segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Os povos turcos na história


A Turquia sobreviveu, mas a transição, traumática, deixou sequelas dolorosas



Miguel Urbano Rodrigues no Brasil de Fato

Voltei a Istambul transcorridas quase seis décadas. Foi um estranho reencontro. A cidade, quando a descobri, tinha menos de um milhão de habitantes; hoje tem mais de 15 milhões.
Na juventude a Turquia apareceu-me como porta do Oriente. Via nela o país dos turcos. Foi somente a partir dos anos 1970 em viagens pela Ásia Soviética que principiei a tomar conhecimento da grande aventura dos povos turcos.
O berço dos turcos foi a taiga siberiana. Nas suas migrações, no primeiro milênio antes da Nossa Era, trocaram as florestas árticas pelas estepes da atual Mongólia e aí se transformaram em pastores nômades, criando cavalos, camelos, bois e ovelhas.
Mais tarde entraram pela China e destruíram e fundaram ali impérios. Séculos depois correram para o Ocidente.
Com o tempo, os idiomas das primitivas sociedades tribais evoluíram, distanciando-se. Mas turcófanos eram os Hunos de Átila, os Heftalitas, os Ávaros que chegaram à Hungria, os Uigures, os primeiros Búlgaros.
Turcófonos eram os Seljucidas que expulsaram os Cruzados de Jerusalém, e os Khazar, os Kiptchak, os Petchenegos, povos dos quais descendem dezenas de milhões de Russos. Turcófonos são os atuais Kazaks, os Uzbeques, os Kirguizes, os Turquemenos, os Azeris. Turcófonos eram os Karluk que, aliados aos árabes, lutaram contra os chineses em Talas, no ano 751, numa batalha que travou definitivamente o avanço da China para o Ocidente.
O finlandês, o estônio e o húngaro mergulham as raízes em dialetos turcos dos seus antepassados vindos do Altai.
Os turcófonos são hoje 160 milhões.
Dos Turcos antigos foi projetada a imagem de gente selvagem e cruel. Voltaire apresentou Tamerlão, o maior conquistador do século 14, como um demônio de rosto humano. É inegável que Tamerlão cometeu chacinas hediondas. Mas esse turco chagatai, nascido no atual Uzbequistão, atraiu à sua capital, Samarcanda, os maiores sábios e artistas do Islão asiático e fez dela na época a mais bela e próspera cidade do mundo muçulmano. Babur seu trineto, fundou na Índia o Império do Grão Mogol onde floresceu uma cultura que criou monumentos como o Tahj Mahal.
Ghazni, no atual Afeganistão, é hoje uma palavra esquecida. Mas no século 11 foi a mais prestigiada capital do Islão turco. Nesse sultanato nasceram, viveram e criaram cultura, ciência e arte alguns dos mais famosos sábios, pensadores e escritores do Islão, entre os quais o astrônomo e matemático Al Biruni, o místico Sanaí, Ibn Sina (o médico Avicena), Ferdauci, autor do poema épico Xá Naama, o criador do moderno persa.
Na República russa da Iakutia, no grande norte siberiano, foi para mim uma enorme surpresa verificar que os autóctones são um povo que continua a expressar-se numa língua turca. Um professor russo informou-me durante a visita que das solidões geladas do Estreito de Behring ao Adriático, numa faixa que atravessa a Ásia e a Europa, continuam a viver comunidades turcófonas.
Uma das mais prodigiosas aventuras dos antigos turcos foi a das tribos Oghuz que, abandonando no século 13 as margens do Cáspio, vieram fixar-se na Ásia Menor, em terras que os seljucidas disputavam a Bizâncio. Do nome do seu chefe, Othman, ficaram conhecidos como os Otomanos, fundadores de um império gigantesco.
A conquista de Constantinopla, em 1453, pelo sultão Maomé II assinalou o fim do Império Bizantino, acontecimento que abalou o mundo cristão. Durante 200 anos a Turquia Otomana foi a primeira potência militar do mundo.
A decadência foi lenta, mas irreversível. Ao terminar a I Guerra Mundial, o Império, derrotado, desagregou-se. Foi então que surgiu um daqueles homens que alteram o caminhar dos povos. Mustafa Kemal, o Ataturk, expulsou as tropas estrangeiras, depôs o sultão, aboliu o Califado, proclamou a república laica, impôs a substituição do alfabeto árabe pelo latino.
A Turquia sobreviveu, mas a transição, traumática, deixou sequelas dolorosas. Os turcos contemporâneos sabem que as civilizações quando morrem nunca voltam. Mas as sementes ficam e a sua germinação é complexa e imprevisível.

*Miguel Urbano Rodrigues é escritor português.

Os prostíbulos do capitalismo

Emir Sader no Carta Maior

Os chamados “paraísos fiscais” são verdadeiros prostíbulos do capitalismo. Nesses territórios se praticam todos os tipos de atividade econômica que seriam ilegais em outros países, captando e limpando somas milionárias de negócios como o comércio de armamentos, do narcotráfico e de outras atividades similares.

Os paraísos fiscais, que devem somar um total entre 60 e 90 no mundo, são micro-territórios ou Estados com legislações fiscais frouxas ou mesmo inexistentes. Uma das suas características comuns é a prática do recebimento ilimitado e anônimo de capitais. São países que comercializam sua soberania oferecendo um regime legislativo e fiscal favorável aos detentores de capitais, qualquer que seja sua origem. Seu funcionamento é simples: vários bancos recebem dinheiro do mundo inteiro e de qualquer pessoa que, com custos bancários baixos, comparados com as médias praticadas por outros bancos em outros lugares.

Eles têm um papel central no universo das finanças negras, isto é, dos capitais originados de atividades ilícitas e criminosas. Máfias e políticos corruptos são frequentadores assíduos desses territórios. Segundo o FMI, a limpeza de dinheiro representa entre 2 e 5% doi PIB mundial e a metade dos fluxos de capitais internacionais transita ou reside nesses Estados, entre 600 bilhões e 1 trilhão e 500 bilhões de dólares sujos circulam por aí.

O numero de paraísos fiscais explodiu com a desregulamentação financeira promovida pelo neoliberalismo. As inovações tecnológicas e a constante invenção de novos produtos financeiros que escapam a qualquer regulamentação aceleraram esse fenômeno.

Trafico de armas, empresas de mercenários, droga, prostituição, corrupção, assaltos, sequestros, contrabando, etc., são as fontes que alimentam esses Estados e a mecanismo de limpeza de dinheiro.

Um ministro da economia da Suíça – dos maiores e mais conhecidos paraísos – declarou em uma visita a Paris, defendendo o segredo bancário, chave para esses fenômenos: “Para nós, este reflete uma concepção filosófica da relação entre o Estado e o indivíduo.” E acrescentou que as contas secretas representam 11% do valor agregado bruto criado na Suíça.
Em um país como Liechtenstein, a taxa máxima de imposto sobre a renda é de 18% e o sobre a fortuna inferior a 0,1%. Ele se especializa em abrigar sociedades holdings e as transferências financeiras ou depósitos bancários.

Uma sociedade sem segredo bancário, em que todos soubessem o que cada um ganha – poderia ser chamado de paraíso. Mas é o contrário, porque se trata de paraísos para os capitais ilegais, originários do narcotráfico, do comercio de armamento, da corrupção.

Existem, são conhecidos, quase ninguém tem coragem de defendê-los, mas eles sobrevivem e se expandem, porque são como os prostíbulos – ilegais, mas indispensáveis para a sobrevivência de instituições falidas, que tem nesses espaços os complementos indispensáveis à sua existência.

