Apesar de básico, o conceito de que ‘lugar de criança é na escola’
ainda está longe de ser realidade em muitas regiões do mundo. De acordo
com as estimativas globais mais recentes da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), existem 215 milhões de crianças vítimas do trabalho
infantil e mais da metade estão envolvidas com as piores formas de
exploração. Além de violar os direitos fundamentais ao desenvolvimento e
ao ensino, o trabalho infantil expõe crianças a maus tratos físicos,
psicológicos e morais que podem causar-lhes danos para o resto de suas
vidas. Porém, o principal vilão das crianças e adolescentes no Brasil,
segue sendo o tráfico de drogas.
Os dados oficiais e atuais do trabalho infantil no Brasil serão
lançados em ato solene no Ministério da Justiça nesta terça-feira, 11,
Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. Mas, com base na última
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), estima-se que 4,8
milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, foram submetidas a
alguma forma de exploração que as obrigaram ao trabalho infantil. Ao
invés de estarem na escola adquirindo conhecimentos e habilidades que
iniciem uma formação para o futuro exercício da cidadania e ingresso no
mercado de trabalho, eles estão nas sinaleiras, fazendas, lixões, ou em
outras frentes que garantam alguma renda para as famílias mais pobres do
Brasil.
O escritório da OIT no Brasil desenvolve fiscalizações, programas de
acompanhamento nos estados e relatórios sobre o trabalho infantil.
Segundo a oficial de projetos da OIT Cíntia Ramos, “as regiões Norte e
Nordeste, em consequência da situação de extrema pobreza, são aquelas em
que mais as famílias subjugam os filhos ao trabalho desde crianças. Já
na região Sul, devido à produção agrícola forte, os casos estão
relacionados ao meio rural e têm respaldo na cultura local”.
A necessidade do lucro com a economia da mão-de-obra na agricultura,
principalmente na produção do fumo gaúcho, acaba tornando natural o
trabalho infantil na região. “Nestes casos, são regiões e estados que
têm boas taxas de escolarização e índices de desenvolvimento humano mais
elevados, em que não faltam o acesso à escola, mas que, mesmo assim, se
opta por manter as crianças trabalhando”, diz Cíntia. “Elas poderiam
estar frequentando a escola ou, no mínimo, deveriam dividir os turnos
com a escola para trabalhar. Isto deve ser feito na idade adequada, não
violando a fase infantil”, defende.
Conforme decreto presidencial de 2008, no Brasil, fica proibido o
trabalho a menores de 18 anos nas atividades da Lista das Piores Formas
de Trabalho Infantil (Lista TIP). São classificadas como tal, quaisquer
atividades análogas à escravidão, tráfico de drogas, exploração sexual,
conflitos armados, entre outras atividades ilícitas. Embora asseguradas
pela lei, crianças e adolescentes seguem engrossando as estatísticas
deficientes na constatação da realidade e divulgadas próximos as datas
comemorativas.
Trabalho infantil no Brasil = Exploração sexual comercial e tráfico de drogas
Conforme a delegada do Departamento Estadual da Criança e do
Adolescente (DECA) da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Eliete
Mathias, as duas principais frentes de atuação do trabalho policial é
combater a exploração sexual comercial e o tráfico de drogas na infância
e adolescência. “São as principais práticas no RS. Não condenamos as
crianças e adolescentes por isso, obviamente. Sabemos que eles estão
nesta condição porque falhamos enquanto estado”, reconhece.
Segundo ela, em 2011 a Polícia Civil gaúcha registrou 1,304 mil
ocorrências envolvendo crianças e jovens. “Os que cometem crimes vão
para o juizado da Infância e podem ser encaminhados ao cumprimento de
medida socioeducativa. Os menores são encaminhados para a rede de
assistência social”, explica.
Com 10 anos de atuação no DECA, a delegada diz que, mesmo que
houvesse um mapeamento preciso dos casos, a questão não é geográfica. “A
cultura da sociedade influencia. Não há delimitação. Não é algo que
ocorra só nas regiões de fronteira. Existem pontos de exploração sexual
de menores em Porto Alegre. A incidência é maior ou menor conforme a
capacidade de resposta dos municípios para lidar com o problema”,
afirma. Ela defende que as políticas públicas para denunciar e coibir a
exploração sexual, que atingem mais as meninas, têm mais êxito do que o
combate ao tráfico.
