Escrito por Cassiano Terra Rodrigues no CORREIO DA CIDADANIA |
No livro Conversas com Woody Allen, é de se notar o seguinte:
“Eric Lax: Como era a primeira ideia para A rosa púrpura do Cairo?
Woody Allen: Quando tive a ideia, era só um
personagem que desce da tela, grandes brincadeiras, mas aí pensei, onde é
que isso vai dar? E me veio a ideia: o ator que faz o personagem vem
para a cidade. Depois disso, a coisa se abriu feito uma grande flor. A
Cecília precisava decidir e escolher a pessoa real, o que era um passo à
frente para ela. Infelizmente, nós temos de escolher a realidade, mas
no fim ela nos esmaga e decepciona. Minha visão da realidade é que ela
sempre foi um lugar triste para estar... mas é o único lugar onde você
consegue comida chinesa.”
O novo filme de Woody Allen, “Meia-noite em Paris” (Midnight in Paris, com roteiro e direção próprios, Espanha/EUA, 2011), retoma e inverte a ideia de A rosa púrpura do Cairo:
agora, em vez de um filme, uma cidade (de muitos sonhos), Paris; em vez
de uma mulher, um homem, Gil (Owen Wilson), roteirista de filmes de
qualidade duvidosa em Hollywood, prestes a terminar seu primeiro
romance, ambicioso para realizar todo seu talento e mudar a carreira;
mas, em vez de um abandono da realidade maçante... bem, aí é que está o
nó, digamos assim.
De certa forma, há a retomada da ideia da realidade eivada de sonho e
fantasia: em Paris, Gil entra em um automóvel antigo que o leva de
volta à Paris dos anos 20, povoada pelos artistas vanguardistas que ele
tanto admira: Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Luís Buñuel, Picasso...
Nessa viagem ao passado, ele se encontra como escritor, descobre o amor e
a si mesmo. Ao mesmo tempo, esse deslocamento espaço-temporal – dos EUA
à Europa, dos anos de 2010 aos de 1920 – articula ao menos dois temas
importantes: a perda da inocência e a recusa da realidade do presente.
Antes de prosseguir, um aviso ao leitor: quem não quiser saber o final
do filme, deve parar a leitura.
O tempo todo no filme duas perguntas estão interligadas: que relação
podemos ter com a cultura? Qual o sentido da permanência do passado? A
primeira liga-se à perda da inocência e é um tema caro à literatura
escrita nos EUA (lembre-se Henry James, por exemplo). Com efeito, a
personagem que deixa os EUA e vai à Europa em busca de conhecimento,
história, cultura etc. serve para discutir o que significa ser
americano. Essa viagem a Paris (a real ou a idealizada) pode ser
entendida como uma busca por legitimidade identitária, a colônia
buscando sua identidade cultural retornando às suas raízes na metrópole.
Assim como na literatura, também no filme (e já em Vicky Cristina Barcelona, de 2008) vemos
uma contumaz crítica à futilidade e superficialidade da sociedade
americana, dominada pelo consumismo e pelo utilitarismo: a noiva de Gil,
Inez (Rachel McAdams), e sua família só pensam em dinheiro, em
satisfação imediata pelo consumo e em manter seu alto padrão de vida. A
fala de sua mãe, Helen (Mimi Kennedy), é reveladora dessa atitude:
“Barato é barato.” Ela pensa que Gil é barato e só dá valor ao que pode
ser comprado caro (uma cadeira antiga, roupas ou restaurantes etc.), mas
a relação viva que Gil mantém com a literatura não lhe é cara – antes,
parece-lhe excentricidade e esquisitice. Parece, assim, que o esnobe
Paul (Michael Sheen) é um espelho de Helen: derramando nomes, conceitos,
datas e análises formais, complicadas e equivocadas por todo lugar, a
cultura parece ser, para ele, erudição a serviço da vaidade, um grande
baú de objetos, um grande estoque de supermercado, do qual ele pode
sacar o melhor para cada ocasião, o melhor para capitalizar seu verniz
social. Inez, Helen e Paul são personagens que bem ilustram como, na
pós-modernidade, a integração da produção estética à produção de
mercadorias banaliza toda criatividade, barateia toda inovação. Sabe-se
bem o resultado, exaustivamente analisado por Fredric Jameson: tudo é
pastiche, tudo é “imitação de estilos mortos, a fala através de todas as
máscaras estocadas no museu imaginário de uma cultura que agora se
tornou global” (Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio, p. 45).
Gil é o único a perceber o pastiche, mas tarda a perceber o caso
entre Paul e Inez. Quando percebe, resolve abandonar definitivamente
todo esse mundo. Desse ponto de vista, a perda da inocência pode
significar que ele também deixa de lado o “american way of life” e sua
ideologia de “winners x losers”. Mas, aqui, surpreende-nos um desvio! É o
francês Gilles Deleuze, no belo ensaio “Da superioridade da literatura
anglo-americana”, quem afirma: “Fugir não é exatamente viajar, tampouco
se mover. Antes de tudo porque há viagens à francesa, históricas demais,
culturais e organizadas, onde as pessoas se contentam em transportar
seu ‘eu’”. É exatamente isso que faz principalmente Paul no filme; não
desprezemos mais essa chama na rinha das vaidades França x EUA.
Durante todo o filme fica evidente que Gil não se sente bem em meio a
tanto consumismo e vaidade. Ele sonha com uma Paris que não existe mais
e, fugindo para ela, numa grande fantasia dentro do filme, encontra
tudo o que quer e não tem em seu tempo. A fantasia do filme nos faz
perguntar qual a função da arte numa sociedade consumista. É claro que
temos de questionar qual o sentido da criação artística em nossas vidas;
na verdade, que sentido damos à criação de nossas vidas. As pressões da
noiva e da família dela são pelo uso instrumental de sua arte – Gil
deve continuar escrevendo roteiros para filmes classe Z e, com isso,
ganhar muito dinheiro para sustentar os gostos decorativos de sua noiva.
A viagem à Europa, afinal, era só para um breve e profícuo
aculturamento, que deveria, no retorno ao lar, se converter em muitos
dólares – o ar de sofisticação de um produto local vem das brisas que
ele tomou na Europa. Um belo ideal de macho burguês, no fim das contas.
Já insistia Hegel, no século XIX: se a arte desistir dos grandes
interesses do espírito, tornando-se meramente decorativa e ilustrativa,
terá deixado de ser arte. E, com efeito, arte, em sentido pleno, já era
para Hegel uma coisa do passado, que tinha atingido seu apogeu entre os
gregos, já que o reconhecimento de nós mesmos e de nosso lugar no mundo
só para poucos passa pela experiência artística – não à toa Gil sente-se
deslocado, pois só ele parece recusar essa morte da arte. De fato, ele
se desloca, uma vez no espaço e duplamente no tempo; e também podemos
dizer que essa forma de Woody Allen problematizar a relação modernidade x
pós-modernidade não dá de barato sua admiração pela história e pela
cultura modernista.
