sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

"Monocultura do eucalipto cresce sem proteção ambiental e social"


Do IHU On-Line via MST

Fugir das leis ambientais rígidas dos países desenvolvidos e a possibilidade de adquirir terra produtiva e barata fazem do Brasil um dos países em que o mercado da celulose mais se expande.
Um estudo recente apontou que, em menos de dez anos, o Brasil reservou 720 hectares por dia para plantações de eucalipto e a maior parte dessas terras pertence a empresas estrangeiras.
“O Brasil tem custo de mão de obra mais barato e a desregulação ambiental e social ou a possibilidade de violação das leis”, alerta a professora Dirce Suertegaray
Dirce Suertegaray é graduada em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria e realizou, na mesma área, o mestrado e o doutorado pela Universidade de São Paulo. Atualmente, leciona na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O Brasil ganhou, nos últimos anos, 720 hectares por dia de plantações de eucalipto e parte das novas áreas pertence a empresas estrangeiras. O que isso significa?

Há um projeto, no campo das empresas internacionais, ambicioso da produção de eucalipto para celulose e direcionado aos chamados “países da periferia do sistema capitalista”. Alguns países são selecionados a partir de suas características naturais e sociais. Isso é um projeto do mundo globalizado para ampliar a produção de celulose em função da alta demanda mundial por papel, e, consequentemente, por celulose.
Os países são escolhidos por conta do menor controle ambiental, menor regulação social e por demanda de terras com preço reduzido. Isso do ponto de vista econômico. Mas gera também grandes problemas sociais. Diferente do que apresentam as empresas de celulose, o trabalho é muito restrito à monocultura do eucalipto, ele é temporário, é de baixa renda e é produtor de miséria nas cidades que acolhem esta população que vai plantar o eucalipto porque todo o processo, inclusive de corte, tem sido mais mecanizado.

Essas empresas se instalam no Brasil para fugir de leis ambientais mais rígidas dos países desenvolvidos. Quais são as principais diferenças entre a legislação do Brasil e dos países de origem dessas empresas?

De um lado, essas empresas vêm para fugir das leis ambientais mais rígidas. O Brasil tem leis ambientais importantes, mas os interesses econômicos rompem com facilidade o campo da política, o que não ocorre nos países centrais. Por isso, nos tornamos alvos fáceis no que diz respeito à violação de uma lei ou uma regulação federal ou estadual ambiental. A demanda da monocultura do eucalipto também está associada ao preço da terra mais barato no país. Além disso, o Brasil tem custo de mão de obra mais barato e a desregulação ambiental e social ou a possibilidade de violação das leis.
Uma das razões que também estimula o plantio de eucalipto no Brasil, entre outros países da América Latina, é a espécie que é desenvolvida e a rapidez de crescimento. Nos países centrais, as plantas de produção de celulose têm algumas exigências do ponto de vista tecnológico, o que encarece muito a produção.

No país, quais são os principais estados “escolhidos” por estas empresas e por que elas escolhem estas regiões?

A grande expansão da silvicultura no Brasil começa no Espírito Santo, que é um estado cuja discussão no país é marcante. Isso acontece desde os anos 1970 e foi um projeto do período da Ditadura Militar. Além do ES, a silvicultura tem se expandido pelo sul da Bahia e norte de Minas Gerais. Nós temos também problemas de silvicultura ou áreas com ocupação de eucalipto, inclusive com conflitos sérios, em São Paulo, no Mato Grosso, no centro do país e na Amazônia.
O Rio Grande do Sul vem sendo preparado para isso desde os anos 1970, quando se colocou a discussão ambiental e se apresentou o eucalipto como a única saída. Para agravar a situação, o atual governo estadual tem estimulado o desenvolvimento da silvicultura na metade sul e usa um discurso no sentido de que é para melhorar as condições econômicas da região, que é a mais pobre do RS.
Agora, o que significa, do ponto de vista da geopolítica em termos econômicos, é que, de um lado, há uma demanda das corporações internacionais vinculadas à silvicultura de expandir a monocultura de eucalipto nos países periféricos, de outro lado eles escolhem áreas estratégicas. Esta área estratégica ultrapassa o estado; ela pega a metade sul Rio Grande do Sul, que se associa ao Uruguai e, por sua vez, se associa à Argentina. Se observarmos essa territorialização da monocultura do eucalipto, veremos que ela se expande para um território muito mais amplo na América Latina, o que é estratégico do ponto de vista da circulação. Ela está localizada às margens do rio Uruguai com uma saída pelo Mar Del Plata.
O que se observa, principalmente no sul, é a apropriação de uma terra barata, sem grande densidade populacional e que aparentemente não tem conflitos sociais. Então, este conjunto constitui uma territorialidade para a expansão deste setor da economia, que é estratégico do ponto de vista da expansão da economia mundial neste setor.

Qual a dimensão política em que o avanço da produção de eucalipto está inserido?

Do ponto de vista econômico, a perspectiva é sobre a possibilidade de produção de matéria prima e exportação. No caso da celulose, não mais a tora, mas a própria importação da planta para o Brasil agrega mais valor. Então, isso faz com que, economicamente, as políticas brasileiras observem a expansão do mercado da celulose como uma possibilidade de crescimento da economia a partir de um produto com significativa exportação e demanda no mercado internacional. Essa é a questão fundamental.
Do ponto de vista político, as estratégias são mais vinculadas às corporações internacionais, de domínio de espaços para além das fronteiras originais, das regiões centrais do mundo, que apresentam recursos naturais a serem explorados. Na realidade, eles não estão explorando um recurso exclusivo do bioma pampa, mas sim uma terra que é encarada pelas autoridades como um recurso pouco produtivo e, desta forma, promove a entrada de uma nova matriz econômica nesta área.

De que forma as plantações de eucalipto podem influenciar o processo de arenização de cidades como Alegrete e São Borja, no RS?

Tenho acompanhado isto e o que eu tenho observado, até fazendo relação com a biografia internacional, é que o eucalipto traz prejuízos do ponto de vista ambiental como um todo. Para o Pampa ele traz consequências dramáticas porque o eucalipto vai modificar os ciclos local e regional da água. Essa árvore é uma grande consumidora de água e os técnicos das empresas dizem o contrário. Só isso já demonstra que haverá uma transformação no ciclo hidrológico regional. Existem trabalhos internacionais que mostram como as monoculturas de eucalipto, até faixas de precipitação em torno de 1250/1300 milímetros, promovem desertificação do solo e escassez de água.
Nós já temos várias evidências empíricas dos proprietários rurais que estão vivendo próximos a grandes monoculturas de que efetivamente a água está se extinguindo. Este debate já está posto no Uruguai, pois as cabeceiras fluviais das fontes do país vizinho já estão se extinguindo e os uruguaios já estão promovendo este debate por conta da expansão da monocultura.
Também tem a questão da diversidade biológica. Isso porque bosques de eucaliptos diminuem a diversidade biológica. Os animais que vivem no bosque normalmente não têm o alimento nesta região. Por isso, eles vão procurar alimento em outros lugares como as lavouras e pomares próximos. Há, portanto, uma série de consequências de ordem ambiental que vão modificar realmente as características do Pampa e gerar problemas sociais sérios.
Além disso, o eucalipto não vai impedir o processo de arenização, porque este processo tem início com um tipo de escoamento bem específico que é a formação de ravinas e mossorocas. Por isso, dependendo da área onde ocorre esse plantio, o eucalipto não impede esse problema. Trabalhos internacionais mostram que o eucalipto não pode ser desenvolvido sobre solos arenosos, porque traz prejuízo ambiental significativo, como desgaste e erosão.
Os solos da região de arenização são arenosos, por isso são frágeis para este tipo de atividade econômica. O que está sendo colocado lá de adubo, fertilizantes e de todo o pacote tecnológico para desenvolvimento do eucalipto é significativo. E tudo isso vai contaminar o solo e a água. Hoje, já somos capazes de produzir e plantar árvores no deserto, mas as implicações disto são grandes e muitas vezes nós ainda não temos os elementos para avaliar essas consequências. Mas a contaminação da água do solo, a diminuição da diversidade, da diminuição da circulação de água no campo regional, o esgotamento de fontes, de nascentes fluviais isso tudo são evidências internacionais e nacionais.

Qual sua opinião sobre o documento de zoneamento ambiental da silvicultura do RS?

