “Não Obama, Não Mubarak” – lia-se em vários cartazes. Mubarak, com uma estrela de Davi pintada sobre o rosto. Muita gente apanhava do chá caixas vazias de balas de festim usadas semana passada, todas com o selo “Made in the USA”. Vi que o tanque que vinha à frente tinha letras semiapagadas na lateral, que começavam com “MFR” – mas foi quando um soldado com rifle e baioneta receber ordem para me prender; corri para dentro da multidão e ele desistiu –, mas será que “MFR” é a sigla correspondente a US Mobile Force Reserve [Força Móvel de Reserva dos EUA], que mantém tanques em território egípcio? Essa coluna de tanques teria sido emprestada pelos EUA? Fácil ver o uso que os egípcios deram aos tanques.
Assisti a cenas extraordinárias antes, durante o dia, misturado à multidão entre os manifestantes e os soldados que conduziam outra unidade de tanques (naquele caso, máquinas velhas, Pattons M-60, do tempo do Vietnã), que parecia estar ali para dar cobertura aos canhões de água mandados para dispersar a multidão. Centenas de jovens cercaram um dos tanques e quando um tenente de óculos escuros atirou para o ar, foi empurrado contra o próprio tanque e obrigado a escalá-lo para fugir dos rapazes. Mas a multidão logo mudou de humor; os rapazes posaram para fotografias sobre o tanque e ofereceram frutas e água aos soldados.
Quando uma longa coluna de soldados formou-se na largura da rua, um homem muito velho e corcunda, pediu e obteve licença para aproximar-se. Segui-o e vi abraçar e beijar o tenente nos dois lados do rosto. Ele disse: “Vocês são nossos filhos. Vocês são nosso povo”. Em seguida andou ao longo da coluna, beijando e abraçando cada soldado, como se fosse seu filho. É preciso ter coração de pedra para não se emocionar com essas cenas de que ontem o dia foi cheio.
Às tantas, um grupo de manifestantes trouxe um homem que disseram ter apanhado roubando – no momento, o Cairo parece estar cheio de ladrões – e empurraram na direção dos soldados. “Vocês estão aí para nos proteger” – cantavam. Um dos soldados bateu no homem, no rosto, e o oficial esbofeteou o soldado. O soldado sentou na calçada, balançando a cabeça, desentendido. Durante todo o dia, um helicóptero egípcio Mi-25 – esse, relíquia da era soviética – sobrevoou a multidão, armado com seis foguetes, mas nada fez. Depois foi um Gazelle, de fabricação francesa, da Força Aérea do Egito, que voou sobre a multidão, e as pessoas acenaram na direção de onde se via o piloto, que também acenava em resposta.
Os egípcios, sem cessar, procuravam fazer contato com quem lhes parecesse estrangeiro – e um inglês de cabelos grisalhos como eu pareci-lhes suficientemente estrangeiro –, insistindo em que, depois que um povo perde o medo, não há como voltar a acovardar-se.
“Nunca mais teremos medo”, gritava uma jovem na minha direção, no momento em que os jatos gritavam também. E um ex-policial, que se apresentava como atual homem de ligação entre os manifestantes e o exército disse que “o exército estará conosco, porque eles sabem que Mubarak tem de sair”. Outra vez, não estou muito convencido.
E os saques e incêndios continuam. O ex-policial – que disso parecia entender – disse-me que muitos dos saqueadores são de um grupo que fez parte do Partido Democrático Nacional de Mubarak, cuja função fora a de convencer os egípcios a comparecer às urnas e votar em seu amado líder. Nesse caso, por que, todos nos perguntamos, esses homens estariam dedicados a assaltos e saques, exatamente os mesmos crimes de que os acusam todos os que exigem que Mubarak deixe o país? Essa exigência, aliás, inclui também Omar Suleiman, cuja expulsão a multidão deseja, o ex-espião chefe, que acaba de ser nomeado para a vice-presidência.
Por todo o Egito, em praticamente todas as ruas do Cairo, há hoje vigilantes – cidadãos comuns, não homens de Mubarak, cansados das gangues semioficiais que hoje assaltam o próprio povo na calada da noite. Para voltar ao hotel ontem à noite, tive de passar por oito postos de controle controlados por civis, jovens e velhos – um deles manteve-se perfilado, com uma bengala numa mão e um velho rifle britânico Lee Enfield .303 na outra – que agora prendem os ladrões e saqueadores e os entregam ao exército. Não é o “Exército de Papai”[1].
Nas primeiras horas da manhã de ontem, um grupo de homens armados invadiu o Children's Cancer Hospital, próximo do velho aqueduto romano. Queriam levar equipamento médico, mas foram expulsos por manifestantes que os ameaçaram com facas e os expulsaram. O Dr. Khaled el-Noury, cirurgião chefe do hospital contou-me que os assaltantes armados pareciam desorganizados e pareciam assustados.
Não à toa. O encarregado da recepção no hospital mostrou-me o facão de cozinha que guarda na gaveta para proteger-se. E vi outros sinais do lado de fora do portão, onde havia homens armados com bastões e porretes. Um menino – oito anos, talvez – apareceu portando um facão de açougueiro, de 50cm, quase metade da altura do menino. Outro homem apareceu cumprimentar o jornalista estrangeiro, com um facão do mesmo tamanho.
Não há terceira força. E eles creem no exército. Os soldados atacarão a praça? E que diferença, fará, afinal, que ataquem ou não, para a partida de Mubarak?