A viagem ao passado o faz encontrar Adriana (Marion Cotillard), jovem
estudante de moda que, na Paris dos anos 20, torna-se amante de
Picasso. Juntos, fazem uma viagem ao passado dentro do passado, à Paris
dos sonhos de Adriana: a Belle Époque de Toulouse-Lautrec, Paul Gauguin,
Degas e tantos outros expressionistas, simbolistas etc. Nesse momento,
Gil tem uma revelação e é também então que a articulação espaço-temporal
revela seu sentido. Ele recusa a possibilidade de aceitar totalmente a
fantasia da fantasia e ficar na Paris da Belle Époque, numa viagem ao passado do passado; reconhece suas ilusões serem impossíveis, decide voltar a 2010 e viver em seu tempo.
Ora, isso não significa que, no fim, Gil se torne um esquizofrênico
pós-moderno, um historicista fixado em imagens de um passado modernista e
irrecuperável. Ao contrário, o filme parece sugerir justamente o
oposto. Sua consciência súbita da insuficiência da nostalgia
extemporânea não significa uma concessão ao consumismo superficial –
antes, renova seu olhar: as ruas de Paris; a diferença de iluminação a
marcar as diferenças entre as épocas; e, por fim, as luminosas cenas
finais do close em Gabrielle (Léa Seydoux) e do close em Gil, indicam a
possibilidade de renovação do olhar (arriscamos dizer que a luz – Paris,
cidade luz... – é personagem central do filme; o trailer dá uma breve
amostra e pode ser visto aqui: http://www.youtube.com/watch?v=BYRWfS2s2v4
). Gil rompe com todas as suas relações, abandona a noiva fútil, a
rendosa carreira de roteirista medíocre em Hollywood e decide ficar em
Paris, dando novo sentido à sua vida – apenas por ter fugido da vida que
tinha ele pode agora criar a própria vida.
Woody Allen certa vez disse que trazemos em nós mesmos as sementes de
nossa própria destruição. “Meia-noite em Paris” acrescenta uma nota
otimista a essa afirmação psicanalítica e trágica: também trazemos as
sementes de nossa recriação. Descobrimos a terra fértil onde plantá-las
ao começarmos uma fuga e um desvio.
Cordiais saudações.
* * *
AUTO-INDULGÊNCIA: Os leitores devem perdoar duplamente a este
escritor. Em primeiro lugar, pela demora em escrever novos textos. Em
segundo lugar, pela auto-propaganda: a partir de agosto, será oferecido,
na PUC-SP, o curso de extensão “Diálogos entre filosofia, cinema e
humanidades: o cinema como construção do conhecimento”, coordenado por
este que vos escreve. Mais infos seguindo o link: http://cogeae.pucsp.br/cogeae/curso/4326.
Cassiano Terra Rodrigues é professor de filosofia na PUC-SP e sempre que pode busca traçar linhas de fuga.
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 18 de julho de 2011
A história barateada e a recuperação da inocência
Os preços e a exploração do consumidor no Brasil
Editorial do SUL21
Tudo no Brasil é caro. A ladainha de sempre é de que a culpa é
dos impostos e do “custo Brasil”, formado basicamente por encargos
sociais. Paga-se muito imposto no Brasil e, por este motivo, os produtos
são caros, afirmam. Bela balela, pura mentira. Que se pagam altos
impostos no Brasil é verdade, mas não é apenas este o motivo de o
consumidor brasileiro pagar tudo muito mais caro do que os dos demais
países. O “custo França”, com certeza, é equivalente ao brasileiro.
A matéria do final de semana do Sul21 sobre o preço dos livros no Brasil
é um exemplo do que se afirma aqui. Os livros são caros não pelo motivo
dos impostos, já que os livros são isentos de tributação desde os anos
50 do século passado. Tanto os livros quanto os automóveis, as ligações
telefônicas (de aparelhos celulares e de fixos), as roupas, os
dentifrícios etc. etc. etc. são caros basicamente porque, além dos
impostos, o mercado consumidor brasileiro é relativamente pequeno, mas principalmente porque as margens de lucro praticadas no país são excessivamente altas.
Nada contra os lucros, quando eles são razoáveis. O produtor, o
distribuir e o comerciante precisam ser remunerados. Não fosse assim,
não existiria a economia de mercado e não há nada a vista que nos
autorize acreditar que ela esteja prestes a se extinguir e/ou a ser
substituída por outra forma de organização econômica.
Tudo contra a ganância desvairada, imperante no Brasil. Durante
muitos anos, desde que se instalou a ciclo de industrialização
dependente e associado (aos capitais internacionais) no país, o consumo
restringiu-se a uma pequena fatia da população, nunca maior do que 25%
do total populacional. Como se produzia para poucos, vendia-se (muito)
caro para que se pudesse gerar o ganho necessário para manter e
reproduzir o sistema.
Foi assim desde os anos 50, na era JK, com a introdução da indústria automobilística e sociedade de massas no país. Foi assim desde os anos 70, no período do “milagre econômico brasileiro”
durante a ditadura militar, com a reserva de mercado e a dificuldade de
importação de produtos de fora. Foi assim nos anos 90, na com a “abertura dos portos” e a invasão de produtos importados da era Collor de Melo.
Tudo começou a mudar nas eras Itamar Franco, FHC e Lula, com o
aumento do mercado consumidor desde o Plano Real. As sucessivas (foram
três) quebras econômicas do país e as privatizações não alteraram o
ritmo da expansão do mercado interno brasileiro iniciado com Itamar e
aprofundado com Lula.
A entrega de setores estratégicos da economia à iniciativa privada
(internacional e nacional), ocorrida no período FHC sem a devida
implantação de mecanismos de controle eficientes, gerou distorções que
ainda hoje se mantém. Os serviços telefônicos no Brasil são os segundos
mais caros do mundo (e de péssima qualidade)! Os automóveis brasileiros
são tão caros que se paga aqui o preço de um carro de luxo (tipo um SUV
de última geração) por um réles 1.4 parcamente equipado! As roupas de
grife, vendidas aqui a preço de ouro (tipo Tommy, Lacoste, Zara), são
compradas no exterior por cerca de 1/3 dos que se paga no Brasil! Hoje,
muitos dos que possuem renda, viajam ao exterior para fazer compras. O
que economizam por lá, paga a passagem, a estadia e sobra ainda para a
poupança.
