domingo, 29 de novembro de 2009

O golpe em Honduras...

Hondurenhos não pretendem legitimar o golpe

Neste domingo (29), 4,6 milhões de hondurenhos estão convocados para as eleições mais controversas de sua história. Do total de eleitores, estima-se que 50% devam comparecer às urnas, de acordo com os índices habituais de abstenção. Em 2005, não votaram 44% do eleitorado, e amanhã o número pode ser ainda maior,  já que muitos se negam a participar de um pleito organizado sob uma ditadura. Eles não pretendem ajudar a legitimar o golpe que tirou do poder o presidente que elegeram, Manuel Zelaya.

A Frente Nacional Contra o Golpe de Estado fez um chamado para que a população boicote as eleições golpistas . A maioria da comunidade internacional mantém a mesma postura, assegurando que não há garantias democráticas para a disputa e que não se pode concorrer ao cargo sem que o último presidente eleito, Manuel Zelaya, tenha sido restituído ao poder.

Da mesma maneira, a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos) negaram-se a enviar observadores internacionais às eleições.

Apesar do repúdio ao golpe de 28 de junho ter sido uma posição inicialmente unificada da comunidade internacional, no decorrer destes cinco meses o consenso foi se alterando e alguns países - Estados Unidos e os subalternos Panamá, Peru e Costa Rica -  já recuaram e agora contradizem sua própria posição, afirmando que reconhecerão o governo eleito.

Segundo o analista político hondurenho Héctor Soto, estas eleições significam a “reciclagem do golpe de Estado”. A opinião dele é compartilhada por muitos compatriotas, como a Frente de Resistência e o próprio Zelaya, que já avisou que impugnará os resultados.

Na quinta-feira (26), o presidente deposto voltou a pedir à ONU e à OEA a formação de um tribunal internacional contra a perseguição política em Honduras, no qual ele seria o primeiro a se submeter. Na carta, ele insiste que "as eleições neste regime não serão, de nenhuma maneira, a solução da crise, senão o seu aprofundamento e perpetuação”.

Ainda assim, a não ser que a pressão internacional seja mais contundente, o partido que ganhar o pleito formará o governo a partir de 27 de janeiro. Entretanto, para o economista Gustavo Irías, este será um governo “debilitado”, pois “terá sobre suas costas o espectro do golpe, eleições ilegítimas e fraudulentas e com baixo consenso nacional e internacional”. Neste sentido, ele destaca que as eleições “não garantem a governabilidade democrática do país”.

A farsa eleitoral

Zelaya acompanhará as eleições gerais a partir da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, aonde chegou de surpresa em 21 de setembro, após quase três meses de exílio desde o golpe de Estado realizado pelos militares em 28 de junho.

O governante de fato, Roberto Micheletti, ausentou-se do poder desde quarta-feira, mas sem renunciar ao cargo, em uma tentativa de dar ares de legalidade à disputa.

Nas ruas, contudo, continuam as denúncias contra o atentado à democracia e a violação de direitos e é difícil imaginar o futuro de um governo eleito a partir desse cenário que a resistência chama de "farsa eleitoral".

O candidato independente, Carlos Reyes, um reconhecido dirigente sindical de esquerda, renunciou a três semanas das eleições, porque Zelaya não foi restituído no poder.

O minoritário partido Unificação Democrática (UD), confirmou sua participação nas eleições até o último dia 21, em uma assembleia realizada em Tegucigalpa e na qual apoiou seu candidato César Ham.

As outras legendas que participam da disputa são o Partido Liberal de Honduras, no poder; o Partido Nacional de Honduras, principal força de oposição; e os minoritários Partido Democrata-Cristão de Honduras e Partido Inovação e Unidade/Social-Democrata.

Observadores

As eleições se realizarão no domingo sob o olhar de 250 observadores, conforme informou o Tribunal Supremo Eleitoral. Entretanto, não haverá supervisão de organismos internacionais.

No total, são 250 observadores vindos de 70 países – muitos deles foram por conta própria a Honduras, já que são poucos os governos que reconhecem as eleições – para supervisionar 5.300 colégios eleitorais que teriam de atender 4,6 milhões de pessoas.

Os observadores são empresários, funcionários eleitorais e políticos, a maioria destes filiada a partidos de direita. Da América Latina, destacam-se as visitas de ex-presidentes, como o boliviano Jorge Quiroga e o salvadorenho Armando Calderón. De brasileiro, estará lá o deputado federal Raul Jungmann, do PPS-PE, convidado pelo Parlamento local, que deve chegar hoje a Honduras.

O ministro da Economia do governo de Zelaya, Nelson Ávila, disse ao Opera Mundi que, com esse número de observadores, não será possível documentar fraudes nas eleições. “Necessitaríamos de milhares de pesquisadores independentes perto de cada urna, aferindo a intenção de voto, para contrastar com os resultados finais”, explica. Ele acredita que haverá fraude no próximo domingo, tal e como já anunciou o presidente deposto.

Entretanto, o Tribunal Supremo Eleitoral se diz convencido que os 250 observadores “são mais do que suficientes” para garantir eleições que sejam “as mais transparentes e técnicas” da história de Honduras.

A postura frente às eleições hondurenhas e as conseguintes tensões se transferiram para fora do país centro-americano. O Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil) lamentou o apoio dos Estados Unidos ao processo eleitoral hondurenho e considera que "causa um gravíssimo dano à credibilidade da Administração do presidente Barack Obama", e "afetará seriamente as relações e as políticas americanas no continente".

Na Guatemala, o envio de observadores pelo Tribunal Supremo Eleitoral, algo que finalmente não acontecerá, levou o presidente guatemalteco, Álvaro Colom, a advertir que desautorizaria sua representatividade em nome do país.

A Unasul também declarou enfaticamente que não aceitará o resultado do pleito. "A Unasul não vai respaldar os resultados das eleições presidenciais de Honduras," disse o equatoriano Rafael Correa numa entrevista coletiva em Bruxelas.

"Também pediria (à União Europeia) que não aceite (o resultado) porque isso seria aceitar um golpe de Estado dos mais grosseiros," acrescentou.

O Parlamento Europeu se mostrou dividido sobre a legitimidade das próximas eleições, com o grupo majoritário na câmara, o Partido Popular Europeu, junto com conservadores e reformistas, a favor do envio de observadores. Já os socialistas, liberais, verdes e da Esquerda Unitária são contra.

O secretário de Estado espanhol para a região ibero-americana, Juan Pablo de Laiglesia, afirmou que o pleito não será "democraticamente aceitável" sem Zelaya no poder.

Direitos humanos

Também está no país uma delegação de 20 representantes norte-americanos e canadenses de organizações sociais e sindicais para vigiar possíveis violações aos direitos humanos. Uma das observadoras, Sidney Frey, assegura que “não há condições necessárias para eleições livres e democráticas depois de cinco meses de graves violações aos direitos humanos: suspensão das garantias individuais e coletivas, Exército nas ruas, hostilidade, repressão e assassinatos de membros da Resistência”.

Ela assegura que a repressão pode se intensificar amanhã, com os 35 mil efetivos dos corpos de segurança mobilizados em todo o país. Esta comissão se dividirá por diferentes cidades para evitar que haja enfrentamentos entre a polícia e a Resistência, embora Sidney reconheça que 20 pessoas é pouco e que o Exército poderá atuar impunemente na maioria das colônias e municípios, se houver algum tipo de protesto.

As Forças Armadas hondurenhas convocaram 5.000 reservistas para "reforçar a segurança das eleições", uma medida inédita. O esquema conta ainda com 14 mil soldados e 12 mil policiais.
A ONG Anistia Internacional relatou nesta sexta que o governo interino comprou 10 mil granadas de gás lacrimogêneo, 5.000 projéteis para granadas de gás lacrimogêneo e um tanque de água. A organização teme que o material seja usado de forma "excessiva e desproporcional".

Nos últimos meses, Honduras registrou cerca de 30 ataques de bombas caseiras ou granadas contra locais públicos e instituições contrárias ao presidente deposto, Manuel Zelaya. Na madrugada de ontem, quatro bombas de pequena potência explodiram em escolas -que serão centro de votação- de San Pedro Sula, a segunda cidade do país, provocando danos materiais leves. Nesta semana, uma granada atingiu a Corte Suprema (sem deixar mortos ou feridos graves).

Por esse motivo, a Frente de Resistência decretou um “toque de recolher popular”, pedindo para que as pessoas permaneçam em suas casas no domingo.

O recuo servil de Árias

O presidente da Costa Rica, Óscar Árias, admitiu que sua gestão como mediador na crise política hondurenha foi um fracasso e decidiu agora que reconhecerá as polêmicas eleições organizadas pelos golpistas que ele condenava até pouco tempo.

A surpreendente decisão de Árias se contrapõe ao discurso adotado por ele até então. Em 2 de julho ele afirmou categoricamente: "Espero que o mundo inteiro não reconheça o governo de fato de Honduras. Estamos chamando de volta nosso embaixador e veremos a possibilidade de rom per relações diplomáticas se não for restituído Zelaya na presidência".

Essas palavras, reproduzidas por inúmeros sites se opõe ao que o costarriquenho agora defende: "Ao final tem que reinar a cordura e a cordura diz que, se tudo transcorrer bem, normalmente", nas eleições deste domingo, "a grande maioria dos países do mundo deve reconhecê-las (as eleições)".

Cenário pós-eleições ilegítimas

Os candidatos favoritos são Porfirio Lobo, do Partido Nacional, e Elvin Santos, do Partido Liberal, ambos conservadores e pertencentes a duas instuições com mais de um século de história. Lobo, perdedor diante de Zelaya em 2005, disputa a Presidência pela segunda vez, enquanto Santos era vice-presidente do deposto governante, mas renunciou em 2008 ao cargo para apresentar sua candidatura.

Qualquer candidato que vencer assumirá os destinos de um país órfão de reconhecimento internacional e suspenso como membro da Organização dos Estados Americanos (OEA) desde 4 de julho. 

Um dos desafios para o próximo Governo de Honduras será a falta de apoio financeiro para uma nação com 7,8 milhões de habitantes que está entre as mais pobres do continente americano, junto com Bolívia, Haiti e Nicarágua.

Sitio do vermelho Com agências




sábado, 28 de novembro de 2009

MST: a luta continua....