[1] Orig. Dad's Army. É título de um seriado da televisão britânica sobre a Guarda Nacional, durante a II Guerra Mundial, levado ao ar com grande sucesso entre 1968 e 1977. A Guarda Nacional foi formada de voluntários incapazes para o serviço militar ativo (mais, em http://en.wikipedia.org/wiki/Dad's_Army).
Original - The Independent
Tradução: Vila Vudu
Pouco antes de amanhecer, quatro F-16 Falcons – outra vez, é claro, fabricados no país do presidente Obama – apareceram ganindo sobre a praça, os ecos reverberando nas paredes cinzentas do gigantesco prédio nasserista, seguidos por dezenas de milhares de olhos que se erguiam da praça para o céu. “Estão conosco”, muitos gritaram. Acho que não, pensei. Nem os tanques, novos na praça, ao todo 14 que apareceram sem slogans grafitados, os soldados, assustados, não saíram das cabines – e que os manifestantes também acreditavam que ali estivessem para protegê-los.
Mas então, quando me aproximei de um oficial num dos tanques, vi que abria um sorriso. “Jamais atiraremos contra nosso povo, ainda que venham ordens para atirar” – ele gritou, para fazer-se ouvir acima do barulho do motor. Tampouco me convenceu completamente. O presidente Hosni Mubarak – ou talvez se deva escrever ‘presidente’, entre aspas, estava no quartel-general, depois de nomear a nova junta de ex-militares e agentes de inteligência. Os boatos zuniam pela praça: o velho lobo lutaria até o fim. Para outros, não faria diferença. “Poderá matar 80 milhões de egípcios?”
Começaram a crescer sentimentos de antiamericanismo, depois de o presidente Obama ter mantido o apoio de sempre, embora morno, ao governo de Mubarak. “Não Obama, Não Mubarak” – lia-se em vários cartazes. Mubarak, com uma estrela de Davi pintada sobre o rosto. Muita gente apanhava do chá caixas vazias de balas de festim usadas semana passada, todas com o selo “Made in the USA”. Vi que o tanque que vinha à frente tinha letras semiapagadas na lateral, que começavam com “MFR” – mas foi quando um soldado com rifle e baioneta receber ordem para me prender; corri para dentro da multidão e ele desistiu –, mas será que “MFR” é a sigla correspondente a US Mobile Force Reserve [Força Móvel de Reserva dos EUA], que mantém tanques em território egípcio? Essa coluna de tanques teria sido emprestada pelos EUA? Fácil ver o uso que os egípcios deram aos tanques.
Assisti a cenas extraordinárias antes, durante o dia, misturado à multidão entre os manifestantes e os soldados que conduziam outra unidade de tanques (naquele caso, máquinas velhas, Pattons M-60, do tempo do Vietnã), que parecia estar ali para dar cobertura aos canhões de água mandados para dispersar a multidão. Centenas de jovens cercaram um dos tanques e quando um tenente de óculos escuros atirou para o ar, foi empurrado contra o próprio tanque e obrigado a escalá-lo para fugir dos rapazes. Mas a multidão logo mudou de humor; os rapazes posaram para fotografias sobre o tanque e ofereceram frutas e água aos soldados.
Quando uma longa coluna de soldados formou-se na largura da rua, um homem muito velho e corcunda, pediu e obteve licença para aproximar-se. Segui-o e vi abraçar e beijar o tenente nos dois lados do rosto. Ele disse: “Vocês são nossos filhos. Vocês são nosso povo”. Em seguida andou ao longo da coluna, beijando e abraçando cada soldado, como se fosse seu filho. É preciso ter coração de pedra para não se emocionar com essas cenas de que ontem o dia foi cheio.
Às tantas, um grupo de manifestantes trouxe um homem que disseram ter apanhado roubando – no momento, o Cairo parece estar cheio de ladrões – e empurraram na direção dos soldados. “Vocês estão aí para nos proteger” – cantavam. Um dos soldados bateu no homem, no rosto, e o oficial esbofeteou o soldado. O soldado sentou na calçada, balançando a cabeça, desentendido. Durante todo o dia, um helicóptero egípcio Mi-25 – esse, relíquia da era soviética – sobrevoou a multidão, armado com seis foguetes, mas nada fez. Depois foi um Gazelle, de fabricação francesa, da Força Aérea do Egito, que voou sobre a multidão, e as pessoas acenaram na direção de onde se via o piloto, que também acenava em resposta.
Os egípcios, sem cessar, procuravam fazer contato com quem lhes parecesse estrangeiro – e um inglês de cabelos grisalhos como eu pareci-lhes suficientemente estrangeiro –, insistindo em que, depois que um povo perde o medo, não há como voltar a acovardar-se.
“Nunca mais teremos medo”, gritava uma jovem na minha direção, no momento em que os jatos gritavam também. E um ex-policial, que se apresentava como atual homem de ligação entre os manifestantes e o exército disse que “o exército estará conosco, porque eles sabem que Mubarak tem de sair”. Outra vez, não estou muito convencido.
E os saques e incêndios continuam. O ex-policial – que disso parecia entender – disse-me que muitos dos saqueadores são de um grupo que fez parte do Partido Democrático Nacional de Mubarak, cuja função fora a de convencer os egípcios a comparecer às urnas e votar em seu amado líder. Nesse caso, por que, todos nos perguntamos, esses homens estariam dedicados a assaltos e saques, exatamente os mesmos crimes de que os acusam todos os que exigem que Mubarak deixe o país? Essa exigência, aliás, inclui também Omar Suleiman, cuja expulsão a multidão deseja, o ex-espião chefe, que acaba de ser nomeado para a vice-presidência.