Há um problema de escala, sem dúvida. Como se vende menos, se
compensa aumentando a margem de lucro para se manter o ganho final.
Acontece que se os preços são altos em demasia, mesmo que os ganhos dos
consumidores aumentem (como está ocorrendo atualmente), nunca se
conseguirá atingir um volume de consumo que possibilite a diminuição dos
preços finais, em virtude do aumento da escala de vendas.
Hoje, na verdade, nem mesmo a justificativa do tamanho do mercado
consumidor interno brasileiro se sustenta. Os carros produzidos no
Brasil, por exemplo, são vendidos no mundo todo, já que o mercado é
global. Além disso, a ascensão social de mais de 32 milhões de pessoas e
a queda de 43% da população miserável ocorridas no Brasil nos últimos
oito anos fez com que fosse incorporado ao mercado interno do país um
contingente de consumidores superior à população total da Espanha ou
mais do que uma vez e meia a população do Canadá. O crescimento da
classe média brasileira, neste mesmo período, foi equivalente ao número
total de moradores de duas Bélgicas.
Segundo projeções do economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio
Vargas (RJ), se for mantido o ritmo atual de crescimento, o Brasil terá
incorporado até o ano de 2014 mais do que uma França de cidadãos às
classes A, B e C ou um total de 68 milhões de pessoas. Está mais do que
na hora, portanto, de o consumidor se impor e exigir redução de preços e
melhoria de serviços. Que tal começar campanhas na internet, nas redes
sociais e também por meios dos movimentos populares e partidos políticos
pela redução das margens de lucro excessivas e pelo respeito ao
consumidor?
Marcadores:
analise economica,
reforma agrária,
trabalho e renda
domingo, 17 de julho de 2011
Vermelhos e Brancos (1967)
Créditos: FILMES ÉPICOS
Título Original: Csillagosok, Katonák | |
Gênero: Drama | Guerra | |
Ano de Lançamento: 1967 | |
Duração: 90 min | |
País de Produção: Hungria | |
Diretor(a): Miklós Jancsó |
Sinopse:
Considerado por alguns, como propaganda comunista, o filme é na verdade
uma evocação minimalista da falta de sentido da guerra. A história segue
o exército vermelho e o exército branco que se enfrentam em meio a
revolução russa, liderada por Lênin, transformando o país em uma guerra
civil pela formação da União Soviética. O filme mostra os detalhes dessa
guerra. Considerado um dos mais fortes e contundentes filmes de guerra
já realizados, esta obra-prima é quase desconhecida no Brasil e
consagrou o importante cineasta húngaro Miklos Janksó.
Elenco:
József Madaras ... Hungarian Commander
Tibor Molnár ... Andras
András Kozák ... Laszlo
Jácint Juhász ... Istvan
Anatoli Yabbarov ... Captain Chelpanov
Sergei Nikonenko ... Cossack Officer
Mikhail Kozakov ... Nestor
Bolot Bejshenaliyev ... Chingiz
Tatyana Konyukhova ... Yelizaveta the Matron
Krystyna Mikolajewska ... Olga
Viktor Avdyushko ... Sailor
Gleb Strizhenov ... Colonel
Nikita Mikhalkov ... White Officer
Vladimir Prokofyev
Valentin Bryleyev
Dados do Arquivo:
Tamanho: 939 Mb
Formato: AVI
Qualidade: DVD Rip
Audio: Húngaro, Russo
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Religião, religiosidade e educação
Por Jurema Nunes e Monica Valéria no ACORDA CULTURA
O
sagrado constitui uma categoria universal da experiência humana. Uma
das formas de relacionar-se com essa categoria é através do que
conhecemos por religião. A religião e a noção de religiosidade estão
entre nós desde sempre. A experiência religiosa, dizem alguns, está na
base da ação social e dá-lhe sentido. Religião seria o resultado do que
somos capazes de registrar em relação ao inefável e religiosidade seria a
disposição do indivíduo para integrar-se às coisas sagradas. Advindo do
latim, re-ligare, pode ser um conjunto de práticas e crenças
relacionadas com o transcendental, que tem como elementos derivativos os
rituais, os códigos e as leis morais. Enquanto algumas encontram a base
de tais códigos e leis nos dogmas, outras têm preceitos e interdições.
A religião dá-nos, através dos ritos, mesmo que mínimos, uma noção de segurança - um como se - que transforma o mundo ameaçador e enigmático - como diria Bronislaw Malinowski (1884-1942), um dos fundadores da antropologia social. A religião é um fenômeno social e individual, inextricavelmente ligado a outros aspectos da cultura e da sociedade. Um exemplo disso é o fato de que, embora hoje, em África, as religiões tradicionais representem uma porcentagem menor que segmentos cristãos e islâmicos, ainda persiste a ideia de que “nascer, casar e morrer” tenha que ser permeado por tais tradições de alguma forma.
O cerne das religiões tradicionais do continente africano é, ao que parece, a criatividade e a emoção – importante legado para nossa afro-brasilidade. Afirma-se que a religiosidade tradicional de África possui uma interação muito flexível e fluida no ambiente institucional no qual opera. Os africanos em diáspora foram capazes de criar e recriar expressões de sua religiosidade tradicional em várias situações, reagindo a mudanças, perigos e possibilidades. A religião não está longe da ideia de oficio, tendo seu foco central na ação. Parte de uma estratégia de sobrevivência, de estar no mundo, de corporeidade no chão que se pisa, servindo a fins práticos, imediatos ou remotos, sociais ou individuais. O que não exclui possibilidades de contato com o transcendental. Velhos significados são remontados em novas formas e sentidos possíveis em cada realidade. Essa transformação foi fundamental na desenvolvimento da maioria das manifestações religiosas das Américas. Sendo primordialmente voltada para o grupo, as experiências coletivas e individuais são expressas na vivência da comunidade religiosa.
Nei Lopes afirma: “embora as religiões negro-africanas tenham suas peculiaridades, todas comungam de uma ideia central, segundo a qual a vontade do ser supremo manifesta-se por meio de heróis fundadores, entre eles vivos ou espíritos dos antepassados. Há, portanto, uma ontologia negro-africana, uma estrutura religiosa, embora os africanos não tivessem durante muito tempo um termo equivalente ao termo ocidental religião”.
Um vasto continente, cuja população “modelou” o outro – oponente ou parceiro – de tal maneira que não somente transformou o outro, mas também se adaptou, impregnando o conhecimento da noção de relatio, uma síntese criativa, coração e expressão da experiência religiosa africana e afro-americana. A ontologia que se configura explica o significado da vida, enquanto corpo e matéria, a criação do mundo, as relações entre os seres visíveis e invisíveis. Há a busca por explicar o permanente combate e recorrente inter-relação entre o bem e o mal, a vida e a morte, saúde e doença, prazer e dor, contentamento e sofrimento, fartura e escassez... saberes e fazeres expressados e mantidos através da oralidade, por gerações. E esta ação pode aquecer geração ainda não nascida se utilizarmos os aprendizados e debates sobre tal legado como subsídio educativo, jamais meramente ilustrativo, mas constituinte de nossa história e cultura.