Esse documento foi produzido pela FEPAM por necessidade da regulação ambiental para o desenvolvimento da silvicultura, ou seja, há uma exigência legal para a constituição de um zoneamento ambiental para a silvicultura. Este documento foi construído a partir de um conhecimento associado às universidades, setores de pesquisa. Enfim, houve um levantamento bastante detalhado no Rio Grande do Sul para promover o zoneamento e indicar quais seriam as áreas mais indicadas para o plantio de eucalipto.
Ressalvo o seguinte: esse documento não é um impeditivo à silvicultura, ele diz onde pode ser plantado o eucalipto e prevê a possibilidade de nove milhões de hectares reservados para o plantio dessa árvore. As áreas, técnica e cientificamente definidas como passíveis de serem áreas de produção de eucalipto, não foram aceitas pelos silvicultores e nem pelas políticas de estado. Não foram aceitas porque eles já tinham adquirido terras num momento anterior a este processo e as terras que foram adquiridas não necessariamente estavam vinculadas as áreas possíveis. Então, o que se faz do ponto de vista do jogo político em uma situação como esta? Entre eu vender essas áreas e comprar se tiver disponibilidade nos locais apropriados, vou tentar mudar a legislação. E foi o que aconteceu.
Foi feito todo um movimento político, vinculado inclusive ao governo do estado, para a não aceitação deste documento. Lembro que este documento normatizou segundo uma legislação nacional. A não aceitação do documento gerou tensos conflitos políticos na FEPAM, com mudança inclusive da presidência, troca de alocação e de técnicos. Isso demonstra um jogo político que envolvia a não aceitação do zoneamento porque este não estaria de acordo com os interesses das políticas de governo associadas a este capital. Do meu ponto de vista, é um zoneamento que, no campo ambiental, ainda não seria o ideal, mas pelo menos teríamos um regramento vinculado à legislação brasileira, o que daria certa ordenação. Agora nós não temos isso.

E sobre o novo Código Florestal Brasileiro?

Nós estamos vivendo outro momento histórico, que é muito diferente dos anos 1970 quando se buscava um ideal de regulação. Hoje, essa regulação não está servindo para este avanço desenfreado do capital sobre as áreas onde temos uma grande reserva de recursos naturais. Temos uma diversidade de recursos muito importante, uma reserva fantástica de recursos naturais. O interesse no novo Código Florestal é para que se flexibilize a lei atual e, assim, se possa, efetivamente, explorar mais nossos recursos. Vivemos um momento político diferente e precisamos ficar atentos. Diria que, mais do que a questão ambiental, a questão política hoje é o centro do debate, porque o ambiental implica na política.

EUA: O fedor da decadência econômica fica cada vez mais forte

Na véspera do dia de ação de graças o jornal em língua inglesa China Daily e People's Daily Online informaram que a Rússia e a China haviam efetuado um acordo para abandonar a utilização do dólar no seu comércio bilateral e usar as suas próprias divisas em substituição. Os russos e os chineses disseram que haviam dado este passo a fim de isolar as suas economias dos riscos que minaram a sua confiança no dólar como divisa de reserva mundial.


Por Paul Craig Roberts* via vermelho

Isto é uma grande notícia, especialmente no período de poucas notícias do feriado do dia de ação de graças, mas não a vi relatada na Bloomberg, CNN, New York Times ou em qualquer jornal impresso ou na TV dos EUA. A cabeça do avestruz permanece na areia.

Anteriormente, a China concluíra o mesmo acordo com o Brasil.

Como a China tem uma grande e crescente provisão de dólares com os excedentes comerciais com os quais comercia, a China está a indicar que prefere rublos russos e reais brasileiros a mais dólares.

A imprensa financeira americana consola-se com os episódios em que a dívida soberana amedronta a União Europeia e remete o dólar para cima contra o euro e a libra esterlina. Mas estes movimentos de divisas são apenas medidas de atores financeiros a protegerem-se de dívidas perturbadas denominadas em euros. Eles não medem a força do dólar.

O papel do dólar como divisa mundial de reserva é um dos principais instrumentos da hegemonia financeira americana. Não nos disseram quanto dano a fraude da Wall Street infligiu às instituições financeiras da União Europeia, mas os países a esta pertencentes já não necessitam do dólar para comerciarem entre si pois partilham uma divisa comum. Uma vez que os países da OPEP cessem de manter os dólares com que são pagos pelo petróleo, a hegemonia do dólar ter-se-á desvanecido.

Outro instrumento da hegemonia financeira americana é o FMI. Sempre que um país não pode honrar suas dívidas e reembolsar os bancos americanos, entra o FMI com um pacote de austeridade que esmaga a população do país com impostos mais altos e cortes em programas de educação, assistência médica e apoio ao rendimento até que os banqueiros obtenham o seu dinheiro de volta.

Isto está agora a acontecer à Irlanda e é provável que se propague a Portugal, Espanha e talvez mesmo a França. Após a crise financeira causada pela América, o papel do FMI como uma ferramenta do imperialismo estadunidense é cada vez menos aceitável. O fato poderá tornar-se evidente quando os governos não puderem mais liquidar os seus povos em benefício dos bancos americanos.

Há outros sinais de que alguns países estão a cansar-se da utilização irresponsável do poder por parte da América. Governos civis da Turquia há muito têm estado sob o controle dos militares turcos influenciados pela América. Contudo, recentemente o governo civil atuou contra dois altos generais e um almirante suspeitos de envolvimento no planejamento de um golpe. O governo civil afirmou-se mais uma vez quando o primeiro-ministro anunciou no dia de ação de graças que a Turquia está preparada para reagir a qualquer ofensiva israelense contra o Líbano. Eis aqui um aliado da Otan a libertar-se da suserania americana exercida através dos militares turcos. Quem sabe a Alemanha podia ser o próximo.

Enquanto isso, na América a administração Obama conseguiu propor uma Comissão do Déficit cujos membros querem pagar as guerras de muitos trilhões de dólares que estão a enriquecer o complexo militar/segurança e os muitos trilhões de dólares dos salvamentos do sistema financeiro através da redução de aumentos anuais da Segurança Social conforme o custo de vida, da elevação da idade de aposentadoria para 69 anos, do fim da dedução do juro hipotecário, do fim da dedução fiscal de seguro de saúde proporcionado pelo empregador, da imposição de um imposto federal sobre vendas de 6,5 por cento, enquanto corta a taxa fiscal de topo para os ricos.

Mesmo as baixas taxas de juro do Federal Reserve são destinadas a ajudar os banqueiros . As baixas taxas de juro privam os aposentados e aqueles que vivem das suas poupanças do rendimento do juro. As baixas taxas de juro também privaram pensões corporativas de financiamento. Para colmatar o fosso há corporações que estão a emitir bilhões de dólares em títulos corporativos a fim de financiar as suas pensões. A dívida corporativa está a aumentar, mas não as instalações e equipamentos que produziriam receitas para o serviço da dívida. À medida que a economia piora, servir a dívida adicional será um problema.

Além disso, os idosos da América estão a descobrir que cada vez menos médicos os aceitarão como pacientes, pois um corte de 23 por cento prepara-se nos já baixos pagamentos do Medicare aos médicos.

O governo americano só tem recursos para guerras de agressão, intrusões de estado policial e salvamentos de banqueiros ricos. O cidadão americano tornou-se um mero sujeito a ser sangrado para as oligarquias dominantes.

A atitude de estado policial do Ministério da Segurança Interna em relação a viajantes de linhas aéreas é uma clara indicação de que os americanos já não são cidadãos com direitos mas sujeitos sem direitos. Ainda virá o dia talvez em que americanos oprimidos tomarão as ruas como os franceses, os gregos, os irlandeses e os britânicos.

