Dias atrás, escrevi um modesto balanço, centrado nas ações
econômicas de Dilma nos primeiros dias de governo. Agora, faço um
balanço político.
Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador
Os sinais evidentes emitidos por
Dilma são de um governo que ruma para o centro. Isso já estava desenhado
desde a campanha eleitoral de 2010. Lula havia feito movimento
semelhante, ao escolher José Alencar para vice e ao lançar a “Carta aos
Brasileiros”, em 2002.
Mas o movimento de Lula rumo à centro-esquerda não tinha nitidez institucional. Ele se aproximou de personagens avulsos no mundo empresarial (além de Alencar, Gerdau e Diniz), e não fechou aliança formal com PMDB, mas apenas com pequenos partidos conservadores: PL (depois PR), PTB e PP. Fora isso, Lula manteve-se firme (fora da cartilha liberal) na relação com movimentos sociais e na política internacional – além de ter adotado ações econômicas keynesianas (para irritação dos economistas e colunistas atucanados) no segundo mandato.
O movimento de Dilma é mais claro, mais institucional. Michel Temer na vice. PMDB na aliança formal. Isso tudo já estava desenhado. O início de governo aprofundou esse movimento. Ao adotar, agora, prática econômica apoiada pelos liberais, Dilma capturou a simpatia (real? duradoura?) de setores da mídia que estiveram fechados com Serra durante a campanha. Faz o mesmo em relação à política internacional (menos “terceiro-mundista” do que Lula, como comemora a “Folha” em editorial nessa sexta-feira). E já há sinais de que o governo pode abandonar a proximidade estratégica que mantinha com movimentos como o MST (sinais que vêm de dentro do INCRA, por exemplo – a conferir).
É um movimento claro: Lula já ocupara a esquerda e a centro-esquerda; agora, o projeto petista expande-se alguns graus mais – rumo ao centro!
Isso sufoca a direita e a oposição. E aí chegamos a outro ponto importante. Não é à toa que Kassab movimenta-se para romper com o demo-tucanismo e aderir ao lulismo. Kassab sente-se sufocado e percebe que pode perder suas bases conservadoras para o lulismo. O melhor, talvez, seja juntar-se a esse impressionante movimento político (o lulo-petismo) que – nascido na esquerda - capturou a centro-esquerda e agora se expande rumo ao centro.
Vejam o tamanho da hecatombe vivida pela oposição. Katia Abreu, a chefe ruralista, deve seguir os passos de Kassab, rompendo com o condomínio PSDB/DEM. Katia deu entrevista à “Folha”, avisando: “a oposição está na UTI”. Kassab vai levar com ele quase duas dezenas de deputados federais do DEM, 3 ou 4 do PPS e mais alguns tucanos desgarrados. A oposição vai minguar. Essa gente toda deve-se acomodar num “novo” partido, mas o projeto final é terminar no PSB de Eduardo Campos (partido que desde 1989 integra a base lulista).
Esse movimento de ocupação do centro pelo lulismo é fruto, também, dos erros de Serra durante a campanha de 2010. Muita gente avalia que a votação expressiva (de 44 milhões de votos no segundo turno) signficou uma meia-derrota para o paulista da Mooca. Do ponto de vista numérico e eleitoral, isso é verdade. Mas a derrota política de Serra foi acachapante.
Vejamos. Serra abriu mão de defender o programa liberal e privatizante do PSDB, e escondeu o ex-presidente FHC. Depois, tentou-se mostrar como o “verdadeiro” herdeiro de Lula, ajudando assim a legitimar o lulismo. Na reta final, de forma errática, aderiu a um discurso conservador amalucado, trazendo temas morais como aborto para o centro do debate (pra isso, apoiou-se nas tropas de choque monarquistas, na turma da TFP e da Opus Dei).
Serra fez, portanto, um duplo tuiste carpado rumo ao precipício: primeiro, legitimou o lulismo; depois, afundou-se rumo à direita. Achou que podia ganhar assim. E, de fato, ficou perto de ganhar (dados os erros da campanha pouco politizada de Dilma). Mas, no fim, a “meia derrota” eleitoral significou “derrota e meia” política.
Restou a Serra (e a parte do tucanismo) brigar para liderar a direita no Brasil. Aécio quer o PSDB no centro. E Kassab quer ser, ele mesmo, o novo centro.
Lula e Dilma sabem que é mais fácil enfrentar os tucanos desde que eles se mantenham na direita. Por isso, Dilma ocupa o centro. Certamente, com aval de Lula.
Nassif acaba de escrever um artigo excelente, tratando exatamente desse tema:
“Primeiro, não há a menor possibilidade de apostar em um rompimento dela com Lula. Ambos são suficientemente maduros e espertos para não embarcarem nessa falsa competição.
