por Silvio Caccia Bava no LeMondeDiplomatique |
Nos
últimos três anos foram assassinadas mais de 140 mil pessoas no Brasil.
Uma média de 47 mil pessoas por ano. Uma parcela expressiva destas
mortes, que varia de região para região, é atribuída à ação da polícia,
que se respalda na impunidade para continuar cometendo seus crimes. São
25 assassinatos ao ano por cada 100 mil pessoas, índice considerado de
violência epidêmica, segundo organismos internacionais, e que se mantém
estável, apesar dos esforços do governo federal com o PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) da Segurança, lançado em agosto de 2007, e o
Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que
tinha por meta reduzir em 50% os assassinatos neste ano de 2010, mas não
o conseguiu. A situação é um pouco melhor que alguns anos atrás: em 2000, o índice era de 26,7; em 2001, de 27,8; em 2002, de 28,45, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Não fazemos ideia do que esses números significam. Apenas para ter uma comparação, nos três anos mais cruentos da invasão do Iraque (2005-2007) foram assassinados, por atos de guerra, 80 mil civis. Uma média de 27 mil mortes por ano. Se os assassinatos com armas de fogo são uma face da violência vivida na nossa sociedade, ela não é a única. Logo atrás, em termos de letalidade, estão os acidentes fatais de trânsito, com cerca de 33 mil mortos em 2002, e 35 mil mortes por ano em 2004 e 2005. Isto, sem falar nos acidentados não fatais socorridos pelo Sistema Único de Saúde, que multiplicam muitas vezes os números aqui apresentados e representam um custo que o Ipea estima em R$ 5,3 bilhões para o ano de 2002. Novamente aqui os jovens são as principais vítimas, e uma pesquisa aponta que 95% dos acidentes de trânsito são de responsabilidade do motorista: desrespeito à sinalização, excesso de velocidade, avanço do sinal.1 Quanto aos atropelamentos, foram mais de 40 mil em 2006, penalizando principalmente os mais idosos. A lista da violência alonga-se incrivelmente. Sobre as mulheres, os negros, os índios, os gays, sobre os mendigos na rua, sobre os movimentos sociais etc. Uma discussão num botequim de periferia pode terminar em morte. A privação do emprego, do salário digno, da educação, da saúde, do transporte público, da moradia, da segurança alimentar, tudo isso pode ser compreendido, considerando que são direitos assegurados por nossa Constituição, como outras tantas violências. Para buscar interpretar estes acontecimentos, não é possível isolar uma única forma de violência, ainda que suas distintas manifestações requeiram políticas também diferenciadas para enfrentá-las. É o jeito de viver em sociedade, que assumimos ao longo do tempo, que nos leva a esta situação-limite. Quando a Justiça não funciona, principalmente para os pobres; quando a polícia mata com impunidade, em vez de garantir a lei e a ordem; quando o que nos ensinam é que temos de tirar vantagem sobre os demais; quando as políticas públicas não garantem a proteção social das famílias; quando os jovens não têm perspectiva de emprego neste modelo de desenvolvimento; tudo somado, desaparece o que é de interesse comum, a coisa pública, a afirmação dos direitos, as regras de convivência democrática. É aqui que mora o perigo. Se o domínio privado do espaço público prevalecer, como é o caso das milícias e do narcotráfico nas favelas, assim como dos sistemas de segurança privada nos acessos aos condomínios de luxo e nos shoppings, então continuaremos a viver uma guerra contínua e não declarada que estenderá seu manto de sofrimento por toda a sociedade. Hannah Arendt valoriza o espaço público como espaço de socialização, da comunicação, do debate, do exercício democrático, do cultivo das liberdades. Claude Lefort, Viveret e toda uma corrente de pensadores nacionais e estrangeiros que defende o exercício da democracia direta pelos cidadãos, falam da (re)apropriação do espaço público, de um processo de (re)fundação democrática que crie novas instituições para um novo tempo, com maior controle social e sentido público. Sem espaço público não há democracia, e o espaço público é também uma construção associada à construção do próprio Estado, que necessita se abrir para o controle social para produzir políticas que universalizem direitos. As experiências recentes de construção de um novo jeito de viver que ocorrem em países vizinhos, como a Bolívia e o Equador, dizem que este caminho é possível e que existem movimentos fortes na sociedade que bancam estas mudanças. A maior violência para alguém é estar sozinho, sem trabalho, sem proteção social, desvalorizado perante si mesmo, privado dos seus meios de socialização, de um papel a cumprir na sociedade.
Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 8 de agosto de 2010
As muitas violencias
Fiocruz descarta alerta para hepatite "E" no país
Por: Agência Brasil
Cuidados com a higiene dos alimentos ajudam a prevenir contaminação (Foto: Image Source/David Cleveland)
Brasília - O virologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) Marcelo Alves Pinto afirmou na manhã desta sexta-feira (6)
que, por enquanto, o primeiro caso de vírus da hepatite E descoberto no
país não é motivo de preocupação. “A gente presume que a incidência
desse tipo de hepatite seja baixa”, disse em entrevista ao programa
Revista Brasil, da Rádio Nacional AM.
Os pesquisadores responsáveis pela descoberta suspeitam que a doença
tenha sido causada pela ingestão de carne suína. Eles perceberam
semelhanças entre o sequenciamento genético do vírus encontrado e o de
suínos criados no Brasil.
“Pelo histórico clínico do paciente, parece que o indivíduo fez
ingestão de carne suína. Só que nós não tivemos acesso a amostras desse
material, então, não pudemos detectar o genoma do vírus na carne
consumida”, acrescentou o virologista, que coordenou o estudo.
Segundo Alves Pinto, não há diferenças clínicas entre a hepatite A,
tipo mais comum da doença no Brasil, e a E. “As duas são consideradas de
caráter benigno porque na maioria das vezes o indivíduo se cura e não
deixa sequelas.”
Ambas são causadas pelo contato com o agente infeccioso por meio de
água e alimentos, por isso, o virologista recomenda a higiene constante
das mãos e de alimentos para consumo. Ele também alerta para o cuidado
com o cozimento e a refrigeração dos produtos.
A descoberta do vírus é resultado da análise de 64 amostras
sorológicas de pacientes com hepatite aguda sem agente causador
conhecido. O material, selecionado pelo Laboratório de Hepatites Virais
da Fiocruz, foi coletado entre 2004 e 2008. A ocorrência é de 2006 e
refere-se a um morador do Rio de Janeiro.
A pesquisa foi publicada na forma de artigo pelo periódico científico
Journal of Clinical Virology, sob o título First Report of a Human
Autochthonous Hepatitis E Virus Infection in Brazil. A hepatite é uma
doença inflamatória que atinge o fígado e pode causar cirrose ou câncer.
O rumo!!!
Os números indicam que neste ano de
desgraça européia, consequência direta da crise não resolvida no umbigo
do mundo, o crescimento da América Latina se sustenta com
características inéditas: pela primeira vez na história moderna da
região, junto com a elevação do crescimento, as taxas de desemprego e de
pobreza baixaram, e com elas, a desigualdade. Essas coisas são os
grandes demônios do neoliberalismo. O social deve ser varrido do mapa,
como o faz o macrismo de Buenos Aires. Te dou um guarda-sol amarelo e
ponho bancos de designers nas praças do norte [zona rica de Buenos
Aires], mas fico com os recursos dos hospitais e não executo o orçamento
da educação. O artigo é de Sandra Russo, do Página/12.
Sandra Russo - Página/12, via Carta Maior
Pela primeira vez em cinco séculos esta
região está “crescendo sin desigualar”, disse a secretária geral da
Cepal na Cúpula de San Juan na semana que passou, além de elogiar, no
conjunto, a Argentina, por sua política ativa de emprego. Sabe-se que
isso não será jamais título de um jornal, ou telejornal, porque esses
títulos surgem de outro tipo de informação, e não necesariamente de
informações recentes. É uma lógica interna dos meios a que faz com que a
controvérsia seja um título possível, enquanto que a boa notícia, não.
Contudo, tratando-se de uma afirmação decorrente da comparação de dados, parece interessante resgatá-la, porque indica um rumo e a consciência desse rumo provavelmente seja vital para aprofundá-lo. Esse dado supõe também uma lógica: os respectivos eleitorados elegem esse rumo e em consequência a mesquinhez especulativa dos grandes meios, voltandos em cheio para a política, insistirá em manter as conquistas opacas. Mas nada impede resgatar esse dado bruto aqui: afinal, o que a funcionária da Cepal disse se baseava em dados reais, não em seus gostos pessoais. São nada menos que suas altezas, os números, que indicam que neste ano de desgraça européia, consequência direta da crise não resolvida no umbigo do mundo, o crescimento da América Latina se sustenta com uma característica inédita: pela primeira vez na história moderna da região, junto com o aumento do crescimento, as taxas de desemprego e de pobreza baixaram, e com elas, a desigualdade.
É óbvio que se trata apenas do princípio de uma mudança, os primeiros resultados de um modelo. Desse modelo regional não estamos todos nos mesmos patamares, paradoxalmente, já que a informação sobre a região é ainda mais enviesada que a nacional. As coberturas sobre o conflito entre Colômbia e Venezuela são um exemplo de como contar a série começando pelo décimo capítulo. Enquanto isso, as respectivas oposições não trabalham nem aspiram a sínteses superadoras, mas apenas se refregam na rememoração do horrível, e inexplicavelmente voltam a propô-lo. Aqui e acolá dirigentes políticos e empresários, que já não se distinguem entre si, falam com encantamento dos anos 90, numa performance louca que propõe um esquecimento suicida e coletivo, para voltar à “ordem” de que têm saudade: o direito a expropriar o mundo do trabalho dos seus direitos, para entregar o poder ao mundo do capital. Os anos 90 foram, sinteticamente, isso.
Os 90' foram uma foto como a que tiraram esta semana de vários personagens da política e do mundo empresarial com Héctor Magnetto (1). Na falta de uma explicitação do modelo que a oposição propõe, presume-se seu alinhamento com as demandas de seus principais representados: os que têm a faca e o queijo na mão. Com os demais se pode abusar, como com os 82% de usuários da telefonia móvel, mesmo depois de ter votado contra a reestatização dos fundos de pensão. Nisso se encontram com a esquerda, que lhes leva às ruas para apoiar suas demandas.