Ex-editor do Wall Street Journal e secretário assistente do Tesouro dos EUA

Fonte:Counterpunch

Discussão por royalties oculta conquista de marco regulatório para o pré-sal


Ricardo Stuckert/PR
Foto: Ricardo Stuckert/PR

Felipe Prestes no Sul21


A Câmara dos Deputados aprovou ontem (1) o marco regulatório para a exploração do pré-sal. O texto cria o Fundo Social que destinará recursos da extração do petróleo do pré-sal para a educação, combate à pobreza, saúde, cultura, ciência e tecnologia e proteção ao meio-ambiente. A garantia de recursos para a população brasileira, contudo, foi eclipsada pela discussão sobre uma emenda que altera a partilha dos royalties para qualquer exploração de petróleo em alto mar. “Realmente esta discussão acabou ficando num patamar acima da importância que merecia diante da aprovação do marco regulatório”, diz a deputada federal Maria do Rosário (PT).
O texto da emenda retira os atuais privilégios para estados onde ocorre a produção de petróleo, como Rio de Janeiro e Espírito Santo. Fica estabelecido que uma parcela dos royalties vai para a União e outra para municípios afetados pela produção do petróleo, sendo o restante distribuído pelos critérios do Fundo de Participação dos Municípios (50%) e pelos critérios do Fundo de Participação dos Estados (50%). Além de desagradar aos estados que perderão benefícios, a emenda desagradou ao governo federal porque estabelece que caberá à União compensar estes estados.
O governo federal alega que pagar esta compensação irá reduzir drasticamente os benefícios do Fundo Social. O ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha declarou hoje (2) à Agência Brasil que vai pedir para o presidente Lula vetar a emenda. “Vou defender o veto e que se abra o debate na próxima legislatura. A emenda retira recursos do Fundo Social que iriam para educação, cultura, ciência e tecnologia e coloca nos gastos correntes dos estados”, disse.
“O risco de veto é grande, infelizmente”, diz o deputado federal Beto Albuquerque (PSB). Ele lamenta o possível veto porque, ao contrário de Padilha, acredita que uma compensação aos estados onde é produzido o petróleo seria ínfima perto das riquezas que pode gerar o pré-sal. “A perspectiva de arrecadação com o pré-sal é tão grande que a compensação para Rio de Janeiro e Espírito Santo é infinitamente menor”, diz.
A deputada federal Maria do Rosário (PT) não está tão certa sobre este cálculo e diz que é este impacto que deve ser avaliado pelo presidente Lula antes de decidir se veta ou sanciona a emenda. “É a análise que tem que ser feita nos próximos dias. Acredito que o presidente Lula irá avaliar isto antes de decidir se aprova ou não a emenda”.
Apesar de defender a compensação, Beto Albuquerque ressalta que o mais justo é que todos os estados tenham participação nos royalties, “porque a Petrobras é construída com o dinheiro de todos os brasileiros”.
Os parlamentares Ibsen Pinheiro (PMDB) e Maria do Rosário (PT) concordam com o socialista: o grande erro está na origem, quando foi determinado o pagamento de royalties, já que os estados nada produzem, e a Petrobras é uma empresa de todos os brasileiros. “O mar territorial não pertence aos estados”, diz o peemedebista. “É um equívoco pagar royalties aos estados”, diz a petista.
Divulgação
"União é o primo rico da extração de petróleo" (Foto: Divulgação)
Entretanto, Ibsen e Rosário discordam quanto à compensação aos estados “produtores”. Para o peemedebista, a União deve compensar os estados. “A compensação será feita pela União, que foi quem criou o problema. Ela ganha 40% de royalties. É o primo rico da extração de petróleo. Não podem ser os estados a bancar esta compensação”. A petista não tem um conceito fechado sobre esta matéria, considera a questão “complexa”. Reconhece que uma perda brusca de recursos seria prejudicial para os estados, mas acredita que benfeitorias muito maiores para todos os brasileiros podem ser feitas por meio do Fundo Social. Acredita que os estados também precisam se adaptar à perda de recursos, mas reconhece que talvez fosse necessário pensar em uma transição gradual até o fim do repasse destes recursos para os estados. Rosário garante que confia na avaliação do presidente Lula e irá apoiar qualquer decisão que ele tome.
Interlocutores do governo no Congresso afirmam que o presidente Lula deve optar pelo veto. O líder do governo na Câmara Candido Vacarezza (PT-SP) declarou à Agência Brasil ser “natural” que o presidente vete a emenda, que Lula já teria dito que considera inconstitucional. A líder do governo no Senado Ideli Salvatti, disse que “a sinalização é de veto por parte do presidente Lula”. Salvatti afirmou que há um projeto de lei no Senado que discute critérios mais amplos para a distribuição dos royalties. “Com o veto do presidente, há grande possibilidade de darmos sequência a esses debates”
Benefícios para a população
O Fundo Social será constituído com verbas de um bônus de assinatura destinado pelos contratos de partilha de produção, pelos royalties destinados à União — descontada a parte que vai a determinados órgãos do governo — e por receitas de comercialização de petróleo e gás natural pela União. De acordo com a lei que cria o fundo, 50% dos ganhos deste fundo deverão ir para a educação (80% disto para ensino fundamental e infantil). “O Fundo Social abre uma perspectiva muito grande para a educação brasileira”, diz Maria do Rosário.
O texto diz que “a finalidade do Fundo Social é de constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, da saúde pública, da ciência e tecnologia e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas”.
Uma alteração em relação ao projeto enviado pelo governo destina ainda mais recursos para o Fundo Social. Os recursos de royalties das áreas de pré-sal que já estão sendo exploradas em regime de concessão também devem ser direcionados ao Fundo Social. Calcula-se que o montante total que pode ser destinado ao Fundo só nestas áreas — que correspondem a 28% das áreas do pré-sal — seja de R$ 160 bilhões.
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"Riquezas do pré-sal serão usufruídas de acordo com os interesses do país" (Foto: Divulgação)
Partilha e desenvolvimento industrial
Além dos benefícios sociais, o marco regulatório institui o regime de partilha para as áreas ainda não concedidas do pré-sal. Diferentemente da concessão, a partilha faz com que a Petrobras seja a operadora em todas as áreas e tenha no mínimo 30% dos direitos e obrigações da exploração do petróleo em cada bloco do pré-sal. “A União agora é proprietária do óleo. Não é mais concessionária”, ressalta o deputado Ibsen Pinheiro. “O sistema de partilha assegura que as riquezas do pré-sal sejam usufruídas de acordo com os interesses do país”, comemora Maria do Rosário.


Gerenciando todos os blocos de extração do pré-sal, a Petrobras tem um plano ambicioso de estímulos à indústria nacional. A estatal poderá definir que equipamentos serão usados em todos os blocos, e quais serviços serão contratados. E pretende privilegiar a indústria brasileira. O texto do marco regulatório institui inclusive que os editais de contratos de partilha para exploração do pré-sal especifiquem a proporção de bens e serviços que deverão ser produzidos e prestados no País. E o Executivo terá 120 dias após a publicação do marco regulatório para apresentar medidas que aumentem a participação de empresas de pequeno e médio porte na exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás.

Bela lição de amor e perseverança...

Combatendo o preconceito

Leila Cordeiro no Direto da Redação

Finalmente, depois de décadas o ser humano está acordando para as mudanças de mentalidade no mundo. Criado em berços preconceituosos sob vários aspectos, o homem sempre procurou seus iguais, desprezando os diferentes. Mas hoje, diferente é quem não aceita o outro lado da moeda seja em pensamentos, idéias, cor da pele, orientação sexual e até mesmo das doenças genéticas que estigmatizavam seus portadores, alijando-os de qualquer oportunidade de vencer seus próprios limites.

E nesse quesito aparece o problema da Síndrome de Down que é explicada cientificamente como  um distúrbio genético causado por um cromossoma a mais  no DNA do portador.

Lembro-me bem que,  ao engravidar do meu segundo filho, aos 35 anos, fiz um exame chamado aminiocentese, no qual o especialista pode detectar, através de uma punção na barriga da mãe  chegando até o líquido aminiótico, se o bebê possui essa síndrome. Esse preocedimento é feito aos três meses  de gestação e é aconselhável, segundo me disseram os médicos,  para mães depois dos trinta anos para lhes dar a opção de continuar ou não com a gravidez caso seja detectada alguma anomalia genética no bebê.

Talvez você esteja querendo me perguntar se eu teria coragem de negar à vida a uma criança com problemas . Não, eu não teria essa coragem, apesar de saber o que poderia me esperar dali pra frente.Felizmente tive um filho saudável, pelo qual fiz alguns sacrifícios normais de toda mãe, mas incomparável à dedicação dessa mulher que inspirou meu artigo.

A história se passa em Joinville, Santa Catarina. Gina Fruit, então com 23 anos, esperava feliz sua primeira filhinha. Já sabia o nome bem antes dela nascer, Ana Carolina, que Gina havia escolhido em meio a várias opções. A gravidez foi normal e tudo parecia muito natural até Ana Carolina vir ao mundo.

Com a filhinha nos braços, Gina recebeu a notícia de que a criança era portadora da síndrome de down e que dali para a frente ela teria uma missão difícil a cumprir. Mas Gina, não se abalou. O importante era ter dado vida a alguém e principalmente a um bebê que precisaria muito mais dela do que qualquer outro. E Gina foi à luta, acreditando acima de tudo no amor e na dedicação maternal que fluía dela de maneira incontrolável.

