terça-feira, 25 de janeiro de 2011

E se os EUA acabassem com o consumo de drogas

Emir Sader no Carta Maior

O aumento exacerbado da violência em países como a Guatemala, El Salvador, Honduras, Jamaica e a Venezuela, tem a ver com mudanças nos roteiros de circulação do tráfico de drogas. O índice de violência nos dois primeiros países é maior do que o registrado quando viviam situações de guerra civil.

O crime organizado, segundo a revista The Economist, é o responsável principal por esse aumento vertiginoso da criminalidade. A América Central é uma ponte entre a Colômbia e o México, os dois eixos fundamentais do narcotráfico no continente, que desembocam no maior mercado consumidor de drogas do mundo – os EUA. Este, a razão de fundo, o verdadeiro indutor do narcotráfico, com todas as tragédias que implica.

Conforme a pressão aumentou, primeiro na Colômbia e depois no México, a América Central foi erigida em rota alternativa do tráfico. Os cartéis mexicanos estão contratando bandos centroamericanos para articulá-los diretamente com o circuito geral. São recrutados ex-soldados, liberados dos exércitos. Só a Guatemala diminuiu em 2/3 o contingente das suas forças armadas, cujos contingentes foram em grande parte recrutados pelas máfias. Calcula The Economist em cerca de 70 mil os membros da mara – violenta versão centroamericana das gangues. A tendência dos cartéis mexicanos de pagar em droga os serviços prestados, multiplica o consumo e a criminalidade correspondentes.

A região centroamericana é a mais pobre do continente, com um PIB per capita de 2.700 dólares, menos de um terço do mexicano. O montante de drogas e armamentos apreendidos na Guatemala nos primeiros 6 meses de 2010 equivalem a 5% do PIB nacional – para se ter uma ideia do peso e da atração que os recursos provenientes do tráfico representam nesses países. Mas na repartição dos recursos para o combate ao narcotráfico, conforme o programa Iniciativa Médida, dos EUA, o México recebe 84% do total.

Como os norteamericanos imaginaram um país sem os mexicanos – em uma atitude de incitação ainda maior à discriminação – poderíamos imaginar o mundo sem o consumo de drogas por parte dos EUA. O golpe assentado no tráfico de drogas seria decisivo, mesmo que outros itinerários já tenham peso significativo, especialmente a Europa. Um país como o México e toda a América Central, seriam afetados de maneira muito positiva, com o enfraquecimento dos carteis da droga e das gangues que proliferam a partir deles.

Mas os EUA, o gigantesco indutor mundial da produção e do tráfico de drogas, como sempre fez, deriva as raízes do problema para outros países, buscando na extradição de traficantes e na erradicação por meio de venenos químicos de extensas zonas onde se produz folha de coca para o consumo da sua população, a falsa solução do problema.

Se os EUA atacassem sistematicamente a entrada das drogas no seu território, impedissem o envio de armamento sofisticado aos cartéis mexicanos, golpeassem profundamente a milionária rede que aufere lucros gigantescos com o tráfico, prendessem os traficantes e desarticulassem suas redes – o mundo viveria melhor. Mas a sociedade que mais consome drogas no mundo, tornando-se o seu maior mercado consumidor, é uma sociedade essencialmente dependente das drogas para sobreviver, pelo estilo de vida que leva e espalha sua doença para os outros países.

Morreu Samuel Ruiz, o bispo dos pobres


Morreu um dos principais atores nas negociações entre os zapatistas e o governo do México. Como bispo da diocese de Chiapas, Samuel Ruiz ganhou fama mundial em 1991 por ocasião do levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional. Sua intervenção impediu um massacre que poderia levar a um genocídio. Samuel Ruiz foi participante e protagonista da Teologia da Libertação e da opção preferencial pelos pobres que impôs em sua diocese desde 1975, em uma época dominada por golpes de Estado e por ditaduras militares na América Latina.
 
“Eu vim para evangelizar os índios, mas terminei sendo evangelizado por eles”, disse certa vez Samuel Ruiz García, a quem as comunidades chamavam de “bispo dos pobres e dos povos originários”. Ele morreu segunda-feira (24) e muitos choram a ausência de quem dava voz aos sem voz.

Tatik Samuel – como era chamado nas comunidades indígenas – seria objeto de uma celebração hoje (25), preparada há meses em San Cristóbal de las Casas, para marcar os 51 anos de sua posse como bispo da diocese de Chiapas, da qual se aposentou em 1999, ao completar 75 anos. Em lugar da celebração, seus restos são velados desde a noite de ontem na catedral de San Cristóbal, onde será sepultado quarta-feira (26).