Voltando aos dados reais da Cepal, e ao caminho democrático eleito virtuosamente pela região, que ainda não reconhece o governo de Honduras precisamente por sua gênese golpista, esse dado é em si mesmo um sinal de rumo, só isso. Não implica que não haja desigualdade, não implica que as coisas não possar ser melhor e mais rápidas ou feitas de maneira mais ágil ou justa. Assinala um rumo, apenas. Uma direção.
Nos países envolvidos por essa nova tendência, a do crescimento que não “desiguala”, há governos tão diferentes como há idiossincrasias e tradições. Mas o que transcende essas enormes diferenças em matéria de ritmo e consistências políticas é algo que podemos ver: o crescimento sem desigualar, sustentado em dois eixos: políticas ativas de emprego e políticas sociais.
Ambas essas coisas são os grandes demônios do neoliberalismo. O social deve ser varrido do mapa, como o faz o macrismo de Buenos Aires. Te dou um guarda-sol amarelo e ponho bancos de designers nas praças do norte [zona rica de Buenos Aires], mas fico com os recursos dos hospitais e não executo o orçamento da educação. E o emprego: se pudessem, cortariam sistematicamente as cabeças, de novo, a cada conquista e dariam baixa nos subsídios [trabalhistas]. O modelo que têm mente não tem qualquer resposta para o mundo do trabalho, já que é em si mesmo a resposta do mundo do capital para o Estado de Bem-Estar. Não é preciso se chegar ao extremo do “socialismo estatizante”, frase pronunciada por Biolcati (2) mas também por todo o poder econômico e midiático em 1977, quando celebrou o primeiro aniversário ditadura. Qualquer Estado que arbitre entre fortes e débeis será para eles um “estatismo socializante”: dá-lhes nojo tanta negociação entre setores. Para que tanto, se são eles os donos.
Encontra regionalmente uma direção política e econômica permite endereçar-nos a um continente gestado como pátio dos fundos. Claro que não é a revolução, mas o que é a revolução? É necessariamente algo súbito, ou é um caminho cheio de enganos e enganadores? É algo a que as vanguardas conduzem ou é um imenso coletivo político que se adere ao que o faz girar para a frente, e expulsa o que pretende atrasar? São perguntas que não têm respostas, porque pertencem a debates silenciosos.
NOTAS
(1) Executivo do maior grupo midiático da Argentina, o Grupo Clarín. N.deT.
(2) Hugo Biolcati, atual presidente da Sociedade Rural Argentina, entidade representativa do latifúndio vinculado à agropecuária extensiva, fundada ainda no século XIX. N.deT.
Tradução: Katarina Peixoto
Contudo, tratando-se de uma afirmação decorrente da comparação de dados, parece interessante resgatá-la, porque indica um rumo e a consciência desse rumo provavelmente seja vital para aprofundá-lo. Esse dado supõe também uma lógica: os respectivos eleitorados elegem esse rumo e em consequência a mesquinhez especulativa dos grandes meios, voltandos em cheio para a política, insistirá em manter as conquistas opacas. Mas nada impede resgatar esse dado bruto aqui: afinal, o que a funcionária da Cepal disse se baseava em dados reais, não em seus gostos pessoais. São nada menos que suas altezas, os números, que indicam que neste ano de desgraça européia, consequência direta da crise não resolvida no umbigo do mundo, o crescimento da América Latina se sustenta com uma característica inédita: pela primeira vez na história moderna da região, junto com o aumento do crescimento, as taxas de desemprego e de pobreza baixaram, e com elas, a desigualdade.
É óbvio que se trata apenas do princípio de uma mudança, os primeiros resultados de um modelo. Desse modelo regional não estamos todos nos mesmos patamares, paradoxalmente, já que a informação sobre a região é ainda mais enviesada que a nacional. As coberturas sobre o conflito entre Colômbia e Venezuela são um exemplo de como contar a série começando pelo décimo capítulo. Enquanto isso, as respectivas oposições não trabalham nem aspiram a sínteses superadoras, mas apenas se refregam na rememoração do horrível, e inexplicavelmente voltam a propô-lo. Aqui e acolá dirigentes políticos e empresários, que já não se distinguem entre si, falam com encantamento dos anos 90, numa performance louca que propõe um esquecimento suicida e coletivo, para voltar à “ordem” de que têm saudade: o direito a expropriar o mundo do trabalho dos seus direitos, para entregar o poder ao mundo do capital. Os anos 90 foram, sinteticamente, isso.
Os 90' foram uma foto como a que tiraram esta semana de vários personagens da política e do mundo empresarial com Héctor Magnetto (1). Na falta de uma explicitação do modelo que a oposição propõe, presume-se seu alinhamento com as demandas de seus principais representados: os que têm a faca e o queijo na mão. Com os demais se pode abusar, como com os 82% de usuários da telefonia móvel, mesmo depois de ter votado contra a reestatização dos fundos de pensão. Nisso se encontram com a esquerda, que lhes leva às ruas para apoiar suas demandas.
Voltando aos dados reais da Cepal, e ao caminho democrático eleito virtuosamente pela região, que ainda não reconhece o governo de Honduras precisamente por sua gênese golpista, esse dado é em si mesmo um sinal de rumo, só isso. Não implica que não haja desigualdade, não implica que as coisas não possar ser melhor e mais rápidas ou feitas de maneira mais ágil ou justa. Assinala um rumo, apenas. Uma direção.
Nos países envolvidos por essa nova tendência, a do crescimento que não “desiguala”, há governos tão diferentes como há idiossincrasias e tradições. Mas o que transcende essas enormes diferenças em matéria de ritmo e consistências políticas é algo que podemos ver: o crescimento sem desigualar, sustentado em dois eixos: políticas ativas de emprego e políticas sociais.
Ambas essas coisas são os grandes demônios do neoliberalismo. O social deve ser varrido do mapa, como o faz o macrismo de Buenos Aires. Te dou um guarda-sol amarelo e ponho bancos de designers nas praças do norte [zona rica de Buenos Aires], mas fico com os recursos dos hospitais e não executo o orçamento da educação. E o emprego: se pudessem, cortariam sistematicamente as cabeças, de novo, a cada conquista e dariam baixa nos subsídios [trabalhistas]. O modelo que têm mente não tem qualquer resposta para o mundo do trabalho, já que é em si mesmo a resposta do mundo do capital para o Estado de Bem-Estar. Não é preciso se chegar ao extremo do “socialismo estatizante”, frase pronunciada por Biolcati (2) mas também por todo o poder econômico e midiático em 1977, quando celebrou o primeiro aniversário ditadura. Qualquer Estado que arbitre entre fortes e débeis será para eles um “estatismo socializante”: dá-lhes nojo tanta negociação entre setores. Para que tanto, se são eles os donos.
Encontra regionalmente uma direção política e econômica permite endereçar-nos a um continente gestado como pátio dos fundos. Claro que não é a revolução, mas o que é a revolução? É necessariamente algo súbito, ou é um caminho cheio de enganos e enganadores? É algo a que as vanguardas conduzem ou é um imenso coletivo político que se adere ao que o faz girar para a frente, e expulsa o que pretende atrasar? São perguntas que não têm respostas, porque pertencem a debates silenciosos.
NOTAS
(1) Executivo do maior grupo midiático da Argentina, o Grupo Clarín. N.deT.
(2) Hugo Biolcati, atual presidente da Sociedade Rural Argentina, entidade representativa do latifúndio vinculado à agropecuária extensiva, fundada ainda no século XIX. N.deT.
Tradução: Katarina Peixoto
Bertold Brecht
1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados,ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?
De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?
2
Em vez de serem apenas bons,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor:que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados,ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?
De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?
2
Em vez de serem apenas bons,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor:que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.
sábado, 7 de agosto de 2010
Agronegócio escraviza milhares de trabalhadores no campo
Ciranda
- A impressão que se tem é a de que se está entrando no túnel do tempo
e retornando alguns séculos no calendário gregoriano. Aos olhos dos
mais desavisados, pode parecer estranho e até mesmo irreal que ainda
hoje existam pessoas sendo submetidas à escravidão em nosso país. Mas
infelizmente essa gravíssima violação aos direitos humanos é uma dura
realidade no Brasil do século 21.
Milhares de pessoas ainda são submetidas
a trabalho forçado e a condições degradantes no campo e na cidade.
Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2005,
estimava em 25 mil o número de trabalhadores mantidos em condições
análogas a de escravos no país. Destes, 80% atuavam na agricultura e
17%, na pecuária. Os números do organismo internacional, no entanto,
parecem estar subdimensionados se levarmos em conta o total de
trabalhadores libertados pelos agentes do governo federal na gestão do
presidente Lula. De 2003 a maio de 2010, foram retirados da condição de
escravos 31.297 pessoas, segundo dados do Ministério do Trabalho e
Emprego.
A prática criminosa não está restrita
apenas ao Brasil e se espalha pelos continentes. A OIT detectou no mesmo
ano, que mais de 12 milhões de trabalhadores eram vítimas da sanha de
latifundiários e empresários inescrupulosos pelo mundo.
O fenômeno da globalização nos anos 90
foi decisivo para abrir as fronteiras dos países ao capitalismo em
escala mundial. As transações comerciais e financeiras disseminaram
ainda mais a busca pelo lucro rápido e exponencial. A maneira encontrada
por esses patrões, para reduzir o preço final de seus produtos, se deu
pela drástica redução do custo-trabalho. Os escravagistas do século 21
não prendem mais seus trabalhadores ao tronco e nem infligem chibatadas.
A escravidão contemporânea tem suas particularidades, mas nem por isso
esses patrões deixam de ser considerados escravocratas. O artigo 149 do
Código Penal brasileiro é absolutamente claro na definição do que seja
praticar escravidão nos dias de hoje.
"Reduzir alguém a condição análoga à de
escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva,
quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto", afirma o texto penal.
Apesar de soar extemporânea, a prática
escravista está arraigada no cotidiano brasileiro mais do que se pode
imaginar. "É uma mentalidade da elite econômica e política do país",
afirma o senador José Nery (PSOL-PA), que preside a Frente Parlamentar
Mista pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil.