Revolução Francesa

 

Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo de Hoje

<br /><b>Crédito: </b> ARTE PEDRO LOBO

Crédito: ARTE PEDRO LOBO

Ah, essas francesas! Não param de aprontar. Primeiro, leram Simone de Beauvoir, acreditaram que não se nasce mulher, mas que isso vem com a cultura, e rasgaram sutiãs na Bastilha. Depois, perderam o gosto pelo casamento com papel assinado e aderiram ao concubinato por ser mais prático e mais realista. Desde os tempos de Balzac, segundo os mais cínicos, os franceses separam com facilidade amor, sexo e interesses familiares. Alguns chegam a dizer que a família francesa típica é formada por marido, mulher e amante. Vejam que amante tem a vantagem de ser sexualmente indefinido. Pode ser o amante da mulher, a amante do marido, a amante da mulher ou o amante do marido. Mas isso é só literatura.

As francesas estão é fazendo uma revolução silenciosa. Quer dizer, nem tão silenciosa assim, pois tem choro de criança na parada. A situação é a seguinte: as mulheres francesas estão entre as que mais trabalham na Europa (80% delas exercem alguma atividade remunerada). E, ao mesmo tempo, entre as mais férteis do Velho Continente. A taxa de natalidade na França deu um salto. Está em 2,01 filhos por mulher. Tudo indica uma retomada do gosto pela coisa. Vejam que fenômeno: essas mulheres encontram tempo para reclamar - essa é uma arte bem francesa -, trabalhar fora, ter filhos e atender aos apelos governamentais para renovar a população. Os franceses são práticos. As francesas, mais práticas ainda. Ter um segundo filho pode ser um ótimo negócio.

As ajudas governamentais para famílias com mais de um filho podem ser variadas. Um exemplo: ajuda-nascimento ou recepção à cegonha: 903,07 euros. Nasceu, ganhou. Basta precisar. Ou seja, estar na categoria dos que têm renda média ou baixa. Como uma criança não se limita a nascer, é preciso ajudar para que ela cresça com atenção. Até os três anos de idade, mais 180,62 euros por mês para despesas gerais. Até os seis anos de idade, a criança faz jus à "ajuda-babá". Os pais podem usar o dinheiro para colocar o filho numa creche, ter uma babá em casa e assistência à mãe. Tem mais? Claro. Em caso de desemprego, a família recebe mais 379,79 euros mensais como "complementação para atividades livres". Essa soma pode chegar a 560,40 euros. O tempo de duração do benefício varia de acordo com o número de filhos do casal. Dar Bolsa-Família é uma especialidade francesa.

Desde 2006, se pai ou mãe decidem ocupar-se em tempo integral de, ao menos, três filhos, a ajuda governamental pode ir de 620 a 840 euros. Os franceses descobriram que fazer filho é bom, satisfaz o Estado e garante uma graninha legal. A legislação francesa sobre o assunto é complicada e farta. Esse papo aqui é uma pista. As francesas engravidam mais a partir dos 30 anos de idade. É coisa pensada, calculada e madura. Moral da história: país desenvolvido dá Bolsa-Família mesmo. A França gasta até 120 bilhões de euros anuais com isso. Família é fundamental. Nada mais justo que dar um incentivo para todos se animarem a procriar. A educação é gratuita até o último dia de faculdade. Um exemplo constrangedor. Oui!

Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br

Das dez economias que crescerão mais em cinco anos, seis são africanas


Correio do Brasil


Seis das dez economias que mais crescerão nos próximos cinco anos ficam na África Subsaariana, de acordo com a revista britânica The Economist. Angola aparece em primeiro lugar, seguida da China. Os outros africanos da projeção são a Nigéria, Etiópia, o Chade, Moçambique e Ruanda. Para todos eles, a estimativa é de crescimento anual médio de cerca de 8%.
A África inteira ainda é responsável por apenas 2% da economia mundial. Mas, de acordo com a revista, as altas demandas da China por matéria-prima, junto com o alto preço das commodities, farão o continente ter mais importância no total de negócios. Petróleo, gás, outros minerais para componentes eletrônicos, além de madeira e gêneros agrícolas são alguns dos grupos de grandes compras chinesas.
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial da África, superando a União Europeia e os Estados Unidos. O volume de negócios entre a China e os países africanos bateu recorde em 2010, chegando a US$ 114,8 bilhões (aproximadamente R$ 194 bilhões), 43,5% mais que no ano anterior.
Outro fator é o alto investimento direto feito no continente – só pela China, mais de US$ 9,3 bilhões em 2009 (cerca de R$ 15 bilhões) – bem como o perdão de dívidas e as ajudas externas. A urbanização e a melhoria na gestão pública também são apontados como pontos a favor do crescimento africano.
Meio milhão de chineses deixaram seu país para trabalhar em mais de 500 projetos na África, em áreas como mineração, infraestrutura, manufaturas e tecnologia.
      
Nos últimos dez anos, o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) da África Subsaariana subiu para 5,7%, contra 2,4% nos 20 anos anteriores – mais que os 3,3% da América Latina, mas abaixo da Ásia, com 7,9%, fortemente influenciados por China e Índia. Sem os dois, os percentuais ficam próximos, diz a revista britânica.
Com o aumento de países em rápido crescimento, a África deve superar a Ásia em cinco anos. O Standard Chartered prevê crescimento anual de 7% para o bloco africano nos próximos 20 anos, mesmo com a maior economia – a África do Sul – crescendo menos que a média. De acordo com a revista, a Nigéria, maior exportadora de petróleo da África, pode ultrapassar os sul-africanos nos próximos 10 ou 15 anos.
      
Um dos problemas a serem enfrentados é criar vagas no mercado de trabalho para uma população que, estima-se, crescerá quase 50% até 2030. O problema é maior para as economias muito dependentes da extração mineral, que não expande vagas na mesma medida em que os negócios prosperam. Além disso, o preço das commodities, diz a Economist, deve cair nos próximos anos.
Lembrados como exemplos positivos estão Uganda e Quênia, que não baseiam a economia na exportação de minérios e conseguiram crescer nos últimos anos com base na integração regional e na conquista de fábricas.
Entre as dificuldades a serem superadas, diz a revista, estão a instabilidade política em muitos países, corrupção crônica, os gargalos na infraestrutura e a baixa escolaridade.
Outra questão é reverter essa velocidade de crescimento em menos pobreza para a população. O texto lembra que, em 1980, o ganho médio por habitante na África era quatro vezes maior que na China. Hoje, os ganhos dos chineses são três vezes maiores que os dos africanos.