Imerso nos debates teológicos e canônicos do Concílio Vaticano II e dos subsequentes concílios de Medelin, Puebla e Santo Domingo, Samuel Ruiz foi participante e protagonista da Teologia da Libertação e da opção preferencial pelos pobres que impôs em sua diocese desde 1975, em uma época dominada por golpes de Estado e por ditaduras militares na América Latina. Mas foi a partir de sua adesão à corrente da antropologia cultural que chegou ao que seria o axioma de sua pastoral: “a dualidade opressão-liberdade e a proposta de um ser cultural próprio, culminando com a igreja autóctone” que provocou fortes reações dentro e fora da Igreja Católica, segundo o historiador mexicano Jean Meyer, que certa vez o comparou com os bispos Helder Câmara, do Brasil, e Arnulfo Romero, de El Salvador, “arraigados na tradição e flexíveis na ação”, que reagiram “de maneira complicada diante de situações complicadas”.

Mas não era marxista, como o rotulavam seus detratores. Nem de longe. Católico tradicional e ortodoxo, Samuel Ruiz chegou a Chiapas em 1959 como bispo da diocese de San Cristóbal, apenas 12 anos depois de ter sido ordenado sacerdote, ao término de seus estudos de Teologia na Universidade Gregoriana de Roma. A realidade o esbofeteou: algumas regiões de Chiapas viviam com estruturas sociais tão atrasadas que se assemelhavam ao período medieval, e sua alma ficou perturbada pelo tratamento dado aos índios escravos que eram comprados e vendidos como ovelhas. Samuel Ruiz substituiu um Estado ausente e se converteu em defensor dos pobres e advogado dos índios, promoveu o respeito à mulher e às crianças, a tomada de consciência dos atores sociais e a “revolução das expectativas crescentes”. Em 1988, fundou o Centro de Direitos Humanos Frei Bartolomeu de las Casas, um dos mais importantes e reconhecidos no México até hoje.

Figura central na Conferência Episcopal Latinoamericana e em Roma, ganhou fama mundial em 1991, durante o levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Sua intervenção impediu um massacre que poderia ter se tornado um genocídio, e ele se converteu em um ator fundamental nas negociações de paz entre o EZLN e o governo mexicano ao qual havia declarado guerra, ainda que Jean Meyer tenha documentado a condenação de Tatik Samuel à luta armada e seu distanciamento do mítico Subcomandante Marcos, que nunca tornou público. Apesar disso, em maio de 1998, o então presidente Ernesto Zedillo acusou o bispo de encabeçar a “pastoral da divisão” e a “teologia da violência”, devido à decisão de Tatik de dedicar sua vida a formar comunidades eclesiais de base em cada uma das comunidades indígenas de Chiapas.

O papel conciliador de Samuel Ruiz também fez com que participasse de uma comissão de negociação entre outra guerrilha mexicana, o Exército Popular Revolucionário (EPR) e o governo federal. Também participava dessa comissão o escritor Carlos Montemayor, falecido no ano passado.

Samuel Ruiz vivia há vários anos em Querétaro, 200 quilômetros ao norte da capital do país, e realizava apenas visitas esporádicas à diocese da qual foi nomeado bispo emérito. A distância que manteve obedecia a sua intenção de não interferir no trabalho de seu sucessor, mas seus 40 anos de trabalho nesse estado mexicano deixou uma marca que o novo bispo Felipe Arizmendi não pode alterar, particularmente o que o próprio Tatik chamava “a autonomia participativa” de clero e laicos, sob o risco de provocar “uma verdadeira sangria”, como advertiu o historiador Jean Meyer.

Como bispo da diocese de Chiapas, Samuel Ruiz desenvolveu uma intensa ação através do Comitê de Solidariedade com os Povos da América Latina, viajando a diversos países, com grupos, movimentos sociais cristãos e não cristãos. Uma de suas intervenções mais conhecidas foi em favor dos milhares de guatemaltecos que fugiram para o México no final dos anos 80 e início dos 90 para não serem massacrados pelo exército daquele país e seus esquadrões da morte, conhecidos como kaibiles.

Seu ativismo vinha de longe. Em agosto de 1976, apenas alguns dias após o assassinato do bispo de Rioja, monsenhor Enrique Angelelli, pela ditadura militar argentina, participa do Encontro de Bispos Latinoamericanos, realizado em Riobamba, Equador, e é preso pela ditadura militar desse país junto com outros 20 bispos, sacerdotes, teólogos e assessores, entre eles Adolfo Pérez Esquivel. Vinte e cinco anos depois desse episódio, o Nobel da Paz argentino apresentou a candidatura do bispo mexicano ao mesmo prêmio.

Em 16 de setembro de 2001, por ocasião de um aniversário da independência do México, Pérez Esquivel fez um discurso laudatório sobre Samuel Ruiz no Centro de Direitos Humanos de Nuremberg, que lhe outorgou naquele ano o Prêmio Internacional de Direitos Humanos, um dos tantos que o bispo emérito de Chiapas recebeu. Pérez Esquivel disse então que Samuel Ruiz era uma das “vozes proféticas que anunciam e denunciam a situação de violência e injustiças que vive a maioria dos povos latino-americanos. São as vozes dos despossuídos, dos sem voz que vão recuperando seu protagonismo histórico, o sentido da vida, da dignidade e esperança, na base do qual é possível construir um mundo mais justo e humano para todos”.