Precisamos conhecer como se processa a cosmovisão “africana” buscando suas dimensões, e sua recriação no Brasil. Esse intento responde à renovação curricular que visa fortalecer o reconhecimento positivo das contribuições dos negros à sociedade brasileira.
Aproximadamente quatro milhões de africanos escravizados chegaram aos nossos portos em sucessivas levas, trazendo anseios, crenças e muito conhecimento. Trouxeram consigo o cabedal de memórias, tudo que fica além do esquecimento, algo que constrói e vivifica. Muitos sucumbiram, mas todos provaram sua resiliência cotidianamente. Aquele que resistiu, o fez em corpo, verbo, som e gesto. Corpo enquanto lugar, que recebe o eterno e o realiza.
As tradições aqui mantidas resistiram pela força deste corpo que se fez verbo pelo poder que a palavra traz. Mito reiterado no calor dos cânticos, no frescor das ervas, no cozimento das oferendas, no destemor dos combates.
O conceito de ancestralidade mítica compreende um tempo numa composição de eventos que aconteceram, estão acontecendo ou acontecerão num futuro próximo. Para fazer sentido, o tempo tem de ser experimentado, assim se tornando real. É através da sociedade, presente e passada, que ele é vivenciado. Tal sociedade pode ser a de hoje, mas pode ser e ter a mesma potência àquela de muitas gerações anteriores. Cada grupo, cada nação, cada casa religiosa tem um história, que se move do instante em que se vive para o enorme passado, uma história orquestrada pelo mito.
Há inumeráveis mitos no continente africano que narram a criação do universo, a origem do homem. O passado não está perdido, é lugar cheio de atividades e acontecimentos. Aqui o lugar corpo-memória se funde à pedagogia do cotidiano – intermediando as relações com o Todo. Aqui, no Novo Mundo, homens e mulheres lembraram-se de suas tradições ancestrais o que estava mais próximo de seus sentimentos e mentes. Como os poderes cósmicos permeiam a vida, o gênero humano escolhe manter tais poderes, destruí-los ou enfraquecê-los por meio de sua experiência. O ato ritualístico nesta perspectiva é validado no aqui-e-agora, na temporalidade do instante, porque tal momento contém o universo.
Conhecer, aprender e respeitar as expressões culturais negras
A religião dá-nos, através dos ritos, mesmo que mínimos, uma noção de segurança - um como se - que transforma o mundo ameaçador e enigmático - como diria Bronislaw Malinowski (1884-1942), um dos fundadores da antropologia social. A religião é um fenômeno social e individual, inextricavelmente ligado a outros aspectos da cultura e da sociedade. Um exemplo disso é o fato de que, embora hoje, em África, as religiões tradicionais representem uma porcentagem menor que segmentos cristãos e islâmicos, ainda persiste a ideia de que “nascer, casar e morrer” tenha que ser permeado por tais tradições de alguma forma.
O cerne das religiões tradicionais do continente africano é, ao que parece, a criatividade e a emoção – importante legado para nossa afro-brasilidade. Afirma-se que a religiosidade tradicional de África possui uma interação muito flexível e fluida no ambiente institucional no qual opera. Os africanos em diáspora foram capazes de criar e recriar expressões de sua religiosidade tradicional em várias situações, reagindo a mudanças, perigos e possibilidades. A religião não está longe da ideia de oficio, tendo seu foco central na ação. Parte de uma estratégia de sobrevivência, de estar no mundo, de corporeidade no chão que se pisa, servindo a fins práticos, imediatos ou remotos, sociais ou individuais. O que não exclui possibilidades de contato com o transcendental. Velhos significados são remontados em novas formas e sentidos possíveis em cada realidade. Essa transformação foi fundamental na desenvolvimento da maioria das manifestações religiosas das Américas. Sendo primordialmente voltada para o grupo, as experiências coletivas e individuais são expressas na vivência da comunidade religiosa.
Nei Lopes afirma: “embora as religiões negro-africanas tenham suas peculiaridades, todas comungam de uma ideia central, segundo a qual a vontade do ser supremo manifesta-se por meio de heróis fundadores, entre eles vivos ou espíritos dos antepassados. Há, portanto, uma ontologia negro-africana, uma estrutura religiosa, embora os africanos não tivessem durante muito tempo um termo equivalente ao termo ocidental religião”.
Um vasto continente, cuja população “modelou” o outro – oponente ou parceiro – de tal maneira que não somente transformou o outro, mas também se adaptou, impregnando o conhecimento da noção de relatio, uma síntese criativa, coração e expressão da experiência religiosa africana e afro-americana. A ontologia que se configura explica o significado da vida, enquanto corpo e matéria, a criação do mundo, as relações entre os seres visíveis e invisíveis. Há a busca por explicar o permanente combate e recorrente inter-relação entre o bem e o mal, a vida e a morte, saúde e doença, prazer e dor, contentamento e sofrimento, fartura e escassez... saberes e fazeres expressados e mantidos através da oralidade, por gerações. E esta ação pode aquecer geração ainda não nascida se utilizarmos os aprendizados e debates sobre tal legado como subsídio educativo, jamais meramente ilustrativo, mas constituinte de nossa história e cultura.
Precisamos conhecer como se processa a cosmovisão “africana” buscando suas dimensões, e sua recriação no Brasil. Esse intento responde à renovação curricular que visa fortalecer o reconhecimento positivo das contribuições dos negros à sociedade brasileira.
Aproximadamente quatro milhões de africanos escravizados chegaram aos nossos portos em sucessivas levas, trazendo anseios, crenças e muito conhecimento. Trouxeram consigo o cabedal de memórias, tudo que fica além do esquecimento, algo que constrói e vivifica. Muitos sucumbiram, mas todos provaram sua resiliência cotidianamente. Aquele que resistiu, o fez em corpo, verbo, som e gesto. Corpo enquanto lugar, que recebe o eterno e o realiza.
As tradições aqui mantidas resistiram pela força deste corpo que se fez verbo pelo poder que a palavra traz. Mito reiterado no calor dos cânticos, no frescor das ervas, no cozimento das oferendas, no destemor dos combates.
