segunda-feira, 19 de março de 2012

Cristovam Buarque: “Governador que não paga piso deve sofrer impeachment”


"Há muitos anos que defendo a troca dessas dívidas para que o dinheiro seja aplicado em educação" | Foto: Felipe Barra/Ag.Senado

Samir Oliveira no SUL21

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) faz da educação a sua principal bandeira. Ex-governador do Distrito Federal, ex-reitor da Universidade Nacional de Brasília e ex-ministro da Educação, ele chegou até a ser criticado por falar insistentemente no assunto quando disputou a Presidência da República em 2006.
Autor da lei que institui o piso nacional do magistério, o pedetista não economiza crítica aos governadores que não pagam o salário previsto na norma e regulado pelo Ministério da Educação (MEC). Para o senador, quem não cumpre a lei deveria ser cassado. “O Ministério Público precisa pedir o impeachment dos governadores e prefeitos que não cumprem o piso. Como é possível que um governador não cumpra a lei?”, indigna-se.
Nesta entrevista ao Sul21, Cristovam Buarque avalia a situação do Rio Grande do Sul e a atuação do governador Tarso Genro (PT), que o sucedeu quando deixou o Ministério da Educação – e o PT – em 2004. Para o senador, Tarso está “fora da lei” e não toma atitudes concretas para viabilizar o pagamento do piso.
“Quando o Tarso prometeu que pagaria o piso, ou ele conhecia e lei e foi demagogo, ou ele não conhecia e é despreparado”

Sul21 – Como iniciou o debate em torno da proposta de estabelecer um piso nacional para os professores?
 
Cristovam Buarque – A ideia começou já na Constituinte, quando o deputado Severino Alves apresentou um artigo na Constituição criando o piso. Mas isso ficou parado durante 20 anos. Em 2004 eu apresentei o projeto que criava o piso e em 2008 conseguimos que fosse aprovado, com o apoio do ministro da Educação (à época) Fernando Haddad (PT). Mas, assim que foi sancionada pelo ex-presidente Lula, a lei foi recusada por muitos governadores, que entrara com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), que acabou validando a norma.

Sul21 – Agora muitos governadores questionam a legalidade do reajuste de 22% determinado pelo Ministério da Educação (MEC), conforme o valor do custo por aluno do Fundeb, como regula a lei.
Cristovam –
A proposta que veio do governo dizia que o reajuste seria no mínimo igual ao INPC. Mas, no mínimo, também, igual ao aumento do valor dos recursos transferidos pelo MEC para as prefeituras (Fundeb). Para o ministério, o aumento seria o maior índice dentre esses dois. E a variação do INPC foi de 6,8%, enquanto a transferência de recursos para as cidades foi de 22%. Então por isso o aumento terminou sendo de 22%. Os governadores tentaram impedir, mesmo depois de isso ser aprovado na Comissão de Educação, que se considerava aprovação terminativa e poderia ter ido direto para a presidente. Tentaram levar o tema para o plenário, mas não conseguiram.
"É preciso negociar com os credores. A dívida com a educação e com as crianças é muito mais importante que a dívida com os bancos e com a União" | Foto: Marcello Casal Jr/ABr

Sul21 – Com esse aumento, o piso passou a ser R$ 1.451. Muitos governadores não cumprem esse valor. O senhor tem defendido medidas enérgicas contra quem não paga o piso.
 
Cristovam – Isso é uma desmoralização das instituições políticas brasileiras.  O Congresso tomou a iniciativa, o Executivo sancionou, o Judiciário legitimou e tem governador que não está cumprindo a lei. O valor de R$ 1.451 ainda é muito pequeno. O Ministério Público precisa pedir o impeachment dos governadores e prefeitos que não cumprem o piso. Como é possível que um governador não cumpra a lei?

Sul21 – Na sua avaliação, por que não pagam o piso?
 
Cristovam – Na maioria dos casos é falta de interesse. Claro que há também falta de dinheiro. Mas, ao lado disso, há a apropriação de recursos públicos. As assembleias legislativas abocanham o dinheiro do Estado. Há também as dívidas dos estados com a União. Há muitos anos que defendo a troca dessas dívidas para que o dinheiro seja aplicado em educação. Defendi isso internacionalmente para o país quando eu era ministro. E o Tarso Genro continuou defendendo, chegou até a negociar a dívida brasileira com a Espanha. O Tarso deveria estar liderando a troca da dívida dos estados com a União para colocar dinheiro na educação. É preciso negociar com os credores. A dívida com a educação e com as crianças é muito mais importante que a dívida com os bancos e com a União. Mas não vejo o governador se mover nessa direção.
“Se o MEC não tivesse legitimidade para determinar o reajuste, o STF já teria dito isso quando julgou a constitucionalidade da lei”
Sul21 – Há uma cobrança muito forte no Rio Grande do Sul, já que o governador foi ministro da Educação e assinou a lei do piso, na qualidade de ministro da Justiça, abaixo da assinatura do ex-presidente Lula, e hoje diz que o salário não deveria ser reajustado pelo MEC e não reconhece o aumento de 22%. O que o senhor pensa disso?
 
Cristovam – Durante a campanha eleitoral, quando o Tarso prometeu que pagaria o piso, ou ele conhecia e lei e foi demagogo, ou ele não conhecia e, nesse caso, é despreparado. Se ele realmente não estava preparado para saber das contas do Estado, deveria entregar as escolas do Rio Grande do Sul para que o governo federal tome conta. O governador Tarso Genro é advogado e foi ministro da Justiça. Não tem como ele dizer que o reajuste do MEC não é válido, ele sabe que isso não é verdade e não faz nenhum sentido. Se o MEC não tivesse legitimidade para determinar o reajuste, o STF já teria dito isso quando julgou a constitucionalidade da lei. Tarso está fora da lei, assim como os outros governadores que não pagam o piso de R$ 1.451.

Sul21 – Os professores dizem que o pai do piso não reconhece mais o seu filho…
 
Cristovam – O pai do piso sou eu. Mas eu não teria conseguido aprovar a lei sem o apoio do Fernando Haddad. Não vi o Tarso Genro em nenhum momento nas discussões que fazíamos para viabilizar a lei. Sem o Haddad, o projeto teria morrido na Câmara.

Sul21 – A lei também prevê que o governo federal ajude os estados que não conseguem pagar o piso. Mas os governadores reclamam que as exigências feitas dificultam isso.
 
Cristovam – O governador precisa pedir a ajuda do governo federal. Conversei com o ministro (da Educação) Aloízio Mercadante (PT) e ele é totalmente de acordo com esse aumento e está disposto a dialogar. Mas Tarso, em vez de conversar, quer que o aumento seja suspenso. Ele vai criar um passivo para o Estado, porque a Justiça irá mandar pagar o piso e com correções. Criar um passivo judicial é feio, mas criar um passivo judicial com os professores é mais feio ainda. Tem muito estado mais pobre que o Rio Grande do Sul que está pagando o piso.
"Os professores precisam de outros instrumentos de luta que não sacrifiquem os alunos" | Foto: Felipe Barra/Ag.Senado

Sul21 – Outra determinação da lei é que os planos de carreira do magistério sejam readequados. O senhor é favorável a isso?
 
Cristovam – Mudança de carreira para prejudicar os professores é uma maneira de burlar a lei. Agora, se for preciso fazer um plano de carreira que melhore a vida dos professores, tudo bem.
“Hoje o que atinge os governos são os estádios da Copa do Mundo. Então os professores do Brasil precisam ocupar esses estádios até que o piso seja pago”
Sul21- Como o senhor avalia as mobilizações feitas pelos professores para exigir o cumprimento da lei?
 
Cristovam – Os professores precisam lutar para que o piso seja adotado com o reajuste correto. Mas não consigo apoiar greve de aulas. As primeiras greves de professores tinham simpatizantes, mas hoje a sociedade já não costuma apoiar. Greve é apenas uma das formas de luta e não é a mais eficiente. É a que mais prejudica a sociedade e as crianças, alem de ser a que menos incomoda os governos, no caso dos professores.  Os professores precisam de outros instrumentos de luta que não sacrifiquem os alunos.

Sul21 – Quais, por exemplo?
 
Cristovam – Defendo uma proposta que muitos dizem que é radical e até anarquista. Os professores precisam ocupar os estádios em reforma ou em construção para a Copa do Mundo. E isso sem parar as aulas. Basta 200 professores ocuparem para inviabilizar as obras de um estádio. Garanto que, se isso acontecer, até o Joseph Blatter vai pedir que o piso seja pago. Os professores deviam enviar uma mensagem à FIFA dizendo: “Senhor Blatter, o país que vai receber a Copa do Mundo não consegue pagar nem R$ 1.451 aos seus professores”. Os governos não se mobilizam diante de uma greve de professores. É preciso uma ação que atinja o governo e hoje o que atinge os governos, mais do que qualquer outra coisa, são os estádios da Copa do Mundo. Então os professores do Brasil precisam ocupar esses estádios até que o piso seja pago.

Sul21 – O senhor é um grande defensor da federalização da educação no país. Essa é realmente a solução para a área?
 