Tradução: Katarina Peixoto

Polícia enfrenta manifestantes em ‘dia da revolta’ no Egito

Do sitio da BBC-Brasil

Manifestantes no Cairo
A polícia usou canhões de água contra a multidão no Cairo

Tropas de choque na capital egípcia, Cairo, entraram em confronto nesta terça-feira com milhares de manifestantes que exigem reformas políticas no país em um evento batizado na internet pelos participantes de “dia da revolta”.
A manifestação foi inspiradada pela onda de protestos populares que vem sacudindo a Tunísia desde dezembro e que levaram neste mês à renúncia do presidente Zine Al-Abidine Ben Ali.
A polícia usou canhões de água e bombas de gás de efeito moral para dispersar a multidão que se reuniu no centro do Cairo.
Aglomerações e manifestações populares são proibidas há décadas no Egito, governado desde 1981 por Hosni Mubarak.
Oposição dividida
Um correspondente da BBC na cidade diz que ocorrem manifestações em diversos pontos do Cairo e que o alto comparecimento parece ter surpreendido até os organizadores.
Os protestos começaram pacíficos, mas à medida em que cresciam, surgiram os primeiros episódios de violência.
Ocorreram protestos também em outras cidades, como Alexandria, no norte do país.
Os protestos reuniram milhares de pessoas no Cairo

Os manifestantes têm três reivindicações principais: a suspensão da lei de emergência que vigora permanentemente no país (e que restringe liberdades civis), a saída do ministro do Interior e a adoção de um limite de tempo ao mandato presidencial – o que poderia levar ao fim do governo de Mubarak.
O Egito compartilha muitos dos problemas que geraram os problemas na vizinha Tunísia, como o aumento de preços de alimentos, alto índice de desemprego e revolta contra o que percebem ser a corrupção do governo.
Protesto em Túnis
Manifestações de Túnis inspiraram os protestos egípcios

Mas a oposição egípcia se dividiu em relação ao protesto.
Um de seus líderes, Mohamed El Baradei, pediu para que a população participasse, mas o maior movimento oposicionista do país, a Irmandade Muçulmana, assumiu uma posição mais ambivalente.
A organização disse que não iria aderir oficialmente aos protestos, mas também não iria pedir que seus membros não participassem deles.
A população egípcia tem um nível educacional muito mais baixo do que a tunisiana, com alta taxa de analfabetismo e pouco acesso à internet.

Hoje é o aniversário de Tom Jobim, Dia Nacional da Bossa Nova

Jorge Seadi e Milton Ribeiro no Sul21


A Bossa Nova, um jeito de cantar e tocar samba surgido no Brasil ao final da década de 50, tornou-se um dos gêneros musicais brasileiros mais populares, levada pelas vozes de João Gilberto, Luiz Bonfá, Vinicius de Morais, Tom Jobim e, atualmente, por uma série de artistas jovens. Tom, seu principal compositor, autor de Águas de Março, Chega de Saudade, Garota de Ipanema e tantas obras-primas, estaria comemorando hoje 83 anos de vida. Por isso, em 25 de janeiro, é comemorado o Dia Nacional da Bossa Nova.

(Até o Google curvou-se a Jobim e à Bossa, alterando seu logotipo).

A palavra “bossa” surgiu pela primeira vez na música popular brasileira num samba de Noel Rosa ainda na década de 30. “O samba, a prontidão e outras bossas…”. Nos anos seguintes, a bossa apareceu nos sambas de breque. O breque era o espaço que o cantor usava para dizer livremente alguma coisa (com bossa, com jeito). A “bossa nova” como seria conhecida mais tarde, teve a influência da música americana do pós-guerra — principalmente o jazz — e começou a ser criada através do sucesso de cantores como Dick Farney e Lúcio Alves, que cantavam com um maneira mais tranquila e sussurrada, sem empostar a voz.
O movimento da bossa nova começou com um compacto simples do baiano João Gilberto. No lado A estava “Chega de Saudade”, de autoria de Tom Jobim e Vinicius de Morais; no lado B estava “Bim Bom”, do próprio João Gilberto. Era agosto de 1958.  O escritor Ruy Castro, autor do livro “Chega de Saudade”, diz que a batida do violão de João Gilberto e as letras de abordagem leve e descompromissada de Vinicius, Tom, Carlos Lyra e outros foram as primeiras características da Bossa Nova.
Garota de Ipanema, sucesso mundial na voz de João Gilberto e depois nas de Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e de centenas de artistas, foi uma das canções mais gravadas de todos os tempos, rivalizando com algumas dos Beatles.
Em 1965, com Arrastão, de Edu Lobo e, curiosamente, Vinícius de Moraes, a Bossa Nova foi equivocadamente declarada extinta. Em verdade, o que ocorreu foi a cisão de viés ideológico que criou a MPB. Um grupo formado por Marcos Valle, Dori Caymmi, Edu Lobo e Francis Hime e estimulado pelo Centro Popular de Cultura da UNE, tinha uma visão mais popular e nacionalista, criticando a influência do jazz norte-americano na bossa nova. Propunha uma reaproximação com compositores de morro, como o sambista Zé Keti. Um dos pilares da Bossa Nova, Carlos Lyra, aderiu a esta corrente, assim como Nara Leão, que promoveu parcerias com artistas do samba como Cartola e Nelson Cavaquinho e baião e xote nordestinos como João do Vale. Nesta fase de releituras da Bossa Nova, foi lançado em 1966 o antológico LP “Os Afro-sambas”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell. Porém, uma revisão da produção desta época deixa claro que, se houve uma mudança no conteúdo das letras, a música e o modo de interpretar da Bossa Nova tinha invadido tudo de tal forma que hoje poucos identificam Edu Lobo — depois grande parceiro de Tom — , Carlos Lyra e Marcos Valle como uma reação a ela e sim como membros do movimento.
Entre os artistas que se destacaram nesta segunda geração (1962-1966) da bossa nova estão Paulo Sérgio Valle, Edu Lobo, Ruy Guerra, Dori Caymmi, Nelson Motta, Francis Hime, Wilson Simonal, entre outros.
E a MPB até hoje não quer saber deste negócio de você longe de mim, como deixa claro as palavras de Vinícius em Chega de Saudade.