sábado, 22 de janeiro de 2011

WIKIPÉDIA :O idealismo não remunerado

Por Timothy Garton Ash no stio Observatório da Imprensa
Reproduzido do Estado de S.Paulo, 16/1/2011, tradução de Terezinha Martino; título original "Wikipédia, idealismo não remunerado"
A Wikipédia completou dez anos ontem [sábado, 15/1]. É o quinto website mais visitado na internet. Mensalmente, cerca de 400 milhões de pessoas utilizam seus dados. Aposto que muitos leitores desta coluna estão entre elas. Você quer checar alguma coisa, entra no Google e, então, com mais frequência ou não, escolhe o link Wikipédia como o melhor caminho para sua pesquisa.
O que é extraordinário nessa enciclopédia livre, que contém hoje mais de 17 milhões de artigos em mais de 270 línguas, é que ela é quase que inteiramente escrita, editada e autorregulamentada por voluntários não pagos. Todos os outros websites também muito visitados são empreendimentos multibilionários. O Facebook, com 100 milhões a mais de usuários, está avaliado em US$ 50 bilhões.
Visite o Google no Vale do Silício e vai se encontrar num vasto complexo de edifícios de escritórios modernos, como a capital de uma superpotência. Ali pode existir ainda algumas peças divertidas de Lego no saguão, mas você terá de assinar um acordo de confidencialidade para passar pela porta de entrada. A linguagem dos executivos do Google gira estranhamente entre a de um secretário-geral da ONU e a de um vendedor de carros. Num momento falam de direitos humanos universais para, em seguida, discutirem o "lançamento de um novo produto".
A Wikipédia, ao contrário, é supervisionada por uma fundação não lucrativa. A Fundação Wikimedia ocupa um andar de um prédio comercial anônimo no centro de San Francisco . Você precisa bater forte na porta para alguém vir abrir. Dentro, a sensação que se tem é exatamente do que ela é: uma modesta organização não governamental internacional.
Fatos verificáveisSe o principal arquiteto da Wikipédia, Jimmy Wales, tivesse escolhido comercializar a empresa, hoje estaria bilionário – como Mark Zuckerberg, do Facebook. Colocar a Wikipédia sob a égide de uma organização não lucrativa foi, disse-me Jimmy, ao mesmo tempo a mais estúpida e a mais inteligente ideia que teve. Mais do que qualquer outro importante site global, a Wikipédia exala o idealismo utópico dos heróis da internet nos seus primeiros dias. Os "wikipédios", como eles se chamam, são homens e mulheres com uma missão. E essa missão está resumida na seguinte frase, que poderia ter sido de John Lennon, mas foi dita pelo homem que todos chamam de Jimmy: "Imagine um mundo em que todas as pessoas do planeta têm livre acesso à soma de todo conhecimento humano".
Achar que este objetivo utópico poderia ser atingido por uma rede mundial de voluntários, trabalhando sem ganhar nada, editando todos os assuntos, com as palavras que digitam se tornando visíveis para o mundo todo, era, naturalmente, uma ideia completamente maluca. Mas este exército maluco avançou extraordinariamente em apenas dez anos.
A Wikipédia ainda tem grandes deficiências. Os artigos variam muito, em termos de qualidade, de um tema para outro e de língua para língua.
Muitos dos artigos sobre personalidades são irregulares e desproporcionais. E isso ocorre porque depende muito de que um ou dois wikipédios sejam genuinamente conhecedores daquele assunto e língua particulares. Eles podem ser surpreendentemente bons em pontos obscuros da cultura popular, e muito fracos em algumas áreas de interesse dominante. Nas versões mais antigas (em inglês e alemão, por exemplo) as comunidades editoriais voluntárias, apoiadas por uma pequena equipe da fundação, melhoraram muito os padrões de confiabilidade e capacidade de comprovação, especialmente insistindo nas notas de rodapé com links para as fontes.
Sei que você ainda deve sempre checar a informação encontrada ali antes de citá-la em algum contexto. Um artigo na New Yorker sobre a enciclopédia fez uma distinção interessante entre conhecimento útil e conhecimento confiável. Um dos maiores desafios da Wikipédia na próxima década é reduzir o máximo possível esse fosso que separa o útil e o confiável.
Outro grande desafio é levar este empreendimento para além do Ocidente pós-iluminista, onde nasceu e continua, na maior parte, alojado. Um especialista disse-me que 80% de tudo o que é editado pela Wikipédia provém do mundo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico da ONU. A meta da fundação é chegar a 680 milhões de usuários em 2015 e espera que grande parte desse crescimento seja em lugares como Índia, Brasil e Oriente Médio.
Mas o enigma não é porque o site ainda tem claras deficiências, mas porque ele tem funcionado tão bem. Os wikipédios dão várias explicações para isso. A Wikipédia chegou relativamente cedo, quando não existia esse número incontável de sites para os usuários da internet passarem o tempo. Uma enciclopédia trata (principalmente) de fatos verificáveis, em vez de trazer meras opiniões – comuns na blogosfera. E, sobretudo, ela teve sorte com suas comunidades de editores colaboradores. Diante da escala do projeto, a equipe de editores regulares é muito pequena.
ColaboraçãoCerca de 100 mil pessoas colaboram em mais de 5 edições no mês, mas as grandes Wikipédias, mais antigas, como aquelas em inglês, alemão, francês ou polonês, são apoiadas por um grupo minúsculo de talvez 15 mil pessoas, cada uma oferecendo mais de 100 colaborações por mês. Na maior parte são jovens, solteiros e muito instruídos.
Como muitos dos sites globais conhecidos, a Wikipédia tem a vantagem de estar sediada no que o seu conselheiro Mike Godwin descreve como "o oásis da liberdade de expressão chamado EUA". Todas as enciclopédias em línguas diferentes, não importa onde seus editores vivem e trabalham, são fisicamente hospedadas nos servidores da fundação nos EUA. E têm as proteções legais oferecidas pelas leis americanas de liberdade de expressão.
Civilidade é um dos cinco pilares da Wikipédia. Desde o início, Jimmy diz que deve ser possível combinar honestidade com boas maneiras. Indivíduos mal-educados são contatados e o problema é debatido com eles. Depois, eles são advertidos antes de, caso persistam, serem banidos. Se uma comunidade de uma língua for além da conta, a fundação tem poder para eliminar seus disparates do servidor. (A Wikipédia é uma marca protegida legalmente, enquanto que os Wiki alguma coisa não o são; é o caso do WikiLeaks, que não tem nada a ver com a Wikipédia nem é um wiki).
Não sabemos se o ataque a tiros em Tucson, Arizona, foi diretamente um produto da incivilidade corrosiva do discurso político americano, como ouvimos nas entrevistas de rádio e TV. Um louco pode ser simplesmente louco. Mas essa virulência política diária que observamos nos EUA é um fato inegável.
Diante desse pano de fundo deprimente, é bom comemorar uma invenção americana que, apesar de todas as suas falhas, tenta difundir pelo mundo uma combinação de idealismo não remunerado, conhecimento e uma obstinada civilidade.

O verdadeiro Gramsci: Revolucionário comunista


Hoje, fala-se e escreve-se muito sobre Antonio Gramsci. Muito. É indubitavelmente algo positivo. Na segunda metade do século 20, Gramsci foi o político italiano de quem mais se falou e escreveu.


Por Maurizio Nocera*, em L´Educazione Gramsciana, via vermelho
Tradução: José Reinaldo Carvalho

Seguramente, não se fez tanto sobre o liberal Benedetto Croce ou sobre o fascista Giovanni Gentile, os dois filósofos políticos da burguesia dos quais os manuais se interessam como os pensadores máximos do século 20, nem se fez o mesmo sobre políticos como Alcide De Gasperi e o próprio Palmiro Togliatti, este último durante muitos anos secretário-geral do Partido Comunista Italiano e altíssima personalidade política do nosso país.
 
Leia também: Por que se continua a falar e escrever tanto sobre Gramsci? Simplesmente porque as modas passam e, ao contrário, as ações e os exemplos de alguns homens permanecem e perduram no tempo.

A quem interessaria hoje a filosofia do espírito de Croce, ou a especulação sobre o “pensamento pensante” de Gentile? Águas passadas sob a ponte, águas derramadas para sempre no grande mar da história de todos os tempos, útil talvez para rever de tempos em tempos, como cultura histórico-filosófica, jamais como algo inédito, de experimentável. É fato consumado, visto, discutido, superado.