Cristovam – Os governadores dizem que não têm dinheiro para a educação. Está na hora de eles entregarem as escolas ao governo federal. No Brasil, a melhor média no IDEB é das escolas federais, não das particulares. Por que, em vez de 300 escolas federais, não temos 100 mil? Até chegar ao total de 200 mil escolas federais.
"Se entramos no governo deixamos de ser aliados e viramos atrelados" | Foto: Lia de Paula/Ag.Senado

Sul21 – Mas a União teria dinheiro para manter todas as escolas?
 
Cristovam - Hoje não, mas isso pode e deve ser feito ao longo de 20 anos. Meu projeto nesse sentido prevê uma carreira nacional para o magistério pagando R$ 9 mil por mês e com seleção mediante concurso público. Seria uma carreira nobre. Em 20 anos, com 300 mil professores, representaria um gasto de 6,4% do PIB. Já estão falando agora em colocar 8% do PIB em educação a partir do próximo ano, sendo que a luta mesmo é de 10%. Com essa minha proposta ainda sobraria dinheiro para as universidades e outras atividades.
“A universidade brasileira é elitista porque não serve o povo e não deixa o povo entrar. Na universidade devem entrar os melhores, não os mais ricos”
Sul21 – O senhor já foi reitor da UNB. Como vê a situação das universidades brasileiras hoje? O senhor costuma criticar o elitismo das universidades?
 
Cristovam – Uma universidade não é elitista porque recebe poucos alunos, mas sim porque seus profissionais trabalham para poucos. Uma faculdade de Medicina precisa receber os melhores e seus profissionais precisam trabalhar para todos. Democrática é a universidade que serve a todos depois de formar. A universidade brasileira é elitista porque não serve o povo e porque não deixa o povo entrar. Na universidade devem entrar os melhores, não os mais ricos. Mas hoje entram os mais ricos e os pobres ficam de fora. Temos que dar condições para que os pobres disputem a entrada na universidade e isso só irá ocorrer com escola pública de qualidade para todos. Quando os filhos dos pobres e os filhos dos ricos estudarem na mesma escola, só entrarão na universidade os melhores. Não vejo nenhum problema no vestibular, desde que todos tenham um bom Ensino Médio. Como é que pobre vai disputar um vestibular se 10 milhões de pessoas não sabem ler? Dos que estudam, somente dois terços terminam o Ensino Médio e em escolas muito deficientes. Só com escolas iguais para todos conseguiremos que a universidade seja elitista intelectualmente, não socialmente. A universidade tem que representar a elite intelectual, não social.

Sul21 – Como o senhor avalia a situação atual do seu partido? Até agora, a presidente Dilma Rousseff (PT) não indicou um substituto para Carlos Lupi no Ministério do Trabalho.
 
Cristovam – A minha posição hoje é a mesma de quando Lula chamou o Lupi: sou contra. Se  entramos no governo, deixamos de ser aliados e viramos atrelados. Sou favorável a apoiarmos a Dilma, mas não quero estar atrelado a ela. Porque aí o partido morre. E o partido vem morrendo há cinco anos. Em 2006, quando disputamos a presidência, o PDT tinha uma cara, não a minha cara, mas a cara da educação. Hoje, qual é a cara do PDT? Um avião viajando ao Maranhão. O PDT deveria dizer à Dilma que não precisa de um ministério para apoiá-la. Apoiaremos nas coisas boas. Nosso lado é a esquerda, não a direita.
“Devíamos estar lançando já alguns nomes como candidatos à presidência, para deixar claro que em 2014 teremos candidato”
Sul21 – O senhor diria que o PDT hoje é um partido de esquerda?
Cristovam –
Eu sou um homem de esquerda. Quero educação igual para todos. Quero que o filho do patrão estude na mesma escola que o filho do trabalhador. Isso para mim é ser de esquerda. Mas sei que no meu partido tem muita gente que não quer isso. Quero aprovar a PEC que desapropria terras que utilizem trabalho escravo. Certamente no PT, no PDT e no PCdoB poderão ter pessoas votando contra isso. Mas de qualquer maneira nossa herança, com Brizola e o trabalhismo, está muito mais sintonizada com esses partidos do que com o DEM.

Sul21 – Na sua opinião, o PDT deve disputar a Presidência da República em 2014?
 
Cristovam – Devíamos estar lançando já alguns nomes como candidatos à presidência, para deixar claro que em 2014 teremos candidato. Defendo que escolhamos uns quatro nomes e coloquemos a rodar o país na condição de pré-candidato à presidência.

Sul21 – O senhor seria um desses nomes?
 
Cristovam – Sinceramente… Não sei se eu me motivaria. Mas tem outros nomes importantes, como o senador Pedro Traques (PDT-MT).