Segundo o senador, a bancada ruralista
no Congresso Nacional impede há 15 anos a aprovação de uma Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) para coibir a prática criminosa. Neste
momento, tramita na Câmara dos Deputados a PEC 438 em defesa da
erradicação do trabalho escravo no país. A PEC 438 já foi aprovada em
primeira e segunda votação no Senado e em primeira, na Câmara, e aguarda
a ida ao plenário para a segunda votação. O dispositivo é necessário
para que a matéria possa se transformar em lei.
O sucesso de sua aprovação ainda este
ano está ameaçado. "Apresentamos 280 mil assinaturas ao presidente da
Câmara dos Deputados (Michel Temer) e a todos os lideres partidários
pedindo a urgência na votação da PEC. Mas as lideranças do governo estão
criando várias dificuldades. Dizem que não querem discutir e votar
matérias polêmicas no período pré-eleitoral. Ora é nossa obrigação
aprovar toda e qualquer matéria que diga respeito à dignidade e ao
bem-estar das pessoas. Não concordo com esse tipo de atitude que impede a
legislação de avançar no combate ao trabalho escravo no Brasil",
ressalta Nery.
O parlamentar quer pelo menos incluir a
matéria na pauta de votação da Câmara logo após o término do segundo
turno das eleições. "Estamos tentando arrancar do presidente da Câmara e
dos líderes partidários esse compromisso."
O secretário de políticas sociais da
Central Única dos Trabalhadores (CUT), Expedito Solaney, é menos
otimista que Nery. O sindicalista considera que a PEC só será votada na
próxima legislatura. "Entre por na pauta e não aprovar é melhor jogar
para a frente. É melhor recuar taticamente. O Congresso é muito
conservador, a maioria é ruralista", afirma.
Pelo texto da PEC 438, as propriedades
rurais e urbanas que forem flagradas com trabalhadores escravos serão
expropriadas para efeito de reforma agrária no campo e destinadas a
programas sociais de moradia popular em áreas urbanas.
O arco de alianças eleitoral e da base
de sustentação do governo, além de interesses econômicos dos
parlamentares, impede que a matéria avance com celeridade em Brasília.
Apesar de ninguém defender publicamente o trabalho escravo, na prática
ele é tolerado.
O ex-presidente da Câmara, deputado
Inocêncio de Oliveira (PR-PE), que teve propriedades flagradas por
auditores fiscais do trabalho com a prática da escravidão, não sofreu
nenhum tipo de punição até hoje. Oliveira chegou a ocupar algumas vezes o
cargo de presidente da República durante o mandato de Itamar Franco.
Mais recentemente o senador João Ribeiro
(PR-TO)( ler o comentário do jornalista André Camargo abaixo, desmentindo parte da matéria) também foi acusado de se utilizar de trabalho escravo dentro de
sua propriedade. O Ministério do Trabalho e Emprego não divulga mais
detalhes sobre o andamento do caso, apenas afirma que informações sobre
pessoas físicas e jurídicas só podem ser divulgadas após o término do
processo administrativo.
O Ministério também mantém uma lista com
o nome de quem usa o trabalho escravo no País. A lista suja, como é
conhecida a relação de escravagistas, é atualizada semestralmente e pode
ser consultada em http://www.mte.gov.br/trab_escravo/...
CPT X latifúndio Para o bispo emérito de
Goiás e membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom Tomás Balduino,
o trabalho escravo ainda não foi erradicado do Brasil porque mexe com
os interesses dos aliados políticos do governo Lula. O mesmo argumento é
utilizado para explicar a não realização da reforma agrária no país.
"Por que não há reforma agrária? Porque
mexe na terra dos aliados do governo. É uma lógica fácil de entender. O
trabalho escravo cresce com o agronegócio, que é a menina dos olhos da
política governamental. Apesar de ter apresentado um plano de
erradicação para o trabalho escravo, o governo continua elogiando os
usineiros, chamando-os de heróis. A concentração do capital em poucas
mãos com o apoio governamental está criando uma desigualdade social
brutal. O Brasil é o segundo país do mundo em concentração de terra, em
latifúndio. Só perde para o Paraguai", critica o religioso.
Dom Tomás cita o caso da Cosan, holding
do setor sucroalcooleiro, que utiliza trabalho escravo em suas usinas,
para demonstrar a falta de compromisso do agronegócio com a dignidade
humana.
A Cosan é a maior empresa produtora de
áçucar e álcool do mundo. É proprietária das marcas do açúcar União e Da
Barra. Em dezembro de 2008, a companhia também passou a controlar a
operação de ativos da distribuição de combustíveis da Esso. e assumiu o
controle da produção e distribuição dos lubrificantes Mobil. Além dos
setores de alimentos e combustíveis, a Cosan também atua na área de
produção de energia elétrica a partir do bagaço da cana de açúcar.
O exemplo de pujança que a empresa tenta
demonstrar mascara uma realidade nada agradável. A Cosan engrossa a
lista suja de empresas que utilizam o trabalho escravo em suas unidades
divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. A companhia ingressou
no ranking escravista no final do ano passado. Seus advogados se
apressaram e obtiveram liminar na Justiça para retirá-la da lista suja. O
Ministério tenta agora cassar a liminar expedida, para inseri-la
novamente na lista dos escravagistas.
Ícone do desrespeito às normas mais
elementares da dignidade humana, a Cosan é responsável, em parceria com a
ExxonMobil, eplo patrocínio do principal prêmio do jornalismo
brasileiro: o Prêmio Esso.
A empresa que pratica escravidão em suas
propriedades também tem seu Conselho de Administração um ex-ministro da
Fazenda. Mailson da Nóbrega integra seu conselho administrativo desde
dezembro de 2007.
Capital paulista abriga escravidão
Prática criminosa cresce no coração do capitalismo com utilização de mão de obra sulamericana na indústria de confecção.
Se engana quem pensa que o trabalho
escravo é uma característica apenas dos rincões mais afastados das áreas
urbanas. Apesar de um maior número de trabalhadores escravizados se
encontrarem na zona rural, a prática criminosa se propaga também na
principal cidade do país.
A indústria da confecção desponta como a
principal área de absorção da mão de obra escrava na cidade. A
Associação Brasileira da Indústria Têxtil calcula que a demanda por
roupa cresce 3% ao ano. Mas assim como no campo, não há estatísticas
oficiais que projetem com segurança o número de pessoas nessas
condições, embora se saiba que não são poucas.
A quase totalidade desses trabalhadores
vem de regiões empobrecidas da Bolívia e do Paraguai, castigadas no
passado recente por décadas de ditadura feroz. "Todos os dias chegam ao
Brasil de três a cinco ônibus lotados de pessoas para trabalharem nessas
oficinas", afirma a Defensora Pública Federal, Daniela Muscari
Scacchetti.
A precariedade das condições de vida em
seus países de origem e a falta de instrução escolar as torna presas
fáceis nas mãos de capitalistas escravagistas. Apesar de os
atravessadores serem as figuras mais visíveis aos olhos do trabalhador
são os grandes magazines os responsáveis pela prática criminosa.
A rede de lojas Marisa, por exemplo, já
levou 49 autos de infração dos auditores fiscais do trabalho e foi
autuada em R$ 600 mil. "Mas a gente acredita que a imensa maioria da
produção têxtil paulista, o que costuma ser comercializado por C&A,
Renner, Riachuelo, Pernambucanas, griffes como a Collins, é resultado de
mão de obra escrava de trabalhadores sulamericanos", conta o chefe da
Seção da Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional de São
Paulo, Renato Bignami.
Além de jornadas extenuantes de
trabalho, precarização das condições de trabalho e do cerceamento à
liberdade, com ameaças a vida do trabalhador e de seus familiares no
país de origem, o valor pago ao trabalhador é irrisório. Para fazer uma
camiseta, recebe em torno de R$ 0,40 a R$ 0,50. Um casaco mais elaborado
que leva até três horas para ficar pronto pode render no máximo R$
1,50. A mesma peça é vendida na loja de departamento por R$ 300.
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Fisk: Explodem as tensões entre Líbano e Israel
Explodem as tensões Israel-Líbano: 4 mortos
Robert Fisk, The Independent, UK
Tradução de Caia Fittipaldi
Uma árvore pode deflagrar uma guerra no Oriente Médio? Ontem, quase deflagrou.
Que se possa escrever essa pergunta é mostra de o quanto é
incendiário o clima na Região, a desconfiança mútua entre árabes e
israelenses e a perigosa fronteira do sul do Líbano, que ontem – como
tantas outras vezes – ficou encharcada de sangue: três soldados
libaneses, um tenente-coronal israelense e um jornalista libanês
morreram ali, nos arredores de uma vila que, sem aquelas mortes,
continuaria desconhecida do mundo: Addaiseh.
E depois do fogo dos tanques, dos ataques de mísseis dos
helicópteros israelenses, das metralhadoras e dos lança-granadas
libaneses, a ONU conclamou os dois lados a “exercer a moderação” e a
batalha acabou, sob os olhos frios de um batalhão espanhol da ONU e de
uns poucos soldados da Malásia.
Mas isso veio depois de uma cúpula árabe tripartite em Beirute; de
ataques misteriosos de foguetes nas fronteiras da Jordânia, Israel e
Egito há dois dias; da denúncia, pelo Hizbollah libanês, de que o
inquérito da ONU sobre o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafiq
Hariri é “projeto israelense”; e da descoberta – na 2ª-feira, – de mais
um suposto espião israelense que estaria operando na rede telefônica
do Líbano.
Mas voltemos à árvore. Miserável, esquelética, talvez um abeto – sob
a onda de calor de 46ºC no Líbano –, os galhos bloqueavam a visão das
câmeras de segurança de Israel, na fronteira Israel-Líbano, perto de
Addaiseh. Os israelenses resolveram usar uma escavadeira para arrancar a
árvore. O problema? Ninguém sabe exatamente onde passa a linha de
fronteira entre Israel e o Líbano.