Gandaia nacional


<br /><b>Crédito: </b> ARTE PEDRO LOBO

Crédito: ARTE PEDRO LOBO

Juremir Machado no Correio do Povo

Volto ao assunto. Estou obcecado. Quanto mais ouço os defensores de pensões vitalícias para ex-governadores, mais me convenço que se trata de conversa fiada, "enrolation", privilégio e teta. Ninguém pode receber aposentadoria por quatro anos de trabalho. Muito menos por noves meses ou míseros dez dias de interinidade. Pedro Simon justificou-se: não consegue sustentar a família só com seu salário de senador. Uau! Barbada é sustentar a família com o salário mínimo. Ou com salário de professor da rede estadual. Santa Catarina está na linha de frente da farra dos ex-governadores. Depois da farra do boi, a farra dos donos dos bois. Até a filha de um governador do século XIX, Hercílio Luz, recebe. O pobrezinho do Jorge Bornhausen também ganha sua bolsa-ex-governador. Ainda bem. Ou não conseguiria sobreviver.

Os políticos catarinenses são generosos. Com eles mesmos. Aumentaram em 300% o valor da bolsa-mamata de ex-governador e garantiram o benefício para herdeiros. Leonel Pavan ficou menos de um ano no governo de Santa Catarina. Embolsa R$ 22 mil mensais. Santa Catarina gasta R$ 3,1 milhões por ano sustentando nababos. Não seria a hora de o povo catarinense perder a compostura e gritar "vai trabalhar, vagabundo!"? Ninguém é obrigado a ser governador. As pessoas candidatam-se por vaidade, vontade de poder ou pura ambição, tudo isso embalado como desejo de trabalhar pelo bem comum. Durante o mandato, não há gasto. Comem, bebem e viajam por conta dos cofres públicos. Terminada a tarefa, só há uma coisa a fazer: procurar trabalho. Ir para o batente como todo mundo.

Não interessa a importância da função. O Estado não existe para distribuir honrarias com o dinheiro público. Também não interessa que o número de beneficiados seja limitado e que o impacto nas contas públicas seja reduzido. Só interessa isto: não está correto. A mídia precisa repetir isso diariamente. É a única maneira de pressionar essa turma que aprendeu a pensar assim para manter seus mimos: daqui a pouco passa. Que gandaia! Tem gente se fazendo de desentendido para mamar deitado. Em certos países europeus, vereador não recebe salário durante o mandato. Continua a trabalhar normalmente. Imaginem pensão vitalícia para quem deixou o cargo. Estou numa fase direta: os políticos não nos levam a sério, riem da nossa cara, debocham dos eleitores, fazem o que bem entendem e seguem em frente. Para a plebe, correção salarial pela inflação. Para eles, mais de dez vezes acima das perdas inflacionárias. No popular, pois somos amigos, eles estão de sacanagem com a gente, não é mesmo?

A prova de que isso é rapacidade está no fato de que vários acumulam ganhos, inclusive polpudas aposentadorias. Proponho um adesivo para uso em carros: xô, carrapato! Pensando bem, dá para entender. O sujeito passar quatro anos sem sequer estender a mão para abrir a porta. Quando termina, não sabe fazer mais coisa alguma no mundo real. Ainda bem que há exceções. Ou haverá. Infelizmente, não me ocorre um nome agora para citar. Vou sair no Carnaval fantasiado de vaca leiteira. Buuuuuu!

Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O que está em jogo no Fórum Social Mundial 2011

As questões do Fórum Social Mundial de Dakar estão organizadas em três grandes temas: a conjuntura global e a crise, a situação dos movimentos sociais e cívicos e o processo do Fórum Social Mundial. O FSM Dakar também será o momento para o debate sobre o caráter incompleto da descolonização e devir de uma nova fase descolonização. No Fórum de Dakar uma outra questão fundamental será a do seu alcance político nas mobilizações sociais e da cidadania. Isso conduz ao problema da expressão política dos movimentos sociais e de sua relação com os governos.