Outra coisa, contudo, foram as ações políticas e o pensamento especulativo do grande sardo na primeira metade do século passado, pensamento e prática que não encontraram aplicação, porque esmagados no nascedouro, decepados pelo fascismo mussoliniano, que atuava como a versão mais obscura da burguesia italiana. O Gramsci comunista, que lutava pela conquista de uma nova sociedade, pela construção de uma sociedade socialista, devia ser parado, preso.

Dois mil e quinhentos anos atrás, um pouco por fabulação, mas também um pouco com base naquilo que era a realidade concreta daquele tempo, Platão pensou um tipo de nova sociedade, um estado ideal perfeito, que chamou de República e que estruturou para as classes compostas por produtores, defensores e pensadores.

Já se disse que aquela ideia platônica não era senão utopia, fruto do pensamento humano. Isto é o que se pensava e se acreditava durante milênios. Mas se hoje olhamos para as repúblicas modernas nas quais vivemos, como são estruturadas? É de maneira diferente da que pensava Platão? Não me parece. Platão tinha pensado em uma sociedade impossível de realizar-se em seu tempo, mas não excluía a sua exeqüibilidade futura.

Que quero dizer com isso? Simplesmente que o estado idealizado pelo grande filósofo ateniense, embora com altos e baixos e ziguezagues, sucessivamente, ao longo dos séculos, torna-se realidade, que experimentou as diferentes formas de governo idealizadas: a timocracia (plutocracia), a aristocracia, a tirania, a democracia e outras formas intermediárias entre uma e outra.

No seu complexo, a humanidade viu e experimentou na própria pele estas diferentes formas de governo, pelo menos a partir da revolução burguesa de 1789: república presidencialista, república militarista, república democrática, república de conselhos, república totalitária. Nestes anos, que vão de 1945 até hoje, no centro do debate político italiano sempre tem havido momentos de luta institucional muito elevados: a defesa da Constituição republicana dos ataques por parte daqueles que jamais quiseram reconhecê-la e dos que, mesmo reconhecendo-a, nada fizeram para aplicá-la.

Se esta não aplicação é um ponto de referência, o que dizer agora de tudo quanto aconteceu antes daquele histórico evento que viu os comunistas combaterem na primeira linha pela liberdade e a democracia em nome de Antonio Gramsci e Giuseppe Garibaldi? Simplesmente que aquela parte da história política do início do século passado, o que foi pensado, escrito e compreendido na luta política de Antonio Gramsci e dos comunistas nos anos precedentes ao advento do fascismo, não foi jamais aplicado porque esmagado no nascedouro.

A internacional da burguesia, como também suas ramificações periféricas nacionais, sempre tiveram horror de que aquelas ideias políticas encontrassem o mínimo trânsito para sua completa realização, por isso sempre misturaram as coisas com o objetivo de apagar definitivamente a aspiração da classe operária e do povo italiano à conquista da nova sociedade, mais avançada socialmente, mais igualitária no plano dos direitos.

Hoje sabemos que a única sociedade experimentada pela humanidade a ter tais requisitos é a sociedade socialista. Isto ainda não aconteceu na Itália. Primeiro o impedimento foi o fascismo, braço armado executor direto da burguesia mais reacionária, depois sobreveio um longo período de inter-classismo democrata-cristão, no qual a política italiana não era orientada e dirigida pelos italianos mas pelos chefes do imperialismo estadunidense.

Alguém até hoje crê que isto durará eternamente e que as ideias de Antonio Gramsci sobre a nova sociedade já são águas passadas. Ilude-se, porque a história dos homens e mulheres que vivem em nosso planeta é como o vento que antes ou depois varre aquilo que se torna naturalmente obsoleto, seco, inadequado, fora do tempo.

Há mais de 70 anos, políticos, filósofos, historiadores, intelectuais geralmente entendidos, fazem conferências e escrevem sobre o fundador do Partido Comunista da Itália em 1921. Fazem-no sobre a base de diferentes exigências de tipo histórico-sociológico ou político.

Todos, entretanto, são obrigados a dar de Antonio Gramsci uma imagem de homem coerente, cuja vida foi caracterizada pelo empenho constante e luta política pela emancipação e o resgate do proletariado italiano e internacional. Todos têm liberdade para construir a imagem que quiser sobre Gramsci. Mas liberdade de pensamento, de ação e de organização política deve ter também quem pensa em ser comunista e, com isto, pensa no Gramsci fundador de um movimento e de um partido que lutam pela transformação da presente ordem das coisas.

Lendo tudo quanto se escreve hoje sobre o grande sardo, corre-se o risco de não compreender por que ele foi preso, por que o fascismo foi tão implacável contra este homem. Para alguns politiqueiros filósofos, o verdadeiro motivo pelo qual Gramsci acabou sua vida preso, deveria ser debitado aos seus próprios companheiros.

Algum outro se atreve mesmo a dizer que o culpado foi o próprio Stálin, ou pelo menos sua política de defesa da teoria da construção do socialismo em um só país. Credulidade. A verdadeira realidade é que sempre os revisionistas, quando não mentem despudoradamente, envergonham-se de afirmar que Gramsci foi perseguido, preso, encarcerado, recluso por 11 anos, quase sempre em solitária, simplesmente porque era comunista, simplesmente porque era defensor dos direitos da classe operária, simplesmente porque era defensor das melhores tradições e da história da luta pela emancipação do povo italiano.

Que paradoxo é a vida e que miséria é certa política! Quem, hoje, por motivo de trabalho, estudo ou luta política tenha que estudar a história recente de nosso país, não poderá deixar de encontrar em seu percurso de estudioso a história política do comunista Antonio Gramsci, o peso político e científico do seu pensamento marxista-leninista sobre a vida política e cultural italiana.

Até mesmo os neofascistas, herdeiros políticos dos executores materiais da sua eliminação física, até eles são forçados a fazer, mesmo que seja de modo instrumental, considerações sobre Gramsci. Mas no que se refere aos revisionistas de todos os tipos, cuidam de apresentar uma imagem de Gramsci como se ele tivesse sido obrigado pelas circunstâncias a se tornar comunista, um Gramsci substancialmente distanciado da luta de classes, isolado na prisão, que tinha perdido contato com a realidade.

A operação mais desajeitada é aquela que consiste em tentar dar crédito à imagem de um Gramsci de antes de 1926 (ano da sua prisão) e de um Gramsci depois da prisão até 1937. Os revisionistas apontam no sentido de separar verticalmente os dois períodos (já vimos fazerem isto com Marx, Lênin, a União Soviética, o campo socialista) na vã tentativa de fazer aceitar um Gramsci dividido: o primeiro, jovem e, como todo jovem, impetuoso e levado a se colocar em cena; este seria o Gramsci defensor da ocupação de fábricas pela classe operária organizada nos conselhos de fábrica e o Gramsci fundador do PCI e líder dos comunistas italianos. É evidente que para esses senhores, este Gramsci deve ser descartado, esquecido, obnubilado.

O segundo Gramsci, aquele dos “Cadernos do Cárcere”, pelo contrário, pode ser lido, pensado, meditado fora do contexto da luta de classes, na vã esperança de que não seja compreendido até o fim por aquilo que efetivamente ele foi e o quanto pesa ainda hoje o seu pensamento político. As suas mil e uma circunvoluções liquidacionistas tendem, como uma armadilha, a fazer Gramsci aparecer apenas como um pensador político asséptico, cuja ação se diluiu no próprio tempo da sua vida.