Em 2000, a ONU traçou uma “Linha Azul” que fora – nos idos
pós-Balfour –, a linha de fronteira entre o Mandato francês do Líbano e
o Mandato Britânico da Palestina. Além da linha, do ponto de vista dos
libaneses, fica a “cerca técnica” de Israel, uma maçaroca de arame
farpado, fios eletrificados e trilhas de areia (para registrar
pegadas). Portanto, quando o exército libanês viu os israelenses
manobrarem uma escavadeira por cima da cerca, ontem pela manhã,
gritaram que os israelenses se afastassem dali.
No instante em que o braço da escavadeira cruzou a “cerca técnica” –
e aqui é preciso explicar que a “Linha Azul” não acompanha
necessariamente o traçado da “cerca” – os soldados libaneses atiraram
para cima. Os israelenses, segundo os libaneses, não atiraram para
cima. Atiraram diretamente contra os soldados libaneses.
Bom. Para o exército libanês, derrotar os israelenses, com seus 264
mísseis nucleares, seria tentar cumprir ordem impossível. Mas para o
exército israelense, derrotar o exército de um dos menores países do
mundo, sem dúvida seria asinino, dentre outros motivos porque o
presidente do Líbano Michel Sleiman assistira às comemorações do Dia do
Exército em Beirute, dois dias antes – e ordenara que seus soldados
defendessem sua fronteira.
Assaf Abu Rahal, correspondente do jornal local Al-Akhbar
chegou a Addaiseh para cobrir essa troca de tiros. Pouco tempo depois,
um helicóptero israelense – aparentemente atirando do lado israelense
da fronteira (e isso ainda não está esclarecido) – disparou um foguete
contra um blindado libanês e matou três soldados e o jornalista.
Soldados libaneses, cumprindo ordens de Beirute, revidaram e mataram
um tenente-coronel israelense. O Hizbollah, milícia iraniana xiita
paga pelo Irã, e que não estava envolvida na batalha, anunciou a morte
desse coronel israelense cinco horas antes de os israelenses
confirmarem; a informação que o Hizbollah divulgou aparentemente veio
de um telefone celular de um soldado israelense. Foi destaque no canal
de televisão Al-Manar, do Hizbollah.
Durante toda a tarde, israelenses e libaneses trocaram insultos,
acusando-se uns os outros de agressores. Israel disse que a coisa toda
fora um mal-entendido. Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano e filho
de Rafiq, pelo telefone, falando ao presidente Hosni Mubarak do Egito,
denunciava “violações por Israel à soberania do Líbano”, e Israel dizia
que estava levando a questão ao Conselho de Segurança da ONU. “Israel
considera o governo libanês responsável por esse sério incidente e
alerta para o risco de novas violações”, disse um porta-voz. Por causa
de uma árvore?
Claro, os israelenses querem ter um arquivo de “incidentes”, antes
da próxima guerra Hizbollah-Israel, quando juraram destruir a
infraestrutura do Líbano pela sexta vez em 32 anos – sob a justificativa
de que o Hizbollah está hoje representado (e está) no governo libanês.
E tudo isso, ao mesmo tempo em que o presidente Ahmadinejad do Irã –
um dos patrocinadores do Hizbollah – diz que quer conversações cara a
cara com o presidente Obama sobre o programa nuclear iraniano; e poucos
dias depois de o International Crisis Group ter divulgado novo
relatório no qual alerta que a próxima guerra Israel-Líbano será a mais
violenta de todas.
Fato é que os israelenses usaram tanques e helicópteros ontem; o
exército libanês usou foguetes lança-granadas e fogo de metralhadoras
pesadas, na direção oposta. Em resumo, o muito sacrificado sistema
libanês de telefonia móvel por pouco não entrou em colapso. Não por
causa de Milad Ein, o dito espião que trabalhava para a Ogero
Communications Company. Mas porque todos os libaneses queriam saber se
estavam na iminência de enfrentar outra guerra. Por causa de uma
árvore.
Uma fronteira explosiva
“Excepcionalmente calma e a mais perigosa do mundo”. Assim um grupo de experts descreveu ontem a fronteira que separa o sul do Líbano e o norte de Israel.
Reina ali uma calma agônica, numa das regiões políticas mais
inflamáveis do mundo, desde a guerra de 2006, de Israel contra o
Hizbollah. Mas a região, infestada de minas terrestres e patrulhada por
soldados libaneses e 13 mil soldados da ONU, continua não tensa e
volátil como sempre.
O International Crisis Group, think-tank com sede em
Bruxelas, alertou ontem que as raízes políticas da crise de 2006 jamais
foram discutidas e permanecem inalteradas; e que outra guerra pode ser
mais devastadora que a de 2006.
O Hizbollah, milícia apoiada pelo Irã, que enfrentou Israel em 2006,
não esteve envolvida nas escaramuças de ontem, mas o secretário-geral
do partido, Sayyed Hassan Nasrallah, disse que seu grupo reagirá, se o
exército libanês for novamente atacado.
“As mãos israelenses que atirarem contra o exército libanês serão cortadas” – disse ele.
CANDIDATOS NÃO DEBATEM DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA
Mário Augusto Jakobskind
Não é preciso ser nenhum especialista em questões midiáticas para
constatar que os grandes proprietários de veículos de comunicação estão
colocando as asas de fora, cada vez mais na base da ampliação do esquema
do pensamento único. Os debates em torno da democratização dos meios de
comunicação se ampliam com a participação de mais brasileiros e isso
contraria interesses dos barões da mídia.
O tema ainda não se faz presente nos debates dos candidatos à
Presidência da República, Sabem o motivo? Os editores dos veículos de
comunicação procuram a todo custo evitar que o tema aflore. Testem se o
que está sendo dito aqui procede ou não, fazendo perguntas onde haja
debates com os candidatos. Aguardem para ver o que acontece, ou seja,
de um modo geral as perguntas não aparecem. Mas se os interessados
insistirem com as perguntas é possível que em algum momento acabem
tornando-se visíveis. Vale o teste.
Nas últimas semanas a questão da mídia foi objeto de pronunciamento
do presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Alejandro
Aguirre, que chegou ao cúmulo de afirmar que no Brasil há restrições à
liberdade de imprensa e acusou o Presidente Lula de não ser “democrata”,
o que valeu uma moção de repúdio da Comissão de Liberdade de Imprensa e
Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa. Para a Comissão,
Aguirre na prática “estimula setores conservadores a promover denúncias
sem fundamento e que no fundo tentam encobrir debates sobre a questão
da mídia e a disposição para que o setor seja democratizado”.
Fazendo coro com a SIP, O Globo e outros órgãos de imprensa da mesma
linha volta e meia se posicionam demonstrando preocupação com um
suposto “chavismo” por parte do atual governo brasileiro e mesmo da
candidata apoiada por Lula, Dilma Roussef.
O Globo, O Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo, as revistas Veja e
Época, entre outros órgãos de imprensa integrantes da SIP, simplesmente
colocam as mangas de fora na defesa dos seus interesses, pois sabem
perfeitamente que com a ampliação das discussões sobre o tema mídia,
mais possibilidades acontecem no sentido da redução do poder absoluto
que mantêm sobre os corações e mentes dos brasileiros.
Querendo ou não os barões da mídia, o tema terá que ser discutido por
amplos setores da sociedade brasileira que almejam o aprofundamento da
democracia no país.
Nesse sentido vale assinalar que a Unesco
(Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura) avalia que o
Estado, ou seja, o Poder Público deve impedir a concentração indevida
no setor de mídia e assegurar a pluralidade. E para que isso aconteça,
segundo ainda a Unesco, os governos podem adotar regras para limitar a
influência que um único grupo pode ter em um ou mais setores.
E tem mais, a Unesco entende que “os responsáveis
pelas leis antimonopólio precisam atuar livres de pressões políticas” e
que "as autoridades devem ter, por exemplo, o poder de desfazer
operações de mídia em que a pluralidade está ameaçada”.
É isso aí, o tema está na ordem do dia, para
desespero dos ”democratas” da mídia de mercado, que nos últimos tempos
ficaram ainda mais ousados na defesa com argumentos frágeis e que não
resistem a um maior aprofundamento, como, por exemplo, a defesa
incondicional da liberdade de empresa com o argumento de liberdade de
imprensa.
Por estas e muitas outras está na hora do mundo
político ter a coragem de se posicionar, ou seja, dizer o lado em que
estão. Pode ser até incômodo para certos setores mostrar a cara, porque
a linguagem da hora do vamos ver exige definições. Mas para que isso
aconteça é preciso que maiores contingentes de brasileiros cobrem
posicionamentos dos seus representantes nos poderes Executivo e
Legislativo.
Podem crer numa coisa: a hora da verdade midiática
está mais próxima do que imaginam os senhores barões da mídia. E por
isso, estejam certos os leitores, os jornalões e as emissoras de
televisão aumentarão o tom da cantilena segundo a qual no Brasil há
“perigo” de restrições à liberdade de imprensa, uma balela que a SIP, a
pedido de seus integrantes brasileiros, já encampou.
No mais, ao apagar das luzes do governo Álvaro
Uribe, a pedido provavelmente do Departamento de Estado, fabricou-se uma
crise com a Venezuela em função da insistência da mentira segundo a
qual as Farcs montaram acampamentos em território venezuelano. Uribe,
com o sinal verde de Hillary Clinton, quer porque quer o aumento do
estado de tensão na região, o que poderá resultar no descontrole da
situação e derivar numa crise ainda maior do que a atual. Podem crer que
a orquestração do conservadorismo vai se ampliar.
E o Comitê de Direitos Humanos da Organização das
Nações Unidas denunciou que na Colômbia os paramilitares gozam de total
impunidade. Mas O Globo prefere ignorar o fato e apoiar Uribe, da mesma
forma que apoiou historicamente outros presidentes de direita em várias
partes do mundo, bem como ditaduras na América Latina.
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
“Estratégia em três níveis para que ‘outro mundo’ seja possível”
Por Chico Whitaker (*) via Sul21
O Fórum Social Mundial (FSM), que
completou dez anos em janeiro, está realizando ao longo de 2010 uma
série de fóruns inspirados em seu conhecido lema “Outro Mundo É
Possível”. Em sua sequência de criação de “espaços abertos” e de redes
de organizações da sociedade civil, do nível local ao planetário, o
processo do FSM se desenvolve em três níveis.