Os vencidos não se entregam

Luana Lila, de Iaras - Carta Capital

No acampamento Rosa Luxemburgo, como em tantos outros ligados ao MST, as condições de vida são precárias. As lonas esquentam em demasia durante o dia, falta água e energia elétrica. Mas o que mais incomoda as 180 famílias acampadas nos arredores de Iaras, no sudoeste de São Paulo, são as tempestades. “Você nunca sabe se vai deitar e amanhecer em pé ou não. Tudo sai voando, eu tenho um medo terrível. Se cai granizo é pior ainda, porque você vê que a lona não vai resistir. Depois que passa, a gente sai para ver o que sobrou, todo mundo tem de se ajudar para reconstruir”, afirma Rosalina Beatriz de Oliveira, acampada há cerca de um ano.

A fazenda Agrocentro, que dá lugar ao acampamento, foi declarada improdutiva pelo Incra e aguarda a conclusão do processo de desapropriação. Para chegar lá, depois de três horas pelas modernas estradas do estado, o progresso do agronegócio se faz mais tímido e grandes buracos no asfalto dificultam a circulação dos veículos. Em seguida, o carro segue derrapando na areia grossa, ao longo de 32 quilômetros de estrada de terra cercada de plantações de eucalipto e cana.

Na fazenda o pasto deu lugar aos barracos de lona que surgem no horizonte. Com o sol forte na cabeça e a terra fervendo sob os pés, o olhar insiste na busca por um abrigo, mas são poucas as árvores que sobraram. No interior dos barracos a temperatura é insuportável.

Na varanda improvisada com um puxadinho de lona está Marta Pereira da Silva, que mora há oito meses no acampamento. Marta parece ter bem menos idade do que os 40 anos que sua certidão de nascimento aponta, mas está doente. Tem pressão alta e diabetes e toma mais de vinte comprimidos por dia.
Quando vai ao pronto-socorro, em Bauru, sempre ouve que a primeira coisa a fazer, se quiser continuar viva, é deixar o acampamento o mais rápido possível. Os médicos sabem que, da próxima vez que passar mal, ela pode não chegar a tempo ao hospital. Dependerá da boa vontade de um companheiro de carro ou da polícia, que já foi acionada em momentos de emergência e não apareceu. Marta prefere correr o risco: “Os médicos falam para eu sair daqui, mas e a minha terra, e a minha luta? ”

O acampamento Rosa Luxemburgo não está ali por acaso. Na região existem 50 mil hectares de terras públicas indevidamente ocupados por particulares. A história começou em 1920, quando a União adquiriu a área, que abrange os municípios de Águas de Santa Bárbara, Iaras, Borebi, Lençóis Paulista e Agudos, para a colonização de famílias de imigrantes. O problema é que as terras não foram discriminadas regularmente e, com o passar do tempo, particulares começaram a tomar conta e registrar as áreas em cartório.

Foi só a partir de 1994 que o Incra começou a fazer um levantamento da área pública total, conhecida como Núcleo Colonial Monção. Em 2002, o Instituto passou a identificar os ocupantes irregulares, concluindo que os atuais proprietários não são os mesmos que tomaram as terras originalmente, pois, ao longo dos anos, elas foram vendidas diversas vezes. Isso acaba dando bases para longas disputas judiciais, enquanto o Incra solicita a devolução das terras à União, mediante indenização. Ele se baseia em artigo da Constituição que determina que as terras públicas devem ser prioritariamente direcionadas à reforma agrária.

Para complicar ainda mais, além das terras públicas, existem na região onze fazendas, cerca de 15 mil hectares, que já foram vistoriadas e consideradas improdutivas pelo Incra, mas aguardam uma certidão de uso e ocupação do solo da prefeitura de Agudos para que o processo de desapropriação tenha início. Mas o prefeito Everton Octaviani, que por enquanto concedeu o documento apenas para a fazenda Agrocentro, afirma que, dos onze imóveis, ao menos quatro proprietários entraram com ações na Justiça contra o laudo de improdutividade. Quanto aos outros, o prefeito explica a demora na emissão do documento: “Eu ainda não emiti porque não quero que venham para o município essas famílias de outras localidades, que são do MST. Eu tenho negociado com o Incra e exijo que sejam colocadas ali famílias da minha cidade, famílias de trabalhadores que vão fazer um bom uso da terra, que vão produzir. Eu não posso dizer que só quero agudenses, mas preferencialmente de Agudos, e que não sejam do MST”.

No meio desse entroncamento de interesses estão centenas de pessoas que, após uma história de despejos violentos e promessas não cumpridas, aguardam um lote para se estabelecer. Rosalina é uma delas. Aposentada, ela trabalhou em Bauru durante muitos anos como atendente de enfermagem. Sua experiência é útil ao acampamento, assim como os ensinamentos familiares sobre o uso de ervas medicinais. “O tradicional do hospital não serve para nada aqui.”

Enquanto as famílias vivem no acampamento, as pequenas hortas pipocam lá e cá, fartas. São plantações de mandioca, abóbora, chuchu, almeirão e alface. Mesmo com a situação indefinida, eles já podem se alimentar do que plantaram, mas não expandem o cultivo por medo de ser expulsos a qualquer momento, como aconteceu diversas vezes com Francisca Ângela dos Santos: “Quando acontece o despejo, a gente tem de levar a casa inteira nas costas. A minha casa está toda aqui, você já pensou se for para sair dentro de 24 horas, o que vou fazer com isso? Eu tenho de levar os animais, o que não puder ir fica”.

As primeiras ocupações do MST na região datam de 1995, quando o movimento percebeu a complexidade agrária do local e vislumbrou uma possibilidade para o assentamento de suas famílias. Desde então, a disputa judicial entre o Incra e os fazendeiros rendeu alguns frutos aos trabalhadores. Segundo o superintendente do Incra em São Paulo, Raimundo Pires Silva, entre Iaras e Bauru existem cerca de mil famílias assentadas. Algumas empresas preferiram fazer acordos de permuta nos quais cedem à União uma área equivalente à que ocupam, mas em outro local, para não perder as benfeitorias já instaladas. O mesmo tipo de acordo foi discutido durante seis meses com a Cutrale, mas ela decidiu continuar o processo judicial.

Para Paulo Beraldo, dirigente regional do MST, isso explica a ação do movimento na fazenda Santo Henrique, no início de outubro: “Ocupamos em 2008 em busca de um acordo para passar uma área equivalente para que a Cutrale não tivesse de mexer nas laranjas. Tendo o acordo, a gente respeitava aquela área como deles, só queríamos saber onde seria a nossa”.

O MST alega ainda que as acusações de depredação das benfeitorias da empresa e o roubo de funcionários não foram ações efetuadas por eles, e, sim, nas palavras de Paulo, por “alguém que se aproveitou da situação e, como estava lá, saiu na conta do movimento”. Segundo ele, alguns tratores destruídos estavam danificados na própria oficina da fazenda.

Enquanto as investigações sobre o caso não são concluídas, o superintendente do Incra critica a ação do MST na fazenda da Cutrale: “A reforma agrária não é um processo de revolução para fazer o socialismo. A reforma agrária implica um debate sobre a nossa dívida social. Estamos empregando uma família, dando condições de vida, de cidadania”.

Literatura Palestina....



My Happiness Bears No Relation to Happiness tem como título secundário “Vida de um poeta no século palestiniano”. Mas para melhor se entender a biografia do poeta palestinano Taha Muhammad Ali redigida por Adina Hoffman, é quase preferível dizer: “Um século palestiniano na vida de um poeta”. Esta escorregadela sintáctica não pretende desacreditar o trabalho de Hoffman, já que, ao empilhar no topo das empoeiradas pedras da história uma série de lembranças fluidas, a obra de Hoffmann constitui um marco literário. Porque é a primeira biografia de um escritor palestiniano escrita em língua inglesa. Porque oferece uma biografia que evoca a Palestina anterior a 1948.
O elenco de lugares desaparecidos começa com a vila de Saffurriyya, plantada no cimo de uma colina na Galileia. A infância de Ali passada nesse espaço foi difícil mas idílica. O seu pai foi atingido pela poliomielite e tornou-se por isso incapaz de trabalhar, o que levou a família a viver na pobreza. Ali, nascido em 1931, frequentou a escola apenas por 4 anos, antes de começar a trabalhar para o sustento dos pais e família. Na altura em que devia estar a aprender matemática, Ali trabalhava como negociante, vendendo ovos em Haifa.
Por fim, Ali, um empresário inteligente, passou a gerir um quiosque na sua casa de família. Construiu assim um pequeno mas activo negócio, mas de olhos postos na sua noiva, Amira, que lhe fora prometida desde o nascimento, e cujo riso e porte gracioso, escreve Hoffman, «tinham entrado na sua corrente sanguínea tão profundamente que ela parecia quase fazer parte dele».
A presença de Amira, juntamente com a suave Galileia, amaciou os duros contornos dos primeiros tempos da vida de Ali. A paisagem mais tarde evocada pela sua poesia e recreada no livro de Hoffman, vibra com vida e parece de certo modo diferente, quase magicamente, do mundo circundante. Hoffman escreve: «Os próprios espinhos pareciam ali emanar um odor doce, e apesar de não conseguir saber que perfume pertencia a cada uma das plantas, ou explicar como se apercebia da diferença entre a fragrância de um arbusto de Nazaré e a de um arbusto cujas raízes mergulhavam no solo de Saffuriyya, o rapaz estava convencido de que, fiando-se no seu nariz, sabia perfeitamente quando passara a orla [da sua aldeia]…»
Saffuriyya estava situada numa terra fértil que rendia colinas de frutas, incluindo as romãs mais procuradas de toda a Galileia. Saffurriyya era uma «aldeia do Corão, de contos épicos e de heróis de tonalidades damasquinas ou cairotas». E acima de tudo, Saffurriyya era um fio que prendia Ali e a sua família ao tecido da Palestina.
Mas o pano foi rasgado numa noite de Julho de 1948 quando as forças israelitas bombardearam a aldeia. Ali e a sua familia fugiram para o Líbano. Aí, o jovem Ali furtava bens num campo de refugiados até à primavera de 49, quando ele e a sua família regressaram ao recém baptizado Israel. Depois de passarem furtivamente a fronteira a coberto da noite, estabeleceram-se em Nazaré, a menos de 10 kms dos vestígios da sua aldeia. Ali abriu o quiosque que mais tarde se transformou numa das duas lojas de recordações que hoje possui.
Apesar da sua carreira como poeta ter começado tarde, a loja de Ali em Nazaré era ponto de encontro de importantes figuras literárias palestinianas, incluindo Michel Haddad. Neste ponto, o livro torna-se, segundo Hoffman «numa espécie de retrato de grupo». Hoffman explica: «Taha não é o único artista nesta história. Para entender Taha e o seu lugar nas letras palestinianas e árabes, é fundamental ter a consciência do tipo de personalidades com quem foi contactando ao longo dos anos».
Muito embora o leitor possa perder ocasionalmente Ali de vista em My Happiness, este livro compele-o a procurar a sua poesia, que está disponível traduzida para inglês e compilada numa antologia intitulada: So What: New and Selected Poems 1971-2005 (tradução de Peter Cole, Yahya Hijazi and Gabriel Levin)
Esta terra é uma prostituta
Estendendo a mão aos anos…
A nossa terra faz amor com os marinheiros
E despe-se perante os recém-chegados…
Parece não haver nada que a ela nos una
E eu – não fora a madeixa do teu cabelo,
Trigueiro como o néctar da alfarroba…
A tua trança
É a única coisa
Que me liga, como um nó, a esta prostituta.
Neste poema, o cabelo acorrenta o narrador a uma terra que o irá trair e sufocar. Mas em “O lugar ele mesmo, ou Espero que não possas digeri-lo”, também publicado na antologia, a imagem do cabelo ganha outro sentido, desta vez como algo reconfortante:
E vim então ao lugar ele mesmo…
Onde estão as ovelhas balindo
E as romãs da noite
O cheiro do pão
E o tetraz?
Onde estão as janelas
E a tranquilidade da trança de Amira?
Quer na poesia de Ali, quer na biografia de Hoffman (que o Booklist considera como uma das melhores biografias de 2009), a profunda e complexa relação de Ali com a terra é posta em evidência. Hoffman tem o cuidado de explicar as circunstâncias históricas de onde nasce esta ambivalência. My Happiness Bears No Relation to Happiness deve ser considerada como um complemento fundamental, embora não um substituto, para a obra de Ali. Do mesmo modo que há uma sintonia entre os poemas de Ali, também a obra de Hoffman convive harmoniosamente com a escrita de Ali, com a sua vida e com o seu tempo.
 