A conjuntura global e a crise
A situação global está marcada pelo aprofundamento da crise estrutural da globalização capitalista. As quatro dimensões da crise (social, geopolítica, ambiental e ideológica) serão abordadas em Dakar. A crise social será enfrentada em particular sob os pontos de vista da desigualdade, da pobreza e da discriminação, enquanto a crise geopolítica será discutida em particular da perspectiva da guerra e do conflito, do acesso às matérias primas e da emergência de novas potências. A crise ambiental será debatida, em particular, sob a perspectiva da mudança climática, enquanto a crise ideológica será discutida da perspectiva de ideologias seguras, da questão das liberdades e da democracia e da cultura, presentes desde o Fórum Social de Belém, que serão analisadas em profundidade.

A evolução da crise lança luz sobre uma situação contraditória. Análises do movimento altermundista estão sendo aceitas, reconhecidas e contribuem para a crise do neoliberalismo. As propostas produzidas pelos movimentos são aceitas como base, por exemplo, para o monitoramento dos setores financeiro e bancário, para a eliminação dos paraísos fiscais, de tributos internacionais, para o conceito de segurança alimentar, até então considerados heresias, estão nas agendas do G8 e do G20. E mesmo assim ainda não foram traduzidos em políticas viáveis. Essas propostas tem sido acolhidas, mas não se efetivam por causa da arrogância das classes dominantes confiantes no seu poder.

A validação das agendas resulta na transformação das palavras de ordem dos movimentos em lugares comuns. É preciso refinar as perspectivas e conceder mais relevância ao debate estratégico, à articulação entre a resistência de curto prazo e a de médio prazo e à mudança em curso sob a superfície dos acontecimentos. A situação lança uma luz sobre a natureza dual da crise, tensionada entre a crise do neoliberalismo, que é a fase da globalização capitalista e a crise da própria globalização capitalista; uma crise do sistema que pode ser analisada como uma crise de civilização, a crise da civilização ocidental, estabelecida desde princípios do século XV.

Nesse contexto, alianças estratégicas devem obedecer a duas exigências. A primeira está vinculada à luta contra a pobreza, a miséria e a desigualdade, o uso do trabalho precário e a violação das liberdades no mundo, para melhorar as condições de vida e a expressão da classe trabalhadora diretamente afetada pela economia dominante e pelas políticas públicas. A segunda exigência prioriza o fato de que outro mundo é possível; um mundo necessário envolve um rompimento definitivo com os modos de produção e consumo da economia e da sociedade, bem como a redistribuição ambiental, com o equilíbrio geopolítico do poder estabelecido nas décadas recentes nos modelos democráticos proeminentes do ocidente.

Três propostas emergem como respostas à crise: o neoconservadorismo, que propõe a continuação do atual padrão dominante e dos privilégios que os acompanham às custas das liberdades, da continuidade das desigualdades e da extensão dos conflitos e das guerras; uma reestruturação profunda do capitalismo defendido pelos militantes do “New Deal Verde”, que propõe regulação global, redistribuição relativa e uma promoção voluntarista das “economias verdes”; e uma alternativa ambiental e social radical, que corresponde a uma superação do atual sistema dominante. O Fórum Social Mundial reúne todos os que rejeitam a opção neoconservadora e a continuação do neoliberalismo, constituindo um fórum pela mudança vigorosa da discussão entre os movimentos que fazem parte de uma perspectiva de avanço de um “New Deal Verde” e os que defendem a necessidade de alternativas radicais.

A referência ao contexto africano

O Fórum Social Mundial de Dakar vai enfatizar questões essenciais que aparecem com mais nitidez com as referências ao contexto africano. A ênfase estará no lugar da África no mundo e na crise. A África é objeto privilegiado de análise, ao tempo em que exemplifica a situação global. Não é pobre; é empobrecida. A África não é marginalizada; é explorada. Com suas matérias primas e recursos humanos cobiçados pelos países do Norte e pelas potências emergentes, e com a cumplicidade ativa dos líderes de alguns estados africanos, a África é indispensável para a economia global e para o equilíbrio ambiental do planeta.

A ênfase também estará na descolonização como um processo histórico incompleto. A crise do neoliberalismo e a crise de hegemonia dos Estados Unidos são indicativos da possibilidade de uma nova fase de descolonização, e do enfraquecimento das potências coloniais europeias. A representação Norte-Sul está mudando, uma situação que não elimina a realidade geopolítica e as contradições entre o Norte e o Sul.

O Fórum priorizará as diásporas e as migrações como uma das questões centrais da globalização. A questão será enfrentada com base na situação atual dos imigrantes e seus direitos, numa análise de longo termo, com o comércio de escravos posto sob a perspectiva do crescimento do papel das diásporas culturais e econômicas.

O Fórum debaterá as mudanças no sistema internacional, nas instituições multilaterais e nas negociações internacionais. Em particular, vai focar nas questões que tornam clara a necessidade de regulação global: equilíbrio ambiental, migração e diásporas, conflitos e guerras.