No primeiro, são experimentadas práticas de uma nova maneira de fazer política, tendente à união dos que lutam por “outro mundo possível”. No segundo, procura-se superar a fragmentação da sociedade civil para que atue de forma articulada, mas autônoma em relação aos partidos e governos, como um novo ator político. No terceiro, são propostas e organizadas ações políticas – para quem decidir realizá-las –, a fim de alcançar o objetivo final dos fóruns, de substituir a lógica da busca insaciável pelo lucro que domina o planeta por uma lógica de satisfação das necessidades humanas.
Nos dois primeiros níveis estão se assentando os princípios que vão moldar a nova cultura política indispensável para que “outro mundo” seja possível.
A nova cultura política contradiz e inverte a certeza de que a condição prévia para construir outro mundo é a tomada do poder e questiona a postura de que para isso todos os meios são válidos. No FSM, afirma-se ser preciso construir antes – ou simultaneamente – a base de uma sociedade formada por cidadãos conscientes, livres, ativos, solidários e corresponsáveis pelo que ocorre em nosso entorno e no planeta Terra. O esforço pela construção dessa cultura é a grande contribuição do processo de dez anos do fórum para infundir uma ação política transformadora.
A discussão sobre o caráter do FSM – é um espaço ou um movimento? – continuará por longo tempo. E é evidente que estamos muito longe de essa nova cultura estar presente na ação dos atores políticos.
O primeiro nível parte da certeza quase unânime de que sempre é preciso buscar a união dos que participam da mesma luta. É simplesmente a adoção do velho provérbio popular “a união faz a força”. Verdadeiramente, diante do poder descomunal do sistema dominante, a luta para mudá-lo exige uma força imensa.
O caminho experimentado no primeiro nível em favor da união consistiu em organizar os fóruns com uma metodologia que nos liberasse da cultura da competição, estimulando seu contraveneno, que é um elemento básico de um sistema não capitalista: a cooperação.
O segundo nível se assenta em uma convicção mais diretamente política: a crença de que para mudar o mundo em profundidade e de maneira duradoura é imperioso o empenho de toda a sociedade. Isto é, não basta a ação dos partidos e dos governos – constituídos por via eleitoral ou revolucionária. Para que haja mudanças que sejam duráveis, toda a sociedade deve assumi-las como uma necessidade e incentivá-las.
Os partidos e os governos têm estruturas e ocasiões para organizar sua força política em todos os níveis. Não é assim com os setores das sociedades que se organizam, menos ainda em escala mundial. Por isso, na Carta de Princípios do FSM está estabelecido que ele é um espaço reservado para a articulação da sociedade civil e enfatizado que, embora membros de partidos e governos possam participar dos fóruns, nessa condição não podem propor ou organizar atividades próprias.
Essa reserva de espaço é contestada por quem não compartilha da convicção de que não pode haver transformação sem a participação de toda a sociedade e afirma que os partidos deveriam entrar nos fóruns com plenos direitos, e que se poderia passar do primeiro nível ao terceiro, que debate sobre a luta por uma nova lógica econômica e social. Mas isso colocaria em segundo plano o objetivo de articular a sociedade civil como ator político autônomo e subordinaria os participantes dos fóruns aos partidos e governos.
No seminário realizado em janeiro, não foi considerado necessário avaliar detalhadamente as iniciativas que conduzem aos dois primeiros níveis e foi aberto um debate sobre os temas vinculados ao conteúdo da luta, que corresponde ao terceiro nível: quais ações políticas transformadoras podem levar ao objetivo final dos fóruns, uma lógica de satisfação das necessidades humanas?
No terceiro nível, o processo do FSM se encontra com o altermundialismo, que atua tendo em vista, diretamente, as mudanças em nível mundial. É importante considerar que entre as características do altermundialismo figuram – como no FSM – a multiplicidade e a diversidade de seus componentes, a participação maciça da sociedade civil e o uso das redes como forma de organização. Mas, ao contrário do FSM, pode incluir partidos em suas fileiras e obter a adesão de governos.
Ao encontrar-se com o altermundialismo no terceiro nível, o processo do FSM não pode pretender substituí-lo nem com ele competir. O que corresponde então no contexto do processo do FSM é reforçar o altermundialismo com as novas articulações, redes e movimentos que nascem dos fóruns. E continuar seu papel instrumental para as organizações que o integram, associadas umas às outras em sua ação concreta – no âmbito ou não do altermundialismo – para mudar o mundo.
Nesse plano, o altermundialismo pode e deve utilizar a experiência feita nos dois primeiros níveis. Assim como pode e deve utilizar as reflexões sobre a ação política que surgem do terceiro nível, a serviço de “pensar” antes, durante e depois da ação. Para concluir, nada impede que o processo do FSM tenha essa mesma utilidade para os partidos políticos por meio do altermundialismo.
* Chico Whitaker é membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, a qual representa na Comissão do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial (FSM).
No primeiro, são experimentadas práticas de uma nova maneira de fazer política, tendente à união dos que lutam por “outro mundo possível”. No segundo, procura-se superar a fragmentação da sociedade civil para que atue de forma articulada, mas autônoma em relação aos partidos e governos, como um novo ator político. No terceiro, são propostas e organizadas ações políticas – para quem decidir realizá-las –, a fim de alcançar o objetivo final dos fóruns, de substituir a lógica da busca insaciável pelo lucro que domina o planeta por uma lógica de satisfação das necessidades humanas.
Nos dois primeiros níveis estão se assentando os princípios que vão moldar a nova cultura política indispensável para que “outro mundo” seja possível.
A nova cultura política contradiz e inverte a certeza de que a condição prévia para construir outro mundo é a tomada do poder e questiona a postura de que para isso todos os meios são válidos. No FSM, afirma-se ser preciso construir antes – ou simultaneamente – a base de uma sociedade formada por cidadãos conscientes, livres, ativos, solidários e corresponsáveis pelo que ocorre em nosso entorno e no planeta Terra. O esforço pela construção dessa cultura é a grande contribuição do processo de dez anos do fórum para infundir uma ação política transformadora.
A discussão sobre o caráter do FSM – é um espaço ou um movimento? – continuará por longo tempo. E é evidente que estamos muito longe de essa nova cultura estar presente na ação dos atores políticos.
O primeiro nível parte da certeza quase unânime de que sempre é preciso buscar a união dos que participam da mesma luta. É simplesmente a adoção do velho provérbio popular “a união faz a força”. Verdadeiramente, diante do poder descomunal do sistema dominante, a luta para mudá-lo exige uma força imensa.
O caminho experimentado no primeiro nível em favor da união consistiu em organizar os fóruns com uma metodologia que nos liberasse da cultura da competição, estimulando seu contraveneno, que é um elemento básico de um sistema não capitalista: a cooperação.
O segundo nível se assenta em uma convicção mais diretamente política: a crença de que para mudar o mundo em profundidade e de maneira duradoura é imperioso o empenho de toda a sociedade. Isto é, não basta a ação dos partidos e dos governos – constituídos por via eleitoral ou revolucionária. Para que haja mudanças que sejam duráveis, toda a sociedade deve assumi-las como uma necessidade e incentivá-las.
Os partidos e os governos têm estruturas e ocasiões para organizar sua força política em todos os níveis. Não é assim com os setores das sociedades que se organizam, menos ainda em escala mundial. Por isso, na Carta de Princípios do FSM está estabelecido que ele é um espaço reservado para a articulação da sociedade civil e enfatizado que, embora membros de partidos e governos possam participar dos fóruns, nessa condição não podem propor ou organizar atividades próprias.
Essa reserva de espaço é contestada por quem não compartilha da convicção de que não pode haver transformação sem a participação de toda a sociedade e afirma que os partidos deveriam entrar nos fóruns com plenos direitos, e que se poderia passar do primeiro nível ao terceiro, que debate sobre a luta por uma nova lógica econômica e social. Mas isso colocaria em segundo plano o objetivo de articular a sociedade civil como ator político autônomo e subordinaria os participantes dos fóruns aos partidos e governos.
No seminário realizado em janeiro, não foi considerado necessário avaliar detalhadamente as iniciativas que conduzem aos dois primeiros níveis e foi aberto um debate sobre os temas vinculados ao conteúdo da luta, que corresponde ao terceiro nível: quais ações políticas transformadoras podem levar ao objetivo final dos fóruns, uma lógica de satisfação das necessidades humanas?
No terceiro nível, o processo do FSM se encontra com o altermundialismo, que atua tendo em vista, diretamente, as mudanças em nível mundial. É importante considerar que entre as características do altermundialismo figuram – como no FSM – a multiplicidade e a diversidade de seus componentes, a participação maciça da sociedade civil e o uso das redes como forma de organização. Mas, ao contrário do FSM, pode incluir partidos em suas fileiras e obter a adesão de governos.
Ao encontrar-se com o altermundialismo no terceiro nível, o processo do FSM não pode pretender substituí-lo nem com ele competir. O que corresponde então no contexto do processo do FSM é reforçar o altermundialismo com as novas articulações, redes e movimentos que nascem dos fóruns. E continuar seu papel instrumental para as organizações que o integram, associadas umas às outras em sua ação concreta – no âmbito ou não do altermundialismo – para mudar o mundo.
Nesse plano, o altermundialismo pode e deve utilizar a experiência feita nos dois primeiros níveis. Assim como pode e deve utilizar as reflexões sobre a ação política que surgem do terceiro nível, a serviço de “pensar” antes, durante e depois da ação. Para concluir, nada impede que o processo do FSM tenha essa mesma utilidade para os partidos políticos por meio do altermundialismo.
* Chico Whitaker é membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, a qual representa na Comissão do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial (FSM).
Estatuto da Igualdade Racial: 'Luta Social ou Luta de Raça?'
Valéria Nader, da Redação do Correio da Cidadania | |
A versão do Estatuto da Igualdade Racial recém aprovada pelo Senado
foi bastante discutida nas últimas semanas. Tratando-se de um daqueles
temas amplamente abordados tanto pelos grandes veículos de comunicação,
como também por aqueles menores, mais alternativos e com um viés à
esquerda, nem por isso as opiniões suscitadas são capazes de consolidar
um entendimento mais fundamentado de questão tão complexa.