Créditos:  Todos por Gaza.
 

República Tcheca: 20 anos depois da Revolução de Veludo

  Jonas Lunardon - Correio Internacional



PRAGA, capital da República Tcheca – Essa semana a República Tcheca deu início às comemorações do 20º aniversário da Revolução de Veludo. Naquela época, foram os estudantes tchecoslovacos que tomaram a liderança do processo. Hoje em dia, a juventude do país é ambígua em relação à democracia ao estilo de Praga.
Na Tchecoslováquia, tudo começou com os estudantes.
No final do outono de 1989, o Muro de Berlim já havia caído, a fronteira entre Hungria e Áustria tornava-se porosa e na Polônia, há tempos, já eram realizadas eleições livres. Porém, na Tchecoslováquia o governo comunista ainda fazia o que podia para se manter firme nas rédeas do poder. Não iria durar muito.
Em 17 de novembro, milhares de estudantes tomaram as ruas de Praga. O protesto era pacífico – mas, mesmo assim, foi brutalmente reprimido por centenas de policiais equipados com armas de guerra. Dois dias depois, a multidão aumentou de tamanho e, em 20 de novembro, 500 mil tchecos e eslovacos se juntaram numa marcha pacífica pela cidade. A Revolução de Veludo – duas semanas de demonstrações não-violentas que derrubaram o regime comunista – tinha começado.
Das inúmeras revoluções anti-comunistas que ocorreram ao redor do leste europeu duas décadas atrás – durante um ano em que Timothy Garton Ash chamou de “o melhor da história européia” – a derrubada do governo comunista tchecoslovaco chega perto, talvez, do ideal de revolução democrática. Centenas de milhares de cidadãos querendo ser livres distribuíam flores a soldados e balançavam chaves como símbolo de liberdade: o que pode ser mais igualitário que isso?
“Escrava do capitalismo”
Essa semana, a República Tcheca está celebrando o 20º aniversário da Revolução de Veludo. Muitas das demonstrações estão sendo recriadas, milhares acenderam velas no centro de Praga em comemoração e Václav Havel, que se tornou o herói da Revolução, está onipresente. Mas como a juventude da nação, cujos antecessores foram unânimes na derrubada do governo comunista, se sente sobre isso hoje?
“Ser escrava do capitalismo não é diferente do que ser escrava do comunismo”. É o que a mãe de Jana Kajnarová lhe diz. Kajnarová, que vive hoje em Berlim, diz que existe uma nostalgia forte pela época do sistema comunista, principalmente nas gerações mais velhas.
“Minha mãe – que está doente e não recebe tratamento suficiente do Estado – era mais feliz 20 anos atrás”, ela afirma. “E muitos dos pensionistas de Varnsdorf, minha cidade natal, concordam com ela. Sob o comunismo as pessoas trabalhavam com a certeza de que um dia não precisariam mais” a jovem de 25 anos diz. “Agora, você simplesmente não tem mais esse tipo de segurança”.
Kajnarová também admite estar decepcionada com o governo atual, afirmando que, no momento, ela acredita que a República Tcheca não tem uma democracia real. “Simplesmente não há partido bom o suficiente para ameaçar (o atual presidente tcheco) Václav Klaus”, diz ela. Kajnarová descreve o presente governo como uma “farsa”.
“Eu posso viajar o quanto quiser”
No entanto, mesmo que Kajnarová entenda o ponto de vista dos pensionistas de sua cidade e esteja decepcionada com o governo tcheco, ela ainda acredita que as coisas estão melhores do que eram antes da Revolução. “Eu lembro constantemente (minha mãe) que agora somos livres, que eu posso viajar o quanto quiser”.
Esse pensamento é comum entre muitos outros estudantes tchecos neste século, como demonstra um recente estudo feito pela agência de pesquisas tcheca CVVM, publicado no jornal Aktuálne. A juventude tcheca vê a queda do comunismo como uma evolução muito positiva, de acordo com a pesquisa. Um estudo sobre o fim do comunismo lançado pela empresa Pew Global Attitudes Project, localizada em Washington, no início do mês, indica que quase 90% dos tchecos entre 18 e 29 anos aprova o sistema político multipartidário. 80% aprova a economia de livre mercado.
Ondrej Odehnal, 21 anos, estudante de Brno, uma cidade no sudeste do país, está certo de que a vida melhorou em todos os aspectos. Ele disse que, dentre outras coisas, suas instalações sanitárias são muito melhores agora e que crê que a corrupção no regime durante o qual seus pais sofreram muito também distorceu as mentes dos cidadãos e suas atitudes em relação ao Estado.
Perguntado sobre o que achava de seus compatriotas, aqueles que ainda sentem falta da Cortina de Ferro, ele disse: “Talvez sejam os velhos comunistas que sentem falta, não? As pessoas dizem muita besteira”.
Seu amigo Michal Jež, um garoto de 17 anos também de Brno, concorda com ele. “Hoje em dia, existem pessoas idosas que gostam do comunismo por que ocupavam uma boa posição no sistema e eram contentes”, Jež diz. Bem Skála, um rapaz de 24 anos formado pela University of Southern Bohemia em Ceske Budejovice tem pouco a acrescentar: “comunistas são porcos”, afirma.
“Cansadas dos nossos políticos”
Ainda assim, poucos jovens têm a ilusão de que estão vivendo em um tipo de democracia sonhada por todo mundo que a Revolução de Veludo fez parecer possível. Radys Kovaík, um estudante de 19 anos de Brno, acompanha a política, mas não tem tempo para o que ele vê como pequenas engrenagens do parlamento de seu país. Ele disse: “Sou interessado por política, mas somente por coisas importantes. Os políticos no nosso país geralmente agem como crianças brigonas”. Radys também acredita que a vida no país é imensamente melhor agora, mas lamenta o fato de que o cidadão comum tcheco perdeu o engajamento político por que as pessoas estão “cansadas de nossos políticos”.
É um pensamento que se espalhou nesse outono. Uma pesquisa feita pelo grupo STEM relatou, no início deste mês, que, enquanto dois terços da população viam a Revolução de Veludo como um dos momentos mais importantes da história tcheca, menos da metade – somente 43% – está satisfeita em como o país progrediu dali em diante. Uma pesquisa do mesmo grupo lançada na última sexta-feira descobriu que 87% do povo tcheco está descontente com a situação política do país.
Na terça-feira, milhares de pessoas se reuniram no centro de Praga para comemorar o início da Revolução de Veludo. A multidão refez o percurso que aqueles esperançosos estudantes que mudaram os rumos da história tcheca fizeram, e nesta multidão havia tanto jovens quanto velhos. De fato, muito dos que falaram com o SPIEGEL ONLINE (tchecos vivendo na Alemanha) voltaram para casa para a celebração.
Mas nem todos. Alguns preferiram ficar em Berlim para ir ao show de Marilyn Manson. “Quase todos nós somos completamente diferentes”, Odehnal diz. “(Minha geração) é livre – mas indiferente e interessada em outras coisas. Nosso estilo de vida mudou completamente. E estamos interessados com o futuro, não com o passado”.