A situação dos movimentos sociais e comunitários

A convergência dos movimentos de que o Fórum Social Mundial se constitui está comprometida com a resistência ambiental e democrática. Com as lutas sociais presentes nos combates cívicos pelas liberdades e contra a discriminação. A resistência é inseparável das práticas emancipatórias específicas levadas a cabo pelos movimentos.

A direção estratégica dos movimentos está voltada para a acessibilidade universal ao direito, pela igualdade de direitos e pelo imperativo democrático. Os movimentos trazem consigo um movimento histórico de emancipação que são extensão e renovação de movimentos anteriores. Será em torno da definição, da implementação e da garantia de direitos que um novo período de emancipação possível será definido. Essa definição exige que essas concepções de diferentes gerações de direitos sejam revisitadas: direitos políticos e civis formalizados pelas revoluções do século XVIII, reafirmados pela Declaração Universal de Direitos Humanos, complementadas pelos desafios do totalitarismo dos anos 60; os direitos dos povos que o movimento de descolonização promoveu, com base no direito da autodeterminação, o controle dos recursos naturais, o direito ao desenvolvimento e à democracia; direitos sociais, econômicos e culturais especificados pela Declaração Universal e estipulados pelo Protocolo Adicional adotado pelas Nações Unidas na Assembleia Geral em 2000.

Uma nova geração de direitos está em gestação. Direitos que correspondem à expressão da dimensão global e dos direitos definidos com vistas a um mundo diferente da globalização dominante. A partir desse ponto de vista, duas questões serão as mais proeminentes em Dakar: direitos ambientais para a preservação do planeta e os direitos dos migrantes e da migração que questione o papel das fronteiras, bem como a organização do mundo. O Fórum Social Mundial de Belém enfatizou os benefícios para os movimentos de abarcarem a agenda ambiental em todas as suas dimensões, do clima à destruição dos recursos naturais e da biodiversidade, e da preservação da água, da terra e das suas matérias primas. O FSM de Dakar priorizará um novo tratamento da questão da migração, com a ligação entre migrações e diásporas e a Carta Mundial dos Migrantes.

O FSM Dakar também será o momento para o debate sobre o caráter incompleto da descolonização e devir de uma nova fase descolonização. É nesse contexto que a relação entre o Norte e o Sul está mudando. Considerando que a representação Norte/Sul está mudando na perspectiva da estrutura social, há um Norte no Sul e um Sul no Norte. A emergência do poder de grandes estados está mudando a economia global e o equilíbrio de forças geopolíticas, e é reforçado pelo crescimento de mais de trinta estados que podem ser chamados de economias emergentes. Para tudo isso, contudo, as formas de dominação continuam a ser cruciais na ordem global. O conceito de Sul continua a ser altamente relevante. O Fórum Social Mundial enfatiza uma nova questão: o papel histórico e estratégico dos movimentos sociais nos países emergentes como um todo em relação ao seu Estado e o papel futuro desses estados no mundo. Essa questão, que já marcou os fóruns com o debate sobre o papel jogado pelos movimentos no Brasil e na Índia assume uma importância particular estratégica com a mudança geopolítica associada à crise.

O Fórum Social Mundial é o ponto de encontro para movimentos de vários tipos e de diferentes partes do mundo. Esses movimentos já começaram a se encontrar em redes que reúnem diferentes movimentos nacionais. O processo dos fóruns revela duas mudanças. A primeira delas é as conexões entre movimentos de acordo com suas regiões, características e contextos específicos unificam os movimentos da América Latina, América do Norte e Sul da Ásia (e em particular, a Índia), o sudoeste da Ásia, Japão, Europa e Rússia. O Fórum Social Mundial de Dakar terá dois impactos maiores. O ano de 2010 e os preparativos para Dakar foram marcados pela nova importância conquistada pelos movimentos da região do Magreb-Machrek.

O vigor dos movimentos sociais africanos será visível em Dakar, na forma de movimentos de campesinos, sindicatos, grupos feministas, de juventude, habitantes locais, grupos de imigrantes reprimidos, grupos indígenas e culturais, comitês contra a pobreza e contra a dívida, a economia informal e a economia solidária, etc. Esses movimentos são visíveis, com sua convergência diversidade em sub-regiões da África: no Norte da África e em particular no Magreb, no Oeste e na África Central, na África do Leste e na do Sul.

No Fórum Social Mundial de Dakar uma questão fundamental será a do seu alcance político nas mobilizações sociais e da cidadania. Isso conduz ao problema da expressão política dos movimentos e das extensões dos movimentos em relação às instituições, ao cenário político e aos governos dos estados. Com respeito aos movimentos como um todo, a análise avança sobre a importância da especificidade, via invenção de uma nova cultura política, da relação entre poder e política. O processo do FSM pôs em cena as bases para essa nova cultura política (horizontalidade, diversidade, convergência das redes de cidadãos e dos movimentos sociais, atividades autogestionadas, etc.) mas ainda deve inovar mais em muitas dificuldades relativas à política e ao poder, para conseguir superar a cultura política caduca, que para a imensa maioria persevera dominante. Além disso, a tradução política dos avanços e das mobilizações dependem das instituições e das representações: num nível local, com a possibilidade de influenciar as decisões das autoridades locais; em nível nacional e internacional, com os governos dos estados, os regimes políticos e as instituições multilaterais; em nível regional e global, com alianças geoeconômicas e geoculturais e com a construção de uma opinião pública global e uma consciência universal.