Partido dos Trabalhadores: o partido que ajudei a fundar*




por Olívio Dutra

O ex-governador e presidente de Honra do PT gaúcho faz uma análise profunda dos caminhos tomados pelo Partido dos Trabalhadores, desde sua fundação que teve como impulso a idéia de que o povo devia ser o sujeito de sua história, até a chegada de Dilma Rousseff a presidência da República.
Sempre fui desvinculado organicamente de estruturas políticas antes e, depois, dentro do PT. Não reivindico isso como virtude, mas não é tampouco um defeito, talvez uma limitação. Venho da vertente sindicalista que ajudou a fundar o partido.
Um balanço do PT, como partido de esquerda, socialista e democrático, tem de vê-lo como parte da luta histórica do povo brasileiro, em especial dos trabalhadores, na busca de ferramentas capazes não só de mexer mas de alterar a estrutura de poder do Estado e sociedade brasileiros marcada por privilégios baseados no enorme poder político, econômico, cultural de uma minoria. O PT nasceu para lutar por uma sociedade sem explorados e sem exploradores e radicalmente democrática.
Antes do PT, ainda no século XIX, surge o PSB, o primeiro partido de esquerda do Brasil republicano. O movimento operário anarquista das primeiras décadas do século xx era avesso à idéia de um partido. O PC surge em 1922. O PT aparece numa conjuntura de enorme agitação política reprimida por uma ditadura militar, fruto do golpe de 1964 que recompôs as elites contra um populismo que já não controlava mais as lutas sociais.
Este populismo, iniciado por Vargas e que inspira Jango e Brizola, era dirigido por gente ligada ao latifúndio “esclarecido”, um pouco na tradição dos republicanos gaúchos- Julio de Castilhos, Borges de Medeiros – que compartilhavam a idéia de que política não é para qualquer um, que o povo precisa de alguém que o cuide.
O PT nasceu com a idéia de que o povo devia ser o sujeito de sua história, o que marcou os seus primeiros passos. Mas, à medida em que conquistou mandatos em vários níveis, a coisa foi ficando“osca”, suas convicções e perspectivas foram perdendo nitidez. Houve uma acomodação na ocupação das máquinas institucionais (inclusive no Judiciário).
Diante desse processo o PT não se rediscutiu, não discutiu os efeitos dessa adaptação à institucionalidade de um Estado e de uma sociedade que, para serem democráticos, precisam ser radicalmente transformados.
Assim, o PT cresce quantitativamente – em 2011 temos três vezes mais diretórios municipais, passamos de mil a 3 mil, em função de eleições e do fato de o partido estar no governo federal e em governos estaduais, municipais, além de ter eleito centenas de parlamentares nos três níveis de representação.
E, bem mais que as idéias ou mesmo o programa, o que mobiliza o partido, ultimamente, são as eleições internas e externas. Somos todos responsáveis por isso: a política como um “toma lá, dá cá”, confundindo-se com negócios, esperteza,e a idéia de tirar proveito pessoal dos cargos públicos conquistados. E tem gente chegando no partido para isso, favorecidos pelo discurso da governabilidade mínima com o máximo de pragmatismo político.
Mesmo com os dois mandatos de Lula, demarcatórios na história de nosso país,o Estado brasileiro não foi mexido na sua essência. O 1º mandato foi de grande pragmatismo, onde a habilidade de Lula suplantou o protagonismo do Partido e garantiu, para um governo de composição, uma direção, ainda que com limites, transformadora da política. A política de partilhar espaços do Estado com aliados políticos de primeira e última hora de certa forma já vinha de experiências de governos municipais e estaduais mas ali atingiu a sua quinta essência. No 2º mandato, ao invés de o PT recuperar o protagonismo, diluiu-se mais um pouco, disputando miríades de cargos em todos os escalões da máquina pública.
Quanto à Dilma, ela é um quadro político da esquerda. Seu ingresso no PT, honroso para nós, não foi uma decisão fácil para ela, militante socialista do PDT e sua fundadora.
O PDT estava no governo da Frente Popular(PT, PDT, PSB, PC, PC do B) no RS. Veio conosco no 2º turno. No 1º turno sua candidata tinha sido a ex-senadora Emilia Fernandes. A relação do Brizola com o PT e com nosso governo nunca foi tranqüila. Tive de contornar demandas descabidas para criar secretarias para abrigar pessoas de sua indicação. Lembro o quanto lutamos pela anistia e volta dos exilados ainda durante a ditadura. Ocorre que em 1979, quando Brizola voltava do exílio, nós, os bancários de Porto Alegre – eu era presidente do sindicato da categoria – estávamos em greve. Caiu a repressão sobre nós com intervenção no sindicato e prisão de lideranças. Brizola permaneceu em São Borja no aguardo de que, com a prisão dos dirigentes, a greve acabasse. Veio até Carazinho, mas como a greve, apesar da repressão, não terminara, voltou para São Borja. A categoria tinha a expectativa que ele, pelo menos, desse uma declaração contra a repressão ao movimento. Não se manifestou.
Quando do governo da Frente Popular, em decorrência de o PT e PDT terem candidaturas opostas à Prefeitura de POA(nosso candidato, eleito, foi o Tarso Genro), Brizola, como presidente nacional do PDT, fez pressão para que trocássemos os secretários pedetistas ligados ao “trabalhismo social”: Dilma, Sereno, Pedro Ruas e Milton Zuanazzi, caso contrário o PDT deixaria o governo. Não concordamos. Eles foram mantidos nos cargos e com plena liberdade para se decidirem sobre sua vinculação partidária. Todos eles travaram uma discussão intensa nas instâncias do PDT e deliberaram desfiliarem-se e, posteriormente, após nova discussão interna, desta vez nas instâncias do PT, filiarem-se ao nosso partido. A Dilma, à época em que reabrimos a negociação sobre os subsídios, favores tributários e renúncia fiscal para a Ford, estava ainda no PDT e, como Secretária de Minas e Energia do nosso governo, participou da construção da decisão que, séria, responsável e republicanamente tomamos. Sua postura determinada nessas e em outras circunstâncias teem o nosso reconhecimento, respeito e admiração.
Ela tem clareza sobre como funciona o Estado e como deveria funcionar, sob controle público, para ser justo, desenvolvido e democrático mas, a composição do governo é um limitador e ela não vai poder alterar as estruturas arcaicas e injustas do Estado brasileiro, coisa que o próprio Lula, com toda sua historia vinculada às lutas sociais da s últimas décadas, não conseguiu fazer. Para mexer nisso, tem que ser debaixo para cima!
Então aí está o papel do partido que não pode se acomodar. Nós, os petistas, nos vangloriamos de feitos em prefeituras, governos estaduais e federal. Mas, criamos mais consciência no povo para que se assuma como sujeito e não objeto da política?
Nas eleições fala-se em “obras” e não se discute a estrutura do Estado, como e quem exerce o poder na sociedade e no estado brasileiros, os impostos regressivos para os ricos e progressivos para os pobres, as isenções, os favores tributários, a enorme renúncia fiscal. Tem prefeitura do PT que privatiza a água, aceitando o jogo do capital privado e a redução do papel do estado numa questão estratégica como essa.
O PT não se esgotou no seu projeto estratégico,mas corre o risco de se tornar mais um partido no jogo de cena em que as elites decidem o quinhão dos de baixo preservando os privilégios dos de cima. Nosso partido tem de desbloquear a discussão de questões estruturais do estado e da sociedade brasileira da disputa imediata por cargos. Essa discussão deve ser feita não apenas internamente mas com o povo brasileiro.
Realizar Seminários onde se discuta até mesmo o papel e o estatuto das correntes internas. Seminários com os lutadores sociais para discutir como um o partido com nossa origem e compromisso pode governar transformadoramente sem se apequenar no pragmatismo político.
A lógica predominante, diante das eleições do ano que vem, é de governarmos mais cidades, mas qual a cidade que queremos? A imposta pela indústria automobilística, desde os tempos de JK, com ferrovias privatizadas e sucateadas e o rodoviarismo exigindo que o espaço urbano se esgarce e se desumanize para dar espaço para o automóvel particular? Onde as multinacionais se instalam com as maiores vantagens do mundo e as cidades viram garagens para carros, onde túneis, viadutos e passarelas, cuja capacidade se esgota em menos de 10 anos, tecem teias de concreto que mais aprisionam do que libertam o ser humano?
O PT deve refletir sobre suas experiências de governar as cidades . São muitas e nenhuma definitiva. O Orçamento Participativo não foi radicalizado ao ponto de ser apropriado pela cidadania como ferramenta sua para controle não só de receitas e despesas, verbas para obras e serviços, no curto prazo,mas sobre a renda da cidade, sua geração e o papel do governo na sua emulação e correta distribuição social, cultural, espacial, econômica e política. O Orçamento Participativo tem que ser pensado não como uma justificativa para a distribuição compartilhada de poucos recursos mas como gerador de cidadania capaz de, num processo de radicalidade democrática crescente, encontrar formas de erradicar o contraste miséria/riqueza do panorama de nossas cidades.
A crise econômica mundial está longe de ser debelada e os países ricos teem enorme capacidade de “socializar” o pagamento dela com os países pobres. No chamado Estado de Direito Democrático o ato de governar é resultado de uma ação articulada e interdependente entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ocorre que na sociedade capitalista o Poder Econômico, que não está definido na Constituição, é tão poderoso e influente quanto todos aqueles juntos. Portanto, a confusão entre governo e esse poder “invisível” privatiza o Estado e é caldo de cultura para a corrupção.
Como presidente de honra do PT-RS tenho cumprido agenda partidária, fazendo roteiros, visitando cidades, participando de atos de filiações, ouvindo as lideranças de base e discutindo o PT. Sinto-me provocado positivamente com esta tarefa.
Mas na estrutura que existe hoje o Partido é cada vez mais dependente, inclusive financeiramente, dos cargos executivos e mandatos legislativos que vem conquistando. É difícil, pois, uma guinada, sem que haja pressão debaixo para cima sobre as direções , correntes, cargos e mandatos. Assim como está o PT vai crescer “inchando”, acomodando interesses. A inquietação na base quanto à isso ainda é pequena mas é sinalizadora de que a luta para que o PT seja um partido da transformação e não da acomodação vale a pena.

(*) titulo criado a partir das afirmações do presidente de Honra do PT/RS



Nelson Giles

CNTE comemora sucesso da greve nacional



A greve nacional da Educação foi um sucesso. Durante três dias, professores e demais trabalhadores da área pararam suas atividades, para cobrar o cumprimento da Lei Nacional do Piso do Magistério e dos compromissos assumidos pelos governadores e prefeitos com a categoria. O movimento envolveu as redes estaduais e municipais de ensino. Em alguns estados, como Pernambuco, mais de 85% das escolas pararam. Em muitos municípios Brasil afora a adesão foi quase total, caso de Curitiba, onde 95% dos educadores saíram às ruas para protestar.
“Foram três dias muito bons. Mostramos para os governadores e prefeitos que nós não aceitamos que eles simplesmente digam que não têm dinheiro para cumprir a Lei do Piso. Consideramos que eles precisam se esforçar para encontrar condições de saldar essa dívida. Precisam fazer melhor as contas dos seus estados e municípios, provar que gastam com a educação aquilo que é disposto na Constituição”, avalia o presidente da CNTE, Roberto Franklin de Leão.
O dirigente da CNTE lembra que cumprir a Lei Nacional do Piso não significa apenas o pagamento da remuneração de acordo com o valor definido pelo Ministério da Educação (MEC). “É preciso que se tenha claro que a Lei do Piso não fala só do salário. Fala de jornada, de carreira. Esses são pontos importantíssimos que são descumpridos. Isso tudo precisa ser cumprido”.
De acordo com o presidente da CNTE, a próxima batalha dos trabalhadores da Educação é fazer uma campanha contra a votação, no Congresso, do projeto de lei que altera os critérios de reajuste do piso, colocando apenas o INPC como fator de correção. “Nós não aceitaremos isso. Aceitamos discutir sobre a questão, mas não vamos discutir nada que não seja valorização. Aliás, o próprio ministro Aluizio Mercadante já se manifestou a respeito e na sua fala ao Congresso Nacional ele disse que não dá para ser simplesmente o INPC o fator de reajuste do piso”, afirma.

Veja como foi a mobilização nacional pelo piso nos estados:

ALAGOAS - Trabalhadores em educação fazem ato em frente à Secretaria de Educação
http://www.cnte.org.br/index.php/giro-pelos-estados/366-al/9871-greve-nacional-sinteal-realiza-ato-na-semed



GOIÁS - Educadores estaduais em greve param BR-153                              
http://www.cnte.org.br/index.php/giro-pelos-estados/373-go/9890-educadores-estaduais-em-greve-param-br-153


MINAS GERAIS - Greve nacional em Minas tem adesão de 35% das escolas e, em Belo Horizonte, a adesão é de 56%                                  
http://www.cnte.org.br/index.php/giro-pelos-estados/375-mg/9877-greve-nacional-em-minas-tem-adesao-de-35-das-escolas-e-em-belo-horizonte-a-adesao-e-de-56

MATO GROSSO - Cresce mobilização das escolas públicas no interior de Mato Grosso

MATO GROSSO DO SUL - Carta entregue para Assomasul reivindica o cumprimento da Lei do Piso


PERNAMBUCO - Professor em greve fazem manifestação em Recife e na Região Metropolitana
http://www.cnte.org.br/index.php/giro-pelos-estados/380-pe/9880-professor-em-greve-faz-novo-protesto-hoje

PIAUÍ - Trabalhadores mantém greve e farão protesto na segunda (19)

PARANÁ - Mais de sete mil foram às ruas em Curitiba, na paralisação em defesa da educação pública

RONDÔNIA - Trabalhadores em educação decidem na maioria das Regionais suspender a greve a partir de segunda-feira
http://www.cnte.org.br/index.php/giro-pelos-estados/385-ro/9894--trabalhadores-em-educacao-decidem-na-maioria-das-regionais-suspender-a-greve-a-partir-de-segunda-feira