Sarah Karacs


Tradução: Jonas Lunardon

Para acessar o texto original, clique aqui.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Chop Shop (Chop Shop) - 2007



Alejandro um órfão latino, adolescente e ambicioso, vive de trabalhos em uma loja de reparos de autos nos arredores do Queens em Nova Iorque. Nesse mundo caótico de adultos, ele luta por uma vida melhor para ele e sua irmã de 16 anos, Isamar.
Screenshots

Elenco e informações sobre o filme e o release

ALEJANDRO POLANCO
ISAMAR GONZALES
ROB SOWULSKI
CARLOS ZAPATA
AHMAD RAZVI
 

Gênero: Drama
Diretor: Ramin Bahrani
Duração: 84 minutos
País de Origem: EUA
Idioma do Áudio: Inglês
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0990404/


Qualidade de Vídeo: DVD Rip
Vídeo Codec: XviD
Vídeo Bitrate: 997 Kbps
Áudio Codec: MPEG-1
Áudio Bitrate: 148
Resolução: 576x320
Formato de Tela: Widescreen (16x9)
Frame Rate: 23.976 FPS
Tamanho: 699 Mb
Legendas: Em anexo


Premiações 

Gotham Awards
Someone to Watch Award: Ramin Bahrani

Riga International Film Forum 'Arsenals'
Grand Prize: Ramin Bahrani
InterFilm Jury Award: Ramin Bahrani


Crítica 
“Lá fui eu ver mais um filme da Quinzaine des Réalisateurs numa das salas situadas fora da azáfama do centro de Cannes. É uma sala pequena no centro da juventude MJC Picaud onde numa das noites de sexta para sábado do Festival passam sessões contínuas da Quinzaine até às 6 horas da manhã. Desta vez foi numa quarta feira às 19h30 e fui ver com um casal amigo. Este filme de baixo orçamento conta a história de um rapazinho de 8 ou 9 anos que vive num cubículo numa sucata em Queens e que é obrigado a saltar a infância e a adolescência e passar diretamente para a idade adulta. A energia que ele transmite no dia a dia é espantosa. A sua maturidade antecipada é aflitiva. De biscate em biscate o Alejandro vai fazendo o que pode para juntar dinheiro para realizar um sonho que partilha com a irmã de 16 anos e que vive com ele. Muito mais maduro que a irmã que tem o dobro da idade, ainda tem de se preocupar com esta. Um mundo psicologicamente violento em que ficamos a pensar que deve haver milhares de crianças como o Alejandro que não têm oportunidade de ter um crescimento faseado como deveriam.”
Harmonica / Festival de Cinema Croisette

‘Do iraniano radicado em Nova York, Bahrani, vimos ano passado Man Push Cart no Festival do Rio: filme que se aproveitava bastante bem visualmente da paisagem novaiorquina noturna e dos périplos sofridos do seu personagem, numa articulação ficcional bem forte com o seu passado. Neste novo Chop Shop (outro filme filmado rapidamente, aliás - embora após longa pesquisa) mantém-se o interesse pelos “excluídos” de Nova York, desta vez do outro lado de uma das pontes da ilha de Manhattan, no Queens. O que o filme tem de mais forte, aliás, é a exploração da paisagem deste local entre o abandono e a terra sem lei, marcada pelas oficinas de desmonte de automóveis que lembram a Baixada Fluminense. O problema é que tanto dramática quanto cinematograficamente, Bahrani faz pouco mais do que buscar um realismo-naturalista francamente óbvio acerca da dureza do cotidiano de um menino que luta para ganhar a vida, cuidar da irmã (mesmo esta sendo mais velha) e tentar encontrar um projeto de futuro. Nosso acompanhamento deste núcleo não tem a profundidade de tratamento audiovisual nem de construção de personagem-trama de Man Push Cart, e com isso ficamos com a impressão que conformar-se em fazer um documentário sobre este espaço talvez resolvesse muito melhor as aspirações do jovem Bahrani do que a execução desta ficção que, no fundo, nunca deixa de ser refém da realidade.”
Eduardo Valente / Cinética
Coopere, deixe semeando ao menos duas vezes o tamanho do arquivo que baixar.

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=MjL8NLanOeg



CRÉDITOS LEGENDA:
LILICCA, S.PACHECO E NORIEGARJ
EQUIPE INSANOS - LEGENDASTV

 

Arquivos do torrent e da legenda posso enviar por email,para quem não for sociodo Makingoff

Muito legal....

Voz & Companhia – Voz & Companhia Apresenta Circo Místico (2009)


download




Créditos: UmQueTenha







 

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A importância do software livre...

Artigo excelente sobre a importancia do software livre numa perspectiva socialista. O texto está em espanhol e foi retirado do sitio www.rebelion.org, e não o traduzi por falta de tempo. O texto, na integra, encontra-se abaixo,boa leitura e ótimas reflexões...

Por quê a esquerda deve defender o software livre?


Diego Saravia y Rafael Rico Ríos



linux

Recientemente se ha publicado en Rebelión algún artículo que podría poner en duda la defensa del Software Libre por parte de la izquierda. Sin embargo, muchos de los lectores habituales de Rebelión, que conocen a fondo el tema del Software Libre, las Tecnologías de la Información y Comunicación, TICs, y el Conocimiento Libre, defienden la libertad del conocimiento como punto fundamental de la izquierda.
Mucho se publica sobre Software Libre pero quizás no queden claro las razones fundamentales para defender el Software Libre y la importancia que tiene en la nueva era de las TICs.
La humanidad, en su desarrollo, ha transitado por los caminos trazados por la evolución en la gestión del conocimiento. El primer intercambio importante de información entre seres humanos comenzó con el lenguaje oral. La escritura marcó el inicio de la “historia” permitiendo la transmisión de experiencias, conocimiento e información en el tiempo. La imprenta facilitó la difusión masiva de conocimiento e ideas, dando paso al desarrollo científico-técnico y, con él, a la revolución industrial y al capitalismo. Actualmente, con el desarrollo de las TICs, el conocimiento y la información se puede multiplicar, difundir y transmitir instantáneamente a cualquier parte del mundo. Esto tendrá unas consecuencias imprevisibles en la sociedad, entramos en una nueva era, la era del conocimiento.
El concepto de Software Libre
La clave para entender la importancia del Software Libre está en lo que llaman “La Propiedad Intelectual” y su implicación en la acumulación de capital. El Software Libre habla de 4 libertades en este sentido:
0 La libertad de usar el programa, con cualquier propósito.
1 La libertad de estudiar cómo funciona el programa y modificarlo, adaptándolo a tus necesidades.
2 La libertad de distribuir copias del programa, con lo cual puedes ayudar a tu prójimo.
3 La libertad de mejorar el programa y hacer públicas esas mejoras a los demás, de modo que toda la comunidad se beneficie.
La primera de las libertades, la del usuario, la libertad para usar el programa, es la que la mayoría de los usuarios conoce, es la que, en principio, le afecta directamente. Que si es gratis, que si en países como Cuba se puede usar sin restricciones (las licencias de Software Privativo limitan su uso en determinados países por intereses políticos de las transnacionales del software), que si las copias son legales, etc.
Pero la segunda libertad, la libertad de estudiar el código, significa soberanía e independencia frente al dominio de las transnacionales. El software privativo es como una caja negra que se desconoce su funcionamiento. Se restringe la libertad de conocer cómo funciona para controlar el negocio.
Tenemos un ejemplo claro con lo que pasó con Petróleos de Venezuela, PDVSA, en el año 2003. Ante la inminente nacionalización de la industria petrolera por parte del gobierno venezolano, la derecha organizó un paro petrolero que durante varios meses paralizó la economía del país. El PIB llegó a bajar más de un 20%. El estado trató de recuperar el control de su industria pero el “cerebro” de PDVSA estaba controlado por empresas privadas de software privativo que impedían la recuperación del control de la industria. Un país entero sometido a través del control del Software.
El control del conocimiento y la tecnología es una forma de dominación tan poderosa como la económica o, incluso, la militar.
Cada vez más procesos de nuestra vida cotidiana se controlan por Software, no sólo en nuestro ordenador o computadora, también en nuestros celulares o dispositivos portátiles, cualquier operación bancaria, cualquier compra, cualquier gestión administrativa, etc. Todos estos procesos se controlan por software. Si nosotros no controlamos el software, el software nos controlará a nosotros.
La cuarta libertad permite mejorar el programa y distribuir las mejoras. El restringir esta libertad frena el progreso y el desarrollo. El Conocimiento, por su naturaleza, se puede compartir, no es exclusivo, y se multiplica. Compartir una idea con algunos compañeros permite mejorar la idea, hacerla crecer, y, si son cientos o miles, a través de internet, la idea se “dispara”. Frenar este proceso creativo es frenar el desarrollo.
La pregunta, ¿Por qué la izquierda debe defender el software libre?
Si pensamos que la izquierda defiende a los trabajadores y la derecha a los capitalistas, la respuesta es automática.
El Software Libre evita la capacidad del capital intelectual propietario de generar renta porque crea un conjunto de software que puede ser usado, estudiado, replicado y modificado sin límites, y en forma gratuita, y que, además, compite eficazmente con el modo anterior de producción de software.
En el campo del software, si se impone el Software Libre, sólo se podrá ganar dinero brindando servicios y programando todas las tareas que requieren trabajo de alta capacidad.
Se termina así la explotación básica de pagar un sueldo a un programador y luego recibir dinero por cada copia de su trabajo que se distribuye.
Es necesario recalcar que quien rentabiliza el trabajo intelectual del creador, no es el trabajador, es la empresa que se apropia de su trabajo al registrar la propiedad intelectual para su beneficio. Es decir, los empresarios no sólo se apropian, tumbados en su hamaca, del trabajo del trabajador, sino, que, además, con la rentabilidad de la propiedad intelectual, una vez finalizado el trabajo, con la reproducción ilimitada y la distribución del producto, seguirán beneficiándose en su hamaca sin que nadie esté generando riqueza real.
La Propiedad Intelectual es una poderosa forma de explotación y de dominación. El único país en el mundo con balance positivo en intercambios de rentas virtuales, es decir, que se beneficia de las leyes que protegen a la propiedad intelectual, es EEUU. Inglaterra está balanceada, ni gana ni pierde, y el resto del mundo pierde.
El Software Libre e Internet
Internet permite que la difusión del conocimiento no esté ligado a un soporte físico. Este hecho modifica las relaciones de producción de conocimiento.
Se ha demostrado que, con Internet -estructurada con Software Libre-, la creación de software, habilitada la colaboración universal por la libertad y el derecho a la solidaridad digital, es más eficiente. Además, su propia dinámica reproductiva es superior a la del software privativo. Por lo tanto, es materialmente imparable. No es una cuestión de ideología o de decisiones políticas, su crecimiento forma parte de la estructura económica de base de las sociedades del conocimiento generadas por Internet.
El Software Libre en la Sociedad del Conocimiento
El crecimiento del capital intelectual opera como un “escape” del sistema capitalista a las limitaciones materiales, energéticas y ecológicas. Nuestro planeta es finito, la cantidad de capital y su valor está limitado por los recursos y la energía. En cambio, el capital intelectual puede crecer infinitamente y así dar cada vez menos participación del ingreso al trabajo. Licuar este capital es esencial para que se cumplan las predicciones marxistas sobre la baja de las tasas de ganancia dada la saturación en capital de las economías centrales.
Por tanto, en la Sociedad del Conocimiento, la contradicción fundamental es entre la libertad del conocimiento y la privatización del conocimiento.
El concepto de conocimiento libre es equivalente, en las sociedades del conocimiento, al concepto de capital en las sociedades industriales.
El punto central del conflicto político en las últimas centurias fue sobre la propiedad privada o pública de los bienes de producción. El conflicto central de las nuevas sociedades del conocimiento será sobre la libertad, o no, del conocimiento que será fundamental en las nuevas formas productivas y comunicativas.
Los debates internos
Esta verdad es, sin embargo, incomprendida por muchos de los que defienden las ideas del Software Libre sólo como una forma de ética, las 4 libertades, en definitiva, sólo como una forma ideológica que amplia el concepto de los derechos humanos a la era de las sociedades del conocimiento estableciendo como derecho humano fundamental el derecho a conocer, comunicar y ampliar las tecnologías que cada uno usa. Derecho sin el cual quedaríamos atrapados en la red de máquinas que usamos para vivir.
Es decir, muchos sólo ven en el Software Libre la ideología del derecho humano pero no su poderosa capacidad transformadora de la sociedad, sobre la cual se sustenta esta ética. Si Stallman se hubiese limitado a enunciar sus ideas y no hubiera creado (junto a otros) el software necesario con el contenido “viral” de la Licencia Pública General, GPL, nada hubiera acontecido.
Las comunidades de Software Libre suelen enfocarlo sólo como una cuestión ética, independiente de la cuestión de su efectividad materialista, que es mejor percibida por los defensores del “Open Source”, quienes lo ven como un medio y mecanismo para producir mejor software. Desde ambos posiciones, algunos insisten en que el Software Libre no es una cuestión política.
Muchos también rechazan la consigna de que todo el conocimiento sea libre y sólo hablan del conocimiento funcional o útil, como diciendo que no son socialmente necesarias otras expresiones como el arte.
También hacen la diferencia entre derecho de autor, marcas y patentes. Lo cual, si bien es correcto desde el punto de vista legal, desde el punto de vista económico todas estas formas crean capital virtual. Crean escasez donde naturalmente no la hay. El conocimiento no es naturalmente escaso, es necesario aplicar la fuerza policial del estado para reprimir el compartir. Si yo me como una manzana, nadie mas podrá comerla, si yo comparto una idea, todos podemos usufructuarla, no pierdo mi idea e incluso se multiplica y se mejora.
A través de Internet, las ideas se difunden, se multiplican y mutan a escalas inimaginables, y esto, en el caso del Software, es imparable.
Desde estas comunidades “sólo éticas”, se construye la idea de que libre no es gratis. Aunque la realidad muestra claramente que al Software Libre se “baja” de Internet sin costo adicional a la existencia de la red, y sin pagar a sus autores o distribuidores. En realidad es gratis, que no está mal, y es esencial a su perfil de instalación .
Dentro del movimiento del Software Libre, las derechas liberales, que tienen como punto de partida que el Software Libre destruye a los monopolios, y las izquierdas, por los argumentos que hemos mostrado, tienen cabida en el debate.
El Software Libre, y sus comunidades, generan ámbitos de debate y lucha social.
La influencia sobre la sociedad
El movimiento social del Software Libre es uno de los pocos movimientos de resistencia que, a escala global, ha logrado ofrecer una alternativa global a lo que se opone. Hoy cualquiera puede desarrollar sus actividades informáticas prácticas con casi el 100% de Software Libre. Internet funciona en su mayoría con Software Libre.
Sus conceptos están contribuyendo y aportando a la construcción de nuevas formas económicas en redes participativas. En estas nuevas formas de organización, cada trabajador opera con su propio capital y regula sus tiempos y formas de trabajo, es dueño de sus medios de producción, y, en cooperación con otros trabajadores, a través de internet, tiene la posibilidad de competir con las grandes industrias del software.
Se está produciendo una mutación en las relaciones de producción de consecuencias impredecibles y, para algunos, imperceptibles, a través de los cambios que generan las TICs y su espectacular impacto en las transacciones de información y conocimiento.
Las redes y el software coordinan. Hasta ahora, se han necesitado grandes capitalistas y mandos industriales para coordinar, administrar y controlar (Fordismo), poco a poco, este hecho, está sufriendo una transformación. A medida que los humanos se han ido capitalizando (al menos en las sociedades centrales) éste importa menos y no puede generar tanta renta (falta de escasez) y, a medida que la informática puede coordinar, tampoco se necesitan mandos ni controles (”ni amos ni patrones”). Por lo tanto, el futuro de la producción industrial podría estar dirigiéndose a una producción distribuida y, quizás, sin explotación.
La Izquierda
Ante esta última afirmación, sea arriesgada, descabellada, acertada o equivocada, la izquierda debe de anticiparse y asumir la grave responsabilidad de analizar estos procesos y no continuar rezagada a remolque de las Think Tanks de derechas.
Hay que prestar atención a estos fenómenos. Hay que pensarlos, analizarlos y participar. La izquierda, y sus conceptos, tienen un futuro brillante en la nueva era que se avecina. La contradicción fundamental de la sociedad capitalista podría estar mutando en esta nueva era, como lo hizo con las sociedades agrarias, o el feudalismo. Entramos en otra era. Las contradicciones podrían ser otras, las clases sociales otras, las luchas otras. El límite podría dejar de ser el capital y sería el conocimiento, y, quienes se lo apropien en forma exclusiva, serán los privilegiados. Por tanto, es fundamental para la izquierda defender que el conocimiento sea libre.
De cara a la sociedad, es esencial que los pensadores y militantes de izquierda, se apropien (en forma no exclusiva) de este conocimiento para usarlo en su actividad y también como concepto. Estamos en un momento de cambios. Y el software libre está en el centro de estos cambios.
Izquierda que no vea esto, no es izquierda.