Por todo o Egito, em praticamente todas as ruas do Cairo, há hoje vigilantes – cidadãos comuns, não homens de Mubarak, cansados das gangues semioficiais que hoje assaltam o próprio povo na calada da noite. Para voltar ao hotel ontem à noite, tive de passar por oito postos de controle controlados por civis, jovens e velhos – um deles manteve-se perfilado, com uma bengala numa mão e um velho rifle britânico Lee Enfield .303 na outra – que agora prendem os ladrões e saqueadores e os entregam ao exército. Não é o “Exército de Papai”[1].
Nas primeiras horas da manhã de ontem, um grupo de homens armados invadiu o Children's Cancer Hospital, próximo do velho aqueduto romano. Queriam levar equipamento médico, mas foram expulsos por manifestantes que os ameaçaram com facas e os expulsaram. O Dr. Khaled el-Noury, cirurgião chefe do hospital contou-me que os assaltantes armados pareciam desorganizados e pareciam assustados.
Não à toa. O encarregado da recepção no hospital mostrou-me o facão de cozinha que guarda na gaveta para proteger-se. E vi outros sinais do lado de fora do portão, onde havia homens armados com bastões e porretes. Um menino – oito anos, talvez – apareceu portando um facão de açougueiro, de 50cm, quase metade da altura do menino. Outro homem apareceu cumprimentar o jornalista estrangeiro, com um facão do mesmo tamanho.
Não há terceira força. E eles creem no exército. Os soldados atacarão a praça? E que diferença, fará, afinal, que ataquem ou não, para a partida de Mubarak?
[1] Orig. Dad's Army. É título de um seriado da televisão britânica sobre a Guarda Nacional, durante a II Guerra Mundial, levado ao ar com grande sucesso entre 1968 e 1977. A Guarda Nacional foi formada de voluntários incapazes para o serviço militar ativo (mais, em http://en.wikipedia.org/wiki/Dad's_Army).
Original - The Independent
Tradução: Vila Vudu
"Por que e como se limita a propriedade cruzada"
João Brant - para o Observatório do Direito à Comunicação | |
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Na última semana, o jornal O Estado de S.Paulo
publicou uma matéria na qual dizia que o governo havia desistido de
estabelecer limites à propriedade cruzada. Para quem não sabe,
propriedade cruzada é quando o mesmo grupo controla diferentes mídias,
como TV, rádios e jornais. Na maior parte das democracias consolidadas,
há limites a essa prática por se considerar que ela afeta a
diversidade informativa. No Brasil, não existem limites, e justamente
por isso esse é um dos temas em pauta no debate sobre uma nova lei para
os serviços de comunicação audiovisual.
Aparentemente não foi bem isso que o ministro Paulo Bernardo afirmou, o que significa que o jornal resolveu dizer o não dito por conta própria. Curioso é que o mesmo jornal afirma regularmente ser a favor de medidas anticoncentração da mídia. Seria então um alerta às forças democráticas? Durante o último processo eleitoral, o Estadão declarou em editorial estar “de pleno acordo” com a necessidade de se discutir os limites à propriedade cruzada. E ainda: “não é de hoje que o Estado critica a concentração da propriedade na mídia e as facilidades para que um punhado de grupos econômicos controle, numa mesma praça, emissoras e publicações”. Em 2003, o jornal fez mais de um editorial criticando a “cartelização da mídia” nos EUA, que iria surgir como resultado de medidas propostas pela FCC (Federal Communications Commission), órgão regulador das comunicações por lá. Aquele processo (e a revisão seguinte, de 2007) resultou num certo afrouxamento das regras norte-americanas, embora as mudanças mais liberalizantes propostas pela FCC tenham sido barradas pelo Poder Judiciário e pelo Congresso – com votos contrários inclusive dos republicanos –, após uma grande mobilização popular. Mas, afinal, por que esses limites são tão importantes a ponto de milhões de pessoas, em um país então governado por George W. Bush, terem se mobilizado para defendê-los? Por quê Historicamente, são duas as razões para se limitar a concentração de propriedade nas comunicações. A primeira é econômica, e pode ser entendida como tendo a mesma base das leis antitruste. A concentração em qualquer setor é considerada prejudicial ao consumidor porque gera um controle dos preços e da qualidade da oferta por poucos agentes econômicos, além de desestimular a inovação. Em alguns mercados entendidos como monopólios naturais (como a de transmissão de energia, de água ou telecomunicações), a concentração é tolerada, mas para combater seus efeitos são adotadas diversas medidas que evitam o exercício do 'poder de mercado significativo' que tem aquela empresa. O segundo motivo tem mais a ver com questões sociais, políticas e culturais. Os meios de comunicação são os principais espaços de circulação de ideias, valores e pontos de vista, e portanto são as principais fontes dos cidadãos no processo diário de troca de informação e cultura. Se este espaço não reflete a diversidade e a pluralidade de determinada sociedade, uma parte das visões ou valores não circula, o que é uma ameaça à democracia. Assim, é preciso garantir pluralidade e diversidade nas comunicações para garantir a efetividade da democracia. Uma das maneiras mais efetivas de se conseguir pluralidade e diversidade de conteúdos é garantindo que os meios de comunicação estejam em mãos de diferentes grupos, com diferentes interesses, que representem as visões de diferentes segmentos da sociedade. Ainda que a pluralidade na posse dos meios de comunicação não reflita necessariamente a pluralidade do conteúdo