O processo dos Fóruns Sociais Mundiais

Depois de o Fórum Social Mundial de Belém ter tomado o ano de 2010 como o ano da ação global, mais de quarenta eventos demonstraram o vigor do seu processo. Isso incluiu as atividades dos 10 anos do FSM em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial dos Estados Unidos, o Fórum Social Mundial do México e o Fórum das Américas, vários fóruns na Ásia, o Fórum Mundial de Educação na Palestina, mais de oito fóruns do Magreb e Machrek, etc. Cada evento associado foi iniciativa do comitê local. Esse comitê se refere na Carta de Princípios do Fórum Social Mundial, que adota uma metodologia privilegiando as atividades autogestionadas e declara sua iniciativa no Conselho Internacional do FSM. Essa multiplicação de eventos abre espaço para projeções relativos à extensão do processo dos fóruns. Ele assumiu uma nova forma, “um fórum estendido”, que consiste no uso da Internet para ligar iniciativas locais em diferentes países, com um Fórum em cada. Assim, enquanto ocorria o Fórum Mundial da Educação na Palestina, mais de 40 iniciativas estavam em curso em Ramallah. As iniciativas associadas com “Dakar estendida” inovarão o processo dos fóruns.

A preparação para o FSM Dakar baseou-se nos eventos do ano da ação global, 2010, bem como numa série de iniciativas que asseguraram a convergência de ações e permitiram novos caminhos a serem explorados em termos de organização e metodologia dos fóruns. Assim, já se pode usar as caravanas convergindo para Dakar, dos fóruns de mulheres em Kaolack, das migrações e diásporas, dos encontros para convergência de ações, dos fóruns associados (Assembleia Mundial dos Povos, fóruns pela ciência e pela democracia, sindicatos, autoridades locais e da periferia, parlamentares, teologia e libertação, etc.).

Depois de Dakar, um novo ciclo no processo dos fóruns irá começar. O fortalecimento do processo dos fóruns sociais mundiais poderia ocorrer com a reunião com grandes eventos, como o Rio+20, G8, G20, cúpulas e outras poderiam acordar com sua perspectiva. Seriam reconhecidos como eventos associados ao processo do fórum, estabelecendo assim uma proximidade com os acontecimentos de Seattle, em 1999, que contribuíram para a criação do FSM.

- Gustave Massiah e Nathalie Péré-Marzano, representantes da Research and Information Centre for Development (CRID – France) no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.

Tradução: Katarina Peixoto

A campanha da Veja contra as lutas históricas dos professores


A revista Veja não economiza espaço quando se trata de divulgar os palpites de Gustavo Ioschpe sobre educação. Não haveria um articulista mais articulado para essa tarefa? Ou, pensando melhor, Ioschpe e Veja vivem em total harmonia. As afirmações de um, abalizadas pela outra, demonstram, apesar do tom peremptório e seguro, uma fragilidade teórico-prática impressionante.


Por Gabriel Perissé, no Observatório da Imprensa

Ioschpe costuma aludir a pesquisas (não especificando, na maioria das vezes, que pesquisadores são esses, que pesquisas são essas, onde consultá-las), dando como líquido e certo tal ou qual verdade. Na Veja de 13/10/2010, por exemplo, escreveu um artigo, "Educação de qualidade: de volta ao futuro", do qual destaco o seguinte trecho:

"[...] as pesquisas empíricas [...] mostram que a presença de computadores nas escolas não tem nenhum impacto sobre o aprendizado."

 
Contudo, já no final do século 20, pesquisadores do mundo inteiro reuniam experiências que demonstravam como a utilização de computadores e da internet tornam as práticas docentes motivadoras. Bastaria citar um estudo de 1998, "The emerging contribution of online resources and tools to classroom learning and teaching", e, para entender a necessidade de a escola ingressar na Idade Mídia, o livro de Don Tapscott, A Hora da Geração Digital (Agir Negócios, 2010).


Ainda nesse artigo de Ioschpe, outra pérola:

"Sindicatos mais poderosos pressionam para que o grosso da verba de educação seja gasto em aumentos salariais e diminuição do número de alunos em sala de aula, duas variáveis que não têm relação com a qualidade de ensino." 

Tentativa de corrigir uma injustiça

Contudo, qualquer psicopedagogo, qualquer educador haverá de nos dizer que em turmas reduzidas o professor conseguirá dar atenção mais individualizada, poderá perceber melhor progressos e dificuldades de cada aluno, detectando os problemas e intervindo com mais eficácia. E, quanto aos salários, é difícil acreditar que pesquisadores (motivados por bolsas de estudos, talvez com ajuda do exterior...) dediquem seu tempo para descobrir que aumentos salariais não motivam professores...