A ditadura da fé e da ausência de razão contra a orientação sexual

Texto profundo abordando um tema que vem dando motivo para muitas discussões, a maioria delas demostrando o homofobismo que permeia nossa sociedade hipócrita e preconceitosa.Leia o texto na íntegra e tire suas conclusões.

Quem escreveu foi Victor Barone no blog Escrevinhamentos

O preconceito é uma doença silenciosa. Ele se instala nas mentes, nas consciências e lá se agarra com unhas e dentes contaminando convicções. Em poucas questões este vírus tem se mostrado mais resistente que na questão da homossexualidade. Assim como um vírus se manifesta em qualidades diversas, determinando os sintomas da doença, o preconceito de sexualidade também possui facetas diversas, todas elas malignas e fatais ao desenvolvimento de sociedades livres e fraternas.

Uma das formas pela qual esta doença da alma se manifesta é através da classificação da homossexualidade como algo “anormal”. Este é o caminho escolhido por uma miríade de pessoas que não consegue enxergar a diversidade como algo pertinente ao ser humano. Sua base argumentativa trafega pela religiosidade ou pelo que classificam como comportamento natural. Ambas as bases carecem de estrutura argumentativa coerente.

Na religiosidade, parte-se do pressuposto de que existe uma verdade moral absoluta ligada ao comportamento sexual, sem a qual os seres humanos estariam desviados “do caminho”. Estas verdades estão baseadas na fé e não em conceitos científicos. Fé é um caminho pessoal. A minha, serve para mim. A sua, para você. Não cabe ao homem impor sua crença aos demais, visto que ele não detém a verdade absoluta, mas a sua própria verdade, embasada por sua própria fé.

O desprezo desta linha de raciocínio levou a humanidade a todo tipo de desumanidade. A noção de que uma determinada fé – e os conceitos que se julgam pertinentes a ela – deva prevalecer sobre a vontade dos homens causou, entre muitos outros desatinos, as cruzadas, a inquisição e a jihad islâmica.

Há uma diferença fundamental entre - fiel a minha própria fé - fazer a opção pessoal de não aceitar a homossexualidade e o extremo de tentar impor este conceito aos demais.

Argumentar que homossexuais são seres humanos desviados, odiados por Deus, negar a eles direitos civis básicos como o casamento e a partilha de bens tendo como argumento a fé é reforçar o comportamento totalitarista que ciclicamente acompanha as manifestações religiosas. É endossar a ditadura da fé.

Manifestações deste medievalismo não são raras. Embalada por leituras equivocadas dos livros sagrados, ou guiada cegamente por eles, muita gente tem trabalhado para colocar os homossexuais no que consideram ser seu devido lugar, ou seja, o porão, bem escondidos dos olhos da sociedade.

E aqui vou citar observações de duas pessoas que tem feito a diferença nesta Babel que é a internet, quando o assunto é a defesa dos direitos civis diante do assalto da fé: Daniel Lopes (Amálgama) e Lelec (A Terceira Margem do Sena). O que aconteceria se baseássemos nossas leis na Bíblia?

Além de apedrejar pessoas até a morte por exercer sua homossexualidade, heresia, adultério, por trabalhar no sábado, adorar imagens, praticar feitiçaria e mais uma ampla variedade de crimes imaginários (Sam Harris, “Carta a uma Nação Cristã”, Cia das Letras, pág. 25), deveríamos, também, bater em nossos filhos com uma vara (Provérbios 13,24; 20,30; e 23, 13 e 14) sempre que eles saíssem da linha, matá-los (Êxodo 21, 15, Levítico 20, 9, Deuteronômio 21, 18-21, Marcos 7, 9-13, Mateus 15, 4-7) quando tivessem a pouca vergonha de nos responder com insolência, reunir escravos (Levítico 25, 44-46), mas não agredi-los tão severamente a ponto de ferir seus olhos ou seus dentes (Êxodo 21, 26-27). Teríamos que aceitar o Pai que lança doenças mortais (II Samuel 24:15), o Iaveh que escolhe e sustenta tiranos (Romanos 13:1), dar loas ao incentivador de genocídios (Deuteronômio 7: 1-5) e até louvar quem consente que duas ursas matem 42 crianças por chamarem de careca um de Seus profetas (II Reis 2: 23-25).