Depois de muitas conversas com médicos especialistas, Gina e o marido resolveram optar pela luta ferrenha contra a síndrome que normalmente está associada a algumas dificuldades da fala, habilidade motora  e desenvolvimento físico. Gina, professora de educação física,  dedicou-se a fazer exercícios diários com a filha. Dos 6 aos 9 anos, Ana Carolina era obrigada por ela a  uma programação bem intensa de movimentos. Rastejava, engatinhava, corria. Tinha estímulo dos cinco sentidos.E ainda por cima aprendia a dançar e a nadar. Sempre sob orientação médica.

Além disso, Gina brigou para conseguir colocar a filha em escolas comuns e em casa a ajudava com as lições, complementando o ensino escolar. Ela conta que, muitas vezes, era cansativo e desgastante. Às vezes, as duas sofriam, choravam juntas, mas depois com o resultado positivo a cada dia, o sacrifício tornava-se gratificante. Gina jamais pensou em desistir.

E ela estava certa. Hoje, aos 29 anos, a jovem tem pós-graduação, que completou no ano passado, trabalha numa multinacional e conquistou a independência financeira.

Apaixonada por crianças, Ana Carolina (foto) formou-se  em pedagogia e depois se especializou em educação infantil. Na empresa em que trabalha, Ana Carolina já passou por várias áreas e agora está no setor comercial. A dicção é perfeita,  assim como as palavras e idéias. Para os médicos, a evolução física e intelectual de Ana Carolina jamais poderia ter acontecido sem a dedicação dos pais, com os quais mora até hoje por amor a eles, pois segundo a orgulhosa Gina, a filha ganha mais do que muito pai de família e está pronta para viver uma vida independente.

Numa época em que já se viu e soube de tantos conflitos, revoltas e desamor além dos absurdos de mães que jogam  seus bebês saudáveis em licheiras ou em rios, abandonando-os à própria sorte, Gina brilha como uma luz no fim do túnel, como um exemplo de combate ao preconceito em nome do amor, da esperança, da certeza de conseguir a superação de um obstáculo que parecia impossível.

Gina, desafiou as leis da própria genética que deve estar se curvando à coragem e determinação dessa mãe que por amor e total desprendimento pode dizer que realmente deu a vida a Ana Carolina.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Texto recebido pelo correio eletrônico


Comemorar muito, mas de sandálias*

de Valter Pomar

Nossa avaliação das eleições presidenciais de 2010 deve começar sempre com uma tripla comemoração e com um forte agradecimento.

Comemoração pela continuidade do processo de mudanças iniciado em janeiro de 2003, pela eleição da primeira mulher presidente da República e por termos derrotado mais uma vez a direita demotucana.

Agradecimento ao povo de esquerda, especialmente ao povo petista, milhões de brasileiros e brasileiras, alguns anônimos, outros nem tanto, que perceberam o perigo e foram à luta, sem pedir licença, sem pedir ordem, sem pedir autorização e sem precisar de orientação.

Foi principalmente este povo que ganhou a eleição presidencial, e não governantes, candidatos, dirigentes, coordenadores ou marqueteiros.

Devemos agradecer e comemorar, mas sem descuidar de um balanço crítico e autocrítico do processo.

Este balanço deve começar lembrando que vencemos com uma bandeira: dar continuidade à mudança. Como lembrou a própria Dilma, como recebemos uma "herança bendita", nossa única alternativa é aprofundar as transformações.

Ocorre que para vencer, enfatizamos a continuidade e debatemos pouco as mudanças. O tratamento dado ao programa do Partido e ao programa do coligação é apenas mais um sintoma disto.

Debatemos pouco as mudanças, mas o cenário do governo Dilma será muito diferente do que prevaleceu entre 2003 e 2010.

Noutras palavras: a mudança na realidade já está acontecendo, embora não tenhamos debatido em profundidade as mudanças que teremos que fazer na nossa política, para enfrentar esta nova realidade.

As mudanças já se deram e continuarão ocorrendo em três níveis principais.

Internacionalmente, o cenário será dominado não apenas pela crise e instabilidade econômica, mas também por cada vez maior instabilidade política e militar.

Nacionalmente, a direita vai dar continuidade ao tom radical assumido na campanha eleitoral.

Ao contrário do que alguns pensavam, o PSDB é o partido de direita e da direita. Demonstrando uma vez mais a periculosidade da proposta da "aliança estratégica" com o PSDB, feita entre outros por Fernando Pimentel, com os resultados já conhecidos em Minas Gerais.

A terceira mudança é a seguinte: nos marcos da atual estrutura tributária e macroeconômica, não será mais possível ampliar significativamente os investimentos econômicos e sociais.

Ou reduzimos substancialmente os juros, ou fazemos algum tipo de reforma tributária, ou interrompemos o crescimento dos investimentos, ou.... Em qualquer caso, tudo aponta para a agudização do conflito redistributivo no país, seja tributário, salarial, seja pela alta nos preços, pela alta dos juros etc.

Para dar conta destas mudanças, que conformam um novo cenário, teremos que enfrentar e superar três impasses estratégicos.

Primeiro: a política de melhorar a vida dos pobres, sem tocar na riqueza dos milionários, reforça o preconceito de uma parcela dos setores médios contra nós. Pois na prática estes setores perdem, em relação aos pobres, especialmente em termos de status.

Segundo: melhorar a vida material dos pobres, sem melhorar em grau equivalente a sua cultura política, deixa uma parcela dos que melhoraram de vida sujeitos à influência das igrejas conservadoras e do Vaticano, dos meios de comunicação monopolistas e da educação tradicional.

Aqui vale ressaltar que a disputa de valores faz parte da disputa política. Não percebe isto quem acha que fazer política é "administrar", esquecendo que a "percepção das obras" é mediada pela ideologia, pela visão de mundo, pela luta política.

Terceiro: o PT ganhou sua terceira eleição presidencial, mas ao mesmo tempo enfrenta cada vez mais dificuldades para hegemonizar o processo.

Estas dificuldades ficam claras quando analisamos o papel do PT na campanha, na composição do novo governo, na relação com aliados, na relação direta e cotidiana com o povo etc.

Quais são as principais dificuldades do PT?

Primeiro, a terceirização de parte de suas atividades dirigentes, seja para a bancada, seja para o governo, seja para o Lula. Há uma crescente distância entre a influência moral e eleitoral do PT, vis a vis a capacidade efetiva de direção de nossas instâncias.

Segundo, o empobrecimento de nossa elaboração ideológica, programática e estratégica. É preocupante o descompasso cada vez maior, entre a complexidade das questões postas diante de nós, no mundo, na América Latina e no Brasil, vis a vis nossa capacide de refletir coletivamente sobre estes assuntos.

Terceiro, há um processo de "normalização" do PT, de integração ao establishment. Durante muitos anos, o PT cumpriu um papel civilizatório na política brasileira. Pouco a pouco, por diversos motivos, entre os quais o financiamento privado das campanhas eleitorais, fomos nos adaptando a certos hábitos e costumes da política brasileira, dos mais ridículos aos mais graves, entre os quais tratar a eleição como mercado de votos.

Ou reagimos a isto e voltamos a cumprir --como Partido-- um papel civilizatório, reformador e em alguma medida revolucionário nas práticas e costumes da política, ou estaremos fazendo o jogo da direita e da mídia que dia e noite nos calunia.

O que falamos antes ajuda a explicar alguns dos motivos pelos quais uma parcela importante da juventude não se identifica mais conosco. Grandes parcelas da juventude podem ser ganhas por nós, se adotarmos práticas distintas, combinadas com projeto de futuro, ideologia, visão de mundo, programa transformador. Se não fizermos isto, teremos inclusive problemas eleitorais, pois na próxima eleição e na outra, não adiantará comparar nosso governo com o passado, pois para os mais jovens, nós também fazemos parte do passado.

Aqui vale destacar que nossa integração ao establishment não se dá como decorrência automática de nossa conversão em partido de governo. Aliás, ironicamente, as vezes nossos governos são o que há de mais inovador e atraente; enquanto nossas instâncias partidárias vão se transformando em "agências reguladoras" de nossa participação nos processos eleitorais, burocratizadas, sem vida, controladas por esquemas cada vez mais tradicionais.

A quarta dificuldade que enfrentamos está em nossa relação com os aliados.