É uma lógica canhestra aquela em que me parece até mesmo Luciano Cânfora caiu com seu último livro “Sobre Gramsci” (Datanews/alcazar, maio 2007). Ele apresenta honestamente um Gramsci comunista, em linha com o pensamento leninista, mas também um pouco asséptico, sobre um fundo político em que a luta de classes deve ser apenas imaginada, porque o autor não faz o leitor enxergá-la; para ele, no fundo, Gramsci é um pensador político cujas teses, no plano da teoria, não são no momento criticáveis, mas as teses de um Gramsci que ele estuda e discute como um estudioso, em particular um estudioso do mundo antigo.

Mas aquilo que mais me surpreende do seu breve ensaio é ter reportado declarações referidas em algumas teses de conhecidos falsificadores da história como Isaac Deutscher e François Furet. A análise da leitura de Canfora sobre o pensamento marxista-leninista de Antonio Gramsci parte da crítica de diferentes revisionismos, mas ele foge da natureza perniciosa do revisionismo-pai de todos os demais, o revisionismo de tipo kruchoviano-gorbachoviano, que se encontra na base de não poucas catástrofes.

É por este motivo que se pergunta: por que e para quem Luciano Cânfora escreveu o seu ensaio “Sobre Gramsci” ? Estava lendo o texto de Canfora quando me veio à mente Luigi Russo, um não marxista, reitor da Universidade Normal de Pisa, que pronunciou o discurso “Descoberta de Antonio Gramsci” perante os estudantes na máxima universidade italiana em 27 de abril de 1947 (cf. “Belfagor”, ª XLIII, nº 2, 31 março de 1988, págs. 145-166).

Magistério sublime o que Luigi Russo escreveu: “Gramsci é um homem de um partido político que não é o meu [...], mas ele foi um grande militante desta fatigada democracia, à qual hoje todos os homens de boa vontade e de boa fé querem dar a sua contribuição e nesta aproximação e fraternidade dos ideais corre-se de fato com maior trepidação humana para aqueles que não conhecemos e cujas cartas percorremos com curiosidade febril, porque, para além da fé política de cada um, queremos advertir aquilo que foi o motivo comum da revolta ideal que nestes últimos vinte e cinco anos temos experimentado, desconhecidos um do outro, mas estranhamente íntimos e próximos um do outro, por uma Itália e uma Europa melhores”. (Pág. 147)

* Maurizio Nocera é escritor e membro do Centro Gramsci

Falta vontade política para resolver problemas de Honduras, diz ativista de direitos humanos

Giorgio Trucchi no OperaMundi
 
Bertha Oliva é fundadora do Comitê de Familiares de Detidos Desaparecidos em Honduras (Cofadeh), organização pró-direitos humanos surgida há 29 anos. Oliva sofreu na própria pele a violência e a impunidade daqueles anos. O marido, Tomás Nativí Galvez, dirigente da União Revolucionária do Povo (URP), foi sequestrado e desapareceu na noite de 11 de junho de 1981, quando ela estava grávida de três meses. Naquele momento, Oliva iniciou uma longa e incansável luta em defesa dos direitos humanos dos hondurenhos, o que lhe custou perseguições, intimidações e ameaças constantes.

A longa trajetória de compromisso pessoal com Honduras foi um dos principais motivos que levaram o governo da Holanda a lhe conceder o Prêmio Tulipa dos Direitos Humanos 2010. Logo após receber o prêmio, Oliva conversou com Opera Mundi sobre o momento atual vivido por Honduras e ressaltou a necessidade de lembrar a sociedade hondurenha dos perigos que rondam o país desde os anos 1980.

Qual é a relação de Honduras com a memória histórica e coletiva?
 
O povo não pode e não deve esquecer o que aconteceu a partir dos anos 1980 e o que continua acontecendo agora, depois do golpe de Estado. Há uma dívida pendente e é preciso educar o povo. Esta educação serve justamente para não esquecer, para observar e estudar os fenômenos sociais que vimos enfrentando há muitos anos, porque os violadores, os torturadores, os represores, são os mesmos. O que muda são só os nomes das novas vítimas. Além disso, serve para criar novas sociedades, para construir gradualmente um tecido social no qual os jovens sejam capazes de entender as dinâmicas de ontem e de hoje, envolver-se em um processo de mudança da sociedade. O que também estamos fazendo é resgatar a memória no âmbito da região centro-americana inteira, para criar aos poucos uma transferência geracional, para uma juventude comprometida e consciente em toda a região, e isto mantém viva a esperança.

Na cerimônia de entrega do Tulipa 2010 em Haia, a senhora falou de esperança e de sonhos. Quais são estes sonhos para a Honduras de hoje?
 
A esperança é poder conquistar mudanças reais em nossa sociedade e, para que isto seja possível, não podemos aceitar que se negocie a justiça. Quando uma pessoa mantém esta esperança, pode sonhar, e é preciso continuar construindo os sonhos, mesmo que seja em um momento tão difícil quanto este que vivemos, com uma reacomodação das forças poderosas e oligárquicas em âmbito planetário. Por esta esperança, por este sonho pode-se também morrer. Morrer pela esperança, semeando este novo tecido social de dignidade, conhecimento e compromisso. Não importa quanto sacrifício é necessário.

A senhora também falou de verdade e justiça, algo muito distante da realidade em seu país...
 
Em Honduras, é preciso deixar de ser hipócrita. Devemos reunir os diferentes setores e vislumbrar objetivos comuns para poder desenhar uma estratégia. O que os arquitetos do mal fazem é dividir as forças sociais, e esta é uma arma que funciona. Temos vontade de encontrar a verdade e a justiça, mas precisamos nos manter unidos.

O Cofadeh acaba de completar 29 anos de existência. Qual a importância do trabalho desenvolvido por esta organização?
 
Ser parte da história do Cofadeh, vê-lo crescer, desenvolver-se, viver todos esses momentos, muitos dos quais foram muito difíceis, não foi fácil. Mas foi uma escola para mim. Nos primeiros anos, ninguém falava de direitos humanos. Era algo desconhecido e sofríamos todo tipo de ataque. As perseguições, ameaças, infiltrações, desqualificações, os julgamentos nos tribunais eram a ordem do dia, e dias muito difíceis viriam. Tivemos de ser fortes, nos sacrificar, e conseguimos porque estamos seguros de nossa tarefa, porque há um povo que está conosco, porque o Cofadeh é uma casa aberta, construindo história, verdade, exigindo justiça, com amor e esperança.

Qual é a situação dos direitos humanos em Honduras?
 
É uma realidade extremamente grave. Mantém-se uma política de Estado tenebrosa, cínica e mentirosa. Os últimos meses foram muito sangrentos, com muita pressão social e muita repressão por parte dos agentes do Estado e de grupos paramilitares, como por exemplo contra as organizações camponesas do Bajo Aguán. O presidente Porfirio Lobo criou a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e quer promover uma Comissão Internacional contra a Impunidade, para limpar a imagem do regime, reintegrar Honduras à OEA (Organização dos Estados Americanos) e ter acesso a fundos internacionais. É preciso estar atento, pois são instâncias que serão controladas pelos mesmos autores do golpe. O que não vemos é a vontade política para mudar as coisas.