O conceito de ancestralidade mítica compreende um tempo numa composição de eventos que aconteceram, estão acontecendo ou acontecerão num futuro próximo. Para fazer sentido, o tempo tem de ser experimentado, assim se tornando real. É através da sociedade, presente e passada, que ele é vivenciado. Tal sociedade pode ser a de hoje, mas pode ser e ter a mesma potência àquela de muitas gerações anteriores. Cada grupo, cada nação, cada casa religiosa tem um história, que se move do instante em que se vive para o enorme passado, uma história orquestrada pelo mito.
Há inumeráveis mitos no continente africano que narram a criação do universo, a origem do homem. O passado não está perdido, é lugar cheio de atividades e acontecimentos. Aqui o lugar corpo-memória se funde à pedagogia do cotidiano – intermediando as relações com o Todo. Aqui, no Novo Mundo, homens e mulheres lembraram-se de suas tradições ancestrais o que estava mais próximo de seus sentimentos e mentes. Como os poderes cósmicos permeiam a vida, o gênero humano escolhe manter tais poderes, destruí-los ou enfraquecê-los por meio de sua experiência. O ato ritualístico nesta perspectiva é validado no aqui-e-agora, na temporalidade do instante, porque tal momento contém o universo.
Conhecer, aprender e respeitar as expressões culturais negras
Em
conversas com professores pode-se observar que o tema religiosidade é o
mais difícil de ser trabalhado. Isto ocorre pelas vivências, em sua
maioria constrangedoras, acontecidas em suas vidas pessoais e
profissionais no espaço escolar. Apesar de discriminada, a religião de
matriz africana é assunto na sala de aula. Para exemplificar, seguem
dois relatos colhidos em capacitações do Projeto “A Cor da Cultura”, em
2006:
Uma professora nos conta que um aluno cita que nas redondezas da escola existe um “centro de macumba” que toca nos fins de semana a noite toda e, como ele é vizinho, já aprendeu todas as músicas. Neste momento começa um reboliço na sala com comentários contra ao Centro Espírita e uma defesa de alguns participantes (alunos ogãs e rodantes) já se pronunciam, em defesa do espaço religioso cantando os “pontos” que conhecem. Uns afirmam que aprenderam de tanto ouvir e outros admitem que frequentam o lugar.
A presença de um iniciado ao culto da tradição dos orixás, iaô, em sala de aula logo após o processo religioso, trouxe uma confusão para a turma. O desrespeito ao colega que utilizava seus aparatos (fios de conta e cabeça coberta) foi apresentado através das risadas e apelidos depreciativos ao “macumbeiro”.
Situações como as descritas acima possibilitam ao professor relacionar o momento com as re-significações que a Lei 10639/03 permite e determina a inclusão da discussão de forma elucidativa, através de novas informações alcançadas em pesquisas na área envolvida, no material do Kit do Projeto A Cor da Cultura e outras fontes. Desse modo, o alcance da pesquisa envolverá a toda comunidade escolar e, assim, abordar o tema e outros, que virão compor a discussão sobre a presença da população de origem africana no Brasil.
A partir dos anos 90, fruto de reivindicações do movimento negro, vimos uma nova abordagem sob a égide da Lei. Essa mudança paulatina apontava para a diversidade em termos de proposta curricular. Aponta-se para a importância de conhecer, aprender e respeitar as expressões culturais negras, entre elas a religiosidade. Valorizar tais manifestações possibilita compreender os diferentes modos de viver, conviver, pensar e ser no mundo. O desafio está em ampliar o olhar dos docentes e, consequentemente, dos discentes - para que haja uma real mudança nas concepções engessadas que o racismo e as pré-concepções nos legaram. Estamos numa forja, aprendendo. A escola brasileira não pode mais silenciar–se a esse saber, negando aos alunos tal conhecimento, que evoca a re-criação e a capacidade de resiliência que nos forma. Numa realidade como a nossa, isso é mais que válido.
Sabemos que essas tradições, tão importantes quanto qualquer outra, foram ditas como inferiores ou reduzidas a pecha de crendices, e ainda hoje precisamos de uma lei que imponha a necessidade de ensinar tal saber nas escolas. Esse é, na justa medida, o desafio da educação para diversidade. Uma valorização da história e ancestralidade africana e de suas manifestações no Brasil, não a partir de um “exotismo”, mas a partir do respeito e de um olhar sobre nós mesmos, nossa inteireza. A invibilização da portentosa herança africana em terras brasileiras foi cosida em racismos, pré-concepções e conseqüente falta de conhecimento, e isto foi feito por anos a fio. Tal ação não condiz com as propostas contidas na LDB, mas se constitui um real desafio. Entretanto, para alguns autores, é possível e necessário, confiar nos caminhos da ancestralidade como forma de apropriação pedagógica para compartilhar ensinamentos da cosmovisão africana em instituições de educação formal.
Uma professora nos conta que um aluno cita que nas redondezas da escola existe um “centro de macumba” que toca nos fins de semana a noite toda e, como ele é vizinho, já aprendeu todas as músicas. Neste momento começa um reboliço na sala com comentários contra ao Centro Espírita e uma defesa de alguns participantes (alunos ogãs e rodantes) já se pronunciam, em defesa do espaço religioso cantando os “pontos” que conhecem. Uns afirmam que aprenderam de tanto ouvir e outros admitem que frequentam o lugar.
A presença de um iniciado ao culto da tradição dos orixás, iaô, em sala de aula logo após o processo religioso, trouxe uma confusão para a turma. O desrespeito ao colega que utilizava seus aparatos (fios de conta e cabeça coberta) foi apresentado através das risadas e apelidos depreciativos ao “macumbeiro”.
Situações como as descritas acima possibilitam ao professor relacionar o momento com as re-significações que a Lei 10639/03 permite e determina a inclusão da discussão de forma elucidativa, através de novas informações alcançadas em pesquisas na área envolvida, no material do Kit do Projeto A Cor da Cultura e outras fontes. Desse modo, o alcance da pesquisa envolverá a toda comunidade escolar e, assim, abordar o tema e outros, que virão compor a discussão sobre a presença da população de origem africana no Brasil.
A partir dos anos 90, fruto de reivindicações do movimento negro, vimos uma nova abordagem sob a égide da Lei. Essa mudança paulatina apontava para a diversidade em termos de proposta curricular. Aponta-se para a importância de conhecer, aprender e respeitar as expressões culturais negras, entre elas a religiosidade. Valorizar tais manifestações possibilita compreender os diferentes modos de viver, conviver, pensar e ser no mundo. O desafio está em ampliar o olhar dos docentes e, consequentemente, dos discentes - para que haja uma real mudança nas concepções engessadas que o racismo e as pré-concepções nos legaram. Estamos numa forja, aprendendo. A escola brasileira não pode mais silenciar–se a esse saber, negando aos alunos tal conhecimento, que evoca a re-criação e a capacidade de resiliência que nos forma. Numa realidade como a nossa, isso é mais que válido.