Precisamos de aliados para vencer eleições e para governar. Mas, nas atuais regras do jogo, a mesma política de alianças que parece cumprir um papel positivo na nossa vitória nacional, não parece contribuir para um salto no tamanho de nossas bancadas parlamentares e no número de nossos governos estaduais. Isto, mantidas as atuais regras do jogo, nos condena a um teto, a um limite de crescimento. E, sem maioria de esquerda no Congresso, qualquer discussão sobre reformas profundas pela via institucional será apenas isso: discussão.

A este problema, cabe agregar um detalhe: apesar de nossa política de alianças, o antipetismo cresce entre os aliados, assim como cresce na sociedade.

Em decorrência das mudanças, impasses e dificuldades que citamos antes, entendemos que a direção nacional deve priorizar o debate sobre a estratégia e a tática do Partido, da qual decorre a política que defendemos para o conjunto do governo, da qual podemos deduzir os espaços que achamos devam ser dirigidos pelo PT. E não, como parecem pretender alguns, começar e terminar o debate pelos tais "espaços".

Na nossa opinião, o Partido deve priorizar quatro temas em 2011: a reforma política, a democratização da comunicação, a reforma tributária e a reorganização do PT.

Em resumo: com a eleição e posse de Dilma, a mudança continua, mas a disputa também.

Continua a nossa disputa contra o neoliberalismo, que não está morto, como se depreende do lobby do setor financeiro em favor de Meirelles, de Palocci, do ajuste fiscal e da alta de juros, para não falar do que ocorre no G20, na Europa e nos EUA.

Continua a nossa disputa contra o desenvolvimentismo conservador, aquele no qual as empresas capitalistas crescem, sem que haja mudanças estruturais na distribuição de poder, renda e riqueza.

E continua a disputa deles contra o PT. Disputa que vamos vencer, se abandonarmos as ilusões no inimigo, a defensividade absoluta e certo medo de sustentar nossas posições históricas e corretas, por exemplo em favor da democratização da comunicação.

A disputa contra o PT é uma disputa em torno do conteúdo da mudança que está em curso no Brasil. É uma disputa de hegemonia. E disputar hegemonia não é igual a fazer concessão, não é igual a ceder ou a recuar sempre. Disputar hegemonia é o contrário disto. Disputar hegemonia é travar uma luta cotidiana e permanente em defesa dos nossos valores, da nossa visão, do nosso projeto de mundo e de Brasil.

*texto baseado na intervenção feita na reunião do Diretório Nacional do PT, dia 19 de novembro de 2010

Wikileaks: O imperador está nu


O reality show das WikiFugas prosseguirá. O espectáculo demonstra que a boa informação está na Internet – não nos média-empresariais globais. 
 
Por Pepe Escobar, Asia Times Online via EsquerdaNet
 
Obama e Hillary Clinton - Foto wikimedia
Obama e Hillary Clinton - Foto wikimedia
 
Presidente Bush : Frank, estou a criar um cargo, e peço-lhe que considere a possibilidade de trabalhar connosco. Serão dias longos e noites perigosas. E você vai trabalhar cercado pela escória de nossa sociedade.
Frank: Estou a ser convidado para trabalhar no seu Gabinete?
[Corra Que a Polícia Vem Aí 2, estrelado por Leslie Nielsen]
Digam o que disserem os jornais e televisões, o facto é que 1,6 gigabytes de arquivos de texto numa pen-drive espalhando 251.287 telegramas diplomáticos do Departamento de Estado dos EUA de mais de 250 embaixadas e consulados não vão provocar “um terremoto político” – como se lê na revista alemã Der Spiegel – na política externa da maior potência decadente do mundo.
Por trás das múltiplas hipócritas camadas de um ciclo frenético de notícias, 24 horas por dia todos os dias da semana, a política aparece, sobretudo, como um reality show repugnante. Isso é o que as últimas WikiFugas mostram, em forma escrita, nua e crua. Um Muammar Kaddafi que usou botox e não seria muito activo com a sua sexy enfermeira ucraniana é personagem de “Big Brother”.
Embora seja excelente para a televisão, não se pode dizer que seja novidade que, para os diplomatas norte-americanos, o presidente do Irão Mahmud Ahmadinejad é "Hitler", que o presidente do Afeganistão Hamid Karzai é “paranóico”, que o presidente da França Nicolas Sarkozy é “imperador sem o traje”, que o “tolo e incompetente” primeiro-ministro da Itália é doido por “orgias”, que a chanceler alemã Angela Merkel “raramente produz alguma ideia criativa”, que o presidente da Rússia Dmitri Medvedev “é o Robin do Batman Vladimir Putin [primeiro-ministro russo]”, ou que o Amado Líder da Coreia do Norte Kim Jong-il é “velhote flácido”, vítima de “trauma físico e psicológico”.
Mas crer, como a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton, que as fugas seriam “ataque não só aos interesses da política externa norte-americana, mas de toda a comunidade internacional”; ou que o WikiLeaks, como disse o presidente Barack Obama, cometeu crime grave, é nada além de manifestação de repugnante arrogância imperial. Como se o mundo não tivesse o direito de também fartar-se da mesma comida política podre servida em abundância aos selectos comensais dos palácios do poder em Washington.
Clinton deve ter farejado que o sentimento dominante depois de ler os telegramas seria de uma Washington à beira de um ataque de nervos digno de personagem de Almodovar. Por exemplo, um aliado-chave dos EUA, como Berlusconi, descrito como “ridículo, patético”, “indiferente ao destino da Europa” e perigosamente íntimo de Putin, do qual parece “o porta-voz”, visto como ameaça equivalente a Ahmadinejad. Até que ponto chega a paranóia? A embaixada dos EUA em Moscovo, por falar nisso, descreve Putin como um “cão alfa” que comanda a Rússia, virtualmente “um Estado-máfia”; alguém mais cínico lembrará que a mesma definição aplica-se ao ex-vice-presidente Dick Cheney durante a era George W. Bush.
Em todo o mundo, quem tenha QI acima de 75 já desconfia que os diplomatas dos EUA espionam os próprios colegas na ONU (por ordem de Clinton); que Washington comandou um bazar de liquidação para obrigar pequenos países a aceitar prisioneiros de Guantánamo; que o establishment militar/de informações do Paquistão está articulado com os Taliban; e que o rei saudita Abdullah bin Abdul Aziz, esse defensor paradigmático da democracia e dos direitos humanos, exigiu que os EUA ataquem o Irão.
Temer o Irão xiita, afinal de contas, sempre foi regra nesse bando de ditadores/autocratas sunitas impopulares que vivem a suplicar que os EUA lhes vendam as armas que os mantêm no poder.
Mas a coisa fica muito mais séria, se se tem o embaixador dos EUA na Turquia, a dizer que o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan “é um fundamentalista. Ele odeia -nos religiosamente” e que o seu ódio “se espalha”. Isso é absolutamente falso. É mentira.
Ou que Robert Gates, “O Supremo” do Pentágono, diz ao ministro das Relações Exteriores da Itália Franco Frattini que o Irão não fornece armas aos Taliban – e assim desmente toda uma massiva campanha de propaganda de demolição orquestrada pelo Pentágono que já durava meses.
Não há prova alguma de que a liderança colectiva em Pequim tenha sido o verdadeiro poder por trás dos ciber-ataques que o Google sofreu. E quando o ex-vice-ministro de Relações Exteriores da Coreia do Sul Chun Yung-woo disse ao embaixador dos EUA em Seul que uma nova geração de líderes do partido chinês já não vêem a Coreia do Norte como aliado útil, o quanto, nessa ‘informação’, é exclusivamente opinionismo de auto-preservação e auto-ajuda? Afinal de contas, Chun é hoje conselheiro de segurança nacional do presidente da Coreia do Sul.
O contexto é a chave, em todas as fugas – cerca de 220 até agora. Os diplomatas e funcionários de baixo escalão que falam nesses telegramas dizem, essencialmente, o que o Departamento de Estado deseja ouvir, ou fazem bluff, repetindo o que quer que já esteja instaurado como pilar da política de Washington; a quantidade de análise crítica independente naqueles telegramas é praticamente zero.
O espectáculo tem de continuar
Possibilidade muito mais sumarenta é lembrar que, doravante, nenhum dos cidadãos mais activos do mundo jamais voltará a crer no que lhes seja empurrado como “facto” ou como “verdade” naquelas cosmicamente tediosas sessões de “conferência diplomática/governamental/militar com a imprensa e fotógrafos”.
Os telegramas Wiki escapados provam que a Europa – incapaz de se auto-poupar do ridículo – já vinha sendo marginalizada desde a era Bush, processo que agora culmina, com Obama integralmente dedicado à Ásia-Pacífico. Quanto ao que já escapou até agora, sobretudo sobre o Irão e a turma que faz e acontece no Golfo Pérsico, é pura propaganda israelita-norte-americana mal disfarçada.
Não por acaso, a maioria das manchetes globais batem todas o mesmo tambor, com variações sobre o tema “Israel festeja os telegramas divulgados como aval de sua política para o Irão”. Avaliação geral dos telegramas revela que, assim como Israel e o poderoso lóbi pró-Israel dos EUA trabalharam a dobrar para conseguir a invasão e destruição do Iraque, pode-se apostar que agora querem fazer o mesmo ao Irão.
Merece especial atenção o telegrama em que se lê que o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu é “elegante e sedutor, mas nunca cumpre o que promete” (promessas como continuar a construir colonatos na Cisjordânia e bombas, bombas, bombas sobre o Irão.)
O reality show das WikiFugas prosseguirá, com novidades online aos borbotões. Pelo menos o espectáculo demonstra, mais uma vez, que a boa informação está na Internet – não nos média-empresariais globais; e que os cidadãos globais devem fazer dela o melhor uso possível para desmascarar, e rir, do poder.
É salutar aprender que o imperador, em segredo, fala mal dos amigos e sicofantas, tanto quanto dos inimigos. Também é salutar aprender que o imperador é inimigo da democratização da informação. Mas agora, que já se sabe que o imperador está mesmo nu, devemos agradecer muito aos autores dos telegramas, seus amigos, inimigos e sicofantas, por nos oferecerem esse impagável reality show – espécie de continuação de “Corra que a Polícia vem aí”. Pena que o grande Leslie Nielsen, que morreu no domingo, não esteja aqui, para rir connosco.