RIO GRANDE DO SUL - Dia tem manifestação na SEC e ato público unificado em frente ao Palácio Piratini
http://www.cnte.org.br/index.php/giro-pelos-estados/387-rs/9895-dia-tem-manifestacao-na-sec-e-ato-publico-unificado-em-frente-ao-palacio-piratini

SANTA CATARINA - Assembleia Estadual dos Trabalhadores em Educação rejeita proposta do Governo
http://www.cnte.org.br/index.php/giro-pelos-estados/388-sc/9884-assembleia-estadual-dos-trabalhadores-em-educacao-rejeita-proposta-do-governo
 
SÃO PAULO - Profissionais de educação decidem manter luta por reivindicações e marcam próxima manifestação para 28 de março
http://www.cnte.org.br/index.php/giro-pelos-estados/390-sp/9883-profissionais-de-educacao-decidem-manter-luta-por-reivindicacoes-e-marcam-proxima-manifestacao-

sábado, 17 de março de 2012


Israel versus Irã: Apocalipse now! (1ª parte)

Mesmo com o respaldo da esquadra, estacionada no Golfo Pérsico, e a participação de tropas dos Estados Unidos, uma guerra contra o Irã, desencadeada por Israel, seria uma guerra extremamente difícil e sangrenta. Um ataque de Israel ao Irã mataria milhares de civis e arrasaria cidades, sem garantia de destruir completamente o programa de enriquecimento de urânio. Por outro lado, o Irã logo retaliaria com uma chuva de mísseis, provocando milhares de mortes em Israel. A análise é de Luiz Alberto Moniz Bandeira.

Em meados de 2010, os jornalistas Karen DeYoung e Greg Jaffe, doWashington Post, revelaram que as Special Operations Forces (SOF) dos Estados Unidos estavam a operar em 75 países, 60 a mais do que no fim do governo de George W. Bush, e o coronel Tim Nye, porta-voz do U.S. Special Operations Command, declarou que o número chegaria a 120. Esses números indicam que o presidente Barack Obama intensificou shadow wars em cerca de 60% das nações do mundo e expandiu globalmente a guerra contra a al-Qa’ida, além do Afeganistão e do Iraque, mediante atividades clandestinas das SOF, no Iêmen e em toda a parte do Oriente Médio, África e Central [1]. E ainda solicitou aumento de 5,7%, no orçamento das SOF para 2011, elevando-o a US$6,3 bilhões, mais um fundo de contingência adicional de U$ 3,5 bilhões em 2010 [2]. Seus contingentes, em 2010, eram de 13.000 efetivos, operando em diversos países e, eventualmente, 9.000, divididos entre o Iraque e Afeganistão. 

Com esse “way of war”, os Estados Unidos passaram a empregar high-tech killing machines, como os drones (UAV), aviões não tripulados e manejados à distância pela CIA, que disparam mísseis ar-terra do tipo AGM-114 Hellfire, ou equipes do Joint Special Operations Command (JSOC), como o Navy SEALs [3], para assassinar, sumariamente, e/ou capturar (Kill/Capture) chefes da al-Qa’ida e Talibans, no Paquistão, Afeganistão, Iêmen, Somália e em toda a Península Árabe [4]. O número de civis mortos por drones, desde 2004, situou-se, somente no Paquistão, entre 2.347 e 2.956 (dos quais 175 crianças), mais do que militantes [5]

Cerca de pelo menos 253 ataques foram ordenados pelo presidente Barack Obama [6]. E no início de 2012 os Estados Unidos dispunham de mais de 7.000 sistemas aéreos não-tripulados (Unmanned Vehicle Systems), i. e., os chamados drones, mais 12.000 no solo, até centenas de operações de ataque, cobertas e encobertas em, pelo menos, em seis países [7]. O mercado de drones, em 2011, estava avaliado em US$ 5.9 bilhões e esperava-se que dobrasse na próxima década. Esses aviões não tripulados custam milhões de dólares e existem dos mais diversos tipos, como MQ-1 Predator e o MQ-9 Reaper. Algumas variedades mais sofisticadas, como o Parrot AR.Drone, que custa cerca de US$ 300,00 e pode ser manejado, inclusive, por iPhone [8]

O presidente Barack Obama, em 2011, determinou a construção de uma constelação de bases, no Chifre da África, Etiópia, Djibouti e até em uma das ilhas do arquipélago das Seychelles, no Oceano Índico, para uma agressiva campanha de operações com drones, contra o grupo fundamentalista radical Harakat al-Shabaab al-Mujahideen (HSM), aliado de al’Qa’ida, baseado na Somália [9]. A CIA passou a constituir cada vez mais uma força paramilitar, além dos trabalhos de espionagem e coleta de inteligência, e, juntamente com as SOF, participa de quase todas as ações, travadas nas mais diversas regiões. E com esse way of war, ao qual o presidente Barack Obama, justificando o Prêmio Nobel da Paz, recorreu mais do que o presidente George W. Bush, ele se coloca por cima das leis nacionais e internacionais. Basta assinar uma Executive Order (EO) ou umfinding [10], autorizando assassinatos (killing targets) e outras operações encobertas, sem ter de consultar o Congresso. E assim as guerras se multiplicaram e se multiplicam. 

Barômetro de Conflitos
O Barômetro de Conflitos (Konfliktbarometer) divulgado pelo Instituto de Heidelberg de Pesquisa Internacional de Conflitos (Heidelberger Institut für Internationale Konfliktforschung - HIIK), órgão do Instituto de Ciência Política de Universidade de Heidelberg, mostrou que, em apenas um ano, 2011, o número de guerras e conflitos no mundo triplicou e foi o mais alto desde 1945: saltou de seis guerras e 161 conflitos armados, em 2010, para 20 guerras e 166 conflitos em 2011, tendo como cenário, sobretudo, o Oriente Médio, África e Cáucaso [11]. E a previsão do prof. Christoph Trinn, diretor do HIIK, é de que esse número aumentará ainda mais em 2012 [12].

É provável. Segundo o presidente Jimmy Carter (1977–1981) revelou em entrevista à imprensa, Israel, em 2008, possuía um arsenal nuclear da ordem de 150 ogivas nucleares [13]. Em fevereiro de 2012, Patrick "Pat" Buchanan, um paleoconservador (linha tradicional) do Partido Republicano e ex-comentarista político da televisão MSNBC (canal a cabo dos Estados Unidos), estimou que Israel tem cerca de 300 ogivas nucleares e advertiu que uma guerra no Oriente Médio seria desastrosa para os Estados Unidos e a economia mundial [14]

No fim dos anos 1990, a comunidade de inteligência dos Estados Unidos havia calculado que Israel possuía entre 75-130 armas nucleares, baseada nas estimativas de produção [15]. O arsenal incluía ogivas para mísseis Jericho-1 e Jericho-2, além de bombas para os aviões e outras armas táticas. Conforme outros cálculo, Israel poderia ter, àquele tempo, cerca de 400 armas nucleares, mas o número parece exagerado e seu último inventário incluiu menos de 100 artefatos [16]

O arsenal de Israel pode ser de 150 a 300 ogivas nucleares e a Israeli Defense Force – Air Force (IDF/AF) possuir 1.000 aeronaves, cerca de 350 jatos de combate contando com 125 F-15s avançados, e esquadrões de F-16s, especificamente modificados para empreender ataques estratégicos a longa distância, além de uma frota de Heron TP [17], drones, i.e. aeronaves não tripulados (UAV), que podem atingir 40.000 pés de altura e voar pelo menos 20 horas, até alcançar o Golfo Pérsico. A Israeli Defense Force – Air Force (IDF/AF) talvez seja maior do que a do Reino Unido e da Alemanha [18]. Contudo afigura-se muito limitada a possibilidade de sua utilização para deflagrar uma guerra contra o Irã, com a segurança de vitória. 