veiculado, na maior parte dos exemplos estudados essa correlação é positiva, especialmente no tocante à diversidade de ideias e pontos de vista (no caso da diversidade de tipos de programa, não necessariamente). Como Limites à propriedade cruzada tem a ver fundamentalmente com essa segunda justificativa. Países como Estados Unidos, França e Reino Unido adotam esses limites por entenderem que a concentração de vozes afeta suas democracias. É importante notar que nesses países esses limites são antigos, mas têm sido revistos e, via de regra, mantidos – ainda que relaxados, em alguns casos. Mesmo com todos os processos liberalizantes, revisões regulares de seus marcos regulatórios e convergência tecnológica, esses países seguem mantendo enxergando a propriedade cruzada como um problema. O que aconteceu nas últimas décadas foi uma complexificação dos critérios de análise adotados, incluindo alcance e audiência como critérios definidores. Os Estados Unidos, por exemplo, tinham uma regra clássica de limite à concentração cruzada em âmbito local: nenhuma emissora poderia ser dona de um jornal que circulasse na cidade em que ela atua. Essa regra foi levemente flexibilizada em 2007, quando se passou a levar em conta o índice de audiência das emissoras e o número de meios de comunicação independentes presentes naquela localidade. Mas essa flexibilização só vale para as vinte maiores áreas de mercado dos EUA (são 210 no total) e só acontece se o canal de TV não está entre os quatro mais vistos e se restam pelo menos oito meios independentes. Dá para ver, portanto, que a flexibilização é a exceção, não a regra. Na França, há regras para propriedade cruzada em âmbito nacional e em âmbito local. Em cada localidade, nenhuma pessoa pode deter ao mesmo tempo licenças para TV, rádio e jornal de circulação geral distribuídos na área de alcance da TV ou da rádio. No Reino Unido, nenhuma pessoa pode adquirir uma licença do Canal 3 (segundo maior canal de TV, primeiro entre os canais privados) se ela detém um ou mais jornais de circulação nacional que tenham juntos mais que 20% do mercado. Essa regra vale também para o âmbito local. No caso britânico, há outras regras que utilizam um complexo sistema de pontuação para sopesar o impacto de licenças nacionais e locais de TV e rádio e jornais de circulação local e nacional. Como se vê, nem com as mais agressivas tentativas de liberalização conseguiu-se chegar perto da situação brasileira, que simplesmente não prevê limites à propriedade cruzada. Exemplos como o da Globo no Rio de Janeiro, que controla a principal TV, as principais rádios e o único jornal da cidade voltado ao público formador de opinião (sem contar TV a cabo, distribuidora de filmes etc.) são completamente impensáveis em democracias avançadas. Assim, independentemente da fórmula que irá adotar, se o Brasil quiser aprovar um novo marco regulatório para o setor que seja de fato fortalecedor da diversidade informativa, e portanto de nossa democracia, essa questão não pode estar ausente. A despeito do que digam Estados e Globos.
João Brant, é coordenador do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social.
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domingo, 30 de janeiro de 2011
O fantasma fardado e outras histórias
Mino Carta no Carta Capital
A presidenta Dilma Rousseff parte dia 31 para uma visita a Buenos
Aires e está previsto seu encontro com as “mães da Plaza de Mayo”, as
valentes cidadãs argentinas cujos filhos foram assassinados ou
desapareceram durante a ditadura. Hoje elas frequentam a Casa Rosada,
recebidas pela presidenta Cristina Kirchner, em um país que puniu os
algozes, a começar pelos generais ditadores.
Há quem diga e até escreva que Dilma se expõe ao risco de uma
“saia-justa” (não aprecio a enésima frase feita frequentada pelos nossos
perdigueiros da informação, mas a leio e reproduzo) ao encontrar as
mães da praça. Quem fala, ou escreve, talvez funcione como porta-voz de
ambientes fardados. Ocorre, porém, que a reunião foi solicitada pela
própria presidenta do Brasil, e ela sabe o que faz.
No discurso de posse, Dilma mostrou-se orgulhosa do seu passado de
guerrilheira e homenageou os companheiros mortos na luta. Conta com o
aplauso de CartaCapital. Foi o primeiro sinal de um propósito claro do
novo governo: aprofundar o debate em torno das gravíssimas ofensas aos
Direitos Humanos cometidas ao longo dos nossos anos de chumbo. O
encontro de Buenos Aires confirma e sublinha a linha definida pela
presidenta, a bem da memória do País.
Cada terra tem suas características, peculiaridades, tradições. O
Brasil não é a Argentina. Ambos foram colônias. Nós padecemos, contudo,
três séculos de escravidão. A independência não veio com a rebelião
contra a metrópole e sim graças aos humores contingentes de um jovem
príncipe brigado com a família. A república foi proclamada pelos
generais. A resistência e a luta armada na Argentina tiveram uma
participação bem maior do que se deu no Brasil, e nem por isso o terror
de Estado deixou de ser menos feroz aqui do que no Prata.
Já li mais de uma vez comparações entre o número de mortos e de
desaparecidos brasileiros e argentinos, de sorte a justificar que a
nossa foi ditabranda. Bastaria um único assassinado. A violência, de
todo modo, foi a mesma, sem contar que os nossos torturadores deram
aulas aos colegas de todo o Cone Sul, habilitados por sua extraordinária
competência. Se a repressão verde-oliva numericamente matou, seviciou e
perseguiu menos que a argentina foi porque entendeu poder parar por aí.