Deparamo-nos os leitores, essencialmente, com a visão daqueles que
defendem as políticas afirmativas de inclusão, em contraposição àqueles
que não as vêem como positivas, na medida em que reforçariam a
‘racialização’ da sociedade brasileira. A defesa das cotas para negros
em universidades é o tópico em que se concentram os maiores esforços dos
primeiros, como forma de se contrapor minimamente às injustiças
históricas e arraigadas em um país de passado colonial e escravocrata.
Os críticos à racialização não têm, por sua vez, espaço amplo e
diversificado o suficiente para a apresentação de seus argumentos,
O historiador Mário Maestri, entrevistado especial do Correio,
amplifica os termos desse debate, tomando-o a partir da atual sociedade
capitalista, uma sociedade dividida entre as classes ligadas ao capital e
ao trabalho, e na qual se desenvolvem as relações sociais e as relações
de produção. O historiador alerta para que as discussões estão sofrendo
pesada influência das forças do capital, deixando na ‘penumbra a
diferença de qualidade entre a luta anti-racista e a proposta da luta
pela igualdade racial’.
Ainda segundo Maestri, para a ideologia da igualdade racial não
haveria mal na existência de opressores e oprimidos, desde que ambos os
segmentos se caracterizassem pelo equilíbrio étnico. Confira entrevista
exclusiva a seguir.
Correio da Cidadania: Qual a importância da discussão sobre a
igualdade racial e do Estatuto da Igualdade Racial, para regulamentá-la?
Mario Maestri: Trata-se de debate fundamental, até agora dominado
pelas forças do capital e sofrendo sua influência, que tem mantido na
penumbra a diferença de qualidade entre a luta anti-racista e a proposta
da luta pela igualdade racial. O anti-racismo é luta democrática contra
a discriminação na escola, no trabalho, na educação etc. É parte da
luta geral, no aqui e no agora, contra os exploradores, pela extinção da
sociedade de classes, base das opressões econômica, nacional, sexual,
étnica etc. A luta anti-racista é parte do programa do mundo do
trabalho, é mobilização democrática, progressista, revolucionária.
A proposta de igualdade racial propõe a existência de raças diversas,
que devem ser igualadas no que se refere ao tratamento e, sobretudo, às
oportunidades no seio da sociedade atual. Por além de eventual retórica
radical e apesar do indiscutível unitarismo da espécie humana, recupera e
trabalha com o conceito medonho de raça e reduz a opressão social à
opressão racial de negros por brancos. É programa regressista e
conservador, parte das estratégias do capital contra o mundo do trabalho
e seu programa.
A proposta de igualdade racial avança essencialmente no combate às
desigualdades de oportunidade. Denuncia o tratamento, no melhor dos
casos, igual, dos desiguais. Através da discriminação positiva, os
discriminados negativamente concorreriam em igualdade com os
privilegiados, estabelecendo-se, assim, a justiça social. Nos fatos,
naturaliza e recupera positivamente a competição social, pilar essencial
da retórica capitalista. Para essa ideologia, não há mal em haver
opressores e multidões de oprimidos. Desde que exista equilíbrio étnico
nos dois segmentos!
A África do Sul é exemplo patético e cada vez mais gritante dessa
política. Durante décadas, o apartheid serviu para a dura exploração das
terras e dos braços negro-africanos. Por isso, o movimento de
libertação articulava corretamente a luta contra o racismo e contra a
exploração capitalista. Com a derrota mundial dos trabalhadores em fins
dos anos 1980, a direção do CNA (Congresso Nacional Africano) terminou
aceitando substituir a já superada elite racista na gerência da
exploração das massas negras sul-africanas.
No governo pós-apartheid, mantiveram-se as relações de propriedade e de
exploração, ou seja, econômico-sociais, sob gestão de classe política e
lumpén-burguesia negro-africana, a serviço do capital e do imperialismo.
O fim do apartheid estabilizou a opressão de classe, a tal ponto que o
país acolhe hoje uma Copa do Mundo, sendo apresentado como exemplo a ser
seguido!
A miséria e a opressão dos trabalhadores e populares sul-africanos
seguiram aprofundando-se, sob a batuta de políticos negro-africanos tão
corruptos e venais como os brasileiros. Atualmente, eles se preocupam,
essencialmente, em formar uma classe média negra, para maior
estabilização da nova ordem!
Correio da Cidadania: Qual a sua opinião sobre as cotas
universitárias, o principal e mais discutido tópico de reivindicações do
movimento negro?
Mario Maestri: A proposta de igualdade racial e discriminação
positiva (cotas estudantis) não se preocupa com as multidões de jovens
negros (pardos, brancos etc.) marginalizados em diversos graus pelo
capitalismo. Pretende sobretudo conquistar equilíbrio racial entre os
privilegiados. De certo modo, é como se propusesse colocar pesos nos
corredores brancos, esguios, para igualá-los aos negros, mais pesados,
devido a handicaps sociais históricos. Equilibrando-se as desigualdades,
os vencedores serão os mais capazes.
O problema é que essa corrida premia os cem primeiros chegados e
marginaliza os 9.900 perdedores, em diversos graus. O que importa é
conquistar equilíbrio racial entre os cem laureados. Uma proposta que
sequer vislumbra a possibilidade e necessidade de se pôr fim à
competição canibal, para que todos sejam vencedores, segundo seus
esforços, capacidades e necessidades. Trata-se de mobilização por um
mundo de exploradores e de explorados sem diferenças raciais, desde que
no paraíso dos privilegiados e opressores haja vagas cativas para
privilegiados e opressores negros.
Estudar nas melhores universidades, em geral públicas, é privilégio de
pequena minoria de jovens, principalmente brancos ou quase brancos. A
política cotista promete que, um dia, nessa minoria de felizardos,
haverá um número proporcional de negros. O que já é uma falácia, pois a
base da desigualdade social apóia-se essencialmente na posse e no
domínio da propriedade. A proposta cotista despreocupa-se com as
multidões de jovens marginalizados – em forte proporção, negros. O
fundamental é mais generais, advogados, médicos, engenheiros,
farmacêuticos, capitalistas negros. Todos ferrando a população
trabalhadora, branca e negra, como fazem normalmente os congêneres
brancos.
As principais justificativas dessa proposta são duas. A primeira é que,
enquanto não chegamos a uma sociedade justa (socialismo), há que
melhorar a realidade na sociedade capitalista. O problema é que essa
proposta correta justifica o incorreto abandono da luta, no aqui e no
agora, do ensino universal, gratuito e de qualidade, parte do programa
democrático – e não socialista. Esse programa inarredável das classes
populares foi imposto, substancialmente, pelo mundo da democracia e do
trabalho, em países como a Alemanha, a França, a Bélgica, a Itália, a
Suécia etc., todas sociedades capitalistas!
A segunda justificativa é que o Brasil não teria recursos para garantir
esse privilégio para todos. Defendendo o programa cotista, Valério
Arcary, intelectual pró-cotista, afirmou, sem enrubescer, que sequer um
"governo dos trabalhadores, pelo menos nas fases iniciais da transição
ao socialismo, num país como o Brasil, poderia garantir acesso
irrestrito ao ensino superior para todos "! O governo brasileiro entrega
bilhões a banqueiros e capitalistas, nacionais e internacionais, mas
não tem os meios para implementar programa cumprido por Cuba, um país
pobre, literalmente desprovido de recursos naturais e de capitais!
Correio da Cidadania: Dessa forma, a quem interessa a política de
igualdade racial e as propostas de discriminação positiva na escola,
partidos, serviço público etc., rejeitadas pelo Senado quando da
aprovação do Estatuto da Igualdade Racial?
Mario Maestri: Por primeiro, interessa ao capital, grande
responsável pela defesa, propaganda e impulsão dessa política nos EUA,
em fins dos anos 1950. Ela foi consolidada, como política de manipulação
da questão racial, após a repressão geral e não raro massacre físico da
vanguarda negra classista e revolucionária estadunidense, nos anos 1960
e 1970. Ela começou a ser introduzida no Brasil pela Fundação Ford,
entre intelectuais negros, nos anos 1980. Não é por nada que a senhora
Hillary Clinton, em recente viagem ao Brasil, na única atividade não
oficial, foi prestigiar essas políticas em faculdade brasileira
organizada a partir de critérios raciais.
Mas qual foi e é o resultado das cotas nos EUA? No frigir dos ovos, meio
século após a implantação da política cotista, a droga e sobretudo o
cárcere são a solução prioritária para a questão negra estadunidense. Os
EUA, com 5% da população mundial, possuem 20% dos prisioneiros. Deles,
50% negros! No país mais rico do mundo, com recursos inimagináveis, o
jovem negro acaba normalmente nos braços da droga e da prisão e
raramente em universidade e emprego razoáveis.
E, apesar disto, o Estatuto da Igualdade Racial propõe nada menos que o
Brasil esteja, "no mínimo, meio século atrás dos Estados Unidos em
matéria de cidadania para o povo negro"! Isso porque, ali, o fundamental
para essa política foi atingido – temos presidente, alguns generais,
médicos, diplomatas, capitalistas etc. negros.
A política cotista é estratégia do grande capital, pois prestigia e
naturaliza a ordem capitalista; nega a luta social e de classes; procura
dividir os trabalhadores e oprimidos por cor e raça; fortalece a base
social da sociedade opressora. E tudo isso, em geral, sem custos ao
Estado.
A política de escola pública, gratuita e de qualidade exige
investimentos, que são feitos onde ainda dominam os princípios
democráticos e republicanos dos serviços públicos básicos universais. Ao
contrário, a política cotista não exige que o Estado gaste um real, ao
destinar 30%, 60% ou 90% das vagas das universidades públicas – dos
cargos federais, postos de trabalho etc. – para negros, índios, mulheres
etc. O Estado não gasta nada, pois são investimentos já feitos. Só
redistribui os privilégios e as discriminações.
E, com as políticas cotistas, além dos dividendos político-ideológicos, o
Estado classista, prestigiado, vê cair a luta e a pressão popular pela
extensão desses serviços. Ao igual que nos EUA. Não é por nada,
portanto, que as atuais lideranças do movimento negro cotista não exigem
ensino público, livre e gratuito universal. E imaginem só a saia justa
do governo, do Estado e do capital, se a juventude popular e
trabalhadora, como um todo, tomasse as ruas, exigindo ensino universal,
público e de qualidade! Se não obtivessem tudo que pedissem na primeira
vez, levariam certamente muito.