Tradução do colectivo da Vila Vudu disponível em redecastorphoto

“Precisamos de um resgate dos Correios acima de partidos políticos e indicações”

Escrito por Gabriel Brito, da Redação  do Correio da Cidadania 
 
Nos últimos dias, as fraturas internas da Empresa de Correios e Telégrafos, uma das maiores do mundo em serviços postais, voltaram a ser expostas ao público com a saída de seu diretor de Recursos Humanos. Paulo Bifano deixou o cargo fazendo duras acusações contra a atuação de Helio Costa, ministro das Comunicações, acusando-o de causar uma proposital paralisia na empresa com o intuito de desmoralizá-la e privatizá-la.
 
Em vista disso, o Correio da Cidadania conversou com Moyses Leme, do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Correios e Telégrafos. Na conversa, ele endossa e aprofunda as acusações de Bifano, incluindo-o entre os principais culpados pelas crises que assolaram os Correios nos últimos anos. "Lamentavelmente, é graças ao PMDB que vemos esse caos, Helio Costa, Paulo Bifano, Carlos Henrique, toda a corja que ocupou a empresa".
 
Leme não poupa em nada as gestões recentes, listando uma série de debilidades atuais propositalmente negligenciadas. Cita casos para ilustrar a enorme promiscuidade política em torno da empresa e afirma que seriam necessários ao menos 30 mil novos funcionários para atender à demanda postal atual. O sindicalista ainda critica o tratamento dado aos servidores, pede o fim das terceirizações e ressalta a necessidade de a estatal efetuar, e não o mercado, a universalização definitiva dos serviços postais brasileiros. "40 milhões de brasileiros ainda não recebem correspondência em casa".
 
A entrevista completa com Moyses Leme pode ser conferida a seguir.

 
Correio da Cidadania: Para quem tem acompanhado, é notório que as brigas políticas internas têm afetado a atuação dos Correios, gerando inclusive deficiência nos serviços. Um estado de coisas similar já havia sido abordado pelo Correio da Cidadania no ano passado. O que tem acontecido na gestão da estatal?
 
Moyses Leme: Na verdade, esse tipo de problema é antigo na empresa. Quando se chega aos Correios, numa estrutura como a nossa, onde gira mais de 12 bilhões de reais por ano, têm-se dois caminhos a seguir. O primeiro é fazer um projeto de universalização dos serviços postais, com planejamento, inclusive das compras (que são milionárias), todo um caminho para ter êxito na gestão da empresa.
 
Infelizmente, na direção da empresa muitas pessoas vêm cumprir tarefas partidárias, envolvendo-se na administração para se beneficiar, em prol do partido ou às vezes do próprio bolso. Isso avançou e tem se alavancado, com brigas políticas enormes nos Correios, parando a empresa.
 
Agora, vai sair a duras penas um concurso público. De fato, houve problema na elaboração do concurso, que será nacional, quando sempre se fazia de forma regional. Teve um levante com todos os diretores nacionais, numa reunião interna em que cobraram soluções. E o diretor que se aliava à proposta de manter os Correios públicos, sem terceirizações, com frota própria, parando de privatizar as entregas, foi convidado a se retirar, o Marco Antonio Oliveira, um diretor que sempre defendeu esses princípios.
 
Depois, os diretores que permaneceram desenvolveram uma guerra pessoal. Recentemente, o Paulo Bifano, diretor de RH, o Carlos Henrique, presidente da ECT, e o próprio ministro Helio Costa, fizeram parte dessa discussão. E o Bifano, em entrevista recente à Folha, realmente colocou uma situação mais grave, acusando os outros dois de atrapalharem e sabotarem a empresa, impedindo a compra de veículos, os concursos, as licitações... E sabemos que hoje há uma terceirização de veículos na empresa, na qual vemos, incrivelmente, que quase todas as empresas contratadas são de Minas Gerais, estado do ministro das Comunicações. Essa terceirização também atinge a atividade-fim da empresa, situação agora agravada com os destemperos do diretor de RH, de acusá-los de sabotagem na empresa.
 
Correio da Cidadania: E você concorda com essa colocação do Bifano? Ele afirmou que os Correios têm mais de 4 bilhões de reais em caixa e mesmo assim não se fazem investimentos, além de a contratação de novos funcionários ser em ritmo mais vagaroso do que a demanda sugere. Tal fala converge com a sua ao Correio da Cidadania, no ano passado, de que a empresa de fato tem dinheiro pra investir tranquilamente em sua melhoria.
 
Moyses Leme: O que pensamos hoje em relação aos Correios é que a empresa tem sido sucateada. Temos 103 mil funcionários, precisamos urgentemente de concursos. O correio francês tem 300 mil trabalhadores, já o brasileiro tem 103 mil. A questão social da empresa tem ficado pra trás, assim como a do maquinário, da qualidade. Hoje, gastam-se bilhões de reais com aluguéis. E quando se procura quem são os donos dos imóveis, vemos Paulo Otavio, Nenê Constantino (empresários de Brasília do ramo imobiliário envolvidos em diversos escândalos dos governos locais Arruda e Roriz, com fortunas suspeitas de se originarem em diversos favorecimentos; ambos estão sob mira constante do Ministério Público), só pessoas envolvidas em processos complicados.
 
Os Correios gastam mais de 1 bilhão de reais em aluguéis, sendo que poderia ter seus próprios, e adequados, imóveis. Temos o know-how, o conhecimento de como fazer, mas de fato há pessoas sabotando a empresa, sabotando com S maiúsculo mesmo. E agora o próprio Bifano e o ministro sabotavam a empresa, buscando desqualificá-la e terceirizar os serviços.
 
Inclusive, a questão da universalização dos serviços postais deveria ser contemplada, de acordo com a portaria 1112 do Ministério das Comunicações, com todo um regramento sobre quantas agências devem ser abertas e quantos servidores contratados. Mas não vemos por parte do governo e do Ministério das Comunicações atuação nesse sentido, muito menos por parte da empresa.
 
Dentro dos Correios, vemos atividades terceirizadas, inclusive atividades-fim, o que não deveria ocorrer, mas sim concursos públicos. Um rombo de bilhões de reais gastos em aluguéis, em que mega-empresários, como Nenê Constantino e Paulo Octavio aqui em Brasília, são donos de imóveis, com agências convencionais fechando para abrir franquias de deputados, senadores, como Gim Argelo... Vamos dar nome aos bois. Fecham agências convencionais pra abrir as deles.
 
Correio da Cidadania: A empresa está completamente aparelhada no momento.
 
Moyses Leme: O que precisamos, de fato, é de um resgate dos Correios. Acabar com essa questão dos aluguéis absurdos, melhorar a tecnologia na empresa, dos sistemas. Do orçamento de 651 milhões, só se gastaram 150 milhões de reais, e faz tempo que não se compram equipamentos, mesmo com a centralização das compras.
 