Fernando Henrique Cardoso disse na terça-feira 25 ao Estadão ser
favorável à abertura dos arquivos da ditadura. Surpresa. Foi ele, antes
de deixar a Presidência, quem referendou a proposta do general Alberto
Cardoso, que comandava seu gabinete da Segurança Institucional, de
manter indevassável a rica documentação por 50 anos. No elegante
português que o distingue, FHC agora declara: “Aquilo ocorreu no meu
último dia de governo e alguém colocou um papel para eu assinar lá”. Deu
para entender que alguém pretendia enganá-lo e que o presidente
assinava sem ler. Resta o fato de que, ao chegar ao poder, o príncipe
dos sociólogos recomendou: “Esqueçam o que eu disse”. Dilma teve um
comportamento de outra dignidade. E não há como duvidar que saberá dar
os passos certos na realização da Comissão da Verdade.
Certos significa também cautelosos, sempre que necessário. E sem o
receio da “saia-justa”. Adequados a tradições que, infelizmente, ainda
nos perseguem. Colonização predatória, escravidão etc. etc. As desgraças
do Brasil. E mais, daninha além da conta, o golpe de 64 a provar no
País a presença insuportável de um exército de ocupação, pronto a
executar os planos dos Estados Unidos com a inestimável colaboração da
CIA e a servir às conveniências dos titulares do privilégio e seus
aspirantes. Os marchadores com Deus e pela liberdade. Que Deus e que
liberdade é simples esclarecer.
O fantasma brasileiro é fardado e não há cidadão graúdo que não o
tema, e também muitos miúdos. Todas as desculpas valem, na hora em que
se presume seu iminente comparecimento, para, de antemão, cancelar o
debate ou descartar as soluções destinadas a provocá-lo. Nada disso é
digno de um país em ascensão e de democracia conquistada. Carta-Capital
acredita que a presidenta saberá exorcizar o fantasma sem precipitar
conflitos. Saias-justas, se quiserem.
Um leitor escreve diretamente para Wálter Fanganiello Maierovitch.
Lamenta a posição dele e de CartaCapital a favor da extradição de Cesare
Battisti. Com urbanidade, felizmente. Enaltece a figura de Tarso Genro,
louva a decisão que precipitou o caso e cita, para demonstrar seu
teo-rema, um livro intitulado Terrorismo e Criminalidade Política, em
que o falecido Heleno Fragoso, professor universitário e célebre
criminalista carioca, se refere às inúmeras leis de exceção promulgadas
na Itália durante os anos de chumbo. Nada disso também é digno do
Brasil.
Fragoso não é o único entre os professores brasileiros que ignoram a
história recente com toda a solenidade condizente com suas becas. A
Itália dos anos 70, entregue ao comando da operação ao general Alberto
Dalla Chiesa, venceu o terrorismo sem recurso a leis de exceção. Houve
sim leis de emergência, que um Fragoso não poderia confundir com
aquelas. Na semana passada publicamos uma entrevista do filho de Dalla
Chiesa, que fez menção a outras leis aprovadas illo tempore, entre elas a
redução a 36 horas da jornada de trabalho por obra da poderosa atuação
do Partido Comunista e dos sindicatos, e a descriminalização do aborto,
que aqui é quimera.
Nas eleições políticas de 1976, o PDC teve 36% dos votos e o PCI 34%,
enquanto os pleitos administrativos davam aos comunistas a maioria das
prefeituras. A Itália dos anos 70, contudo, não era somente de Aldo
Moro e Enrico Berlinguer, mas também de primorosa cultura, representada
por figuras como Norberto Bobbio, Italo Calvino, Pasolini, Sciascia,
Fellini, De Sica, Montale, Visconti e assim por diante. Não bastaria
esta página para nomear a todos, e ninguém era de direita. Um importante
colaborador de Berlinguer, Giorgio Napolitano, atual presidente da
República italiana, enviou uma carta tocante à presidenta Dilma. Ele
renova os cumprimentos pela eleição, mas mira no caso Battisti.
“Não são aceitáveis distorções, negações ou leituras românticas de
crimes de sangue”, escreve Napolitano. A negativa à extradição, acentua
“significa motivo de desilusão e amargura para a Itália”. “Não foi
plenamente compreendida – prossegue – a necessidade de justiça
experimentada por meu país e pelos familiares das vítimas de brutais e
injustificados ataques armados, bem como dos feridos por aqueles
ataques, sobrevividos às duras penas.” E ao cabo lembra que o terrorismo
foi derrotado “dentro das regras do Estado de Direito”.
O Brasil no caso não deve satisfações ao governo italiano, o atual,
aliás, o pior desde o imediato pós- guerra, e sim ao Estado, que o
presidente da República representa. Talvez seja igual a pregar no
deserto recomendar uma boa pesquisa sobre os anos de chumbo italianos a
políticos, magistrados, jornalistas, irados cidadãos atolados em uma
patética patriotada, indigna do país que o Brasil merece ser. Isento o
trabalho, aconselhamos, da singular influência da hipocrisia francesa.
Falo deste nosso atual país onde ainda se verificam cenas do
faroeste. Na sexta-feira 21, o caminhão que carregava para o Rio o
reparte de CartaCapital foi assaltado ao longo da Dutra. Os assaltantes
não eram ávidos de boa leitura: a carga não tinha para eles a menor
serventia, queriam era o próprio caminhão. Renderam e aprisionaram o
motorista, ficaram com o veículo, imediatamente remetido para outro
canto do País.