A sensação que passa é de uma estratégia combinada, na qual caberia a Lula manter a influência sobre movimentos populares, sindicalismo e PT; e a Dilma aproximar-se e desarmar os setores empresários e políticos mais refratários ao lulismo-dilmismo.
Do ponto de vista de estratégia política, conseguiram fechar o melhor dos mundos: o antilulismo está sendo carreado pela velha mídia para um pró-dilmismo, resultando um xeque- mate: se o governo Dilma for bem sucedido, ela é reeleita; se for mal sucedido, Lula volta.” (L. Nassif)
Lula e Dilma jogam de tabelinha. Ele mantém apoio forte entre a “esquerda tradicional”, e também entre sindicalistas e movimentos sociais, além do povão deserdado que vê em Lula um novo “pai dos pobres”. Ela joga para a classe média urbana e pragmática que – em parte – preferiu Marina no primeiro turno de 2010.
Dilma, com essas ações, deixa muita gente confusa e irritada na esquerda. Mas reconheça-se: é estratégia inteligente.
Qual o risco disso tudo?
O risco é embaralhar a política e apagar as diferenças. Relembremos o que ocorreu no Chile, ao fim do governo Bachelet. Ela tinha claro compromisso com direitos humanos, com a civilidade e com os valores tradicionais da esquerda… Mas na política e na gestão da economia no dia-a-dia, o governo da “Concertación” (coalizão de centro-esquerda que governou o Chile desde a queda de Pinochet) assumiu o programa liberal da direita. Embaralhou-se tudo. Bachelet saiu do governo bem avaliada, mas não fez o sucessor (até porque o candidato dela, Frei, tinha imagem envelhecida e desgastada). Se não há mesmo diferença, pra que votar na “Concertación” de novo? Foi o que levou o eleitorado chileno a escolher Pinera – um megaempresário ligado à Opus Dei e a setores pinochetistas.
Pinera é um Berlusconi sem os arroubos sexuais do italiano. Paulo Henrique Amorim costuma dizer que, sem politização, a classe “C” de Lula vai eleger um Berlusconi em 2014. O Chile já fez isso: escolheu Pinera.
A tática de Dilma e Lula, de ocupar amplo espectro (da esquerda ao centro), parece inteligente. Mas ao embaralhar o jogo, permite que a direita faça o mesmo e caminhe para o centro. Desfeitas as fronteiras (Kassab no PSB seria o sinal derradeiro desse movimento), abre-se a incerteza no horizonte, rumo a 2014.
O petismo conta com Pelé no banco. Se o quadro ficar confuso, chama-se Lula. Arriscado. Mas esse parece ser o jogo. Gostemos ou não.
Mas o movimento de Lula rumo à centro-esquerda não tinha nitidez institucional. Ele se aproximou de personagens avulsos no mundo empresarial (além de Alencar, Gerdau e Diniz), e não fechou aliança formal com PMDB, mas apenas com pequenos partidos conservadores: PL (depois PR), PTB e PP. Fora isso, Lula manteve-se firme (fora da cartilha liberal) na relação com movimentos sociais e na política internacional – além de ter adotado ações econômicas keynesianas (para irritação dos economistas e colunistas atucanados) no segundo mandato.
O movimento de Dilma é mais claro, mais institucional. Michel Temer na vice. PMDB na aliança formal. Isso tudo já estava desenhado. O início de governo aprofundou esse movimento. Ao adotar, agora, prática econômica apoiada pelos liberais, Dilma capturou a simpatia (real? duradoura?) de setores da mídia que estiveram fechados com Serra durante a campanha. Faz o mesmo em relação à política internacional (menos “terceiro-mundista” do que Lula, como comemora a “Folha” em editorial nessa sexta-feira). E já há sinais de que o governo pode abandonar a proximidade estratégica que mantinha com movimentos como o MST (sinais que vêm de dentro do INCRA, por exemplo – a conferir).
É um movimento claro: Lula já ocupara a esquerda e a centro-esquerda; agora, o projeto petista expande-se alguns graus mais – rumo ao centro!
Isso sufoca a direita e a oposição. E aí chegamos a outro ponto importante. Não é à toa que Kassab movimenta-se para romper com o demo-tucanismo e aderir ao lulismo. Kassab sente-se sufocado e percebe que pode perder suas bases conservadoras para o lulismo. O melhor, talvez, seja juntar-se a esse impressionante movimento político (o lulo-petismo) que – nascido na esquerda - capturou a centro-esquerda e agora se expande rumo ao centro.
Vejam o tamanho da hecatombe vivida pela oposição. Katia Abreu, a chefe ruralista, deve seguir os passos de Kassab, rompendo com o condomínio PSDB/DEM. Katia deu entrevista à “Folha”, avisando: “a oposição está na UTI”. Kassab vai levar com ele quase duas dezenas de deputados federais do DEM, 3 ou 4 do PPS e mais alguns tucanos desgarrados. A oposição vai minguar. Essa gente toda deve-se acomodar num “novo” partido, mas o projeto final é terminar no PSB de Eduardo Campos (partido que desde 1989 integra a base lulista).