Na área de equipamentos, eles não chegavam por causa da burocracia de tecnocratas da empresa, que não conseguiam fazê-los chegar aos setores dos Correios que os demandavam.
 
Portanto, precisamos de um planejamento e resgate da empresa acima de partidos políticos e indicações. Precisamos de um planejamento, a fim de universalizar os serviços postais e trazer a qualidade dos serviços dos Correios de volta, que é um dos melhores do mundo.
 
Correio da Cidadania: Até a ultramercadista revista Forbes a elegeu a melhor do mundo em serviços postais. Incrível, assim, que a empresa passe por tamanhas turbulências. A parasitagem política do PMDB tem algo a ver com esse cenário?
 
Moyses Leme: Ainda somos a melhor empresa mesmo. No correio americano, gastam cerca de 7 a 14 dias para entregar. Aqui, o período é de três a quatro dias, com toda a dificuldade. Mas chegamos ao fundo do poço. Não há planejamento, funcionários. Centraliza-se o planejamento, mas não há condições reais de executá-lo. Pelo menos tivemos reuniões com os diretores regionais aqui em Brasília, onde se redigiu um documento, listando o que havia de errado.
 
Um exemplo: se você manda uma correspondência de Santa Cecília, na capital de São Paulo, da rua tal, com um CEP de São José dos Campos, o que acontece? O funcionário sabe onde é a Santa Cecília, mas por causa do CEP manda errado pra São José, pra depois carimbar de volta, retornar ao remetente, que precisa mandar de novo a correspondência.
 
Não há frota de veículos, as terceirizações estão a todo vapor, um verdadeiro caos dentro da empresa, o que não permite o trabalho adequado.
 
Lamentavelmente, é graças ao PMDB que vemos esse caos nos Correio, ao senhor Helio Costa, ao Paulo Bifano, ao Carlos Henrique, toda a corja que ocupou a empresa.
 
Correio da Cidadania: As terceirizações continuam em alta, mas nas mesmas proporções que anteriormente?
 
Moyses Leme: Agora estão liberando contratações de terceirizados, até por determinação do Ministério Público. Isso é irregular e muito grave. Vamos fiscalizar unidade por unidade. Não pode haver essa entrega direta do serviço de correspondência, é algo grave.
 
Porque, sem que se leve a mal, sempre que há uma leva de contratações, são registrados problemas com assaltos, perda de objetos; são milhões de reais perdidos, não é brincadeira.
 
Correio da Cidadania: Dessa forma, você também estenderia as criticas ao Paulo Bifano, que saiu atirando contra o Helio Costa, acusando-o de sucatear propositalmente os serviços dos Correios, com a intenção de posteriormente privatizar mais uma rentável empresa pública?
 
Moyses Leme: Ele não teve cuidado, não teve respeito, não buscou em momento algum ouvir os funcionários. Também tem um grupo dentro da empresa que joga contra, não é só o pessoal de fora. Dentro também, jogando contra a valorização dos funcionários, só com uma fração deles possuindo plano de carreira e de salário... É preciso resgatar esses planos, também o de cargos, trazer de volta o ânimo dos trabalhadores de níveis médio, técnico e de terceiro grau.
 
Hoje, o cara entra como engenheiro nos Correios e em um ano sai para outra empresa. Por quê? Porque não há perspectiva de ascensão, os cargos comissionados são apenas de indicação política. Às vezes é gente que não tem conhecimento técnico, ou um conhecimento superior, e sim porque é sobrinho de senador, de alguém do alto escalão, sendo nomeado para uma empresa que movimenta bilhões de reais. E as pessoas ficam desmotivadas, porque, depois de um concurso público, todo o estudo e esforço não valem nada, pois nunca se irá para outro cargo, a não ser que a pessoa tenha um parente político ou coisa assim lá dentro. Tal situação precisa acabar.
 
É preciso retomar a política de plano de carreira, que dê condições de a pessoa ascender na empresa, melhorar o salário... Os Correios estão pagando muito mal, nos níveis médio, técnico e principalmente terceiro grau. Nós vemos no mundo os governos investindo bilhões de reais em seus correios. Aqui é o contrário: todos os anos sacam 400 milhões de reais da empresa. Um dinheiro que deveria ser investido em mais funcionários, melhores salários, mais agências, mais veículos próprios. Mas não! Hoje, a logística dos Correios é totalmente terceirizada, portanto, não temos controle algum sobre a logística da empresa.
 
Correio da Cidadania: Ou seja, a empresa está totalmente gerenciada no sentido de servir interesses particulares. Mesmo na condição de estatal, opera na prática de forma privatizada.
 
Moyses Leme: Por isso que defendemos o resgate de nossa própria logística de transporte terrestre, assim como uma outra logística de transporte aéreo, competindo com empresas do mercado internacional, como a Fedex. Precisamos discutir essa questão, as empresas internacionais disputam o filé mignon e nós temos de ficar com tudo, interior e capitais, enquanto eles só ficam nas capitais. Nós queremos taxá-los mais por isso também, de modo a reverter mais recursos à estrutura dos Correios. Até porque precisamos atender à necessidade de universalização dos serviços postais.
 
Portanto, é preciso que parem de meter a mão no dinheiro dos Correios, para que o utilizemos a fim de desenvolver os serviços postais em todos os municípios. Se não, quem vai fazer isso, a Fedex, a DHL?
 
Atualmente, 40 milhões de brasileiros não recebem suas correspondências diretamente em casa. Como fazemos? Por isso estamos mostrando, nós do sindicato e da federação, tal necessidade, de como é preciso desenvolver o mercado dos serviços postais.
 
Correio da Cidadania: A empresa precisaria contratar quantas pessoas para suprir plenamente suas necessidades de atendimento e caminhar para essa universalização?
 
Moyses Leme: Antes de responder a esta pergunta e falar do concurso que contratará uma quantidade razoável de pessoas, gostaria de lembrar dos demitidos de 97. Com a aprovação da lei Maria do Rosário, que está parada no Senado na mão do Inácio Arruda, conseguiríamos recolocar 4 mil trabalhadores demitidos injustamente no governo FHC, pelas mãos do Sérgio Motta. Que o diabo o tenha, pois não prestava mesmo.
 
Pois esses 4 mil demitidos merecem seus empregos de volta. E a lei está lá emperrada no Senado. No entanto, mesmo com a volta de todos, ainda não seria suficiente.
 
Para prestar um serviço de qualidade à população, o mínimo seriam 30 mil contratações.
 
A previsão do concurso é 8 mil, mas não dá, é muito pouco, estamos discutindo com a direção da empresa pelo menos 15 mil.
 
Correio da Cidadania: Além disso, é preciso garantir que as contratações se efetivem rapidamente após o concurso, o que nem sempre ocorre.
 
Moyses Leme: É preciso mesmo deixar isso claro, queremos que o concurso aconteça, que as pessoas recebam a oportunidade, mas que a qualidade melhore, pois hoje está difícil trabalhar lá.
 
Temos que ficar atentos, assim como a imprensa, que precisa esclarecer a população, que só aumenta, assim como o mercado cresce, como se vê nas obras pelas cidades, que não param de crescer; e não se vê contratação de funcionários. Infelizmente, isso acarreta uma péssima qualidade do serviço.
 
Além disso, há os problemas da terceirização, precarização do trabalho, malversação de recursos dentro da empresa, como no caso dos aluguéis de imóveis, em que se paga para o empresário construir, arcando-se com toda a obra, e depois os Correios ficam sem nada.
 
Veja o absurdo: os Correios, por exemplo, querem uma área de 1500m², fazem um contrato de cinco anos com uma empresa, que paga tudo relativo à obra durante esse tempo e depois apresenta uma fatura maior do que aquilo que foi efetivamente gasto, saindo num lucro enorme. Depois desses 5 anos, o dono tem um patrimônio imenso! Vai no banco, pega uma linha de crédito e faz um patrimônio de 5, 10 milhões de reais em 5 ou 10 anos. Isto é, mais uma forma de promover o repasse do dinheiro público ao setor privado.
 
Correio da Cidadania: Por mecanismos cada vez mais invisíveis.
 
Moyses Leme: É um absurdo o que tem acontecido na empresa. Fora a falta de controle nas franquias, que dão um prejuízo de mais de 1 bilhão por ano. Enfim, é muita coisa a ser resolvida.
 
