É interessante observar que os que tem, hoje, a presumida
honra de serem colunistas ou editorialistas dos jornais e revistas mais
tradicionais do país, precisem dizer todos os dias, a quem lhes paga:
“não sou mais comunista”, “não sou mais esquerdista” , ”não sou petista”
e, no casos mais típicos, “longe de mim a quarta internacional...”
Especializam-se, assim, entrincheirados em espaços nobres, não somente
em propagar um ódio incontido ao seu passado, mas também em diluir a
atenção sobre a falência do modelo e modo de vida neoliberal -escolhido
por eles como opção política- que depreda economicamente e
ambientalmente o planeta. O artigo é de Tarso Genro.
A crise da zona do euro, combinada com a
radicalização da crise americana, põe a nu tudo que os liberais e os
neoliberais construíram como “saídas” ou “reformas”, para a economia
mundial, depois da queda do chamado socialismo real.
A
devastação dos direitos sociais, as “petroguerras”, apelidadas - desde o
enforcamento de Sadam - como ocupações em defesa da democracia, a
continuidade ou estratificação da pobreza em vastas regiões do globo, a
destruição dos direitos sociais na Europa, supostamente para promover a
“recuperação” da economia, não tem gerado na esquerda européia mais do
que perplexidades, combinadas com reações fragmentárias. A ausência de
proposições alternativas, capazes de mobilizar os protestos de
indignação para, com exceção da Itália, vencer os processos eleitorais
em curso, só aprofunda o sentido da crise.
Aqui no Brasil, onde
as coisas andam razoavelmente bem graças às políticas anticíclicas
organizadas pelo presidente Lula, é importante acompanhar as colunas de
economia e política dos principais jornais do país, porque elas
mimetizam a tática da direita “moderada” ou “radical” na luta política
nacional. É preciso acompanhar, também, as informações que circulam na
internet e nas edições virtuais destes principais periódicos, lendo os
comentários de leitores a respeito das informações que envolvem Lula, o
PT, a crise do capitalismo e as movimentações da esquerda em geral.
As
colunas continuam, na sua maioria, as mesmas: recheadas daquelas poses
de quem sabe tudo, sempre soube tudo e pôde falar sempre sem
contraditório, sobre qualquer assunto. Esquecem as suas defesas
apaixonadas do mercado financeiro desregulado, as suas opiniões sobre a
incompetência e a “grossura” de Lula, as suas previsões catastróficas
sobre o Brasil e sobre a democracia, os seus prognósticos “refinados”
sobre a economia mundial (“bombando”), e mantém os seus esforços em
tributar a FHC a regeneração do Brasil pelo Plano Real.
Como
sempre, as colunas prosseguem na desconstituição da política
democrática, pela identificação desta com a corrupção. Tratam-na como
uma propriedade muito brasileira omitindo, sempre, que o governo que
mais combateu a corrupção no estado, seja através da Controladoria Geral
da União, do Ministério da Justiça via Polícia Federal e do acionamento
dos demais órgãos de controle, foi precisamente o governo Lula. Nos
seus dois períodos, após a chamada crise do mensalão, nunca se atacou
tanto os velhos esquemas de quadrilhas que assolavam e ainda assolam o
estado brasileiro.
Para respeitar os velhos e coerentes
colunistas conservadores é bom notar que os que mais se escondem em
ironias, com estilos - poderia se dizer “maneirismos”- sempre dirigidos
contra Lula e a esquerda, sem qualquer fundamentação que não seja a
repetição da dogmática reacionária (ou do Departamento de Estado nos
anos 60 ou do “tatcherismo” dos anos 70), são os que foram, ou de
esquerda ou levemente progressistas algum dia.
É interessante
observar que os que tem, hoje, a presumida honra de serem colunistas ou
editorialistas dos jornais e revistas mais tradicionais do país,
precisem dizer todos os dias, a quem lhes paga: “não sou mais
comunista”, “não sou mais esquerdista” , ”não sou petista” e, no casos
mais típicos, “longe de mim a quarta internacional...” Especializam-se,
assim, entrincheirados em espaços nobres, não somente em propagar um
ódio incontido ao seu passado, mas também em diluir a atenção sobre a
falência do modelo e modo de vida neoliberal -escolhido por eles como
opção política- que depreda economicamente e ambientalmente o planeta.
São
preocupantes, neste contexto de intolerância, as tentativas de forçar a
ilegitimação ideológica de qualquer proposta de esquerda com vocação de
poder. Para esta intolerância convergem as manifestações de ódio
fascista, que exalam de comentários de “leitores” através da “internet”,
repetidos à exaustão, que não são críticas normais na democracia, mas
ofensas graves e duras manifestações de ódio de classe, contra
personalidades e partidos de esquerda.