Em algum momento a senhora teve medo de perder a vida?
Fui ameaçada insistentemente, mas perdi o medo na noite em que Tomás (Nativí) foi "desaparecido". A dor e o desejo de saber o que havia acontecido com ele venceram o medo. E hoje as injustiças cometidas a cada dia contra a população me fazem vencer o medo. Não creio que esteja a salvo, mas não deixarei de fazer o que acho certo. Não vou sucumbir ao medo e às ameaças, porque preciso saber, caminhar, acompanhar, não desistir, pois acredito na causa dos direitos humanos, abracei todo o sofrimento do povo do passado e convivo com a dor do povo do presente. Entrei em um caminho que não tem volta e não quero voltar. Ao contrário, quero avançar.

Desde sua criação, em 2008, o Prêmio Tulipa foi concedido a mulheres. A senhora acredita que isso tenha algum significado em particular?
 
Simplesmente acho que chegou a vez das mulheres. Sempre acreditei que os seres humanos, homens e mulheres, que se comprometem com a causa dos direitos humanos são extraordinários e extraordinárias. Como mulher, tive de enfrentar momentos difíceis, porque o machismo é muito forte e não gosta de reconhecer as vitórias das mulheres. E quando uma mulher se sobressai, há muitos problemas, porque não nos consideram capazes de dar tudo em troca de nada, só por amor à justiça.

China controla 21% da dívida americana


Pepe Escobar, Asia Times Online

Extraído do Blog do Azenha

Ninguém menos que Zbigniew Brzezinski, eminente guru de política exterior dos EUA e homem que deu à ex-URSS “seu Vietnã”, trovejou pelo New York Times que a reunião dos presidentes Barack Obama e Hu Jintao é “o mais importante encontro de alto-nível EUA-China desde a viagem histórica de Deng Xiaoping, há mais de 30 anos”.
O Dr. Zbig bem poderia ter expandido a hipérbole até as mudanças geopolíticas de alcance cósmico desses recentes 30, para não dizer 40 anos, se se considera o encontro histórico entre Richard “Dick, o Escamoso” Nixon e o Grande Timoneiro Mao Tse Tung em 1972, em Pequim.
Mas é realmente graças ao Pequeno Timoneiro Deng e sua política visionária de “atravessar o rio sentindo as pedras”, vendida às massas proletárias como rasteiro “enriquecer traz glória!”, que a China está onde as coisas acontecem no início desse século 21.
O que nos traz de volta à atual reunião da cúpula G-G, Google-GM. Sim, para as massas globais que labutam de sol a sol, trata-se exatamente disso. A China é como Google. Não se pode viver sem ela. Se alguém procura alguma coisa, qualquer coisa, clica Google. E os EUA são como a General Motors. Com tanto para ostentar, do prático (Hyundai) ao glamuroso (Aston Martin), quem, em pleno juízo, quererá comprar carro da GM? (OK, empresários bem-sucedidos em Chengdu, sim, compram Buicks made-in-China, mas esse é outro assunto.)
Ninguém jamais conseguirá exagerar o escambo enlouquecido que se instalou há semanas nos domínios de todos os presidentes que servem em Wall Street, para garantir um assento no jantar oficial – imperial – na Casa Branca, em homenagem a Hu. Já é um dos movimentos que definiram o jovem século – troncudos defensores anglo-saxões do laissez faire transformados em ardentes defensores do capitalismo autoritário à moda chinesa. O que mais poderiam fazer? Afinal, a China salvou o turbo-capitalismo ocidental – o que serve à perfeição aos planos do Pequeno Timoneiro. Para não dizer que a China controla 21% – e a conta continua a aumentar – de toda a dívida pública dos EUA, e o Banco Central chinês nada de braçada em 25% das reservas do mundo.
Hu por seu lado agiu – e de que outro modo poderia ter agido? – imperialmente; os dois nomes que encabeçam sua lista de convidados são os prefeitos de San Francisco e Oakland, os primeiros dois sino-americanos a governar metrópoles norte-americanas. Quantos norte-americanos puro-sangue matariam para sentar àquela mesa. Afinal, 44% deles, segundo pesquisa Pew recentemente divulgada, acreditam que o PIB chinês já ultrapassou o dos EUA (pode acontecer a qualquer momento, entre 2018 e 2027). A percepção já faz a realidade.
Não se acanhe, bronzeie-se na minha luz[1]
O Dr. Zbig acerta no fundamental, sobre as relações EUA-China, ao alertar sobre “a deriva rumo a uma escalada na demonização recíproca”. Acerta também ao denunciar a deterioração da infraestrutura nos EUA, para ele “simples sintoma do retrocesso dos EUA de volta ao século 20”. Mas pode-se apostar e ganhar caixas de Moët, na certeza de que nenhum daqueles presidentes de Wall Street que disputam à unha as migalhas que caiam da mesa de Hu perdeu alguma hora de sono, tentando achar meios para revitalizar a economia doméstica, inventar empregos e recompor a infraestrutura – para nem falar do investimento e da educação – nos EUA.
Como efeito colateral da crise financeira provocada por Wall Street, a China embarcou em muitos projetos de infraestrutura. Diferente da China – onde o governo central realmente governa – Washington continua esperando que os bancos norte-americanos emprestem. E os bancos, como todo mundo sabem, não estão nem aí.
Apesar de todas as platitudes usuais da imprensa sobre um relacionamento “tenso”, não haverá qualquer conversação sobre a desvalorização competitiva do yuan. O secretário do Tesouro Tim Geithner em pessoa já admitiu que Pequim desvalorizou o yuan em cerca de 10% ao ano, em valor real.
Nem Obama terá espaço e condições para pressionar a China na questão da Coreia do Norte. A Coreia do Sul pode resolver querer a unificação. O Japão teme mais a reunificação, que a peste – imaginem uma Coreia unificada, poderosa, dinâmica, unida, que rapidamente empurraria o Japão para o escanteio da irrelevância global. Pequim quer que tudo permaneça exatamente como está.
E há também a resposta chinesa à doutrina do Pentágono, de “dominação de pleno espectro” – os novos bombardeiros J-20 chineses, de tecnologia stealth [‘invisíveis’], cruzando o céu azul-inverno da cabeça de Robert ‘El Supremo’ Gates do Pentágono, semana passada. Gates imediatamente entrou em modo preventivo e declarou, para os autos, que os chineses não dominarão a tecnologia antes de 2020. Mas não faz diferença – como tampouco faz qualquer diferença o frenesi jornalístico, de que haveria ‘divergências’ entre o partido e o exército na China.
Qualquer técnico especialista em Relações Públicas de Hollywood admitiria que a foto do J-20 chinês foi montada. Foi operação cuidadosamente coordenada, co-produção entre o Partido Comunista Chinês e o Exército do Povo. E, como Mestre de Cerimônias, quem lá estava, senão Xi Jinping, certo de que será o próximo líder chinês, depois que Hu deixar o cargo em 2012. Quando você tem o USS George Washington fungando a todo momento no seu litoral, melhor arranjar logo algum stealth. E o próximo sucesso chinês arrasa-quarteirão é o porta-aviões agendado para 2014.
John Ikenberry de Princeton define os EUA como um “leviatã liberal”. E sobra o quê, para a China? Seria algum “leviatã autoritário”?
Seja como for, o que se ouve em Washington é que a equipe do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca – coordenada pelo Conselheiro de Segurança Nacional Thomas Donilon – está suando a camisa, fazendo o possível para arranjar alguma estratégia racional para a questão China. Mas é pouco provável que algum esboço, que circunscreva todas as candentes questões em que se envolveu esse Grupo de Dois, venha a emergir do contato de cúpula.
Ian Morris, professor de história e classicismo em Stanford, abre seu esplêndido livro Why the West Rules – For Now  [Por que o Ocidente governa – Por Enquanto] (New York: Farrar, Straus & Giroux
[2]) com um relato ficcional de uma reverência da rainha Vitória, em 1848, a Qiying, enviado do Imperador Daoguang, nas docas da “East India” em Londres – prestando uma última homenagem à suserania imperial. Claro que a história decidiu por outra via. Mas, diriam os chineses, aproveitando a deixa dos executivos de Wall Street que salivam à volta de Hu, esperemos uns anos e depois conversaremos. Até lá, o mundo continuará a seguir a trilha de Google, não da GM.
NOTAS

[1] Orig. “Feel free to bask in my glow”. É fala do rei Julien, dos Lêmures, em Madagascar (2005, desenho de animação).
[2] Resenha no New York Times, 12/12/2010, em  http://www.nytimes.com/2010/12/12/books/review/Schell-t.html (em inglês).