Sabemos que essas tradições, tão importantes quanto qualquer outra, foram ditas como inferiores ou reduzidas a pecha de crendices, e ainda hoje precisamos de uma lei que imponha a necessidade de ensinar tal saber nas escolas. Esse é, na justa medida, o desafio da educação para diversidade. Uma valorização da história e ancestralidade africana e de suas manifestações no Brasil, não a partir de um “exotismo”, mas a partir do respeito e de um olhar sobre nós mesmos, nossa inteireza. A invibilização da portentosa herança africana em terras brasileiras foi cosida em racismos, pré-concepções e conseqüente falta de conhecimento, e isto foi feito por anos a fio. Tal ação não condiz com as propostas contidas na LDB, mas se constitui um real desafio. Entretanto, para alguns autores, é possível e necessário, confiar nos caminhos da ancestralidade como forma de apropriação pedagógica para compartilhar ensinamentos da cosmovisão africana em instituições de educação formal.
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Márcio Pochmann: 70 anos de salário mínimo no Brasil
A política do salário mínimo no Brasil passou por profundas
modificações, seja em seu objetivo, seja em seus resultados, desde sua
introdução pelo presidente Getúlio Vargas, em 1940, durante o regime
autoritário do Estado Novo (1937–1945). Sua história, contudo, registra
quatro fases distintas.
Por Márcio Pochmann*
no VERMELHO
A primeira, entre 1940 e 1951,
abrange a instituição e consolidação do valor do mínimo para os
trabalhadores urbanos desde a fixação, em 10 de maio de 1940, do
primeiro valor monetário. A segunda fase, entre 1952 e 1964, foi marcada
pela elevação do poder de compra, como a incorporação de parte dos
ganhos de produtividade da economia, ainda sem incluir os trabalhadores
do setor rural. Nesse período havia 29 níveis de salário mínimo no país.
A terceira fase diz respeito aos anos de 1964 a 1995, quando a política do mínimo afastou-se e permaneceu distante dos objetivos originalmente definidos em 1940, embora tenha se mantido como um importante mecanismo de intervenção do poder público no mercado de trabalho. Os camponeses e as empregadas domésticas foram incorporados pela política do salário mínimo durante a fase de rebaixamento do seu valor real, apesar de a Constituição Federal de 1988 ter estabelecido compromissos políticos com a recuperação do seu poder de compra. A quarta fase inicia-se a partir de 1995, com o valor real do salário mínimo sendo elevado gradualmente acima da inflação. No ano de 2009, por exemplo, seu poder aquisitivo, foi 74,1% superior ao de 1995, porém se manteve valendo apenas 43,7% do que era em 1940.
Mesmo ainda distante de seus objetivos originais, o mínimo nacional, por ser a remuneração de ingresso no mercado de trabalho organizado e a base da hierarquia salarial de grande parte das empresas, se mantém como referência dos salários dos empregos secundários (não-chefes de família, mulheres e jovens), de empregos com alguma qualificação no início da carreira e, sobretudo, de trabalhadores (chefes de família) sem qualificação. No ano de 2008, por exemplo, 46,1 milhões de brasileiros tinham remuneração mensal referenciadas no valor do salário mínimo, o que representa 49,9% da população trabalhadora. Desse universo, 18,5 milhões eram beneficiados da Previdência Social, 14 milhões eram empregados assalariados, 8,5 milhões eram ocupados por conta própria, 4,7 milhões eram trabalhadores domésticos e 276 eram empregadores.
O setor público emprega somente 1% do total dos brasileiros com remuneração referenciada no valor do salário mínimo, o que equivale somente a cerca de 485 mil pessoas, sendo 6,2 mil na administração federal, 120,7 mil na administração estadual e 357,4 mil na administração municipal. Entre os que recebem o valor do mínimo nacional, 52% são homens e 48% são mulheres, enquanto 71% vivem nas cidades e 29% no meio rural. O setor de serviços absorve 44,2% dos ocupados com remuneração de até um salário mínimo, seguidos de 29% no setor agrícola, de 13,4% na indústria e de 10,6% no comércio. A região Nordeste concentra a maior parcela dos ocupados recebendo o salário mínimo nacional (58,6%), enquanto a região Sul apresenta a menor parcela (20,7%), seguida do Sudeste (22,5%), Centro Oeste (28,1%) e Norte (39,7%).
Decorrente do movimento de queda no valor do salário mínimo, o Brasil se transformou, ao contrário de outras economias que avançaram no seu processo de industrialização, num país de baixos salários. A permanência de um imenso contingente de trabalhadores ganhando tão pouco não pode ser atribuída ao fator econômico, já que entre 1940 e 2009 a renda per capita multiplicou-se por 6,5 vezes, enquanto o valor do mínimo não chega nem à metade do que era no momento de sua criação.
Se a atual Constituição Federal fosse observada, o valor do salário mínimo deveria ser capaz de atender às necessidades do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que preservem seu poder aquisitivo. Não há dúvidas, porém, de que tais normas ainda não são cumpridas. O mínimo é suficiente para atender ao consumo de 13 alimentos básicos para uma pessoa, mas não para a alimentação de uma família e para as demais despesas que a Constituição define. Em São Paulo, por exemplo, o valor do salário mínimo comprava duas cestas básicas com 13 alimentos, enquanto em 1995 podia adquirir somente uma. Apesar deste avanço em relação à cesta básica, percebe-se que o salário mínimo necessário para atender todas as necessidades básicas, para além da alimentação individual, alcançou a soma de R$1.995,91 em dezembro de 2009. Ou seja, 4,3 vezes o salário mínimo vigente naquele mês. Como o Brasil pagou salário mínimo com maior valor, mesmo tendo a economia nacional capacidade de produzir e empregar mão-de-obra bem menor que a atual, entende-se que a política de recuperação do valor real do mínimo não pode parar. Se o Brasil almeja ser um país desenvolvido precisa considerar o crescimento contínuo do salário mínimo, conforme se observa na Dinamarca, cujo mínimo anual equivale a mais de 2/3 da renda nacional per capita.
Por ter como objetivo contrabalançar as tendências inerentes ao funcionamento do mercado de trabalho de gerar salários decrescentes e emprego precário, o que acentua a desigualdade da renda, a atual política de salário mínimo precisa ser mantida. Seguindo a tendência verificada desde 2007, quando foi criada a política de reajuste real do mínimo, serão necessários 27 anos para que o atual valor do salário mínimo passe a cumprir o preceito constitucional, ou 15 anos se a meta for o poder aquisitivo do primeiro valor do salário mínimo de 40 anos atrás.
*Márcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Fonte: Fórum (essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum 86).