O próprio PSOL, que
radicalizou um discurso tipicamente moralista na época do mensalão, foi
homenageado todos os dias pela grande imprensa, pelo simples fato que
ele batia em Lula e promovia o desgaste do governo. Tudo porque Lula
foi, como é Dilma atualmente -com todas as nossas imperfeições- a
esquerda concreta no poder. A esquerda que retirou o país da crise, com
políticas que transitaram da ortodoxia monetarista para o
desenvolvimentismo com perspectivas de sustentabilidade.
Hoje, o
aguçamento e a radicalização da luta de classes, que caracterizou os
grandes confrontos do século XX, migrou dos partidos de esquerda,
integrados no Estado Democrático de Direito, para os colunistas e
“blogs” dos grandes diários e revistas do país. Alguns deles estão
desesperados pelo naufrágio do modelo rentista sem trabalho, cuja
sustentação, no espaço mundial, é feita pelas agências e consultorias
privadas. Outros, estão sendo apenas mais realistas do que seus próprios
reis, com a sua virulência provocativa, para dissolver (como se
precisasse) o seu passado de esquerda ou “esquerdista”.
Tal
estratégia midiática dá a impressão que, fraudados pela decomposição
econômica do festim neoliberal -promovido pela especulação financeira
global- estes cérebros que apoiaram e promoveram a propaganda contra a
economia produtiva e o rendimento com trabalho, agora precisam purgar,
no ódio contra alguém, a evidência do seu fracasso. Assim, passam a
promover uma espécie de “espírito de bolsonaro” na política, contra os
seus adversários de esquerda. Estes, agora, inimigos que devem ser
eliminados da cena pública, no momento que a crise se aprofunda e que a
regência do capital financeiro prepara o assalto final ao que restou do
Estado Social de Direito.
No romance “Um campo vasto” de
Günter Grass, que tem como pano de fundo a reunificação da Alemanha, um
padre num sermão de casamento, ao defender a fé católica faz a pergunta:
“E, por outro lado, a nova fé -desta vez a fé na onipotência do
dinheiro- não é barata e mesmo assim de alto valor cambial?” . Um dos
convidados exclama: “Estamos fartos de assuntos desagradáveis”. Deve ser
por isso que os liberais e neoliberais não estão nos brindando com as
suas profundas análises das benesses do capitalismo globalizado, como
expressão do humanismo e do progresso. Deve ser, para eles, um assunto
muito desagradável!
Mensalão e formação da opinião
Não
é correto dizer que o chamado “mensalão” foi um artifício engendrado
pela mídia para derrubar Lula. Aliás, a sua “metodologia” começou em
Minas, com o PSDB e provavelmente foi a expressão mais completa da
decadência do sistema político, ainda em vigência, que envolve o
financiamento privado das campanhas e a formação de alianças não
programáticas, fundadas nas necessidades imediatas de governabilidade.
É
de notar, porém, que o PSDB não padece de nenhum desgaste em relação ao
“mensalão” –seu desgaste é originário de outros motivos- pois os males
do mesmo ficaram totalmente concentrados no petismo.
Contudo é
correto afirmar que, independentemente de que tenham ocorrido
ilegalidades que não são novas em qualquer processo eleitoral - as quais
devem ser apuradas e punidas, se provadas- o chamado “mensalão” abriu a
possibilidade de um golpe político. Ele seria feito através do
“impedimento” presidencial, aventura que teve acolhida de uma parte da
mídia, dos setores mais obscurantistas no Congresso Nacional e que
transitou, fortemente, pela direita da OAB Federal. O namoro com o
golpismo seduziu uma boa parte dos Conselheiros vinculados ao PFL, na
época, e ao PSDB. Felizmente, para o Brasil, a maioria do Conselho não
embarcou no confronto.
A tentativa de destruição do PT naquela
oportunidade, com a incriminação em abstrato de toda a comunidade
partidária, a tentativa de responsabilizar diretamente o Presidente - o
que, diga-se de passagem não foi feito contra FHC na mais grave
sabotagem à Constituição depois do golpe de 64, a compra de votos para a
reeleição -, gerou uma pesada sectarização da luta política.
Observemos
agora as denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes – DNIT.
Provavelmente sejam misturadas pela mídia denúncias verdadeiras,
conclusões pessoais de jornalistas e equívocos a respeito da correção
nos preços dos contratos, que, de resto, são previstas em lei e são
comuns em todas as administrações públicas.
O que se vê, porém, é
uma incriminação geral de todas as pessoas que passaram ou que estão no
Ministério dos Transportes – DNIT, sem qualquer tipo de preocupação de
separar aquilo que é ilegal, irregular, ou corrupção, do que é um
procedimento normal feito em todos os governos, pelo menos ao longo dos
últimos trinta anos.
É muito importante a denúncia de atos de
corrupção feita por qualquer órgão de imprensa independentemente da sua
maior ou menor adversidade com o governo. Mas estas denúncias, em nosso
país, transformam-se , na verdade, em denúncias aos políticos em bloco, o
que surte dois efeitos: ajuda os corruptos a se abrigarem numa
comunidade indeterminada e intimida as pessoas de bem, que estão no
poder público, para colaborarem na apuração dos fatos, porque todos são
colocados como suspeitos. Quem já passou pelo poder público sabe,
também, que algumas denúncias às vezes são falsas. São feitas por
empresas “perdedoras” de licitações, utilizando, de boa ou má fé, os
órgãos de imprensa que também agem de boa ou má fé.
