“Fechamento de 24 mil escolas do campo é retrocesso”, afirma dirigente do MST
Mais de 24 mil escolas no campo brasileiro foram fechadas no meio
rural desde 2002. O fechamento dessas escolas demonstra o drástico
problema na vida educacional no Brasil, especialmente no meio rural.
Após décadas de lutas por conquistas no âmbito educacional, cujas
reivindicações foram atendidas em parte – o que permitiu a consolidação
da pauta – o fechamento das escolas vão no sentido contrário do que
parecia cristalizado.
Nesse quadro, o MST lançou a Campanha Nacional contra o Fechamento de Escolas do Campo,
que pretende fazer o debate sobre a educação do campo com o conjunto
da sociedade, articular diversos setores contra esses retrocessos e
denunciar a continuidade dessa política.
“O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com
profundidade que o que está em jogo é algo maior, relacionado às
disputas de projetos de campo. Os governos têm demonstrado cada vez
clara a opção pela agricultura de negócio – o agronegócio – que tem em
sua lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por
conseguinte, um campo sem cultura e sem escola”, afirma Erivan Hilário,
do Setor de Educação do MST.
Essas escolas foram fechadas por estados e os municípios, mas o
Ministério da Educação também têm responsabilidade. “Não se têm, por
exemplo, critérios claros que determine o fechamento de escolas, que
explicitem os motivos pelos quais se fecham, ou em que medida se pode ou
não fechar uma escola no campo”, aponta Erivan.
Ele apresenta um panorama do atual momento pelo qual passa a educação
do campo, apontando desafios, lutas e propostas. Abaixo, leia a
entrevista.
Como se encontra a educação no campo brasileiro, de um modo geral?
Vive momentos bastantes contraditórios. Se por um lado, na última
década, avançou do ponto de vista de algumas conquistas e iniciativas
significativas no campo educacional, como no caso da legislação e das
políticas públicas – a exemplo das diretrizes operacionais para educação
básica nas escolas do campo, aprovada em 2002, e tantas outras
resoluções do conselho nacional, como o custo aluno diferenciado para o
campo e as licenciaturas em Educação do Campo – por outro percebemos
que os fechamentos das escolas no campo caminham na contramão desses
avanços, conforme demonstram vários dados das próprias instituições do
governo. Desde 2002 até 2009, foram fechadas mais de 24 mil escolas no
campo. Com isso, voltamos ao início da construção do que hoje chamamos
de Educação do Campo, que foi a luta dos movimentos sociais organizados
no campo, mais particularmente, o MST, contra a política neoliberal de
fechamento das escolas.
A que se deve o fechamento das escolas no campo?
O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade
que o que está em jogo é algo maior, relacionado às disputas de
projetos de campo. Os governos têm demonstrado cada vez mais a clara
opção pela agricultura de negócio – o agronegócio – que tem em sua
lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por conseguinte,
um campo sem cultura e sem escola.
Nesse sentido, os camponeses e os pequenos agricultores têm resistido
contra esse modelo que concentra cada vez mais terras e riqueza, com
base na produção que tem como finalidade o lucro. Nessa lógica, os
camponeses são considerados como “atraso”. Por isso, lutar contra o
fechamento das escolas tem se constituído como expressão de luta dos
camponeses, de comunidades contra a lógica desse modelo capitalista
neoliberal para o campo.
Quais os objetivos da Campanha Nacional contra os Fechamentos das Escolas do Campo?
O primeiro grande objetivo é fazermos um amplo debate com a
sociedade, tendo em vista a educação como um direito elementar,
consolidado, na perspectiva de que todos possam ter acesso. O que
precisamos fazer é justamente frear esse movimento que tem acontecido,
do fechamento das escolas do campo, sobretudo no âmbito dos municípios e
dos estados.
Pensar isso significa garantir esse direito tão consolidado no
imaginário social, como uma conquista social à educação, garantir que as
crianças e os jovens possam se apropriar do conhecimento
historicamente acumulado pela humanidade, que esse conhecimento esteja
vinculado com sua prática social e que, sobretudo, esse conhecimento
seja um mecanismo de transformação da vida, de transformação para que
ela seja cada vez mais plena, cada vez mais solidária e humana.
Colado a isso, temos que fazer esse debate da educação como um
direito básico, e que nós não podemos – do ponto de vista da sociedade –
dar passos para trás nesse sentido, ao negar esse direito
historicamente consolidado.
A educação do campo nasce como uma crítica a situação da educação
brasileira no campo. E essa situação na época revelava justamente o
fechamento das escolas no campo e o deslocamento das crianças, de jovens
e de adultos do campo para a cidade.
Qual o significado do fechamento dessas escolas?
Passado mais de 12 anos do que chamamos de educação do campo, dentro
dessa articulação que foi surgindo pela garantia de direitos, de
crítica à situação do campo brasileiro, vemos esse movimento na
contramão, mesmo já tendo conquistado várias políticas públicas no
âmbito educacional. É preciso que não percamos de vista essa luta pela
educação no campo. Essa luta passa, essencialmente, pela defesa de
melhores condições de trabalho, das condições das estruturas físicas
das escolas e pela conquista de mais escolas para atender a grande
demanda do campo brasileiro.
A região Nordeste representou mais da metade do total de estabelecimentos fechado nos últimos anos. Por quê?