Esse movimento de ocupação do centro pelo lulismo é fruto, também, dos erros de Serra durante a campanha de 2010. Muita gente avalia que a votação expressiva (de 44 milhões de votos no segundo turno) signficou uma meia-derrota para o paulista da Mooca. Do ponto de vista numérico e eleitoral, isso é verdade. Mas a derrota política de Serra foi acachapante.
Vejamos. Serra abriu mão de defender o programa liberal e privatizante do PSDB, e escondeu o ex-presidente FHC. Depois, tentou-se mostrar como o “verdadeiro” herdeiro de Lula, ajudando assim a legitimar o lulismo. Na reta final, de forma errática, aderiu a um discurso conservador amalucado, trazendo temas morais como aborto para o centro do debate (pra isso, apoiou-se nas tropas de choque monarquistas, na turma da TFP e da Opus Dei).
Serra fez, portanto, um duplo tuiste carpado rumo ao precipício: primeiro, legitimou o lulismo; depois, afundou-se rumo à direita. Achou que podia ganhar assim. E, de fato, ficou perto de ganhar (dados os erros da campanha pouco politizada de Dilma). Mas, no fim, a “meia derrota” eleitoral significou “derrota e meia” política.
Restou a Serra (e a parte do tucanismo) brigar para liderar a direita no Brasil. Aécio quer o PSDB no centro. E Kassab quer ser, ele mesmo, o novo centro.
Lula e Dilma sabem que é mais fácil enfrentar os tucanos desde que eles se mantenham na direita. Por isso, Dilma ocupa o centro. Certamente, com aval de Lula.
Nassif acaba de escrever um artigo excelente, tratando exatamente desse tema:
“Primeiro, não há a menor possibilidade de apostar em um rompimento dela com Lula. Ambos são suficientemente maduros e espertos para não embarcarem nessa falsa competição.
A sensação que passa é de uma estratégia combinada, na qual caberia a Lula manter a influência sobre movimentos populares, sindicalismo e PT; e a Dilma aproximar-se e desarmar os setores empresários e políticos mais refratários ao lulismo-dilmismo.
Do ponto de vista de estratégia política, conseguiram fechar o melhor dos mundos: o antilulismo está sendo carreado pela velha mídia para um pró-dilmismo, resultando um xeque- mate: se o governo Dilma for bem sucedido, ela é reeleita; se for mal sucedido, Lula volta.” (L. Nassif)
Lula e Dilma jogam de tabelinha. Ele mantém apoio forte entre a “esquerda tradicional”, e também entre sindicalistas e movimentos sociais, além do povão deserdado que vê em Lula um novo “pai dos pobres”. Ela joga para a classe média urbana e pragmática que – em parte – preferiu Marina no primeiro turno de 2010.
Dilma, com essas ações, deixa muita gente confusa e irritada na esquerda. Mas reconheça-se: é estratégia inteligente.
Qual o risco disso tudo?
O risco é embaralhar a política e apagar as diferenças. Relembremos o que ocorreu no Chile, ao fim do governo Bachelet. Ela tinha claro compromisso com direitos humanos, com a civilidade e com os valores tradicionais da esquerda… Mas na política e na gestão da economia no dia-a-dia, o governo da “Concertación” (coalizão de centro-esquerda que governou o Chile desde a queda de Pinochet) assumiu o programa liberal da direita. Embaralhou-se tudo. Bachelet saiu do governo bem avaliada, mas não fez o sucessor (até porque o candidato dela, Frei, tinha imagem envelhecida e desgastada). Se não há mesmo diferença, pra que votar na “Concertación” de novo? Foi o que levou o eleitorado chileno a escolher Pinera – um megaempresário ligado à Opus Dei e a setores pinochetistas.
Pinera é um Berlusconi sem os arroubos sexuais do italiano. Paulo Henrique Amorim costuma dizer que, sem politização, a classe “C” de Lula vai eleger um Berlusconi em 2014. O Chile já fez isso: escolheu Pinera.
A tática de Dilma e Lula, de ocupar amplo espectro (da esquerda ao centro), parece inteligente. Mas ao embaralhar o jogo, permite que a direita faça o mesmo e caminhe para o centro. Desfeitas as fronteiras (Kassab no PSB seria o sinal derradeiro desse movimento), abre-se a incerteza no horizonte, rumo a 2014.
O petismo conta com Pelé no banco. Se o quadro ficar confuso, chama-se Lula. Arriscado. Mas esse parece ser o jogo. Gostemos ou não.