Ministra da Cultura inicia guerra ao livre conhecimento


A ministra da Cultura Ana de Holanda lançou uma ofensiva contra a liberdade do conhecimento. Na quarta-feira pediu a retirada da licença Creative Commons do site do Ministério da Cultura, que na gestão de Gilberto Gil foi pioneiro em sua adoção no Brasil.


Por Renato Rovai, em seu blog via Vermelho

O exemplo do MinC foi àquela época fundamental para que outros sites governamentais seguissem a mesma diretriz e também publicassem seus conteúdos sob essa licença, como o da Agência Brasil e o Blog do Planalto.

A decisão da ministra é pavorosa porque, entre outras coisas, rasga um compromisso de campanha da candidata Dilma Roussef. O site de sua campanha foi publicado em Creative Commons o que denotava compromisso com esse formato.

Além desse ato simbólico, que demonstra falta de compromisso com o livre conhecimento, a ministra pediu o retorno ao Ministério da Cultura do Projeto de Lei de Revisão dos Direitos Autorais, que depois de passar por um debate de sete anos e uma consulta pública democrática no governo Lula, estava na Casa Civil para apreciação final e encaminhamento ao Congresso Nacional.

O que se comenta é que a intenção da ministra é revisar o projeto a partir das observações do Ecad, um órgão cartorial e que cumpre um papel danoso para a difusão da cultura no Brasil.

Para quem não conhece, o Ecad é aquele órgão que entre outras coisas contrata gente para fiscalizar bares e impedir, por exemplo, que um músico toque a música do outro. É uma excrescência da nossa sociedade cartorial.

Este blog também apurou que Ana de Holanda pretende nomear para a Diretoria de Direitos Intelectuais da Secretaria de Políticas Culturais o advogado Hildebrando Pontes, que mantém um escritório de Propriedade Intelectual em Belo Horizonte e que é aliado das entidades arrecadadoras.

Como símbolo de todo esse movimento foi publicado ontem no site do Ministério da Cultura, na página de Direitos Autorais, um texto intitulado “Direitos Autorais e Direitos Intelectuais”, que esclarece a “nova visão” do ministério sobre o tema. Vale a leitura do texto na íntegra , mas segue um trecho que já esclarece o novo ponto de vista:

“Os Direitos Autorais estão sempre presentes no cotidiano de cada um de nós, pois eles regem as relações de criação, produção, distribuição, consumo e fruição dos bens culturais. Entramos em contato com obras protegidas pelos Direitos Autorais quando lemos jornais, revistas ou um livro, quando assistimos a filmes, ou simplesmente quando acessamos a internet.”

Essa ofensiva de Ana de Holanda tem várias inconsistências e enseja algumas perguntas:

A principal, o governo como um todo está a par desse movimento e concorda com ele?

Afinal a presidenta Dilma Roussef se comprometeu, como Ministra da Casa Civil e candidata à presidente da República, a manter o processo de revisão dos direitos autorais e promover a liberdade do conhecimento. E um desses compromissos foi firmado na Campus Party do ano passado, em encontro com o criador das licenças Creative Commons, Lawrence Lessig.

O atual ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, quando candidato ao governo de São Paulo, também se comprometeu com esta luta, inclusive numa reunião que contou com a presença deste blogueiro, na Vila Madalena, em São Paulo.

O que a atual presidenta e o ministro Mercadante pensam desta inflexão?

E o pessoal do PT ligado à Cultura, o que pensa disso?

Muitos dos militantes petistas da área comemoraram a indicação de Ana de Holanda.

Alguns entraram em contato com este blog para dizer que os compromissos anteriores não seriam rasgados.

E agora, o que eles pensam dessas decisões da ministra?

Dilma Roussef foi eleita também para dar continuidade ao governo Lula. Se havia interesse em revisar certas diretrizes na área da Cultura e que vinham sendo implementadas com enorme sucesso e repercussão nacional e internacional, isso deveria ter ficado claro. Isso deveria ter sido dito nos diversos encontros que a candidata e gente do seu partido tiveram com esses setores.

Essas primeiras ações do MinC não são nada alentadoras. Demonstram um sinal trocado na política do ministério exatamente no que de melhor ele construiu nos anos de governo Lula.

Não há como definir de outra forma essa mudança rota: é traição com o movimento pela democratização da cultura e da comunicação.

A ministra precisa refletir antes de declarar guerra a esse movimento social.

E o PT precisa assumir uma posição antes que seja tarde.

Porque na hora H, não é com o povo do Ecad e com o da indústria cultural que ele conta.

PS: Conversei com um amigo que entende de conteúdos licenciados em Creative Commons e ele me disse que a decisão da ministra de mudar o licenciamento do site vale exatamente nada no que diz respeito ao que foi produzido na gestão anterior.

Aquele conteúdo foi ofertado em Creative Commons e o Ministério não pode simplesmente revogar a licença de uso.

Se isso for feito, o Ministério infringe a licença Creative Commons e se torna um infrator de direitos.

Patrice Lumumba, um herói africano

Carlos Lopes Pereira*no Odiario.info
 
Fez no passado dia 17 de Janeiro 50 anos que Patrice Lumumba foi assassinado. Com este texto do jornalista Carlos Lopes Pereira, odiario.info não só evoca o crime do colonialismo belga e do imperialismo norte-americano, como presta homenagem a “um herói da libertação africana cujo legado se mantém actual e inspira novas lutas pela emancipação social dos povos do continente e de todo Mundo.”