NATURAL OU NÃO?

Assim como a fé é base para o preconceito na questão da sexualidade, a noção do que é ou não “biologicamente normal” ou “socialmente aceitável” também serve de munição para quem não aceita a miríade de opções sexuais que são inerentes ao ser humano, para quem teme a diversidade. Foi com base nesta noção, que Hitler condenou a morte milhões de judeus, doentes mentais, ciganos, comunistas e homossexuais.

Nos últimos dias, no Twitter, me vi em um debate sobre este tema com @ joaocampos_ms. Ele defendia o direito de opção sexual, mas condenava a sua exposição pública por meio de eventos como passeatas gays. Disse ele “No caso dos homossexuais, a rejeição baseia-se em ser natural ou não. Aceitação, idem. É natural ou não.”. Reforçando o conceito,  @GeraldoMTomas disse o seguinte: “E acho também que, se não banirmos tais pudores (do debate), um dia ensinarão nas escolas que homosexualismo é correto” e arrematou “Claro...não estamos tratando de coisa natural, tipo cor, raça, beleza, nem de matéria religiosa...portanto.

A primeira vista estas manifestações podem passar despercebidas. No entanto, são construídas sobre o que há de pior no pensamento da intolerância sexual. Classificar a orientação sexual como algo “anormal” é afrontar a ciência.

Esse tipo de argumento – de que o sexo com indivíduos do mesmo gênero não é natural –, muito usado no século 19, é recorrente até os dias de hoje e permeia o debate do tema em vários países. As observações científicas, no entanto, demonstram que o argumento não tem base, já que são vários os exemplos de animais que mantêm relações sexuais e até mesmo de parceria com indivíduos do mesmo gênero.

Os biólogos Nathan Bailey e Marlene Zuk, da Universidade da Califórnia em Riverside, publicaram no mês passado um estudo que é uma revisão de várias outras pesquisas sobre o tema. O trabalho, publicado no periódico Trends in Ecology and Evolution (Tendências em Ecologias e Evolução), reforça que o sexo homossexual é muito comum no mundo animal e é motivado por diferentes razões, como a falta de um parceiro do outro sexo, a necessidade de formar alianças, praticar e reforçar a hierarquia, por engano e até para criar um filhote. Ou seja, natural entre os animais, nada impede que o mesmo comportamento se repita entre nós, seres-humanos.

Da mesma forma, classificar o comportamento homossexual como um desvio de conduta moral ou psicológico é, também, uma postura condenada pela ciência séria. Um caso recente, o da psicóloga Rozângela Alves Justino, que prometia “curar” homossexuais em sua clínica, é emblemático.

Ao comemorar – no dia 22 de março - os dez anos da resolução que orientou os psicólogos brasileiros a adotarem posturas que contribuam para acabar com as discriminações em relação à orientação sexual, o presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Humberto Cota Verona, disse que “a resolução proíbe o psicólogo de tratar a escolha homoafetiva como um problema de saúde e muito menos oferecer tratamento e cura para isso”. Para Verona, o papel dos psicólogos não é o de reprimir esta opção, mas de fazer com que os homossexuais enfrentem o preconceito. “A psicologia tem ajudado essas pessoas a encarar esse sofrimento, a aprender a lidar com esse enfrentamento social da sua escolha.”.

O psicólogo Claudecy de Souza lembra que, sob o ponto de vista legal, a homossexualidade também não é classificada como doença no Brasil. “Sendo assim, os psicólogos não devem colaborar com eventos e serviços que se proponham ao tratamento e cura de homossexuais, nem tentar encaminhá-los para outros tratamentos. Quando procurados por homossexuais ou seus responsáveis para tratamento, os psicólogos não devem recusar o atendimento, mas sim aproveitar o momento para esclarecer que não se trata de doença, muito menos de desordem mental, motivo pelo qual não podem propor métodos de cura.”.

Souza reafirma o entendimento da Psicologia moderna, segundo o qual a homossexualidade é um estado psíquico. “O indivíduo homossexual não faz opção por ser homossexual. Ele apenas é e não pode, ainda que queira, mudar isso. Ele pode sim, fazer uma opção no sentido de negar esse impulso e tentar viver como heterossexual. Mas isso tem um impacto negativo para o pleno desenvolvimento emocional do indivíduo. Trata-se de uma situação muito mais comum do que se imagina. O impulso sexual que um heterossexual tem por sua parceira é o mesmo que um homossexual tem por seu parceiro do mesmo sexo. O que muda é o objeto.”, explica.

Em dezembro de 1973, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) aprovou a retirada da homossexualidade da lista de transtornos mentais, deixando de considerá-la uma doença. Em 1985, o Conselho Federal de Medicina do Brasil (CFM) retirou a homossexualidade da condição de desvio sexual. Nos anos 90, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), onde são identificados por códigos todos os distúrbios mentais - e que serve de orientador para classe médica, principalmente para os psiquiatras - também retirou a homossexualidade da condição de distúrbio mental. Em 1993, a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de utilizar o termo "homossexualismo" (que da idéia de doença), adotando o termo homossexualidade. Em 22 de março de 1999 o Conselho Federal de Psicologia (CFP) divulgou nacionalmente uma resolução estabelecendo normas para que os psicólogos brasileiros contribuam, através de sua prática profissional, para acabar com as discriminações em relação à orientação sexual.

ESTRATÉGIA PRECONCEITUOSA

De fato, seja com base na fé ou no conceito de normalidade, o que se pretende ao questionar a homossexualidade é condená-la aos subterrâneos. Na melhor das hipóteses querem dizer que não importa se alguém opte pela condição homossexual, desde que isso não seja claro, desde que seja entre quatro paredes, às escondidas. É como se pregassem uma burca para os gays, de modo a que este comportamento, que lhes agride de forma tão impactante, não pudesse ser exercido de forma livre.

Recentemente publiquei no Amálgama o artigo “As três faces obscuras do regime de Mahmoud Ahmadinejad”, versando, entre outras coisas, sobre o preconceito exercido no Irã contra os gays. O texto recebeu mais de 100 comentários, alguns de fortíssimo caráter homofóbico. Há os fanáticos religiosos – como a turma da União de Blogueiros Evangélicos – que tem feito barulho contra o PLC 122/06, que torna crime a discriminação contra idosos, deficientes e homossexuais, e há também os que simplesmente não querem ter o desprazer de conviver com a igualdade de direitos na sexualidade. Ambos apelam para a falácia segundo a qual sua postura homofóbica não agride direitos básicos de milhares de pessoas. As vítimas são eles mesmos, os preconceituosos, obrigados a conviver com a homossexualidade.

Ora, este é um argumento rasteiro, beira a ignorância. Um casal gay que se beija em praça pública está exercendo um direito pessoal e irrevogável de exprimir sua sexualidade da mesma forma que a exprime um casal heterossexual. Se este beijo incomoda alguém, este alguém pode simplesmente ignorar o casal ou, se o choque for demasiado, afastar-se. O que não pode é exigir que o casal gay seja proibido de exercer sua liberdade da mesma forma que um casal hetero a exerceria. Não se pode legitimar a coerção física ou moral sobre a cidadania com base em conceitos de cunho religioso ou pessoal.

Mujica será eleito no Uruguai


Candidato governista lidera com 49,6% das intenções de voto

Cristovão Feil - Diario Gauche
A três dias do segundo turno da eleição presidencial no Uruguai, o candidato governista José Mujica (Frente Ampla, centro-esquerda) mantém a dianteira nas pesquisas com 49,6% das intenções de voto, contra 42,1% de Luis Alberto Lacalle (Partido Nacional, direita). A informação foi tirada parcialmente da Folha, de hoje.

Analistas consultados pela Folha dão como certa a vitória do ex-guerrilheiro e senador Mujica, 75 anos, candidato do presidente Tabaré Vázquez, cuja gestão é aprovada por 70% da população.

"Lacalle não vence nem com os votos de todos os indecisos", afirmou Juan Doyenart, da Interconsult, responsável pela pesquisa que ouviu 900 pessoas de 19 a 22 de novembro. Votos em branco somam 3,8% e indecisos, 4,5%.

Para o cientista político Gerardo Caetano, o ex-presidente Lacalle (1990-1995), 68 anos, errou ao tentar vincular Mujica a um caso policial. "Houve efeito bumerangue", afirma. Tentou ainda outra estratégia, com tom emocional na propaganda e ênfase em uma ampla baixa de impostos, mas a mudança veio tarde, diz Caetano.

O clima de enfrentamento foi responsável pela ausência de debate durante o segundo turno - os candidatos não entraram em acordo sobre regras.

Outro revés na opinião pública para Lacalle, segundo Caetano, foi a revelação de que sua publicidade de TV usou sobras de imagens de campanha do deputado eleito na Argentina Francisco De Narváez. O ex-presidente contratou o mesmo publicitário do deputado argentino.

Já Mujica (foto) apostou em uma campanha discreta, com poucas entrevistas e aparições públicas, para evitar erros e garantir a vitória. O candidato da Frente Ampla recebeu nesta semana mensagem de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi entregue pessoalmente pelo ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra (PT).