A terceira fase diz respeito aos anos de 1964 a 1995, quando a política do mínimo afastou-se e permaneceu distante dos objetivos originalmente definidos em 1940, embora tenha se mantido como um importante mecanismo de intervenção do poder público no mercado de trabalho. Os camponeses e as empregadas domésticas foram incorporados pela política do salário mínimo durante a fase de rebaixamento do seu valor real, apesar de a Constituição Federal de 1988 ter estabelecido compromissos políticos com a recuperação do seu poder de compra. A quarta fase inicia-se a partir de 1995, com o valor real do salário mínimo sendo elevado gradualmente acima da inflação. No ano de 2009, por exemplo, seu poder aquisitivo, foi 74,1% superior ao de 1995, porém se manteve valendo apenas 43,7% do que era em 1940.
Mesmo ainda distante de seus objetivos originais, o mínimo nacional, por ser a remuneração de ingresso no mercado de trabalho organizado e a base da hierarquia salarial de grande parte das empresas, se mantém como referência dos salários dos empregos secundários (não-chefes de família, mulheres e jovens), de empregos com alguma qualificação no início da carreira e, sobretudo, de trabalhadores (chefes de família) sem qualificação. No ano de 2008, por exemplo, 46,1 milhões de brasileiros tinham remuneração mensal referenciadas no valor do salário mínimo, o que representa 49,9% da população trabalhadora. Desse universo, 18,5 milhões eram beneficiados da Previdência Social, 14 milhões eram empregados assalariados, 8,5 milhões eram ocupados por conta própria, 4,7 milhões eram trabalhadores domésticos e 276 eram empregadores.
O setor público emprega somente 1% do total dos brasileiros com remuneração referenciada no valor do salário mínimo, o que equivale somente a cerca de 485 mil pessoas, sendo 6,2 mil na administração federal, 120,7 mil na administração estadual e 357,4 mil na administração municipal. Entre os que recebem o valor do mínimo nacional, 52% são homens e 48% são mulheres, enquanto 71% vivem nas cidades e 29% no meio rural. O setor de serviços absorve 44,2% dos ocupados com remuneração de até um salário mínimo, seguidos de 29% no setor agrícola, de 13,4% na indústria e de 10,6% no comércio. A região Nordeste concentra a maior parcela dos ocupados recebendo o salário mínimo nacional (58,6%), enquanto a região Sul apresenta a menor parcela (20,7%), seguida do Sudeste (22,5%), Centro Oeste (28,1%) e Norte (39,7%).
Decorrente do movimento de queda no valor do salário mínimo, o Brasil se transformou, ao contrário de outras economias que avançaram no seu processo de industrialização, num país de baixos salários. A permanência de um imenso contingente de trabalhadores ganhando tão pouco não pode ser atribuída ao fator econômico, já que entre 1940 e 2009 a renda per capita multiplicou-se por 6,5 vezes, enquanto o valor do mínimo não chega nem à metade do que era no momento de sua criação.
Se a atual Constituição Federal fosse observada, o valor do salário mínimo deveria ser capaz de atender às necessidades do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que preservem seu poder aquisitivo. Não há dúvidas, porém, de que tais normas ainda não são cumpridas. O mínimo é suficiente para atender ao consumo de 13 alimentos básicos para uma pessoa, mas não para a alimentação de uma família e para as demais despesas que a Constituição define. Em São Paulo, por exemplo, o valor do salário mínimo comprava duas cestas básicas com 13 alimentos, enquanto em 1995 podia adquirir somente uma. Apesar deste avanço em relação à cesta básica, percebe-se que o salário mínimo necessário para atender todas as necessidades básicas, para além da alimentação individual, alcançou a soma de R$1.995,91 em dezembro de 2009. Ou seja, 4,3 vezes o salário mínimo vigente naquele mês. Como o Brasil pagou salário mínimo com maior valor, mesmo tendo a economia nacional capacidade de produzir e empregar mão-de-obra bem menor que a atual, entende-se que a política de recuperação do valor real do mínimo não pode parar. Se o Brasil almeja ser um país desenvolvido precisa considerar o crescimento contínuo do salário mínimo, conforme se observa na Dinamarca, cujo mínimo anual equivale a mais de 2/3 da renda nacional per capita.
Por ter como objetivo contrabalançar as tendências inerentes ao funcionamento do mercado de trabalho de gerar salários decrescentes e emprego precário, o que acentua a desigualdade da renda, a atual política de salário mínimo precisa ser mantida. Seguindo a tendência verificada desde 2007, quando foi criada a política de reajuste real do mínimo, serão necessários 27 anos para que o atual valor do salário mínimo passe a cumprir o preceito constitucional, ou 15 anos se a meta for o poder aquisitivo do primeiro valor do salário mínimo de 40 anos atrás.
*Márcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Fonte: Fórum (essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum 86).
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A luta contra a especulação do etanol
Por Assis Ribeiro
Etanol: quem segura o rojão é a Petrobras
No meio da colheira, a indústria canavieira diz que houve uma “quebra de safra”
e que vai produzir menos etanol este ano. Pronto, está justificado o
aumento de preços, não é?. É o mercado, a oferta menor deve,
naturalmente, refletir-se em preços maiores. Está no livrinho santo das
regras mercadistas.
E quais as razões desta “quebra de safra”? Ah, foi o clima – sabe
como é, chove, faz sol… – e também a falta de investimento na renovação e
ampliação dos canaviais.
Mas isso aconteceu por dificuldades no setor? Vai
aí ao lado o gráfico do faturamento bruto da Cosan-Shell, a maior
empresa do setor. E o crescimento dos lucros não é menor, como registra
a Agência Reuters, em matéria republicada pela Folha, há um mês:
“A Cosan, maior grupo de açúcar e etanol do Brasil, fechou o
quarto trimestre fiscal com lucro líquido de R$ 480,9 milhões, salto de
64% em relação ao ganho de R$ 294 milhões do mesmo período do ano
anterior. Em todo o ano-safra 2010/2011, a companhia acumulou lucro
líquido de R$ 771,6 milhões, com queda de 26,8% sobre o ganho de R$
1,054 bilhão de igual período do ano anterior”.
Não se está desfazendo das dificuldades que muitos produtores têm,
mas é preciso que fique claro que este setor é cada vez mais concentrado
e internacionalizado. 70% das áreas de cana estão em mãos de usinas
e, hoje, 35% das usinas são estrangeiras. E as multinacionais pouco
investiram em novos projetos.