Faz agora meio século. Foi a 17 de Janeiro de 1961 que agentes do colonialismo belga e do imperialismo norte-americano, com a conivência de traidores congoleses, assassinaram de forma bárbara Patrice Lumumba, combatente da independência da sua terra e primeiro chefe do governo da República do Congo. Apesar de ter desaparecido há 50 anos, ainda muito jovem, a sua figura emerge hoje como a de um patriota íntegro e corajoso, de um lutador anticolonialista e anti-imperialista. Em África, na Ásia e na América Latina, diferentes gerações de revolucionários admiram-no, a par de Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral, Agostinho Neto ou Samora Machel, como um herói da libertação africana cujo legado se mantém actual e inspira novas lutas pela emancipação social dos povos do continente e de todo Mundo.
A biografia de Patrice Lumumba pode ser resumida em poucas linhas. Nasceu em 2 de Julho de 1925, filho de camponeses pobres, na aldeia de Onalua, na província do Kasai, na então colónia do Congo Belga (mais tarde República do Congo, depois Zaire e hoje República Democrática do Congo). Fez os estudos primários numa escola missionária católica - a única possibilidade para muitos jovens africanos da época - e, na juventude, trabalhou como funcionário dos correios e empregado de algumas companhias belgas.
A partir dos 23 anos participou activamente na vida política da sua terra, então uma possessão belga, desenvolvendo os seus ideais independentistas e sofrendo com isso a repressão dos colonialistas belgas - esteve várias vezes preso. Foi sindicalista, escreveu em jornais como o «Uhuru» («Liberdade») e «Independance» e, em 1958, fundou e tornou-se líder do maior partido nacionalista congolês, o Movimento Nacional Congolês (MNC) - o único constituído em bases não tribais.
Em 1958-1959 assistiu, em Accra, capital do recém-independente Gana, de Nkrumah, à primeira conferência pan-africana dos povos - onde foi eleito para o seu secretariado permanente -, e em Ibadan, na Nigéria, a um seminário internacional sobre cultura, onde fez um discurso defendendo a unidade africana e a independência nacional.
No começo de 1960, em Bruxelas, participou na conferência belga-congolesa em que foi acordada, entre os nacionalistas congoleses e a potência colonial, a independência do Congo, imposta pela longa resistência popular e pelas reivindicações das forças nacionalistas.
Nas eleições parlamentares de Maio de 1960, o MNC e partidos que o apoiavam conquistaram a maioria dos votos. A 30 de Junho o Congo tornou-se independente e Patrice Lumumba foi nomeado primeiro-ministro do governo da república. O seu discurso nesse dia permanecerá nos anais da diplomacia mundial como uma peça oratória magnífica, em que o jovem dirigente africano, na presença do rei Balduíno, da Bélgica, e de outros dignitários estrangeiros, denunciou abertamente os crimes hediondos do colonialismo belga sobre o povo congolês e traçou as perspectivas do futuro Congo, liberto das grilhetas da dominação estrangeira.
Em Setembro desse ano Lumumba foi demitido pelo presidente Kasavubu, apoiado pelos Estados Unidos e por militares golpistas comandados por um certo coronel Mobutu. Em Novembro é preso e, a 17 de Janeiro de 1961, depois de meses de detenção ilegal, é barbaramente torturado e assassinado. Não tinha ainda completado 36 anos e idade.
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Historiadores e jornalistas que investigaram as circunstâncias do assassinato de Patrice Lumumba convergem na descrição do que se passou nesse deplorável 17 de Janeiro de 1961.
De manhã, a polícia política mobutista foi buscar Lumumba à prisão de Thysville e meteu-o num avião, com mais dois companheiros, Mpolo e Okito, enviando-os para a capital do Katanga «independente». Durante a viagem para Elizabethville (depois Lubumbashi), os presos sofreram agressões selváticas e, chegados ao aeroporto, foram recebidos por militares secessionistas catangueses e mercenários belgas. Atirados para dentro de um jipe e levados para uma quinta próxima, foram fuzilados nessa noite por um pelotão comandado por um oficial belga. Os seus verdugos fizeram desaparecer os corpos de Lumumba e seus dois companheiros.
Mais tarde, uma comissão das Nações Unidas encarregada de investigar o assassinato do jovem líder congolês responsabilizou pelo crime a administração de Léopoldville chefiada pelo então presidente Kasavubu e onde pontificava já Mobutu; as autoridades do Katanga; responsáveis da empresa belga Union Minière du Haut Katanga; e um grupo de mercenários ao serviço de Tchombé, líder dos secessionistas catangueses.
É conhecido também que uma outra comissão, esta do Senado dos Estados Unidos, que em meados dos anos Setenta do século passado investigou as actividades dos serviços de «intelligence» norte-americanos, descobriu que a CIA organizou em Agosto de 1960 - o Congo era independente há apenas dois meses! - uma conspiração com o «objectivo urgente e prioritário» de assassinar o primeiro-ministro congolês. Para Allen Dulles, o então director dos serviços secretos norte-americanos, Patrice Lumumba era «um perigo grave» que os Estados Unidos tiveram que eliminar.
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O afastamento de Lumumba da chefia do governo, a sua prisão e o seu assassinato foram o resultado conjugado dos interesses do colonialismo belga - que, apesar da independência do Congo, continuou a pretender explorar a seu bel-prazer as riquezas do país - e da intervenção do imperialismo norte-americano, através da CIA - o jovem primeiro-ministro era considerado por Washington um «esquerdista», simpatizante da União Soviética -, coniventes com as Nações Unidas e com sectores da burguesia congolesa que não hesitaram em trair o seu povo e aliar-se à dominação estrangeira.
Um factor decisivo da tragédia congolesa foi a secessão do Katanga, província congolesa rica em minérios, que Moisés Tchombé proclamou independente do Congo, financiado pela companhia Union Minière e com apoio de soldados belgas e de mercenários. O presidente Kasavubu e o primeiro-ministro Lumumba apelaram à intervenção das Nações Unidas, que enviou uma pequena força para o país, sem conseguir evitar a guerra civil, que se prolongou até 1964. No ano seguinte, neste contexto de prolongada conflitualidade, Mobutu assumiu a liderança do país, rebaptizado como Zaire, e implantou uma ditadura sangrenta, reinando despoticamente até 1997, como um fantoche dos Estados Unidos e das potências ocidentais.
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Já preso pela soldadesca golpista e antes de ser entregue aos secessionistas catangueses e mercenários estrangeiros que o haviam de assassinar poucos dias depois, Lumumba escreveu uma carta de despedida a sua mulher Pauline, em que reafirma a sua confiança no futuro. São belas e comoventes, mas cheias de esperança, essas breves palavras, publicadas mais tarde pela revista «Jeune Afrique»:
«(…) Não estamos sós. A África, a Ásia e os povos livres e libertados de todos os cantos do mundo estarão sempre ao lado dos milhões de congoleses que não abandonarão a luta senão no dia em que não houver mais colonizadores e seus mercenários no nosso país. Aos meus filhos, a quem talvez não verei mais, quero dizer-lhes que o futuro do Congo é belo e que o país espera deles, como eu espero de cada congolês, que cumpram o objectivo sagrado da reconstrução da nossa independência e da nossa soberania, porque sem justiça não há dignidade e sem independência não há homens livres.
Nem as brutalidades, nem as sevícias, nem as torturas me obrigaram alguma vez a pedir clemência, porque prefiro morrer de cabeça erguida, com fé inquebrantável e confiança profunda no destino do meu país, do que viver na submissão e no desprezo pelos princípios sagrados. A História dirá um dia a sua palavra; não a história que é ensinada nas Nações Unidas, em Washington, Paris ou Bruxelas, mas a que será ensinada nos países libertados do colonialismo e dos seus fantoches. A África escreverá a sua própria história e ela será, no Norte e no Sul do Sahara, uma história de glória e dignidade.
Não chores por mim, minha companheira, eu sei que o meu país, que sofre tanto, saberá defender a sua independência e a sua liberdade.
Viva o Congo! Viva a África!».
Para os revolucionários do século XXI em África e em todo o mundo, que hoje continuam a lutar em condições diferenciadas contra a dominação imperialista e a exploração capitalista, Patrice Lumumba continua bem presente com o seu exemplo de patriota e combatente pela liberdade. E são de uma enorme actualidade as ideias que defendeu generosamente e pelas quais deu a vida - a urgência da independência nacional e da genuína soberania para todos os países, a unidade africana, a luta intransigente contra o colonialismo e o neocolonialismo, o combate pela emancipação social dos povos.

* Jornalista, amigo e colaborador de odiario.info.
Este texto foi publicado no Avante nº 1.938 de 20 de Janeiro de 2011.