Alguns, em Israel, crêem que o ataque ao reator Osirak (Operation Opera), no 
Iraque (1981) constituiu um sucesso histórico, um precedente para o uso da força militar para impedir a proliferação de armas nucleares. Porém, oficiais do Pentágono entendem que um ataque às instalações nucleares no Irã seria uma operação muito complexa, muito diferente dos ataques “cirúrgicos” realizados por Israel ao reator Osirak, no Iraque, e ao reator da Síria (Operation Orchard), na região de Deir ez-Zor, em 6 de setembro de 2007, com um total de oito aviões F-15I Strike Eagle, F-16 Fighting Falcon e uma aeronave de inteligência [19]

A fim de atacar o Irã, no entanto, Israel necessitaria de ao menos 100 bombardeiros F-15, com bombas anti-bunker GBU-28 (laser-guided), das quais consta que dispõe apenas de 30, escoltados por caças a jato F-16 Fighting Falcon, e, segundo o antigo diretor da CIA, voar uma distância de 1,600 km (cerca de 1.000 milhas) sobre um espaço aéreo hostil, devendo ser reabastecidos no ar por outros aviões [20]. Segundo o antigo diretor da CIA, Michael Hayden, Israel não seria capaz de efetuar ataques aéreos que afetassem seriamente o programa nuclear do Irã. Teria sérios problemas de alcançar as maiores usinas de enriquecimento de urânio em Natanz e Fordo, e a planta de conversão de urânio em Isfaham. Dentro do establishment de Israel, porém, há poucas vozes isoladas que duvidam do sucesso de uma larga investida contra o Irã, mas o consenso é de que seria uma operação complexa e difícil, para a capacidade da IAF [21]

O auto-Holocausto
A posse de armamentos nucleares não torna Israel uma potência. Esse poderio militar não corresponde à sua extensão territorial, à sua dimensão demográfica nem aos seus recursos materiais e humanos [22]. E os cenários que se delineiam, em caso de um ataque ao Irã, com ou respaldo dos Estados Unidos, são realmente apocalípicos. Basta comparar os dados geográficos e demográficas, bem como de suas forças armadas convencionais, para avaliar a catástrofe que levaria ao fim o Estado de Israel, com um Holocausto provocado pelo seu próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Um auto-Holocausto. É o que também prevê o presidente da Rússia Vladimir Putin [23]

O território de Israel é de apenas 20.770 km2, cercado pelo Egito, a Faixa de Gaza, Líbano, Síria e pela Cisjordânia (West Bank). Sua população atual é de 7,5 milhões de habitantes (2012), dos quais mais ou menos 6 milhões, cerca 75%, são judeus e 25%, i. e., 1,5 milhão são árabes muçulmanos, alguns cristãos e drusos. Na Faixa de Gaza, há 1.6 milhões de palestinos; na Cisjordânia, há cerca 2,3 milhões de palestinos. Aproximadamente dentro de todos o território da Palestina (incluindo Israel) o número de árabes é da ordem de mais de 5,5 milhões de palestinos, número quase igual ao dos judeus em Israel, e o fato do governo de Binyamin Netanyahu continuar autorizando construções na Cisjordânia (mais 700 foram autorizadas em fevereiro de 2012), desrespeitando o princípio da criação de dois Estados, pode levá-los a uma violenta explosão, nas circunstâncias de uma guerra contra o Irã.

Ao contrário de Israel, o Irã ocupa o décimo-sexto maior território do mundo, ao sudoeste da Ásia, com uma larga extensão de 1.648.195 km2 e fronteiras com oito países, e mais de 2.440 km (1.516) do litoral entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã, interligados pelo estratégico Estreito de Hormuz. Sua população é de 78,8 milhões de habitantes (2012 est.), cerca de dez vezes maior do que a de Israel. O diretor do Military Balance Project, na Universidade de Tel Aviv, coronel Yiftah Shapir, admitiu que Israel poderia lançar um ataque contra o Irã e causar muitos danos, inabilitando seu programa nuclear, porém teria de bombardear o país e não poderia fazê-lo sozinho [24]. Ele reconhece que o máximo Israel que pode conseguir é atrasar o programa nuclear iraniano por “some months” e, no máximo quanto possível, cinco anos [25]. Tanto o general (r) Nathan Sharony, chefe do Council for Peace and Security, composto por 1.000 altos oficiais de segurança de Israel, quanto ex-chefe do Mossad (2002-2010), Meir Dagan, também pensam que o ataque ao Irã não compensaria, não seria favorável a Israel [26]

Na Hebrew University, Meir Dagan qualificou um ataque militar ao Irã como“a stupid idea” e, na Tel Aviv University, disse que que isto provocaria uma guerra regional, impossível para Israel enfrentar, e daria à república islâmica razão para prosseguir com seu programa nuclear [27]. Posteriormente, em novembro de 2011, falou no Clube de Indústria e Comércio de Tel Aviv que Israel não devia atacar o Irã e previu uma catástrofe se ocorresse [28]. Por sua vez, general (r) David Fridovich, ex-comandante ajunto do Special Operations Command e atualmente diretor de Defesa e Estratégia no Jewish Institute for National Security Affairs, declarou ao diário israelense que um ataque de Israel ao Irã poderia ser“counterproductive” [29].

A mesma opinião manifestou o general James Cartwright, do Marine Corps, acentuando inclusive que persuadiria mais iranianos a apoiar o programa nuclear e convencê-los que por isso o país deve ter os armamentos. Um ataque – acrescentou - poderia destruir as instalações, mas não “uninvent”a tecnologia e o capital intelectual continuaria a existir [30]. E Shlomo Gazit, ex-chefe da Intelligence and National Security, da Israeli Defense Force, acentuou, claramente, que um ataque ao Irã teria conseqüência oposta, i. e., resultaria na “liquidation of Israel” [31]. E acentuou: We will cease to exist after such an attack” [32]. Daí o general Martin Dempsey, chefe do Estado Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, ter dito à CNN que “We think that it's not prudent at this point to decide to attack Iran"[33]

Instalações nucleares
O Irã possui cerca de 12 a 20 instalações nucleares, espalhadas por diversas regiões. Alguns agentes de inteligência da França, Reino Unido e Estados Unidos suspeitam que, em Fordo, com 3.000 reatores, os cientistas iranianos estejam tentando enriquecer o urânio com uma concentração superior a 20% de pureza, o que capacitaria o governo de produzir artefatos nucleares, se fosse estocada quantidade suficiente para o uso militar. Essa usina está construída parcialmente dentro de uma montanha, a nordeste da mesquita de cidade de Qom, altamente protegida, com uma bateria de mísseis anti-aéreos, montada pela Guarda Islâmica Revolucionária [34]

A de Natanz, na província de Isfaham, distante de Israel quase 1.609 km. encontra-se cerca de oito metros abaixo do nível do solo, protegida por várias camadas de cimento. Lá operam aproximadamente 5.000 centrífugas, alimentadas com urânio hexafluoride. E, segundo o coronel reformado da USAF, Rick Pyatt, seria muito difícil o ataque ao Irã. Os aviões de Israel teriam de voar sobre um território estrangeiro hostil, porquanto os alvos estão 1.700 km distantes, devendo ser reabastecidos no ar, os mísseis Jericho-2 ou Jericho-3 teriam ogivas de peso limitado, provavelmente menos de 1.000 libras, e é muito duvidoso que elas pudessem penetrar bastante fundo para alcançar o nível determinado de destruição [35]

Se o Irã tiver ou tivesse o projeto de enriquecer urânio para fabricar artefatos nucleares, o que muitos suspeitam existir experimentos, inclusive na base militar de Parchim, outras usinas devem ser também subterrâneas, dentro de cavernas, difíceis de detectar com satélites e aviões. A topografia do Irã, a configuração do seu relevo, apresenta enorme dificuldade para ataques aéreos. É muito similar à do Afeganistão, muito escarpado e difícil de mapear, com aviões, inclusive porque os vôos têm de ser baixos e a república islâmica possui ótimo sistema de defesa antiaérea, com inúmeros mísseis terra-ar.

Uma operação aérea contra instalações nucleares do Irã teria de ser, provavelmente, acompanhada por tropas terrestres. Mas Israel conta apenas com 176.500 homens no serviço ativo, dos quais 133.000 no exército, e 565.000 na reserva, enquanto o Irã tem mais do que 523.000 no serviço ativo, dos quais 350.000 no exército, e cerca de 125.000 nos corpos da poderosa Guarda Revolucionária Islâmica [36]. Ademais, o Irã tem excelente sistema de defesa naval, montado com mísseis Sunburn, importados da Rússia e da China, o míssil mais letal contra qualquer navio, desenhado para voar 1.500 milhas por hora, nove pés acima do solo e da água [37]. O desequilíbrio de forças convencionais entre os dois países é enorme. Também possui submarinos e modernos barcos de patrulha, equipados com mísseis, e teria capacidade de interditar a estratégica de linha comunicação marítima, através do Golfo Pérsico [38], e controlar a passagem dos carregamentos de petróleo.

Mesmo com o respaldo da esquadra norteamericana, estacionada no Golfo Pérsico, e a participação de tropas dos Estados Unidos, uma guerra contra o Irã, desencadeada por Israel, seria uma guerra extremamente difícil e sangrenta. Também, conforme os analistas do Pentágono, um ataque aéreo dos Estados Unidos às instalações nucleares do Irã não seria bastante para destruir todos os reatores para enriquecimento de urânio, embora fosse mais amplo, menos arriscado e provavelmente lhes causasse muito mais danos que se realizado por Israel [39]. Poderia somente atrasar o programa, mas não impedir que o Irã produzisse armas atômicas[40]

A população do Irã é superior à soma das populações do Iraque e do Afeganistão e grande parte está concentrada nas montanhas, que configuram um cinturão estendido entre Zagros e Elbroz e uma linha entre o litoral do Mar Caspio e o Estreito de Hormuz. Outra parte da população está algumas cidades e no nordeste, em Mashhad, cidade com 2,83 milhões de habitantes, próxima à fronteira com o Afeganistão e o Turcomenistão, onde se encontra a tumba do imã al-Rida (765-c.818), um dos sucessores do profeta Muhammad, venerado pelos xiitas e visitado por cerca de 20.000 pessoas. O resto do país é muito pouco povoado. Com três lados cercados por montanhas e dois pelo Mar Cáspio e o Golfo Pérsico, o tamanho e a topografia tornam o Irã uma fortaleza, muito difícil de ser invadida e, ainda mais, ser conquistada [41]

Um ataque de Israel ao Irã seria um desastre. Mataria milhares de civis, arrasaria cidades, porém não poderia aniquilar 78,8 milhões de iranianos nem devastar um território de 1.648.195 km2. Porém, não teria nenhuma segurança de destruir completamente seu programa de enriquecimento de urânio. Por outro lado, o Irã logo retaliaria e, se lançasse seguidamente uma chuva de mísseis Shahab, Gahdr-3ª ou Sejji, com bombas de fragmentação, cuja sub-munição (bomblet), cerca de 202 explosivos, poderia atingir entre 200 e 400 metros e alcançar até 149 km, demolindo muitas cidades de Israel, inclusive Tel Aviv, dizimando milhares de seus habitantes. Certamente, o Hamas (sunita), na Faixa de Gaza, e o Hisbollah (xiita), no Líbano, aproveitariam para também atacar Israel com mísseis Katyusha, Fadjr-5, Urgan, Khaibar e outros de que as duas organizações paramilitares dispõem. 