A última edição da revista não circulou no Rio. Na noite da mesma
sexta tentamos reunir um número suficiente de exemplares para
reabastecer as bancas cariocas. Infelizmente não havia sobras, na manhã
de sábado todos os repartes tinham sido distribuídos. Pelo gravíssimo
percalço pedimos desculpas muito sentidas aos leitores do Rio. Com uma
derradeira observação. Ao recordar os assaltos às diligências dos filmes
western, murmurei para meus espantados botões: a presença de bandos
armados no trajeto da mais importante rodovia do País não é digna do
Brasil que queremos. Os botões me acharam comedido.
Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital.
Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de
Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do
jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde.
redacao@cartacapital.com.br
A cidade que acolhe o FSM
Dacar começa a compartilhar os primeiros
espaços, atividades e expressões da sua cultura com visitantes que
chegam para ajudar a construir o FSM.
Fotos: Antonio Pacor
Quem vier ao Fórum Social Mundial, com vontade de compartilhar
idéias, experiências e propostas para um outro mundo possível, e tiver
acolhida em alguma casa senegalesa, aprenderá também a compartilhar um
cebu djen.
Ao meio dia de cada dia, famílias se reúnem em torno desse prato
coletivo e popular, que consiste no preparo de um peixe com ervas, em
cuja água de cozimento são imersos diferentes legumes, gerando o caldo a
ser utilizado para o preparo do arroz. Tudo servido assim, com muitas
colheres que avançam sobre os bocados do cebu dijen
Dacar começa a compartilhar as primeiras casas com visitantes que
chegam para ajudar a construir o FSM. A casa de Lia, italiana que vive
no Senegal a maior parte do ano, ensinando costura e estilismo em uma
escola local, é uma delas. Procurada por outro italiano, o videomaker
Paco, que facilita coberturas de video do Forum, assegurou estadia para
vários colaboradores da comunicação.
E foi assim que cheguei a Dacar, conhecendo Lia e seus alunos, que
pensam em ir ao Fórum em busca de contatos de economia solidária, e com
quem conheci Abi, a senegalesa da foto que motivou a reunião de todas
essas pessoas em torno do prato mais apreciado do Senegal, preparado por
ela para nos dar as boas vindas.
Enquanto almoçamos, são naturais algumas notícias sobre o FSM, como o
informe de que Via Campesina trabalhará o tema da violência contra as
mulheres no campo, ou a confirmação da Assembleia que debaterá
perspectivas da comunicação. Reunirá gente da Africa, América Latina,
Europa, e quiça da Asia e Oriente Médio. O programa com todas as
atividades será impresso no domingo.
É o segundo dia que eu e Paco passamos na cidade que acolherá o Fórum
e já é possível sentir a ansiedade das pessoas encarregadas de
organizar as bases do evento, com aquele sentimento de toda véspera de
uma edição mundial, de que "tudo ainda está por fazer".
Nosso olhar esteve especialmente voltado para a comunicação,
procurando as conexões potenciais entre as redes que compartilham
informação sobre os temas do FSM e o trabalho local de cobertura e
propagação do evento. Na Enda, organização de referência do FSM em
Dacar, a equipe do escritório do FSM no Brasil já está ha mais dias e
trabalha na organização de informações, na distribuição de atividades
por eixos do FSM. No Centre Bopp, onde a comunicação se organiza, se
formam e desfazem pequenas rodas multilingues de pessoas que chegam para
ajudar.
Predominam no espaço os colaboradores locais do FSM e há uma certa
ansiedade em relação à infraestrutura. Voluntários falam dos intervalos
que algumas áreas da cidade enfrentam sem energia elétrica. Com os
preços elevados do petróleo e gás, que estão na base do abastecimento
local, o Senegal sofre. O problema afetará o FSM? Pessoas da organização
acreditam que não, porque as instalações da universidade dispôem de
geradores em caso de emergência.
A banda para internet é outra preocupação, que aliás se repete em
todos os eventos centralizados do FSM. Para assegurar um bom fluxo de
informações e pacotes audiovisuais do FSM para fora, é preciso garantir
um mínimo de conexão e isso deve ser assegurado pela organização local
junto à Universidade.
As coisas caminham, sob pressão e urgência, impulsionadas por lutas
inadiáveis por outro mundo possível. As conversas sobre credenciamento e
programa no Centre Bopp se misturam com outras, sobre gente que se
levanta no mundo, e particularmente na Africa, como os jovens da
Tunisia, com sua revolução Jasmin, a resistencia sarawi, ou a revolta da
Costa do Marfim. Também se fala de uma Diáspora africana que terá no
FSM uma oportunidade de voltar para casa. Um dia inteiro do FSM será
dedicado à Diápora.
Os jovens de Dakar sentem o peso da responsabilidade e se expressam
especialmente pela participação em atividades culturais - grande parte
delas terá lugar naquele mesmo Centre Bopp, segundo participantes da
Comissão de Cultura.
Neste sábado, haverá um concerto na capital senegalesa. Estarão no
palco músicos de várias áreas da cidade para lançar um cd que gravaram
em conjunto. A obra foi feita especialmente para acolher o FSM. Mil
cópias serão vendidas durante o fórum.
sábado, 29 de janeiro de 2011
Mundo àrabe se revolta contra as ditaduras imperialistas
O movimento de protesto no Egipto:
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29/Jan/11
O mundo árabe desperta
O Diário
- Primeiro foram os protestos em Argel contra a subida dos preços.