Outro exemplo é o banco postal. Tem que sair do Bradesco, precisamos de parcerias com outros bancos, alguma solução. É uma exploração com os funcionários da empresa, pois não há horário bancário, caixa adequado, segurança, e o lucro fica todo com o Bradesco, outra picaretagem. E ainda postergaram a resolução disso para 2011.
 
Mas esperamos resolver essa questão já no ano que vem e estender o banco postal para cada município e distrito do país. Na última pesquisa que fiz, em 1750 municípios o único banco postal era o nosso. O banco postal tem de ser uma ferramenta importante, como são os bancos postais francês, japonês, chinês. No Brasil é que é uma sacanagem, com o perdão do termo. Você trabalha, corre todos os riscos e o lucro fica com o Bradesco. E com os outros apadrinhados também esquematizados.
 
Correio da Cidadania: Após todo esse apanhado das tendências privatizantes que têm dominado a estatal, como você acredita que a presidente eleita Dilma Rousseff deve tratar os Correios em seu mandato?
 
Moyses Leme: Nós temos muita confiança que a presidente Dilma possa resgatar a empresa. Mas, em primeiro lugar, não tem a menor condição de o Ministério das Comunicações ficar na mão do PMDB. Esse é o primeiro ponto, não tem condição (A entrevista foi realizada na segunda-feira, 29/11; no dia 30, Dilma Rousseff nomeou Paulo Bernardo, ex-ministro do Planejamento, para a pasta).
 
Em segundo lugar, o planejamento da empresa deve ser discutido com os trabalhadores. Eles sabem o que é melhor para a empresa, e não podem ser ouvidos somente depois de greves. Não pode ser por aí o tratamento com o trabalhador.
 
O terceiro ponto é investimento. Em imóveis próprios, em abrir novas agências, ter uma frota própria de transportes terrestre e aéreo. E investir na questão humana, com contratações, melhoria salarial em todos os níveis. Senão, vamos perder nossos profissionais para outras empresas. Precisamos oferecer plano de carreira, com condições de ascensão sem que se seja filho, neto, do rei ou coisa assim. Fazer concursos e dar espaço a muita gente boa que quer contribuir com a empresa.
 
Para que se tenha uma idéia, uma das coisas que dá muito lucro na empresa e que está sendo abandonada são as coleções de selos. Tem todo um mercado internacional de filatelia e esse setor nos nossos Correios está acabando! E sempre rendeu milhões de reais. É preciso recuperar tais aspectos também, relativos à história da empresa.
 
Acredito que a Dilma vai dar uma resposta positiva, com mobilização dos trabalhadores. Temos muito trabalho pela frente.
 
Correio da Cidadania: Acredita que a presidente irá combater essas privatizações disfarçadas?
 
Moyses Leme: Espero que ela acabe com isso. O Serra falou muito em estatização no período eleitoral, e ela ficou um pouco calada para não polemizar no momento.
 
Mas em reuniões que já tivemos com gente do PT, com os deputados Geraldo Magela, Erika Kokay, falou-se muito na manutenção da empresa pública. O senador Paulo Paim também é defensor dos Correios públicos e de qualidade.
 
Enfim, há um segmento que acredita em outro caminho, de um Correio eficiente, presente em todos os municípios e distritos do país, com muita capilaridade. Esse é o único caminho. Uma empresa pública com forte participação do Estado, que seja mais que uma empresa, e sim uma entidade que presta o serviço público com cidadania.
 
Correio da Cidadania: E a Dilma terá essa visão estratégica sobre a empresa?
 
Moyses Leme: Esperamos tanto que ela tenha essa visão como que ouça os trabalhadores, as entidades de classe, para que possamos de fato trilhar tal caminho. Muita gente sabe que esse é o caminho, inclusive ela. Esperamos que ela não traia a população e os trabalhadores, pelo contrário, que mantenha a empresa pública e faça os investimentos necessários, sabendo que o PMDB não tem condição nenhuma de assumir os Correios. Não se trata de querer impor esse ponto à presidente, mas já está comprovado, são coisas que já aconteceram. Eles não têm condições de administrar o Ministério das Comunicações, são muito incompetentes.
 
Correio da Cidadania: Dessa forma, o que pensa da atuação de Helio Costa no Ministério das Comunicações? Muitas figuras, a respeito de outros assuntos, o chamaram criticamente de ‘ministro da Globo’, uma vez que por diversas vezes se posicionou publicamente no sentido de tranqüilizar a mídia hegemônica em assuntos de seu interesse – além de ser ex-funcionário da emissora. Trata-se de um privatista nato, empenhado em transferir patrimônio público a grupos políticos de sua proximidade?
 
Moyses Leme: A gente viu isso. Durante todo seu período, ele deu seqüência às terceirizações, ao fim das garagens, impediu toda sorte de investimentos. O próprio Bifano, de outra ala do PMDB, foi quem fez as denúncias que vimos na imprensa nos últimos dias. Nem a gente sabia que a coisa era tão profunda assim, com tanto descaso do ministro em relação à empresa, falta de cidadania. Pior: ele não tinha respeito nem pela soberania do país, porque um Correio público também é questão de soberania. E respeito à população.
 
Portanto, queria dizer que nós trabalhadores esperamos que, de fato, as coisas mudem, que ocorram contratações, o fim das terceirizações, que possamos ter nossa logística terrestre e aérea e um maior diálogo. E que levem a sério o que falarmos, pois tudo que acontece hoje foi acusado com muita antecedência e não foi levado a sério por ninguém, diretor de RH, presidente, diretoria, conselho, governo...
 
Tudo que acontece agora na empresa nós estávamos criticando, relatando e denunciando há muito tempo. Conhecemos a situação de perto e queremos solução. O governo precisa dar atenção ao trabalhador, que tem conhecimento de causa.
 
Correio da Cidadania: Para isso é preciso abandonar, pelo menos em parte, a visão completamente mercantilizada das relações sociais que temos hoje em dia, retomando também, como você disse, o caráter humano de uma empresa pública.
 
Moyses Leme: Claro, é preciso considerar a questão social. A empresa é boa, tem tudo para avançar e crescer, pois também está num mercado que cresce cada dia mais. É possível fazer um trabalho com seriedade e profissionalismo. Por isso reforço a questão do plano de carreira, pois os trabalhadores costumam ter compromisso com a empresa. Em geral, quem tem compromisso com a empresa são os do segundo escalão, não os de cima. Esses vivem do status superior, não estão nem aí pra nada, apenas seguem ordens, já estão com a vida ganha, enfim, não querem nada.
 
Queremos renovação, com pessoas capacitadas, com condições de desempenhar as necessidades dos Correios, contratando funcionários e universalizando os serviços postais. É o que esperamos.
 
Correio da Cidadania: Alguns estados têm começado a cobrar, inclusive judicialmente, por uma resposta dos Correios, pois alguns de seus cidadãos vêm ficando sem receber suas correspondências. Por sua vez, a empresa alega que os próprios estados e municípios deixam de colaborar ao não fazerem o cadastro de todos os endereços de seu território. Algo tem sido feito para sanar os problemas?
 
Moyses Leme: Tem de ser feito. Os estados têm que contribuir também. Na verdade, não há o interesse nem da empresa, por meio do Ministério das Comunicações, e nem dos estados e municípios na questão postal.
 
Em Brasília, por exemplo, temos 500 mil pessoas que não recebem correspondência diretamente. A capital do país. Devido também à falta desse trabalho por parte dos municípios e dos legislativos. Tais questões só se resolvem com contratação de concursados e fim das terceirizações de atividades-fim, negativas para o cliente e a empresa.
 
É o que queremos mudar.
 
Correio da Cidadania: Você vê possibilidades de entrarmos em um ‘caos postal’?
 
Moyses Leme: Com concursos públicos e a contratação emergencial, mais a aprovação da lei dos trabalhadores demitidos em 97, penso que conseguiríamos dar uma melhor qualidade aos nossos serviços postais. Com mais respeito pela empresa e os trabalhadores e o fim do assédio moral, podemos evitá-lo.
 
Gabriel Brito é jornalista.
 

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Os Indiferentes

Antonio Gramsci

11 de Fevereiro de 1917


Primeira Edição: La Città Futura, 11-2-1917
Origem da presente Transcrição: Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci"
Tradução: Pedro Celso Uchôa Cavalcanti.
Transcrição de: Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive
HTML de: Fernando A. S. Araújo
Direitos de Reprodução: Marxists Internet Archive (marxists.org), 2005. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License

Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que "viver significa tomar partido". Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.
A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.
A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso. Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.
A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.
Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.
Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.