Seria extremamente difícil, quase impossível, o governo de Benjamin Netanyahu resistir aos bombardeios e ao levante da população palestina dentro de Israel (1,5 milhão), na Faixa de Gaza (1.6 milhão) [42] e na Cisjordânia (2,3 milhões). Dentro de todo o território da Palestina (incluindo Israel) o número de palestinos é da ordem de mais de 5,5 milhões, contra mais ou menos 6 milhões de judeus. Seria uma guerra híbrida, de alta e baixa intensidade. Da população de Israel, de mais ou menos 6 milhões de judeus, 1,5 milhão poderia ser, em larga medida, aniquilada. 

(*) Luiz Alberto Moniz Bandeira é cientista político e historiador, professor titular de história da política exterior do Brasil (aposentado) da Universidade de Brasília e autor de mais de 20 obras, entre as quais Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque).

NOTAS
[1] Karen DeYoung & Greg Jaffe. “U.S. 'secret war' expands globally as Special Operations forces take larger role”. Washington Post. Friday, June 4, 2010 
Nick Turse. “A secret war in 120 countries. The Pentagon’s new power elite”. Le Monde diplomatique,18 August, 2011.

[2] Karen DeYoung & Greg Jaffe. “U.S. 'secret war' expands globally as Special Operations forces take larger role”. Washington Post. Friday, June 4, 2010

[3] Navy SEALs é uma unidade especial do United States Naval Special Warfare Command (NAVSPECWARCOM), cujo quartel-general é Coronado, na California, a integra o US Special Operations Command (USSOCOM). Foi um comando do Navy SEALs que executou bin Ladin no Paquistão. SEAL é um acrônimo de Sea, Air e Land (SEAL)

[4] Priest, Dana & William M. Arkin. Top Secret America. The Rise of the New American Security State. Nova York-Londres: Little Brown & Company, 2011, p. 251.

[5] Chris Woods “Drone War Exposed – the complete picture of CIA strikes in Pakistan”. Bureau of Investigative Journalism. August 10th, 2011.http://www.thebureauinvestigates.com/2011/08/10/most-complete-picture-yet-of-cia-drone-strikes/ Benjamin Wittes “Civilian Deaths from Drone Strikes”. Lawfare - Hard National Security Choices.http://www.lawfareblog.com/2011/08/civilian-deaths-from-drone-strikes/

[6] Ibid. 

[7] Peter W. Singer. “Do Drones Undermine Democracy?”. The New York Times. Sunday Review. January 21, 2012. Peter W. Singer é diretor da 21st Century Defense Initiative na Brookings Institution e autor da obra Wired for War: The Robotics Revolution and Conflict in the 21st Century.

[8] Nick Wingfield & Somini Sengupta. “Drones Set Sights on U.S. Skies”. The New York Times, February 17, 2012

[9] Craig Whitlock & Greg Miller “U.S. assembling secret drone bases in Africa, Arabian Peninsula”. The Washington Post, September 21 2011.

[10] Autorização dada pelo presidente dos Estados Unidos, quase sempre por escrito, na qual ele acha (find) que uma operação encoberta (covert action) é importante para a segurança nacional. O finding é o mais secreto entre os documentos do governo americano. 

[11] "Conflict Barometer 2011" - http://hiik.de/de/konfliktbarometer/

[12] Ibid.

[13] “Israel: Carter Offers Details on Nuclear Arsenal” - Reuters. New York Times. May 27, 2008. “Israel tem 150 armas nucleares, diz ex-presidente dos EUA”. BBC.Brasil. 26 de maio, 2008 - 19h46 GMT (16h46 Brasília)

[14] Pat Buchanan: “300 Nukes in Israel Yet Iran a Threat?” - http://buchanan.org/blog/video-pat-buchanan-300-nukes-in-israel-yet-iran-a-threat-5022
“300 ojivas nucleares israelíes, una amenaza mundial”. HispanTV 29/02/2012 09:39 www.hispantv.ir/detail.aspx?id=175279. Mark Whittington- “Pat Buchanan Oddly Thinks Israel is a Bigger Threat Than Iran” Yahoo! Contributor Network – Wed, Feb 22, 2012. Jeff Poor – “Buchanan: Who is a bigger threat — Iran or Israel?” The Daily Caller - 02/22/2012 - http://dailycaller.com/2012/02/22/buchanan-who-is-a-bigger-threat-iran-or-israel/

[15] A comunidade de inteligência dos Estados Unidos calculava, em 1999, que Israel tinha então entre 75 e 150 ogivas nucleares, conforme em boletim da Federation of American Scientists (FAS). Scarborough,Rowan. Rumsfeld's War. Washington, D.C.: Regnery Publishing, 2004, pp. 194-223.

[16] “Nuclear Weapons – Israel”. Federation of American Scientists (FAS). University of St. Andrew – 8.Jan.2007. www.fas.org/nuke/guide/israel/nuke/

[17] Os vants Heron TP, fabricados pela IAI (Israel Aerospace Industries), podem voar a uma altura de até 13.000 metros, acima da altitude da aviação comercial. Os Estados Unidos têm outro modelo, o MQ-1 Predator, usado para matar supostos terroristas, em operações chamadas de “3D”: “dull”, i. e., operações sombrias.

[18] Anshel Pfeffer – “Israel could strike Iran's nuclear facilities, but it won't be easy. Haaretz – Israel, 20.02.12.

[19] “Report: U.S. officials say Israel would need at least 100”. Ha’aretz – Israel, 20.02.12 

[20] Ibid. Michael Kelley. “US Offers Israel Advanced Weapons In Exchange For Not Attacking Iran”. Business Insider – Military & Defense. March 08, 2012.

[21] Anshel Pfeffer – “Israel could strike Iran's nuclear facilities, but it won't be easy. Haaretz – Israel, 20.02.12.

[22] “O status de potência pode ser estimado pela sua extensão territorial e o número de sua população, bem como pelos recursos materiais e humanos que um Estado tem condições de usar a fim predizer quão vitorioso pode ser em uma guerra com outro Estado, se usa seus recursos como vantagem.
Karl W. Deutsch, “On the concepts of politics and power,” in John C. Farrel
e Asa P. Smith (eds.), Theory and Reality in International Relations, Nova
York, Columbia University Press, 1966, p. 52. Gramsci, Antônio. Maquiavel, a política e o Estado moderno, 2ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976, p. 191.

[23] Stephen Bierman & Ilya Arkhipov. “Putin Says Iran Military Strike to Be ‘Truly Catastrophic’”. Bloomberg Businessweek. February 27, 2012. http://www.businessweek.com/news/2012-02-27/putin-says-iran-military-strike-to-be-truly-catastrophic-.html 

[24] "Israel May Lack Capability for Effective Strike on Iran Nuclear Facilities” -
Bloomberg- http://www.bloomberg.com/news/2011-11-09/israel-may-lack-capability-for-iran-military-strike.html

[25] Larry Derfner - “Security expert: Attacking Iran isn’t worth it. +972 is an independent, blog-based web magazine. February 6 2012|- http://972mag.com/warriors-against-war-with-iran/34831/

[26] Ibid.

[27] Ethan Bronner - “A Former Spy Chief Questions the Judgment of Israeli Leaders”. The New York Times, June 3, 2011.

[28] Bergman, Ronen & Mittelstaedt, Juliane von. “Dagans Bombe”. Der Spiegel. 07.11.2011.

[29] Hilary Leila Krieger & Jpost Correspondent. 'Strike on Iran could be counterproductive'. Jerusalem Post. Thu, Mar 15, 2012.

[30] Kristina Wong “Attacking Iran’s nuke sites may only slow progress”. The Washington Times, Monday, February 27, 2012 

[31] ‘An Attack on Iran Will End Israel as We Know It’. Tikun Olam-תיקון עולם: Make the World a Better Place -Promoting Israeli democracy, exposing secrets of the national security state http://www.richardsilverstein.com/tikun_olam/2011/06/10/an-attack-on-iran-will-end-israel-as-we-know-it/

[32] Ibid.

[33] David Jackson, “Obama to meet Israel's Netanyahu on March 5” - USA TODAY Feb 20, 2012.