Depois ocorreram as grandes manifestações da Tunísia, reprimidas com
ferocidade pela ditadura de Zin Ben Ali.
O protesto evoluiu para
rebelião nacional. Em Washington acreditou-se que a fuga de Ben Ali e a
formação imediata de um governo transitório presidido pelo
primeiro-ministro Ghanuchi «normalizaria» a situação. Mas isso não
aconteceu. O povo manteve-se nas ruas exigindo o afastamento de todos os
ex-ministros do ditador incluindo o primeiro-ministro e a punição dos
elementos da engrenagem corrupta do Poder.
Na Casa Branca e no
Pentágono a inquietação cedeu lugar a uma atmosfera de alarme quando os
acontecimentos da Tunísia começaram a abalar o mundo árabe, do Atlântico
ao Tigre e ao Golfo Pérsico.No Cairo e depois em Suez e noutras cidades os egípcios decidiram também desafiar o poder despótico de um regime corrupto e vassalo. Hosni Mubarak respondeu com a repressão. Mas o povo não se intimidou e, em manifestações gigantescas, exigiu a renúncia do presidente e da sua camarilha. Isso no momento em que Mubarak, na presidência há três décadas, se preparava para designar como seu sucessor o filho Gamal. Quase simultaneamente, em efeito de contágio dominó, os iemenitas tomaram as ruas em Sana, a capital, num movimento de protesto torrencial. Em Marrocos, o rei, dócil instrumento dos EUA e da França, assustado, decide impedir a subida do preço dos alimentos e de bens essenciais, temendo pelo futuro da monarquia feudal. Na Arábia Saudita o clima é de tensão. O mesmo ocorre no Sultanato de Oman e na Jordânia, um estado artificial criado pelos ingleses após a I Guerra Mundial. Registe-se que todos esses países eram (ou são) oprimidos por regimes ditatoriais, tutelados por Washington, cujos governantes actuam como instrumentos da sua estratégia para o Médio Oriente e a África muçulmana. OS EUA temem sobretudo o rumo imprevisível da situação criada no Egipto, um gigante com quase 80 milhões de habitantes, o país tampão entre a África e a Ásia que controla o Canal de Suez e tem uma fronteira explosiva com a Palestina (Gaza) e Israel. Mubarak tem sido ao longo dos 30 anos do seu consulado o mais submisso dos aliados de Washington. Com excepção de Israel, é o maior recebedor da «ajuda» financeira norte-americana, 1.300 milhões de dólares por ano, grande parte investida na compra de armamento. O Egipto foi o primeiro país árabe a estabelecer relações diplomáticas com o Estado sionista de Israel e sem a sua cumplicidade a estratégia de dominação imperialista na Região seria inviável. É compreensível portanto o temor de Washington (e de Tel Aviv) nascido da rebelião em marcha dos povos árabes contra os regimes ditatoriais que suportam há décadas. Como era de esperar, os analistas de serviço nos media portugueses acumulam disparates nos comentários aos acontecimentos da Tunísia e do Egipto. Fazer previsões sobre o desfecho das rebeliões populares árabes que alarmam a Casa Branca e as burguesias europeias, suas aliadas seria uma imprudência. Mas pode-se afirmar que a saída torrencial das massas às ruas em países aliás muito diferentes, exigindo o fim de regimes autocráticos e corruptos, configura uma derrota do imperialismo. É significativo que El Baradei (um politico que goza da confiança do Departamento de Estado) tenha voado imediatamente para o Cairo, apresentando-se como alternativa a Mubarak. Cumprir ali a missão de bombeiro no incêndio social egípcio é o seu objectivo. Também na Tunísia, os EUA tudo farão para evitar a radicalização do processo. Seja qual for o desenvolvimento das lutas populares em curso, a atitude de intelectuais que se apressaram a antever na rebelião tunisina o prólogo de um 25 de Abril árabe é romântica. Não devemos esquecer o ensinamento de Lenine segundo o qual não há revolução social profunda vitoriosa, que dure, sem que a sua direcção seja assumida por um partido ou organização revolucionária. E tal partido não é identificável na rebelião árabe, marcada pelo espontaneismo. O tsunami político que agita o mundo árabe deve porém ser saudado com firmeza e entusiasmo pelas forças progressistas em todo o mundo. As massas, assumindo-se como sujeito histórico, tomam as ruas. A rebelião pode desembocar em revoluções democráticas nacionais. Os editores de Odiário.info |
Filme Russo sobre um conto de Anton Tchekhov...
A Dama do Cachorrinho
(Dama s sobachkoy)
The Lady With a Little Dog (1959)
(Dama s sobachkoy)
The Lady With a Little Dog (1959)
Poster
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Sinopse
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Ialta,
verão de 1899. Dmítri Gurov, banqueiro moscovita, apaixona-se pela
jovem Ana Sierguéievna, que passeia sempre com seu cachorrinho. Ele vive
um infeliz casamento arranjado; ela afunda-se numa união sem amor.
Ambos de férias sem seus cônjuges, Dmítri e Ana começam uma relação
amorosa. Após breve período, ela regressa a Saratov e ele a Moscou,
acreditando que ser este um adeus definitivo. Por todo o inverno, Dmítri
sente-se infeliz, melancólico e irritadiço. Em desespero, ele decide ir
a Saratov, surpreendendo Ana num concerto. Temendo ser descoberta em
sua cidade natal, ela promete ir a Moscou revê-lo. Abdicarão eles de
suas reputações para viverem juntos ou será uma relação inconstante,
marcada por encontros furtivos em quartos de hotel?