O tipo de
cruzada moral que tem sido feita no país tem gerado uma profunda
sectarização do debate político, como ocorreu durante todo o governo
Lula e como está ocorrendo no governo Dilma, contra o PT e contra a
esquerda. E como não foi feito no governo FHC, contra o PSDB, contra a
direita e a centro-direita.
Esta sectarização, portanto, reflete
em todo o processo político: de uma parte, na perda de credibilidade de
alguns órgãos de imprensa importantes para o país, que já são vistos “in
limine”, com suspeição pela maioria da sociedade, em qualquer denúncia,
“quente” ou “fria” que fazem; e, de outra, na formação de um ódio
antipetista, em parte da classe média brasileira, que reage com uma
irracionalidade fascista ao Partido, lembrando os momentos mais duros da
“guerra fria”. Isso pode ser observado pelos comentários através da
“internet”, do que chamei atrás de “espírito de bolsonaro”, onde o apelo
à violência física contra petistas - incitação ao crime, portanto -
são frequentes.
O verdadeiro “concurso” de denúncias que cerca
cada ilegalidade imputada aos políticos do país, numa espiral ascendente
que chega ao paroxismo, por um lado é subproduto do mensalão, como
impulso da disputa pelo mercado de leitores na grande mídia e, de outro,
é a perda de certos parâmetros éticos do jornalismo investigativo.
Para
a maioria destes profissionais, não importa as eventuais injustiças ou
graves lesões pessoais ou familiares que as denúncias infundadas causam.
O que interessa é a espetaculosidade. É a desmoralização de políticos,
que rende muitos leitores e prestígio pessoal para quem “descobre” o
escândalo, verdadeiro ou não, e que está se lixando para os efeitos
destrutivos das suas acusações.
Luis Gushiken que o diga, depois
de oito anos de exposição brutal na mídia, como corrupto, agora é
finalmente inocentado pelo próprio Ministério Público. Nenhuma
indenização pagará as humilhações sofridas por ele e pela sua família,
ao longo do calvário midiático a que ele foi impiedosamente submetido.
Inclusive
a Procuradoria Geral da Republica não ficou imune a esta sectarização. O
dr. Gurgel, a quem reputo qualidades morais e saber jurídico destacado,
ao apresentar suas razões ao Supremo Tribunal Federal, no processo do
mensalão - recentemente - imputa delitos ao ex-ministro José Dirceu,
que ele teria cometido em favor de um “projeto de poder partidário”.
Assim, os eventuais delitos de José Dirceu são um projeto de poder para o
PT, no âmbito da formação de uma quadrilha, que promoveu tais delitos,
representando toda a comunidade partidária. Esta acusação, que atinge em
abstrato toda a comunidade política do petismo e a ofende gravemente,
está inoculada pelo vírus da radicalização midiática, que
lastimavelmente envolveu, neste particular, o mais importante e digno
fiscal da lei no país.
Todos sabem das divergências de fundo e
de forma que tenho com o ex-ministro José Dirceu, ao longo do nosso
convívio no interior do partido. Suponho, porém, que com este arroubo
acusatório generalizado ao PT, de parte do Procurador Gurgel - não
encontrei ninguém no Partido que não se sentisse gravemente ofendido - o
que fica de conclusivo é que o Ministério Público não reunindo provas
suficientes para condenar o ex-Ministro transita, agora, para a
incriminação de toda a comunidade partidária. Como se não bastasse o que
já foi feito por grande parte da mídia tradicional.
Para
terminar, novamente Günter Grass. No mesmo livro já citado, o grande
escritor narra o relatório de um espião da Stasi, cujo conteúdo referia
que um certo cidadão fora visto remando nas águas do Elba, “dizendo
poemas não-revolucionários”. É mais ou menos como nós, do PT, ficamos em
relação ao projeto de “poder partidário”, analisado pelo Procurador
Gurgel. À semelhança do cidadão “contra-revolucionário”, incriminado
pela Stasi através de uma uma dialética negativa (dizer poemas
“não-revolucionários”), vamos ser absolvidos ou condenados juntos com o
ex-Ministro José Dirceu. Mesmo não participando do processo penal e não
usufruindo do sagrado direito de defesa.
Nós, como comunidade
petista indeterminada, vamos ser absolvidos “por tabela”, se ele não
cometeu o delito, mesmo “não” estando juntos (no caso da sua
absolvição); ou vamos ser condenados também “por tabela” por “não”
impedi-lo de cometer o delito (no caso da sua condenação), também mesmo
não estando juntos.
O que não deixa de ser dolorosamente kafkiano e amargamente antidemocrático.
(*) Tarso Genro é governador do Rio Grande do Sul.