[34] Julian Borger (New York) & Patrick Wintour (Pittsburgh). “Why Iran confessed to secret nuclear site built inside mountain”. The Guardian, 26.09.2009

[35] David Isenberg (Cato Institute). “Israeli Attack on Iran’s Nuclear Facilities Easier Said Than Done”. Inter Press Service, Washington, Feb 13 2012 (IPS). Rick Francona. “Iran - Israel's Air Strike Options Update” 
Middle East Perspectives: June 22, 2008: HTTP://Francona.Blogspot.Com/2008/06/Iran-Israels-Air-Strike-Options-Update.Html

[36] “Factbox: How Israel and Iran shape up militarily” – Reuters. 03.11.2011.
http://www.reuters.com/article/2011/11/03/us-israel-iran-forces-idUSTRE7A25O520111103

[37] “Iran's Arsenal Of Sunburn Missiles Is More Than Enough To Close The Strait”. Business Insider - Russ Winter| - February 08, 2012|
http://articles.businessinsider.com/2012-02-08/news/31036419_1_anti-ship-defense-system-target-missile#ixzz1oWwRbKm4 

[38] Anthony H. Cordesman & Alexander Wilner – “Iran and the Gulf Military Balance I: The Conventional and Asymmetric Dimensions”. Center for Center for Estrategic & International Studies (CSIS) Mar 6, 2012. 

[39] Mark Landler. “Obama Says Iran Strike Is an Option, but Warns Israel”. The New York Times, March 2, 2012

[40] Ibid.

[41] “The Geopolitics of Iran: Holding the Center of a Mountain Fortress”. Stratfor – Global Intelligence, December 16, 2011. 

[42] Cerca de 45 foguetes e um número quase igual de bombas foram disparadas desde Gaza sobre Israel em 24 horas, no dia 9 de março, como represália das milícias palestinas pelo assassinato do secretário-geral dos Comitês Populares de Resistência, Zuhair Al Qaisi, com foguetes de Israel. “Em 24 horas, 45 foguetes palestinos atingiram Israel”. Folha de São Paulo, 10.03.2012.

sexta-feira, 16 de março de 2012

O público e o privado em Porto Alegre




Por Paulo Muzell

Há uma constante nos nossos pouco mais de cinco séculos de história: a promíscua relação entre o interesse público e o privado. Começando lá pelas capitanias, passando pelo Brasil-Colônia, pelo Império, pela República Velha, e depois pela Nova, tenentista, em quase todos os períodos – com raras exceções -, uma elite conservadora e apátrida dirigiu o Estado com um objetivo central: consolidar um poder político monolítico, nada democrático que atendeu, invariavelmente, às necessidades de consolidação de seus patrimônios particulares. O país sofreu cinco séculos de exploração impiedosa de uma elite predadora.
No nebuloso período – que alguns anos atrás – vivemos sob a égide da ideologia neoliberal forjada lá fora por Thatcher e aqui por Efe Agá, o símbolo maior do desmonte foi a vergonhosa venda da Vale, a preços de banana. Aqui no estado tivemos o obscuro britismo, que deixou como herança dois mega escândalos: a doação à GM de quase trezentos milhões de dólares e a privatização da CRT, atendendo os interesses do ex-patrão do governador, a RBS.
Aqui em Porto Alegre os dezesseis anos da Administração Popular (Olívio-Tarso-Raul e Verle) interromperam a “onda privatista” embora deva se reconhecer que houve, também, considerável avanço na terceirização dos serviços especialmente no DMLU e no DMAE. Mas é a partir de 2005, quando começa o governo Fo-Fo (Fogaça-Fortunati), é que a coisa desanda. Acelera-se a contratação de serviços e se aceleram e se estreitam as relações perigosas com o setor privado.
O Araújo Viana é oferecido a grupo privado que se propõe reformá-lo e, em contrapartida, a empreiteira terá mais de dois terços do seu tempo de uso por um período de dez anos. Decorridos muitos anos a obra não é iniciada e, em 2010, quando retomada, anuncia-se que seu custo foi subestimado: custará três vezes mais, em vez dos 6 inicialmente previstos, serão gastos 18 milhões de reais!
O Largo Glenio Peres, o espaço público mais central e nobre da cidade é “adotado” pela Coca Cola. A multinacional coloca sua propaganda no local e o poder público restringe o uso do local para preservar os interesses da empresa. O porto-alegrense certamente quer saber quais são os “encargos” da Coca, o que receberá a população em contrapartida por ter restringida sua possibilidade de desfrutar aquele valiosíssimo espaço público.
Na Fazenda Municipal o governo Fo-Fo, no início de 2005 concedeu seis meses para a Procempa concluir a elaboração de um novo sistema de administração tributária (SIAT) e decidiu contratar uma consultora privada. Início de 2012, sete anos e três meses depois – reunião de técnicos fazendários conclui que o trabalho da consultora – eivado de erros – não tem qualquer condição operacional, talvez possa, depois das necessárias correções e adequações, entrar em funcionamento em 2013. Deverá ser totalmente reestruturado, provavelmente pelos próprios técnicos da empresa municipal. O pequeno detalhe é que mais de 5 milhões (a preços atuais 6 milhões) já foram pagos à consultora. O Ministério Público de Contas recebeu denúncia e está apurando os fatos.
Há, também, o desmonte da Carris, agravado pelo fato de que a tarifa de ônibus da capital ser extorsiva (dobrou desde o início do Plano Real) e os serviços muito ruins. A taxa de lucro do empresário é elevada e o governo municipal não realiza licitação para concessão de novas permissões de uso. Há problemas menores, embora igualmente graves tais como a “venda de chaves” de bancas do Mercado Público Central, tudo ilegal, e feito na “moita”, sob as barbas das autoridades municipais.
Há, também, um pequeno e exemplar escândalo: um tradicional bar instalou várias “salas” (deques de madeira) com inúmeras mesas, pasmem, na pista de rolamento da rua Gal. Câmara!!

quinta-feira, 15 de março de 2012

No México, a escola sem professor


Enquanto os cartéis de droga controlam regiões inteiras do país, o enfraquecimento do Estado mexicano preocupa até mesmo o governo dos Estados Unidos. O fenômeno pode ser observado também na educação, em que a defesa de estratégias tecnológicas para “reduzir custos” está longe de ser convincente
por Anne Vigna no LE MONDE DIPLOMATIQUE-BRASIL

A lição de álgebra termina e, como a cada quinze minutos, soa um jingle barulhento. Ele anuncia o que todos os alunos estão esperando: o espaço de publicidade. O primeiro spot coloca em cena famílias plantadas em frente a uma fileira de casas. “Este governo construiu 3 milhões de casas para os mais pobres!”, proclama orgulhosamente a narração. Em seguida, outra sequência digna de um blockbuster: delinquentes com aparência sinistra brutalizam um homem acorrentado. A voz continua: “A proteção dos direitos humanos é uma prioridade do governo federal”. Para as crianças do vilarejo de Amatlán de Quetzalcóatl, duas horas ao sul da Cidade do México, um novo dia letivo acaba de começar.
Estamos no centro do estado de Morelos, onde há um século, durante a revolução de 1910, os camponeses liderados por Emiliano Zapata exigiam educação gratuita e de qualidade. Aqui, como em muitos vilarejos mexicanos, os cursos são dados através de um aparelho de televisão conectado a um satélite – daí o nome “tele-escola”.