As propostas de igualdade entre as raças, na ordem capitalista,
interessam também a certo tipo de liderança negra. Defendendo as
políticas do capital de racialização da sociedade, inserem-se no jogo da
representação política e institucional, sendo por isso gratificada
econômica, social e simbolicamente. Não creio que tenha sido estudada a
gênese-consolidação dessa representação étnica nascida à sombra do
Estado, fortemente impulsionada durante os governos Lula da Silva. Porém, mutatis mutandis,
não parece ser processo diverso do ocorrido com as representações
sindicais e populares cooptadas pelo Estado, após a enorme derrota dos
trabalhadores de fins dos anos 1980.
Finalmente, essas políticas interessam a segmentos médios e médio-baixos
negros. É segredo de Polichinelo que as políticas de cotas privilegiam
sobretudo os segmentos negros relativamente mais favorecidos, em
detrimento dos trabalhadores e marginalizados de mesma origem. O filho
do professor negro vence o filho do pedreiro negro, na disputa de uma
cota. Ao igual do que ocorre com filho do engenheiro branco, ao disputar
com o do zelador de mesma cor no vestibular. Ainda que, em bem da
verdade, os filhos dos zeladores e dos pedreiros sequer sonhem com um
curso universitário.
Correio da Cidadania: E quem está contra o Estatuto da Igualdade Racial?
O que você pensa da participação do senador Demóstenes Torres na
relatoria desse projeto, após declarações preconceituosas sobre a
escravidão e a opressão aos negros?
Mario Maestri: No Brasil, a oposição às políticas de igualdade
racial tem duas grandes vertentes, essencialmente opostas (com posições
intermediárias, é claro). A vertente minoritária, com escasso espaço na
mídia e no debate, é formada por um punhado de intelectuais, ativistas,
sindicalistas, lideranças sociais etc., negros e brancos, de tradição
republicana, democrática, socialista e revolucionária. Em geral, ela
expressa, direta ou indiretamente, os interesses do mundo do trabalho e,
portanto, da grande população trabalhadora e marginalizada negra,
discriminada e esquecida pelas propostas retóricas de igualdade racial.
Essa vertente mobiliza-se pela luta anti-racista e pelos direitos
democráticos gerais, no aqui e no agora, sem qualquer exceção e
privilégios.
A vertente majoritária, com grande presença na mídia, formada sobretudo
por políticos, jornalistas, intelectuais, é impulsionada por
preconceitos elitistas, racistas e corporativistas. É formada
essencialmente por brancos e alguns oportunistas não-brancos. O senador
Demóstenes Torres é representante exótico desta corrente, assim como,
por exemplo, o jornalista Ali Kamel constitui defensor refinado das
mesmas visões.
A primeira vertente, ao refletir, direta ou indiretamente, o mundo do
trabalho e seu programa, tem consciência das conseqüências dramáticas
das propostas de racialização da sociedade brasileira para a luta e as
conquistas sociais e para a própria organização e convivência nacionais.
A segunda representa os setores sociais médios brancos em parte
deslocados por essas políticas, em favor dos setores da classe média e
médio-baixa negra, como proposto.
No último caso, trata-se de defesa conservadora de privilégios das
classes médias brancas, contra as políticas raciais conservadoras do
grande capital, despreocupado no geral com aqueles segmentos. Trata-se
de um movimento em algo semelhante à resistência final dos racistas
sul-africanos, quando o capital decidira a entronização da nova classe
política negro-africana. Resistência que se mantém até hoje em forma já
residual na África do Sul. Não devemos esquecer que o capital não tem
cor. Historicamente, ele se serve do racismo para impor sua dominação e
obter super-exploração. Porém, quando necessário, ferra sem dó os
segmentos racistas.
Correio da Cidadania: O Senado retirou do projeto a obrigatoriedade do
registro da cor das pessoas nos formulários de atendimento do SUS,
considerado por muitos como o retrocesso maior, já que os índices
referentes à saúde da população negra denunciariam fortemente a
discriminação racial.
Mario Maestri: É enrolação estatística dizer que os negros, por
serem negros, são mais desfavorecidos que os brancos, por serem brancos,
por exemplo, no relativo à saúde. Comparemos os engenheiros negros e os
pedreiros brancos. Nesse caso, a saúde dos brancos é certamente pior do
que a dos negros. E se cotejarmos a saúde dos médicos brancos à dos
médicos negros certamente ela será, no geral, idêntica.
O fato de que há maioria de negros entre as classes exploradas e maior
número de brancos entre os privilegiados determina diferença social que
pode ser percebida artificialmente como racial, e não social. Seria
estatisticamente mais interessante registrar e tornar pública a situação
sócio-profissional dos atendidos pelo SUS, registrando a enorme
insuficiência das classes trabalhadoras e marginalizadas, brancas,
negras e pardas, quanto à saúde e à esperança de vida. Realidade não
retida, como devia ser, no relativo à remuneração e à idade de
aposentadoria.
No essencial, as propostas da obrigação da definição da cor (no fato, da
pretensa raça) quando de registros públicos procuram impor literalmente
racialização artificial do país. Para essa proposta, você não seria
mais simplesmente brasileiro. Mas, obrigatoriamente, brasileiro branco
ou brasileiro negro.
Trata-se de proposta anti-republicana, antidemocrática e profundamente
racista determinar pela lei que todo cidadão assuma uma identidade
racial aleatória ou oportunista. Uma identidade racial que, no novo
mundo proposto, poderia ensejar privilégios em relação ao resto da
população. Esta proposta se apóia igualmente na concepção da necessidade
da definição da raça quando do atendimento médico, pois, segundo ela,
negros e brancos, de raças diversas, exigiriam tratamentos e
procedimentos médicos diversos! Ou seja, que brancos e negros seriam
biologicamente diversos, como defendiam já os escravistas e seus
ideólogos racistas, como o celerado e farsante conde de Gobineau
(1816-1882).
Proposta racista, de caráter acientífico, que demonstra sua enorme
obtusidade, ainda mais no Brasil, onde a auto-definição racial tende no
geral a sequer possuir uma correspondência genética mais precisa. Os
estudos científicos apontam para que, em uma enorme quantidade, os
brasileiros são produtos de uma forte mescla genética de população das
mais diversas origens européias, americanas, africanas, asiáticas etc. E
não devemos esquecer que aquelas populações já resultavam de enormes
interações genéticas.
Correio da Cidadania: Como você enxerga as lamentações do movimento
negro, que definiu a aprovação dessa versão do Estatuto como traição a
lutas históricas e que seria melhor brigar mais dez anos pela aprovação
de versão satisfatória? Você incluiria o projeto aprovado no rol de
recuos do governo Lula da Silva, em praticamente todas as pautas de
caráter mais progressista?
Mario Maestri: Foi enorme a cooptação pelo Estado de dirigentes
populares no governo Lula da Silva. Hoje, enorme parte das direções
negras tem ligações diretas ou indiretas com o lulismo, com o petismo,
com o Estado, com os quais não arriscam oposição e dissidências. Ao
igual que as direções sindicalistas, camponesas, populares etc. também
cooptadas.
Jamais vimos essas lideranças do movimento negro mobilizando-se contra a
ocupação do Haiti pelo Exército brasileiro. Ou levantando-se contra o
tratamento bestial do sistema prisional brasileiro, habitado por enorme
população negra. Ou denunciando o quase total abandono das populações
flageladas dos últimos tempos. Silêncio de túmulo.
A reprovação do Estatuto no Senado parece ter causado apenas as
assinaladas lamentações das lideranças responsáveis por sua
apresentação. Ele não interpretava as necessidades da população negra
pobre e explorada, que continua abandonada à sua sorte, sem conseguir
construir suas verdadeiras lideranças e programas, ao igual que a
maioria dos trabalhadores e oprimidos dos campos e das cidades do
Brasil.
Correio da Cidadania: Por fim e diante de todos os pontos expostos, você
acredita que se realizou um debate público a contento, com a
participação efetiva da sociedade, na discussão das políticas de
discriminação racial positiva, em geral, e do Estatuto, em particular?
Mario Maestri: Houve debate, superestrutural e institucional:
programas de rádio e de televisão; artigos e livros jornalísticos e
acadêmicos; alguns editoriais. Porém, o debate jamais alcançou a
população nacional, a ser enquadrada pelo Estatuto, seja qual for a sua
cor. Se fizéssemos um levantamento, a imensa maioria dos brasileiros não
sabe o que seja o Estatuto e a quase totalidade não sabe realmente o
que ele propõe.
O debate jamais foi realmente enfrentado, mesmo pela esquerda, que,
paradoxalmente, no passado, destacou-se pela ênfase da importância da
escravidão e do racismo na sociedade de classes no Brasil. No século 20,
foram efetivamente militantes marxistas e comunistas que contribuíram
fortemente para que a questão negra se transformasse no Brasil em
problema histórico e teórico de larga discussão – Astrogildo Pereira,
Edison Carneiro, Benjamin Perét, Clóvis Moura, Décio Freitas etc.
A vanguarda da esquerda organizada aceitou as propostas de racialização
da sociedade nacional sem crítica e reflexão, como parte das novas e
antigas sensibilidades ambientalistas, feministas, anti-racistas etc.
Contribuíram nessa aceitação acrítica e passiva a escassa formação
política e, sobretudo, os frágeis vínculos com o operariado nacional.
Operariado em franca regressão, no Brasil e no mundo, sobretudo após a
derrota histórica de fins de 1980, que ensejou depressão dos valores
universalistas, racionalistas, socialistas etc. Ou seja, com a crescente
fragilidade do programa dos trabalhadores, fortaleceu-se a influência
das propostas ideológicas e conservadoras do capital, também entre a
própria esquerda, como no caso das visões raciais da sociedade.
Nas razões dessa renúncia passiva ao programa socialista ajuntaríamos
uma espécie de consciência culpada, por parte de militantes em geral com
origem na classe média e médio-baixa branca, no contexto de escassa
importância dada à questão, vista tradicionalmente como periférica aos
problemas centrais da revolução, mesmo quando destacada nos programas
políticos. Foram também importante as pressões da juventude negra
estudantil radicalizada, conquistada para essas propostas no processo de
flexibilização de organizações de esquerda, como o PSTU, de frágeis
vínculos sociais e políticos com os trabalhadores.