Claro que é correto o Governo estimular, com financiamento, a
ampliação da capacidade de estocagem de etanol. Ela é indispensavel para
garantir a estabilidade no abastecimento. Como é correto, para
estabilizar preços, a determinação de que as compras se façam em
contratos de longo prazo, para garantir linearidade nas entregas, em
lugar da especulação confessada de algumas empresas, que usam sua
capacidade de estocar – na planta ou no tanque – à espera de melhores
preços.
A estocagem, por si só, não basta. Ao contrário, ela muitas vezes é utilizada como ferramenta para majorar preços, como a gente publicou aqui.
Deve haver duas condicionantes para financiá-la.
A primeira delas é o controle público sobre os estoques. Não se
argumente que isso é um bem privado, por várias razões, desde o subsídio
dado ao setor, diretamente, até o apoio com que ele contou na
formação de um mercado de consumo, com as desonerações tributárias que
se fei para a criação de um frota flex-fuel.
A segunda é que o próprio Governo precisa avançar na sua participação
no setor, através da Petrobras, tanto na produção quanto na
distribuição. E, portanto, o crédito público disponível deve a ela ser
preferencialmente dirigido.
Até porque quem segura o rojão, em matéria de combustíveis, é a
Petrobras, que não reajustou seus preços na gasolina entregue na boca
das refinarias, importou e ampliou o volume de refino do produto.
Apesar da lentidão com que a ANP vem tratando essa regulação, os
contratos de fornecimento pré-estabelecido, a longo prazo, vão sair. É
que a presidenta Dilma tem mandado avisar que, se não houver um acordo
em que as usinas garantam o fornecimento de etanol, taxará a
exportação de açúcar.
Aí a turma treme.
sábado, 16 de julho de 2011
Jogos da Alba têm início neste domingo, com 19 países inscritos
Começa neste domingo (17), na Venezuela, a 4ª edição dos Jogos da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba). Participarão mais de dois mil atletas pertencentes dos 9 países que formam a Alba, além de outros 10 países do mundo. O evento esportivo, que acontecerá até 30 de julho, é realizado a cada dois anos e tem como objetivo demonstrar as habilidades dos esportistas e promover a integração social dos povos.
"Mais que tratados entre estados é
necessário fomentar a união latino-americana através do permanente
intercâmbio cultural entre os habitantes da região”, declarou o
presidente venezuelano Hugo Chávez, ao site de informações do governo.
Neste sentido, os Jogos da Alba são exemplos de formas para alcançar
este objetivo.
Dezenove nações enviarão suas delegações. Participarão esportistas da
Argentina, Brasil, Colômbia, Curazao, Chile, El Salvador, Espanha,
Guatemala, Guiana, México, Paraguai, Peru, Porto Rico e República
Dominicana, Antigua e Barbuda, Bolívia, Cuba, Dominica, Equador,
Nicarágua, San Vicente e as Granadinas e Venezuela. Para alguns países, o
torneio servirá como preparação para os próximos jogos Panamericanos de
Guadalajara (México) em 2012.
Segundo a organização venezuelana, pelo site de informações do governo, o evento cresceu em participação e mantém "o sonho de Simón Bolívar: a unidade entre os povos da região”. Em entrevista à TeleSur, o ministro de Esporte da Venezuela, Héctor Rodríguez, declarou que "estes jogos aproximam os povos. Esmos dando saltos impressionantes na unidade latino-americana e caribenha”.
Serão disputadas 35 modalidades individuais e de conjunto em múltiplos estádios e centros esportivos de dez estados venezuelanos. Os principais estados sedes serão Lara, Yaracuy e Carabobo, onde se disputarão competições tais como atletismo, handebol, boxe, canoagem, esgrima, judô, karatê, levantamento de peso, luta, tae kwon do, entre outros. A inauguração se realizará no estado de Lara, no domingo pela manhã.
Os outros estados sedes dos Jogos são Anzoátegui, Aragua, Cojedes, Distrito Capital, Portuguesa, Vargas e Miranda. De acordo com a organização, se investiu mais de 23 milhões de dólares em reparações da infraestrutura esportiva destes estados. Em Cojedes, por exemplo, se instaurou a Universidade Esportiva do Sul.
Alba
A Alba reúne nove países: Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua, Equador, Comunidade de Dominica, Antigua e Barbuda, Honduras, San Vicente e Granadinas. Juntos, eles representam uma população de 75 milhões de pessoas. A proposta da aliança se formulou pela primeira vez no marco da III Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Associação de Estados do Caribe, em 2001.
É uma aliança política estratégia que "tem o propósito histórico fundamental de unir as capacidades e fortalezas dos países que a integram, na perspectiva de produzir as transformações estruturais e o sistema de relações necessários para alcançar o desenvolvimento integral requerido para a continuidade de nossa existência como nações soberanas e justas”, se explica no texto do Tratado.
Fonte: Adital, com informações de TeleSur, AVN e Alba.
Segundo a organização venezuelana, pelo site de informações do governo, o evento cresceu em participação e mantém "o sonho de Simón Bolívar: a unidade entre os povos da região”. Em entrevista à TeleSur, o ministro de Esporte da Venezuela, Héctor Rodríguez, declarou que "estes jogos aproximam os povos. Esmos dando saltos impressionantes na unidade latino-americana e caribenha”.
Serão disputadas 35 modalidades individuais e de conjunto em múltiplos estádios e centros esportivos de dez estados venezuelanos. Os principais estados sedes serão Lara, Yaracuy e Carabobo, onde se disputarão competições tais como atletismo, handebol, boxe, canoagem, esgrima, judô, karatê, levantamento de peso, luta, tae kwon do, entre outros. A inauguração se realizará no estado de Lara, no domingo pela manhã.
Os outros estados sedes dos Jogos são Anzoátegui, Aragua, Cojedes, Distrito Capital, Portuguesa, Vargas e Miranda. De acordo com a organização, se investiu mais de 23 milhões de dólares em reparações da infraestrutura esportiva destes estados. Em Cojedes, por exemplo, se instaurou a Universidade Esportiva do Sul.
Alba
A Alba reúne nove países: Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua, Equador, Comunidade de Dominica, Antigua e Barbuda, Honduras, San Vicente e Granadinas. Juntos, eles representam uma população de 75 milhões de pessoas. A proposta da aliança se formulou pela primeira vez no marco da III Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Associação de Estados do Caribe, em 2001.
É uma aliança política estratégia que "tem o propósito histórico fundamental de unir as capacidades e fortalezas dos países que a integram, na perspectiva de produzir as transformações estruturais e o sistema de relações necessários para alcançar o desenvolvimento integral requerido para a continuidade de nossa existência como nações soberanas e justas”, se explica no texto do Tratado.
Fonte: Adital, com informações de TeleSur, AVN e Alba.
Deolindo Amorim: o Filósofo e Didata do Espiritismo
Escreve: Jaci Regis no PENSE | |||
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