Para a coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância,
Juventude, Família e Sucessões, procuradora de Justiça Maria Regina Fay
de Azambuja, a melhor aposta para enfrentar o problema é a prevenção e
com ações de alcance na família. “A erradicação do trabalho infantil é
muito difícil porque sua raiz é cultural e fundada no interesse dos
adultos, já que nenhuma criança vai para o trabalho por conta própria.
Por isso, é tão importante a atuação das instituições de forma
integrada, para que se faça um cerco aos empregadores e às famílias”,
explicou Maria Regina.
“Sabemos que temos crianças fazendo programa por cinco reais ou uma pedra de crack”, afirma secretário gaúcho
Para articular a rede de assistência social que pode intervir e
localizar os casos de trabalho infantil no Rio Grande do Sul, o governo
gaúcho desenvolve sistematicamente, desde 2011, a formação de agentes
nos municípios. “O foco do nosso trabalho está no combate à exploração
sexual comercial de crianças. Sabemos que temos crianças com nove anos
nas casas noturnas ou nas estradas fazendo programa por cinco reais ou
por uma pedra de crack”, reconhece o secretário de Justiça e Direitos
Humanos, Fabiano Pereira.
O trabalho do governo gaúcho está centrado no Programa de Ações
Integradas para combater o tráfico de pessoas para fins de exploração
sexual no âmbito do Mercosul, desenvolvido nas cidades de fronteira com
países vizinhos. Há ainda uma parceria com a iniciativa privada e
governo federal para formação e acompanhamento de 100 meninas. “É uma
bolsa formação que ao final de um ano, a menina tem a garantia de
emprego”, falou sobre a iniciativa.
Porém, as ações são indicadas para as jovens a partir de 14 anos,
idade em que é possível o trabalho em funções administrativas
asseguradas de direitos à saúde e segurança. “Nas regiões periféricas de
Porto Alegre estamos inaugurando Casas da Juventude, para oferecer
atividades culturais e esportivas como alternativa ao crime para os
jovens”, explica Fabiano Pereira.
Apesar de não ser um formato muito inovador, as campanhas
publicitárias são boas aliadas no enfrentamento do tema, acredita a
representante da OIT no Brasil, Cíntia Ramos. “Os casos de trabalho
ilícito ou trabalho doméstico, que são mais difíceis de serem detectados
por acontecerem dentro das casas das famílias ou de terceiros, podem
ser denunciados ao estado. Para isso, as pessoas devem ser informadas”,
afirma.
Orientar para denunciar
Para ajudar na orientação sobre quais práticas configuram como
exploração ou trabalho infantil, o Fórum Estadual de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador
Adolescente/RS lançou a campanha estadual “Vamos acabar com o trabalho
infantil”. O Fórum integra mais de 200 entidades, entre elas o
Ministério Público Estadual e a Superintendência Regional do Trabalho e
Emprego.
De acordo com a coordenadora do Fórum, Eridan Magalhães, a iniciativa
visa estimular que servidores e a população em geral possam contribuir
com a erradicação do trabalho infantil que atinge pelo menos 60 mil
crianças, entre nove e 14 anos, no RS. “Vamos divulgar a campanha na
Esquina Democrática nesta terça-feira pela manhã e seguiremos para a
Assembleia Legislativa do RS onde vamos acompanhar a votação do Projeto
de Lei 76/2012 que institui o Dia Estadual de Combate ao Trabalho
Infantil no Estado do Rio Grande do Sul”, disse sobre proposta do
deputado estadual Miki Breier (PSB).
Somente em 2012, foram feitas 160 operações no RS, com o flagrante de
aproximadamente 100 crianças trabalhando. Além disso, 12 mil
fiscalizações gerais foram realizadas, em que também é vistoriada a
presença de adolescentes trabalhando em locais insalubres e
inseguros. As principais atividades que empregam crianças ainda são a
lavoura de fumo, o comércio ambulante de bebidas alcoólicas e outros
produtos no Litoral Norte, a colheita da maçã e da batata na Serra
Gaúcha e o trabalho doméstico. Para os adolescentes, o maior problema é a
cadeia coureiro-calçadista, em que adolescentes ainda sofrem com a
manipulação de produtos tóxicos e sem equipamentos de segurança.
Ao longo da semana, mais de 40 municípios farão atividades alusivas
ao dia de combate ao trabalho infantil. Para auxiliar a atuação do
Fórum, os cidadãos podem denunciar o trabalho infantil pelo telefone 51-3213-2800 , ou pelo e-mail roberto.guimaraes@mte.gov.br.