No Nordeste é onde ainda está concentrada a maior parte da população
no campo. Por isso, é maior o impacto nessa região. A exemplo, a
maioria das famílias em projetos de assentamentos de Reforma Agrária
estão no Nordeste. É onde se fecha mais escola e continua sendo uma
região que apresenta baixos níveis de escolaridade da população no
quadro geral brasileiro.
A educação é um direito básico que está consolidado no imaginário
popular como conquista dos movimentos sociais, da população brasileira,
mas tem sido negado. Isso configura um retrocesso histórico em meio aos
avanços tidos no âmbito educacional, a exemplo das resoluções do
Conselho Nacional de Educação, que assegura que os anos iniciais do
ensino fundamental sejam ofertados nas comunidades.
No caso dos anos finais, caso as crianças e jovens tenham que se
deslocar, que consigam ir para outras comunidades no próprio campo – o
que chamam de intra-campo -, mas somente após uma ampla consulta e
debate com os movimentos sociais e as comunidades.
Como trabalhar essa questão nacionalmente tendo em vista que a
maioria das escolas que foram fechadas é de responsabilidade dos
municípios?
Os dados de fato apontam que são os estados e os municípios que tem
fechado. Não poderia ser diferente, já que são estes entes federados que
ofertam de maneira geral a educação básica nesse país, cada qual
assumindo suas responsabilidades.
Em geral, os municípios têm assumido a educação infantil e o ensino
fundamental, e tem ficado cada vez mais para os estados a
responsabilidade sobre o ensino médio. O Ministério da Educação tem
também responsabilidade pelo fechamento dessas escolas, até porque
estamos falando de um espaço de Estado que é a expressão máxima de
instituição responsável pela educação no país.
Não se tem, por exemplo, critérios claros que determine o fechamento
de escolas, que explicitem os motivos pelos quais se fecham, ou em que
medida se pode ou não fechar uma escola no campo.
A escola em um determinado município faz parte de uma rede maior que
são as escolas públicas brasileiras. É nessa visão de país que temos
que pensar. É preciso garantir que a população do campo tenha acesso ao
conhecimento elaborado e que este acesso seja possível no território
em que eles vivem.
De qual maneira a luta pela Reforma Agrária se alinha com a luta pela educação?
Quando falamos de luta pela Reforma Agrária, estamos nos referindo a
uma luta pela conquista de direitos como o da terra e as condições
necessárias para trabalhar e viver, como o direito à educação. Com isso,
vinculamos permanentemente à questão do processo educacional à Reforma
Agrária, pois pensar um projeto de campo e de país, fundamentalmente,
passa também por pensar um projeto de educação.
A história do nosso movimento demonstra que é necessário fazer a luta
pela terra paralelamente à luta por outros direitos, como educação,
cultura, comunicação. Viver no campo é exigir cada vez mais conhecimento
– saber elaborado – para poder viver bem e melhor, cuidando da terra e
da natureza e cultivando alimentos saudáveis para toda a sociedade
brasileira.
Quais são as propostas do MST para a educação do campo?
Primeiro, que o direito à educação deixe de ser apenas um direito
formal, que seja direito real das pessoas que vivem no campo, no sentido
de terem em seus territórios acesso à educação e à escola tão
necessária e importante como para os que vivem na cidade.
O acesso ao conhecimento não deve ser moeda de troca, em que os que
necessitam tenham que comprar, algo tão fortemente presenciado na
educação privada. Que possamos seguir lutando para que nenhuma outra
escola seja fechada no campo ou na cidade. Temos que seguir lutando cada
vez mais para garantir na realidade questões como a ampliação e
construção de mais escolas no campo; com acesso a toda educação básica e
suas modalidades de ensino; acesso à ciência e à tecnologia,
vinculados aos processos de produção da vida social no campo e seus
diversos territórios camponeses, de pequenos agricultores.
Além disso, lutamos para assegurar a formação inicial e continuada
dos educadores nas diversas áreas do conhecimento para atuação na
educação básica, uma vez que são mais de 200 mil educadores no campo sem
formação superior; garantir educação profissional técnica de nível e
superior; e que se efetive uma política pública com a participação
efetiva das comunidades camponesas, dos movimentos sociais do campo.
Qual a importância de que essas escolas sejam voltadas para o campo? Ou seja, que sejam escolas do campo?
Estamos falando de um princípio básico que é da produção da
existência dos sujeitos do campo. Os camponeses, os trabalhadores
rurais, produzem resistência nesse espaço, nesse território. Portanto, o
processo educacional que defendemos é que, além de acessar uma base
comum do ponto de vista do conhecimento, precisamos que as escolas que
estejam situadas no campo possam incorporar dimensões importantes da
vida dos camponeses. Da dimensão do trabalho, da cultura e,
fundamentalmente, da dimensão da luta social – algo que é constante no
campo brasileiro. Nas últimas décadas, vivemos com o avanço do
agronegócio, do capital no campo, que tem se intensificado cada vez mais
e tem expulsado os trabalhadores e trabalhadores que ali vivem. Há uma
resistência no campo, são os trabalhadores, as comunidades camponesas
lutando contra esse modelo. E a escola, de certa maneira, precisa
incorporar na organização de seu trabalho pedagógico essas tensões e
contradições que constituem a realidade no campo brasileiro.