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

JÁ, RESISTÊNCIA E AGONIA



O jornal que ousou contar a verdade
  Luiz Cláudio Cunha - Observatorio da Imprensa

A maior fraude com dinheiro público da história do Rio Grande do Sul carrega nos ombros o sobrenome ilustre de Germano Rigotto. O irmão do ex-governador gaúcho, Lindomar, brilha como o principal implicado entre as 22 pessoas e 11 empresas denunciadas pelo Ministério Público e arroladas na CPI da Assembléia gaúcha que investigou há 14 anos uma milionária falcatrua na construção de 11 subestações da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Foi uma tungada, em valores corrigidos, de aproximadamente 800 milhões de reais – quase 15 vezes o valor do mensalão do governo Lula, três vezes o valor dos desvios atribuídos ao clã Maluf em São Paulo, cerca de 20 vezes o valor apurado no escândalo do Detran que expôs a governadora gaúcha Yeda Crusius a um pedido de impeachment.
Esta história foi contada em detalhes, em 2001, por um pequeno jornal de Porto Alegre, com tiragem de apenas cinco mil exemplares numa capital com quase 1,5 milhão de habitantes – e está recontada, a partir desta semana, numa edição extra do que chega às bancas e no seu site.
O é um bravo mensário que sobrevive há 24 anos pela teimosa resistência de seu editor, Elmar Bones da Costa, nascido há 65 anos em Santana do Livramento, cidade gaúcha no limite com o Uruguai, de onde ele trouxe a rebeldia indomável do fronteiriço. Ao longo de 40 anos de carreira, Bones construiu com talento uma sólida e reconhecida biografia na imprensa nacional que passa pelas redações de Veja, Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, IstoÉ e Folha da Manhã.
Seu troféu mais lustroso, porém, é o CooJornal, um mensário editado pela extinta Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre (1976-1983) nos duros anos de chumbo da ditadura. Era um jornal de reflexão sobre a imprensa e seus profissionais, que abria espaço para a memória e a história recente do país, contada por intelectuais de peso e cores que não tinham lugar na imprensa tradicional. Em 1980, ainda em plena ditadura, Bones publicou um documento sigiloso do Exército em que os generais faziam uma dura autocrítica à atuação de suas tropas na repressão às guerrilhas do Vale da Ribeira e do Araguaia. Os militares não gostaram e ele, junto com três colegas do CooJornal, foi condenado a 18 meses de prisão. Gramou 15 dias de cadeia e foi libertado com sursis.
Duas mortes
A mesma intolerância dos generais da ditadura recrudesceu, depois, com os Rigotto da democracia. A família sentiu-se ultrajada pela primeira página da edição 287 de maio de 2001 do , que anunciava: "O Caso Rigotto – Um golpe de US$ 65 milhões e duas mortes não esclarecidas". Três meses depois, a matriarca da família, Julieta Vargas Rigotto, mãe de Lindomar e de Germano, entrou na Justiça com duas ações. Uma pelo Código Penal contra o jornalista que assina a reportagem, Elmar Bones, acusado de calúnia e difamação. Outra pela Lei de Imprensa contra a editora do , pedindo indenização por dano moral.
Nos dois anos seguintes, Bones ganhou todas as ações contra ele, em todas as instâncias, e o processo foi arquivado. Mas, em dezembro de 2003, a Vara Cível do Tribunal de Justiça condenou o ao pagamento de uma indenização que hoje alcança 54 mil reais, penhorando seus bens para cumprir a decisão. Desde agosto de 2009 um perito da Justiça vasculha mensalmente as conta do jornal para bloquear 20% de sua receita bruta. Assim, estranhamente, uma mesma reportagem gerou na Justiça duas sentenças díspares, contraditórias: uma absolvendo por unanimidade, outra condenando.
O pequeno mensário, que já teve 22 jornalistas e uma dezena de estagiários e colaboradores na Redação de uma ampla casa alugada no bairro do Bonfim, hoje está reduzido a Bones e sua companheira, Patrícia Marini, também jornalista, uma estagiária, uma secretária, dois computadores, um telefone e uma dezena de contas atrasadas, acuados em duas salas pequenas do antigo prédio na avenida Borges de Medeiros, no centro da cidade, onde funciona a Associação Riograndense de Imprensa (ARI), que até hoje não se manifestou sobre o caso Rigotto vs. . Assim, a ação de 54 mil reais de uma veneranda mãe que se diz injuriada está asfixiando, aos poucos, um destemido jornal nanico que ousou contar a verdade sobre uma quadrilha, identificada pela CPI e pelo Ministério Público, que roubou 800 milhões de reais do povo gaúcho. Dona Julieta Rigotto, aos 88 anos de vida, está matando um jornal alternativo que ainda não atingiu seus tenros 25 anos de existência. E tudo disso com o aval da Justiça.
A pequena editora de Bones, além das 396 edições do , publica uma revista mensal e quatro guias de bairro e ostenta 35 títulos de livros publicados. Ganhou oito prêmios ARI, o mais importante do Rio Grande do Sul, e em 2004, superando os grandes jornais e revistas do centro do país, faturou a categoria principal do maior prêmio do jornalismo brasileiro, o Esso, com "A tragédia de Felipe Klein" – um texto dramático, arrebatador do repórter Renan Antunes de Oliveira sobre a vida e morte de um jovem e atormentado suicida de Porto Alegre.
A reportagem de quatro páginas de 2001 que tanto incomodou os Rigotto é outra vencedora: conquistou o prêmio daquele ano da hoje silente ARI e o valioso Prêmio Esso Regional, carimbo de sua qualidade e relevância jornalística. A cirúrgica manchete do jornal – "O Caso Rigotto – Um golpe de US$ 65 milhões e duas mortes não esclarecidas" – expressava a mais pura verdade. O golpe era aquele destrinchado na CPI da CEEE.
Alta voltagem
A primeira morte era de uma garota de programa, Andréa Viviane Catarina, 24 anos, conhecida nas boates da capital como "Amanda". No fim da tarde de 29 de setembro de 1998, ela despencou, nua, do 14º andar do Solar Meridien, um prédio na rua Duque de Caxias, no centro de Porto Alegre, a duas quadras do palácio que Germano Rigotto ocuparia cinco anos mais tarde.
O dono do apartamento de onde caiu Andréa era o irmão do futuro governador, Lindomar Rigotto, que estava em casa na hora do incidente. À polícia ele contou que a garota tinha bebido uísque e ingerido cocaína. Os exames de laboratório não encontraram vestígios de álcool ou droga no sangue da jovem. A autópsia indicou que a vítima apresentava três lesões – duas nas costas, uma no rosto – sem ligação com a queda, indicando que ela estava ferida antes de cair. Três meses depois, Rigotto foi denunciado à Justiça por homicídio culposo e omissão de socorro. No relatório, o delegado Cláudio Barbedo cita o depoimento de uma testemunha descrevendo o réu como "usuário e traficante de cocaína".
A segunda morte, 142 dias depois, era a do próprio Lindomar Rigotto. Então dono da boate Ibiza, na praia de Atlântida, a casa mais badalada do litoral gaúcho, ele fechava o balanço do último baile do Carnaval de 1999, que animou sete mil foliões até o amanhecer daquela Quarta-Feira de Cinzas, 17 de fevereiro. Cinco homens armados irromperam ali, no momento em que Rigotto e seu gerente contavam a renda. Os ladrões botaram o dinheiro numa sacola e fugiram, cantando pneu. Rigotto saiu em perseguição no seu Gol branco e levou um tiro acima do olho. Morreu a caminho do hospital, aos 47 anos. A bala fatal acabou arquivando o processo pela morte da garota, mas reavivou o mistério em torno da fraude milionária da CEEE.
Afundada em dívidas de quase 1,8 bilhão de dólares, a estatal gaúcha de energia encontrava dificuldades para conseguir os 142 milhões de dólares necessários para as subestações que iriam gerar 500 mil quilowatts para 51 pequenas e médias cidades do Rio Grande. O então governador Pedro Simon, preocupado com a situação pré-falimentar da empresa, tinha ordenado austeridade total. Até que, em março de 1987, criou-se o cargo de "assistente da diretoria financeira" para acomodar Lindomar Rigotto. "Era um pleito político da base do PMDB em Caxias do Sul", confessou na CPI o secretário de Minas e Energia da época, Alcides Saldanha. O líder do governo Simon na Assembléia e chefe da base serrana era o deputado caxiense Germano Rigotto.
Treze pessoas ouvidas pela CPI apontaram Lindomar como "o verdadeiro gerente das negociações" com os dois consórcios, agilizando em apenas oito dias a burocracia que se arrastava havia meses. Os contratos nº 1.000 e nº 1.001 foram assinados em dezembro numa solenidade festiva no Palácio Piratini pelo governador e pelo secretário. Logo após a assinatura, pagamentos foram antecipados, contrariando as normas explícitas baixadas por Simon para vigiar de perto as contas da estatal.
Eram documentos de alta voltagem financeira de uma estatal quase falida. Tanto que a CEEE teve que recorrer três meses depois a um empréstimo de 50 milhões de dólares do Banco do Brasil, dinheiro captado por sua agência no paraíso fiscal de Nassau, nas ilhas Bahamas. Apesar da importância em dinheiro, o presidente da estatal, Osvaldo Baumgarten, e o secretário de Minas e Energia confessaram candidamente na CPI que não leram a papelada que assinaram. "Eu não tinha condições de ler todos os contratos firmados pela CEEE", defendeu-se Alcides Saldanha, mais tarde ministro dos Transportes do governo Fernando Henrique Cardoso.
Uma investigação da área técnica da CEEE percebeu que havia problemas na papelada – documentos adulterados, folhas numeradas a lápis, licitação sem laudo técnico provando a necessidade da obra. Em fins de 1989, Rigotto decidiu sair para cuidar da "iniciativa privada", dividindo o controle com o irmão Julius do Ibiza Club, uma rede de quatro casas noturnas no Rio Grande e Santa Catarina. A sindicância interna na CEEE recomendou a revisão dos contratos, mas nada foi feito.
Conluio e papelão
A recomendação chegou ao governo seguinte, o de Alceu Collares (PDT) e à sucessora de Saldanha na secretaria de Minas e Energia, chamada Dilma Rousseff. Ela ficou eletrificada com o que leu: "Eu nunca tinha visto nada igual", diria Dilma, pouco depois de botar o dedo na tomada e pedir uma nova investigação. Ela não falou mais no assunto porque, em nome da santa governabilidade, o PDT de Collares precisava dos votos do PMDB de Rigotto para aprovar seus pleitos na Assembléia. Mesmo assim, antes de deixar a secretaria, em dezembro de 1994, Dilma Rousseff teve o cuidado de encaminhar o resultado da sindicância para a Contadoria e Auditoria Geral do Estado (CAGE), que passou a rastrear as fagulhas da CEEE com auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Ministério Público.