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; colaborou Gabriel Brito, jornalista.
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quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Liberdade de expressão: o “efeito silenciador” da grande mídia
Venício Lima, na Carta Maior
Desde a convocação da 1ª. Conferência Nacional de Comunicação
(CONFECOM), em abril de 2009, os grandes grupos de mídia e seus aliados
decidiram intensificar a estratégia de oposição ao governo e aos
partidos que lhe dão sustentação. Nessa estratégia – assumida pela
presidente da ANJ e superintendente do grupo Folha – um dos pontos
consiste em alardear publicamente que o país vive sob ameaça constante
de volta à censura e de que a liberdade de expressão [e, sem mais, a
liberdade da imprensa] corre sério risco.
Além da satanização da própria CONFECOM, são exemplos recentes dessa
estratégia, a violenta resistência ao PNDH3 e o carnaval feito em torno
da primeira proposta de programa de governo entregue ao TSE pela
candidata Dilma Roussef (vide, por exemplo, a capa, o editorial e a
matéria interna da revista Veja, edição n. 2173).
A liberdade – o eterno tema de combate do liberalismo clássico – está
na centro da “batalha das idéias” que se trava no dia-a-dia, através da
grande mídia, e se transformou em poderoso instrumento de campanha
eleitoral. Às vezes, parece até mesmo que voltamos, no Brasil, aos
superados tempos da “guerra fria”.
O efeito silenciador
Neste contexto, é oportuna e apropriada a releitura de “A Ironia da Liberdade de Expressão” (Editora Renovar, 2005), pequeno e magistral livro escrito pelo professor de Yale, Owen Fiss, um dos mais importantes e reconhecidos especialistas em “Primeira Emenda” dos Estados Unidos.
Neste contexto, é oportuna e apropriada a releitura de “A Ironia da Liberdade de Expressão” (Editora Renovar, 2005), pequeno e magistral livro escrito pelo professor de Yale, Owen Fiss, um dos mais importantes e reconhecidos especialistas em “Primeira Emenda” dos Estados Unidos.
Fiss introduz o conceito de “efeito silenciador” quando discute que,
ao contrário do que apregoam os liberais clássicos, o Estado não é um
inimigo natural da liberdade. O Estado pode ser uma fonte de liberdade,
por exemplo, quando promove “a robustez do debate público em
circunstâncias nas quais poderes fora do Estado estão inibindo o
discurso. Ele pode ter que alocar recursos públicos – distribuir
megafones – para aqueles cujas vozes não seriam escutadas na praça
pública de outra maneira. Ele pode até mesmo ter que silenciar as vozes
de alguns para ouvir as vozes dos outros. Algumas vezes não há outra
forma” (p. 30).
Fiss usa como exemplo os discursos de incitação ao ódio, a
pornografia e os gastos ilimitados nas campanhas eleitorais. As vítimas
do ódio têm sua auto-estima destroçada; as mulheres se transformam em
objetos sexuais e os “menos prósperos” ficam em desvantagem na arena
política.
Em todos esses casos, “o efeito silenciador vem do próprio discurso”,
isto é, “a agência que ameaça o discurso não é Estado”. Cabe, portanto,
ao Estado promover e garantir o debate aberto e integral e assegurar
“que o público ouça a todos que deveria”, ou ainda, garanta a democracia
exigindo “que o discurso dos poderosos não soterre ou comprometa o
discurso dos menos poderosos”.
Especificamente no caso da liberdade de expressão, existem situações
em que o “remédio” liberal clássico de mais discurso, ao invés da
regulação do Estado, simplesmente não funciona. Aqueles que supostamente
poderiam responder ao discurso dominante não têm acesso às formas de
fazê-lo (pp. 47-48).
Creio que o exemplo emblemático dessa última situação é o acesso ao
debate público nas sociedades onde ele (ainda) é controlado pelos
grandes grupos de mídia.
Censura disfarçada
A liberdade de expressão individual tem como fim assegurar um debate público democrático onde, como diz Fiss, todas as vozes sejam ouvidas.
A liberdade de expressão individual tem como fim assegurar um debate público democrático onde, como diz Fiss, todas as vozes sejam ouvidas.
Ao usar como estratégia de oposição política o bordão da ameaça
constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão corre
risco, os grandes grupos de mídia transformam a liberdade de expressão
num fim em si mesmo. Ademais, escamoteiam a realidade de que, no Brasil,
o debate público não só [ainda] é pautado pela grande mídia como uma
imensa maioria da população a ele não tem acesso e é dele historicamente
excluída.
Nossa imprensa tardia se desenvolveu nos marcos do de um “liberalismo
antidemocrático” no qual as normas e procedimentos relativos a outorgas
e renovações de concessões de radiodifusão são responsáveis pela
concentração da propriedade nas mãos de tradicionais oligarquias
políticas regionais e locais (nunca tivemos qualquer restrição efetiva à
propriedade cruzada), e impedem a efetiva pluralidade e diversidade nos
meios de comunicação.
A interdição do debate verdadeiramente público de questões relativas à
democratização das comunicações pelos grupos dominantes de mídia, na
prática, funciona como uma censura disfarçada.
Este é o “efeito silenciador” que o discurso da grande mídia provoca
exatamente em relação à liberdade de expressão que ela simula defender.
Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e
Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de
Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e
Democracia, Publisher, 2010.
Opção pela água e pela superação do monocultivo
Pedro Carrano
O brasileiro ingeriu, em média, 3,7 quilos
de agrotóxicos em 2009. Trata-se de uma massa de cerca de 713
milhões de toneladas de produtos comercializadas no país
por cerca de seis corporações transnacionais. Estas
empresas controlam toda a cadeia produtiva, da semente ao agroquímico
ligado a ela. Uma condição que pressiona o agricultor
familiar, refém da compra do “pacote tecnológico”
gerador da dependência na produção. O capital
dessas companhias do ramo é maior que o produto interno bruto
da maioria dos países da Organização das Nações
Unidas. Só no Brasil lucraram 6,8 bilhões de dólares
em 2009.
Para tanto, o país ergueu a taça de
campeão mundial em uso de agrotóxicos e bateu outro
recorde: duplicou o consumo em relação a 2008.
Relatórios recentes da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), que vem sendo criticado pelo lobby do
agronegócio, apontam que 15% dos alimentos pesquisados pelo
órgão apresentaram taxa de resíduos de veneno em
um nível prejudicial à saúde. Cana-de-açúcar,
soja, arroz, milho, tabaco, tomate, batata, hortaliças (veja
tabela) são produtos do dia-a-dia que passaram a ter alto
índice de toxidade.
Agroquímico, semente, terra e mercado fazem
parte da mesma cadeia produtiva sob controle dos monopólios.
Larissa Parker, advogada da Terra de Direitos, aponta uma relação
direta entre a concentração do mercado de sementes e de
agrotóxicos. A transnacional Monsanto controla de 85 a 87% do
mercado de sementes. No caso do transgênico Milho BT (da
empresa estadunidense), de acordo com a advogada, o próprio
cereal é desenvolvido com uma toxina contra determinado tipo
de praga. Ainda assim, agricultores no Rio Grande do Sul precisaram
realizar mais de duas aplicações de agrotóxicos
na lavoura. Os insetos mostraram-se resistentes à substância
tóxica. Na Argentina, as corporações cobram
patentes apenas dos agrotóxicos e não das sementes, já
que o seu uso está atrelado a elas.
Apesar de surgir como a “salvação
da lavoura”, prometendo aumento de produtividade, a introdução
do químico ligado à semente transgênica
incentivou o aumento do uso de tóxicos. O cultivo da soja teve
uma variação negativa em sua área plantada (-
2,55%) e, contraditoriamente, uma variação positiva de
31,27% no consumo de agrotóxicos, entre os anos de 2004 a
2008, como explicam os professores Fernando Ferreira Carneiro e
Vicente Soares e Almeida, do Departamento de Saúde Coletiva da
Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de
Brasília (UnB).
Além disso, produtos que foram barrados no
exterior são usados em diferentes cultivos brasileiros. Entre
dezenas de substâncias perigosas, o endosulfan, por exemplo, é
um inseticida cancerígeno, proibido há 20 anos na União
Europeia, Índia, Burkina Faso, Cabo Verde, Nigéria,
Senegal e Paraguai. Mas não é proibido no Brasil, onde
é muito usado na soja e no milho.
Outro exemplo de um cenário absurdo:
grandes produtores de cítricos não têm usado
determinada substância tóxica, não por
consciência ecológica, mas porque países
importadores não a aceitam. De acordo com informações
da página da Anvisa “todos os citricultores que exportam
suco de laranja já não utilizam mais a cihexatina, pois
nenhum país importador, como Canadá, Estados Unidos,
Japão e União Européia, aceita resíduos
dessa substância nos alimentos”.
Cultura internalizada
O Censo Agropecuário de 2006, divulgado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
informou que 56% das propriedades brasileiras usam venenos sem
assistência técnica. De acordo com a mesma pesquisa,
práticas alternativas, como controle biológico, queima
de resíduos agrícolas e de restos de cultura, que
poderiam gerar redução no uso de agrotóxicos,
também são pouco utilizadas.
Adriano Resemberg, engenheiro agrônomo do
departamento de fiscalização da Secretaria de
Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab), analisa a
questão dos agrotóxicos a partir dos seguintes eixos: o
primeiro é que o uso dos agrotóxicos produz um impacto
e uma alteração do bioma local. O outro é que a
prática do uso de venenos é desnecessária, mas
acaba sendo apontada como a única saída para o
produtor. E vira uma cultura. “Muitas boas práticas
agrícolas, como o manejo do solo, têm sido deixadas de
lado. O uso do agrotóxico é mais fácil, diante
da falta de uma saída do serviço de assistência
técnica pública do Estado. O que vemos são
profissionais levando pacotes [tecnológicos] e não
soluções, um modelo que leva o agricultor a usar o
agrotóxico e não questionar muito isso. Usar um inimigo
natural não significa menos tecnologia, ao contrário”,
analisa.
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