Baseado no conto de Anton Tchekhov, A Dama do Cachorrinho é um belíssimo filme sobre o amor, nomeado à Palma de Ouro em Cannes. Legendas Exclusivas !!
CRÉDITOS: cinebaixar, POSTADO NO MAKINGOFF.ORG
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Elenco
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Informações sobre o filme
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Informações sobre o release
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Iya Savvina...Ana Sierguéievna Aleksey Batalov...Dmítri Gurov Nina Alisova...Madame Gurov Pantelejmon Krymov...von Didenitz | Gênero: Drama Diretor: Iosif Kheifits Duração: 83 minutos Ano de Lançamento: 1960 País de Origem: Rússia Idioma do Áudio: Russo IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0053746/ | Qualidade de Vídeo: DVD Rip Vídeo Codec: XviD Vídeo Bitrate: 1.051.662 Kbps Áudio Codec: MPEG1/2 L3 Áudio Bitrate: 96 kbps 48 KHz Resolução: 576 x 432 Aspect Ratio: 1.333 Formato de Tela: Tela Cheia (4x3) Frame Rate: 25.000 FPS Tamanho: 700.3 MiB Legendas: Em anexo |
Premiações
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- Nomeado à Palma de Ouro em Cannes, em 1960. - Prêmio Especial pelo Nobre Humanismo e Excelência Artística em Cannes, em 1960. - Nomeado ao Prêmio BAFTA de Melhor Filme, em 1963. | ||
Curiosidades
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Sobre o conto de Tchekhov: Anton Tchekhov escreveu o conto A dama do cachorrinho, uma de suas obras-primas, no final de 1899, quando se encontrava em Ialta, época em que sua saúde estava seriamente abalada. Maximo Gorki, amigo de Tchekhov, escreveu-lhe, após ter lido esse conto: “Li sua Dama. Sabe você o que está fazendo? Está matando o realismo. E acabará de matá-lo. Em breve há de liquidá-lo por muito tempo. Essa forma já viveu o que tinha de viver – é um fato! Ninguém pode ir mais longe que você por esta senda, ninguém pode escrever com tamanha simplicidade sobre coisas tão simples, como você sabe. Depois do mais insignificante de seus contos, tudo o mais parece grosseiro e escrito não com a pena, mas com um pedaço de pau. E, principalmente, tudo parece não simples, isto é, inverídico. É verdade (...) E quanto ao realismo, você vai exterminá-lo mesmo. Estou contente ao extremo. Chega! Diabo que o carregue!” Gorki prossegue com sua carta para o amigo Tchekhov: “Com efeito, chegou o tempo de se necessitar de algo heróico: todos desejam algo excitante, colorido, que não seja parecido com a vida, mas sim mais elevado que ela, melhor, mais belo. É absolutamente indispensável que a literatura atual comece a enfeitar um pouco a vida e, logo que ela o comece, a vida se embelezará, isto é, os homens viverão de modo mais veloz e vibrante. E, agora, veja que olhos ordinários eles têm: enfastiados, turvos, congelados”. [...] Ainda, sobre a repercussão do conto de Tchekhov, A dama do cachorrinho, agora com a manifestação de Tolstoi, como foi anotado no seu diário, em 16 de janeiro de 1900: “Li A dama do cachorrinho, de Tchekhov. Sempre Nietzsche. Pessoas que não elaboraram em si uma clara visão do mundo, que separe o bem e o mal. Antes se intimidavam, ficavam à procura, mas agora, acreditando encontrar-se além do bem e do mal, permanecem aquém, isto é, quase uns animais”. Em A dama do cachorrinho, Tchekhov criou o personagem Guru, homem casado, que, na estação de veraneio de Exalta, conheceu a dama do cachorrinho, Ana Sierguieivna, mulher também casada, que, uma semana após o primeiro encontro, levou-o ao seu quarto. O que se passa na mente de Ana e Gurov, nesse primeiro encontro, é contado com sutileza e maestria por Tchekhov. Passado algum tempo, Ana regressa para sua casa, numa província perto de Moscou, e Gurov regressa a Moscou e reassume o seu trabalho no banco. Gurov não conseguindo esquecer Ana, procurou-a mais tarde em sua casa; com medo de ser descoberta pelo marido, prometeu encontra-se com ele em Moscou. A partir daí passaram a encontrar-se a cada dois ou três meses; os amantes convencem-se de que foram feitos um para o outro; mas não há uma solução definitiva para o caso; Tchekhov deixa o desfecho por conta do leitor. Essa falta de conclusão no conto A dama do cachorrinho espantou os críticos de Tchekhov, como V. Burênin, que escreveu no Nórvíe Vrênia, em 25 de janeiro de 1900: “O final nas obras deste literato de talento surge no ponto em que, segundo parece, deveríamos esperar o verdadeiro trabalho do criador”. Além do caráter fragmentário do conto, outros críticos fizeram restrições ao conto sob o aspecto moral. Hoje, evidentemente, tais críticas não seriam feitas por críticos sérios, quer quanto à forma, quer quanto ao seu conteúdo. Texto de Pedro Luso de Carvalho em: http://panorama-dire...achorrinho.html | ||
Coopere, deixe semeando ao menos duas vezes o tamanho do arquivo que baixar.
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