Quando o provisório se torna norma

Com uma antena parabólica no telhado, a tele-escola é percebida de longe. Dentro, as paredes brancas das duas salas de aula estão quase nuas. Um mapa do México oscila ao lado de um pequeno quadro para o qual o giz é só uma vaga memória. No meio da sala reina a televisão, que, a cada quinze minutos, transmite um curso (seguido por um espaço de publicidade). Dezoito alunos, em três níveis, são supervisionados por dois professores. O papel destes? “Fazer a ligação” quando a TV dá problema, “o que acontece todos os dias”, lamenta Ricardo Ventura, diretor e professor do ensino médio. De fato, depois de quarenta minutos de transmissão, o sinal do satélite desaparece: a aula acabou por hoje.
O primeiro ano acompanhou bem o curso, mas os estudantes não parecem apaixonados pelas caretas da apresentadora, que, de seu estúdio na capital, pretende ensinar-lhes Geografia. Enquanto isso, os alunos do terceiro nível (a quarta série), instalados na mesma classe, dormem ou ficam mordendo a caneta. Antes de seu curso ser transmitido, eles têm de esperar até que passem os do primeiro e do segundo níveis. Nenhum livro, nem mesmo um exercício para aproveitar os minutos que demoram a transcorrer. Alguns erguem um olho para a tela: “As lições do ano passado”, comenta uma. Sim, mas sem o som!, que foi abaixado para que o primeiro nível trabalhe...
Uma olhada para a TV indica ao professor que a lição do segundo nível acaba de terminar e que ele vai poder se ocupar dos maiores. Ele prepara os livros de História, mas a jovem apresentadora anuncia, com música e muitos efeitos de iluminação, que chegou o momento “tão esperado” da Matemática. “Eles nos enviam o programa pela internet, mas eu não consegui ver meu e-mail”, desculpa-se o professor. Dessa vez, os alunos irão trabalhar apenas três minutos: a recepção dá problema, todos saem para o recreio. O professor vai dar a lição sem televisão? “Não, vai passar de novo na semana. De qualquer forma, é melhor ter uma ajuda visual para ensinar.”
Nas escolas tradicionais, oito professores se distribuem pelas diversas matérias. Na tele-escola, há apenas uma pessoa. Em teoria, os horários são os mesmos (das 8 às 13 horas), mas, no dia de nossa visita, problemas de conexão adiaram o início das aulas para as 10 horas. E em três horas os alunos não fizeram muitos progressos: alguns desenharam, outros ouviram música no celular, enquanto um pequeno grupo limpou a escola. Os dois professores repetem que as aulas serão reexibidas no dia seguinte, quando eles poderão revisar tudo. No dia seguinte, a recepção por satélite não funcionou, e os professores improvisaram uma caminhada antes de mandar todos de volta para casa.
Há pelo menos duas décadas, em 1968, esse modelo foi criado no México. “A fórmula foi originalmente concebida como provisória, enquanto se aguardava que novas escolas fossem construídas. Mas se perpetuou. Tanto que atualmente um em cada cinco estudantes está matriculado em uma tele-escola”, explica Etelvina Sandoval, doutora em Pedagogia pela Universidade Pedagógica Nacional (UPN). Com a chegada ao poder do Partido Ação Nacional (PAN, direita liberal), o número de tele-escolas explodiu: 117% de aumento sob a Presidência de Vicente Fox (2000-2006) e uma duplicação desde a eleição de Felipe Calderón, em 2006. Hoje, 20% dos alunos no setor público (1,3 milhão de crianças) estudam diante da televisão, especialmente em áreas rurais e nas periferias das cidades.
Se as tele-escolas registram os piores resultados numa avaliação nacional realizada anualmente em todas as escolas públicas e privadas do país, existem poucos estudos que detalham as dificuldades ali enfrentadas pelos alunos. De acordo com aquele realizado em 2000 pela pesquisadora Annette Santos, do Instituto Nacional de Avaliação da Educação, em 59 tele-escolas de diferentes classes sociais,1 a maioria dos alunos mal alcança um nível de compreensão básico de espanhol e matemática, resultados bem inferiores aos de alunos de escolas tradicionais e técnicas. “A tele-escola reproduz de maneira gritante a desigualdade social: os alunos mais pobres obtêm os piores resultados”, constata a pesquisadora. Para piorar a situação, as áreas mais carentes têm mais “tele-escolas unitárias”, ou seja, com um professor para diferentes níveis. O Ministério da Educação reconhece sem rodeios que essas instituições carecem de meios: enquanto no último diagnóstico feito pelo ministério, em 2003, 5.180 delas, ou seja, cerca de 30%, não tinham aparelho de TV, 2 mil não tinham... energia elétrica.2
Essas deficiências permanecem, mas o ministério assegura que em breve serão coisa do passado: “O presidente Calderón criou o programa Inclusão Digital para Todos, que permitirá que no futuro todas as tele-escolas sejam conectadas à internet”, promete a senhora Bernaldez, uma professora. Impossível saber, no entanto, o orçamento destinado a esse novo programa nem seu calendário de execução. O mandato de Felipe Calderón termina em dezembro deste ano. Mas para Cristóbal Cobo Romani, pesquisador do Instituto de Internet da Universidade de Oxford, que realizou vários estudos sobre as novas tecnologias na educação no México, “é totalmente utópico fingir que as tele-escolas poderão dispor tão rapidamente de internet. O México vai ter problemas de conexão por um longo tempo. Na Europa, onde a conectividade atinge mais de 65% do território, ainda existem dificuldades no meio rural”.
Acontece que resolver os problemas estruturais sairia muito caro. Entre 2001 e 2008, a porcentagem do produto interno bruto (PIB) destinada à educação diminuiu de 5,3% para 5%.3 Desde 2006, a título de comparação, o orçamento da polícia foi multiplicado por seis. Em um estudo sobre a situação da escola no México realizado em 2010, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) constatou que os gastos por aluno estão bem abaixo da média de seus países-membros: US$ 2.111 no primário contra o triplo, em média (US$ 6.741), no âmbito da OCDE.4 No secundário, nível que inclui as tele-escolas, a proporção é de um para quatro: US$ 1.814 por aluno no México, contra US$ 7.598, em média, nos países da OCDE. Além disso, a organização alfineta a contribuição exigida dos pais no sistema público. Em Amatlán, o diretor reconhece: “são os pais que pagam tudo, desde o papel higiênico até a conta de luz. Não temos escolha: não dispomos de nenhum orçamento para funcionar”.
Se o governo Calderón não ficou parado no campo da educação, sua medida principal diz respeito às famílias que matriculam os filhos no setor privado, ou seja, 2,3 milhões de alunos (contra 23,1 milhões da escola pública). Em 15 de fevereiro de 2011, o presidente anunciou que as mensalidades passariam a ser dedutíveis dos impostos – uma antiga reivindicação da Igreja Católica. “É um presente para a classe média, mas é uma nova catástrofe para o país, cuja desigualdade social vai aumentar ainda mais”, estima o acadêmico Octavio Rodriguez Araujo.
De resto, as iniciativas do governo, agrupadas sob o nome de “Aliança Nacional pela Qualidade da Educação”, imitam o programa dos Estados Unidos “Nenhuma criança deixada para trás”, criticado pela ex-vice-ministra Diane Ravitch, que esteve, no entanto, entre seus incentivadores.5 A ideia? Recompensar com um “bônus” financeiro escolas e professores que têm melhor desempenho no exame nacional denominado Enlace. “Em suma, isso consiste em aprofundar ainda mais as desigualdades já existentes: as escolas primárias e as tele-escolas em regiões pobres sempre terão menos condições, porque elas sempre obtêm os piores resultados nesse exame”, explica Etelvina.

“Voluntários compulsórios”

Para as autoridades, os responsáveis pela situação atual são os professores. Os especialistas em educação, em contraste, denunciam uma negação dos problemas que estes últimos devem enfrentar. “Não podemos colocar todos no mesmo saco. No dia a dia, encontramos casos muito diferentes, e muitas vezes professores extremamente dedicados”, afirma Romani.
É o caso da tele-escola José Vasconcelos, na cidade de Nezahualcóyotl – “Neza”, como é chamada: “a teimosa”. O estabelecimento reflete a pobreza gritante dessa cidade de 1 milhão de habitantes, a doze estações de metrô do centro histórico da Cidade do México: tetos que ameaçam desabar, paredes descascadas, janelas quebradas. Ela dispõe de locais minúsculos para acomodar uma centena de alunos. O pátio acaba de ser reduzido ainda mais para erguer uma cantina, pré-fabricada, “graças aos pais que vieram dar uma mão”, explica José Figueroa, o diretor. Há 43 anos, conta ele que, recém-saído da escola normal, foi convocado para uma reunião a fim de criar as primeiras tele-escolas. “Não tínhamos recursos para a Neza na época, mas pelo menos os programas, todos elaborados por professores da Universidade Pedagógica Nacional, eram muito bons”, lembra. Hoje, os oito professores da escola quase nunca usam a TV. Eles dão aulas como numa escola tradicional: “Claro, isso exige preparação; mas os alunos não aprendem com a televisão. Esses programas são uma verdadeira vergonha. Têm mais a ver com efeitos especiais do que com pedagogia”.
Como em todas as tele-escolas, os cursos duram apenas meio período. Então, para melhorar o nível dos alunos, os professores organizam atividades extracurriculares. Sem nenhum meio de operação, eles escolheram abrandar o recuo do Estado por meio do... voluntariado. Recorrendo à poesia e ao teatro, trabalham para manter as crianças na escola por mais tempo. Assim, a instituição obtém bons resultados no exame Enlace.
Enquanto isso, a prioridade do governo continua sendo a tecnologia. Ele adora o que é descrito como “moderno”, “inovador” e... “barato”. Enquanto o Estado fecha maciçamente todas as escolas de formação de educadores, o Instituto Latino-Americano de Comunicação Educativa (Ilce), entidade privada que vende programas para tele-escolas, prepara-se para propor um método digital destinado a melhorar suas habilidades: “Imaginamos conteúdos educacionais que o professor possa receber por meio de seu celular ou de seu iPad. Também buscamos entender como divulgar esse material pelo Facebook e pelo Twitter; é o tema de nossas atuais discussões agora com o Ministério”, informa sua diretora, Patricia Cabrera.
Uma solução tecnológica para remediar as deficiências do sistema educacional mexicano: a experiência já não teria sido tentada?
Anne Vigna é jornalista.

Ilustração: João Montanaro

1 Annette Santos, “Oportunidades educativas en telesecundaria y factores que las condicionan” [Oportunidades educativas em telesecundaria e fatores que as condicionam], Revista Latinoamericana de Estudios Educativos, Centro de Estudios Educativos, Cidade do México, 2001.
2 “Situación actual de la telesecundaria en México” [Situação atual da telesecundaria no México], Subsecretaría de Educación Básica, 2003.
3 Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal), dez. 2010.
4 “Mejorar las escuelas: estrategias para la acción en México” [Melhorar as escolas: estratégias para a ação no México], rganização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Paris, 2010.
5 Ler Diane Ravitch, “Volte-face d’une ministre américaine” [Reviravolta de uma ministra norte-americana], Le Monde Diplomatique, out. 2010.