O tamanho apurado da fraude tinha níveis de tensão diferentes em reais ou dólares, mas dava o mesmo choque: 65 milhões de dólares segundo a CAGE, ou 78,9 milhões de reais de acordo com o Ministério Público.
O deputado Vieira da Cunha, hoje líder da bancada do PDT na Câmara Federal, propôs em 1995 a CPI que jogaria mais luzes sobre a fraude na CEEE. Vinte e cinco auditores quebraram sigilos bancários, fiscais e patrimoniais dos envolvidos. Em 13 depoimentos, Lindomar Rigotto foi apontado como a figura central do esquema, acusação reforçada pelo chefe dele na CEEE, o diretor-financeiro Silvino Marcon. A CPI constatou que os vencedores, gerenciados por Rigotto, apresentaram propostas "em combinação e, talvez, até ao mesmo tempo e pelas mesmas pessoas". Os dois consórcios apresentaram propostas para dois subconjuntos, B1 e B2.
O de Elmar Bones lembrou:
"Apurados os vencedores, constatou-se que o consórcio Sulino venceu todas as subestações do grupo B2 e nenhuma do B1. Em compensação, o Conesul venceu todas as obras do B1 e nenhum do B2. A diferença entre as propostas dos dois consórcios é de apenas 1,4%".
A CPI foi ainda mais chocante:
"É forçoso concluir pela existência de conluio entre as empresas interessadas que, se organizando através de consórcios, acertaram a divisão das obras entre si, fraudando dessa forma a licitação".
A quebra de sigilo bancário de Rigotto revelou em sua conta um crédito de 1,170 milhão de reais, de fonte não esclarecida. O diretor Silvino Marcon justificou à CPI os 156 mil reais encontrados em sua conta particular como sendo "sobras da campanha de 1986".
O relatório final da CPI caiu nas mãos de outro caxiense, que não poupou ninguém, apesar do parentesco. O petista Pepe Vargas, que foi prefeito de Caxias e hoje é deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores, é primo de Lindomar e Germano Vargas Rigotto. "De tudo o que se apurou, tem-se como comprovada a prática de corrupção passiva e enriquecimento ilícito de Lindomar Vargas Rigotto", escreveu o primo Pepe no relatório final.
Pela primeira vez, entre as 139 CPIs criadas no estado do Rio Grande do Sul desde 1947, eram apontados os corruptos e os corruptores. Além de Lindomar Rigotto e outras 12 pessoas, a Assembléia Legislativa gaúcha aprovou o indiciamento pela CPI de 11 empresas, sem poupar nomes poderosos como os da Alstom, Camargo Corrêa, Brown Boveri, Coemsa, Sultepa e Lorenzetti. As 260 caixas de papelão da CPI foram remetidas no final de 1996 ao Ministério Público, transformando-se no processo n° 011960058232 da 2ª Vara Cível da Fazenda Pública em Porto Alegre. Os autos somam 30 volumes e 80 anexos e envolvem 41 réus – 12 empresas e 29 pessoas físicas. E tudo isso corre em segredo de Justiça.
Coisa de mãe
Essa história incrível, contada sem peias pelo jornal nanico de Elmar Bones, parece também um segredo de imprensa. Nenhum dos grandes veículos de comunicação do Rio Grande do Sul recontou o caso, o mais vultoso entre os 200 processos abertos pelo Ministério Público nos últimos 15 anos. Menos atenção ainda provocaram as duras reações judiciais da família Rigotto, que podem matar o único jornal que se atreveu a jogar luz sobre a milionária treva financeira que se abateu sobre a CEEE.
O ex-governador Germano Rigotto costuma apregoar aos amigos suas boas relações com os dois maiores grupos de mídia do Rio Grande – a Caldas Júnior (jornal Correio do Povo, rádio Guaíba e Rede Record) e a RBS (jornal Zero Hora, rádio Gaúcha e rede RBS, retransmissora da Globo). Isso não impediu, porém, que a brava Julieta Vargas Rigotto processasse a TV-COM, o canal comunitário da RBS, por ter classificado a morte do filho Lindomar na praia como "queima de arquivo". Ela ganhou na Justiça, em 2003, o direito de receber 150 salários mínimos, com juros, pela ofensa que remetia o fim violento do filho à morte da garota e aos curtos-circuitos contábeis da CEEE.
Quando perguntado diretamente sobre o absurdo dessa situação, o ex-governador Germano Rigotto refugia-se na saia materna: "Não tenho nada a ver com isso. É coisa da minha mãe", manda dizer o irmão do réu central da maior fraude da história gaúcha, escapulindo da responsabilidade de um caso de marcantes implicações políticas, não filiais.
Diante da primeira ação de dona Julieta na Justiça, o promotor Ubaldo Alexandre Licks Flores rebateu o pedido de processo, em novembro de 2002:
"[não houve] qualquer intenção de ofensa à honra do falecido Lindomar Rigotto. Por outro lado é indiscutível que os três temas [a CEEE e as duas mortes] estavam e ainda estão impregnados de interesse público".
Duas semanas depois, a juíza Isabel de Borba Luca, da 9ª Vara Criminal de Porto Alegre, deu a sentença que absolvia Bones:
"(...) analisando os três tópicos da reportagem conclui-se pela inexistência de dolo (...) em nenhum momento tem por intenção ofender (...) não se afastou da linha narrativa (...) teve por finalidade o interesse público".
Em agosto do ano seguinte, por unanimidade dos sete votos, os desembargadores do Tribunal de Justiça negaram o recurso da bravíssima dona Julieta. E o caso foi encerrado na área criminal.
Andou e prosperou, porém, na área cível. Em dezembro de 2003, o relatório do desembargador Luiz Ary Vessini de Lima transbordava emoção:
"Não há como afastar a responsabilidade da ré pelas matérias veiculadas, que atingiram negativamente a memória do falecido, o que certamente causou tristeza, angústia e sofrimento à mãe do mesmo (...)".
E assim acabou condenado o e seu editor, que recorda ao Observatório da Imprensa a falta de simetria do processo atual e da cadeia que levou pela publicação de documentos da repressão antiguerrilha.
Fala Elmar Bones:
"A sentença que nos condenou, agora, é uma piada. O processo de 1980 era um absurdo só explicável num regime ditatorial. Os ditos `documentos sigilosos´ eram relatórios de campo sobre ações do Exército no combate à guerrilha, narrando fatos ocorridos já havia mais de dez anos e que só tinham importância porque, na época em que se deram, a censura não permitiu que fossem noticiados. Essa ação de agora é mais absurdo ainda porque estamos em pleno regime democrático e a Justiça não conseguiu apontar nenhum erro ou inverdade na reportagem sobre o assassinato de Lindomar Rigotto. Nosso objetivo com ela era mostrar que Lindomar, assassinado em circunstâncias duvidosas, era o principal implicado em dois outros crimes não esclarecidos – a morte de uma prostituta e o desfalque na CEEE, o maior já ocorrido no Sul e que está encoberto pelo segredo de Justiça. Há 14 anos foram apontados os corruptores e os corruptos e até agora ninguém foi punido. Só o está pagando o pato."
Voltar ou morrer
Na terça-feira (24/11) em que se divulga a edição nº 565 deste Observatório completam-se 116 dias de censura sobre o jornal O Estado de S.Paulo, impedido por decisão de um juiz amigo e camarada do senador José Sarney de publicar os dados oficiais da "Operação Boi Barrica", da Polícia Federal, que investigou seu filho, o empresário Fernando Sarney, flagrado em grampos telefônicos e conversas que induzem ao tráfico de influência no setor público. "Não tenho nada a ver com isso. É coisa do meu filho", diz o presidente do Senado Federal.
Na mesma terça-feira completam-se 112 dias que um perito da Justiça devassa, lá dentro da Redação, as contas do jornal para garantir a indenização de dona Julieta Rigotto, que se diz caluniada pela mera repetição de detalhes escabrosos na gestão do dinheiro público de uma estatal gaúcha, sob responsabilidade de seu finado filho, Lindomar, revelados numa CPI e acolhidos pelo Ministério Público. "Não tenho nada a ver com isso. É coisa da minha mãe", diz o ex-governador Germano Rigotto, virtual candidato do PMDB ao Senado em 2010.
Assim, sujeitos ocultos de ações legais de mães e filhos que ferem a liberdade de expressão e afrontam a verdade, o ex-governador Rigotto e o senador Sarney imaginam furtar-se de suas responsabilidades políticas e éticas. No caso do Estadão, rijo e forte aos 134 anos de vida, não se teme por sua saúde e sobrevivência, já que tem os meios para derrubar, cedo ou tarde, a restrição absurda que se abate sobre ele. Quanto ao , jornal nanico de Porto Alegre, o caso inspira cuidados e graves temores sobre suas reais chances de sobrevida. O único alento, até agora, é o fato de que o recurso do ao Supremo Tribunal Federal caiu nas mãos do implacável ministro Joaquim Barbosa, um juiz que dá esperança e fôlego até aos moribundos desenganados pela ciência e pela lei dos homens.
Elmar Bones revela seu desalento no título do editorial ("Voltaremos. Ou não?") da edição extra do que desembarca esta semana nas bancas com a foto de um mascarado de terno e gravata e uma manchete acabrunhante na primeira página: "O RIO GRANDE CORRUPTO. Escândalos sucessivos abalam o mito do `Estado mais politizado do Brasil´".
Bones adverte no editorial de tom sombrio:
"Pela primeira vez em quase 25 anos, não podemos garantir aos leitores que o jornal voltará a circular. (...) Um pequeno jornal condenado por `dano moral´ numa ação movida pela família de um político influente, ex-governador do Estado, num mercado em que as maiores agências de publicidade têm contas do governo. (...) Quanto perdemos no mercado publicitário? (...) Voltaremos! Ou não?"
Ninguém sabe ainda responder. Se o não voltar, não será mais um jornal a morrer, diante do silêncio inexplicável de alguns, da omissão de muitos, da complacência de todos nós. A morte iminente de um jornal como o – somado ao desalento de um jornalista como Elmar Bones – é um fundo golpe nas convicções de todos que acreditam nos fundamentos da democracia, da justiça, da verdade e de uma imprensa livre. A limpa folha corrida do jornal de Porto Alegre e a digna biografia de resistência de seu editor não merecem ser comparados com o prontuário de alguns dos homens públicos que hoje nos representam, julgam e governam.
Em qualquer país sério do mundo, o clamor da sociedade se levantaria já, agora, imediatamente, em defesa de um pequeno jornal, punido apenas por ser correto, preciso, exemplar e corajoso. A inacreditável saga de resistência de Elmar Bones, que precisa fazer agora na democracia o que antes fazia na ditadura, mostra que perdemos algo intangível, irremediável neste rito de passagem. Perdemos a vergonha na cara.
Precisamos decidir se morreremos juntos com o . Ou se voltaremos com ele. Agora. Já.