Em dezembro do ano passado, visivelmente abalado com a vitória de Dilma Rousseff, Ioschpe, em novo artigo (Veja, 29/12/2010), intitulado "Aumentaram os gastos, mas a qualidade...", teve a coragem de escrever:

"[...] esse governo [federal] foi extremamente generoso nas concessões e omisso nas cobranças. Instituiu um piso nacional de salário para o magistério, atualmente em 1.024,00 reais. O salário médio do professor brasileiro subiu de 994 reais em 2003 para 1.527,00 reais em 2008 [...]. O governo, porém, não fez nenhuma intervenção mais forte nos cursos de formação de professores das próprias universidades federais, que continuam despejando no mercado profissionais despreparados para o exercício da docência." 

Ora, não se pode usar o advérbio "extremamente" em relação a uma generosidade nada extrema. Aliás, nem de generosidade se trata, mas da tentativa (tardia!) de corrigir uma injustiça: o salário de um professor de escola pública com diploma universitário equivale, hoje, a 60% do que recebem, em média, profissionais com o mesmo nível de ensino.

Realidade se resume a poucas palavras

E não são as universidades federais que "despejam" professores despreparados no mercado! Na década de 1990, calculava-se que 80% dos professores da rede pública estadual de São Paulo formaram-se em faculdades privadas. Em 2008, o MEC divulgou estudo segundo o qual 70% dos professores aptos a lecionar no ensino básico do Brasil formaram-se em faculdades e universidades particulares.

Andar na contramão da realidade pode provocar acidentes. No caso de Ioschpe, suas declarações entram em rota de colisão com o óbvio. Nem precisaríamos recorrer a teses de doutorado ou pesquisas financiadas por bancos ou assemelhados. Em novembro e dezembro de 2010, e neste mês de janeiro, o articulista publicou em três partes um artigo cujo título não é nada ambicioso: "Como melhorar a educação brasileira". Basta-nos ler (e brevemente comentar) alguns dos seus melhores momentos...

"Muitos professores chegam atrasados a suas aulas. Perdem tempo fazendo chamada, dando recados e advertências. É um desperdício" (Veja, 10/11/2010). 

Correto. Mas essa constatação é insuficiente. Por que muitos professores chegam atrasados? E por que a chamada é tão prolongada (ao mesmo tempo que exigida pela burocracia escolar)? E por que cabe aos professores darem recados e advertências? Se Ioschpe fizesse as perguntas certas aos que vivem essas realidades estaria realizando verdadeira pesquisa empírica e acabaria por descobrir uma realidade que se pode resumir em poucas palavras: professores sobrecarregados e turmas com grande número de alunos.

Uma breve pesquisa informa o óbvio

Outro momento de Ioschpe, influenciado pelos noticiários sobre o Morro do Alemão:

"É curioso: nossos governantes criaram coragem para invadir o Morro do Alemão, mas as universidades públicas continuam sendo consideradas território perigoso demais para a ação saneadora do estado. Esculachar bandido armado de metralhadora é mais fácil do que peitar os doutores da academia, que permanecem livres para perpetrar seus delitos intelectuais" (Veja, 22/12/2010). 

Mais do que curioso... é incrível que alguém possa, impunemente, comparar bandidos e professores universitários! Que tipo de "limpeza" deveria ser feita nas universidades públicas? Não seria o caso de imaginar que as particulares merecem igual ou maior rigor?

Um último parágrafo:

"Em termos de regime de trabalho, ao contrário dos desejos dos sindicatos, a maioria das pesquisas mostra que não faz diferença, para o aprendizado do aluno, quantos empregos o professor tem, se trabalha em uma escola ou mais" (Veja, 19/01/2011). 

De novo, impressiona ler uma afirmação dessas. Será que, além de desconhecer a escola pública, Ioschpe ignora a realidade vantajosa das escolas particulares, cujos alunos obtêm os melhores resultados no Enem?

Uma breve pesquisa na internet informa o óbvio. As melhores escolas possuem laboratórios, computadores e biblioteca. Seus professores são bem remunerados, o que lhes permite dedicação exclusiva, ou quase exclusiva, com tempo necessário para prepararem aulas inovadoras, em geral empregando recursos tecnológicos.

Tunísia: os trabalhadores podem transformar o mundo


Judith Orr no Revolutas

Revoluções muitas vezes parecem vir do nada. Pessoas que vivem sob um regime brutal por gerações. Que levam suas vidas cotidianas trabalhando, estudando, de repente se revoltam.

Até pouco tempo, ninguém poderia prever qual seriam os desdobramentos das lutas de resistência popular na Tunísia. Uma revolução jamais é um evento isolado. É um processo que se desenvolve ao longo de semanas, meses, anos. Pode haver grandes avanços, mas também recuos dramáticos.

O revolucionário Lênin escreveu que a revolução só é possível quando "os de baixo" não aceitam viver como vivem e "os de cima" já não conseguem viver da maneira que vivem. E que “a revolução é impossível sem uma crise nacional".

A sociedade pode parecer tranqüila, mas isso não significa que as pessoas sejam felizes. Acontece com freqüência que os governantes tenham a ilusão de que estão numa fortaleza de popularidade e segurança. Muitos deles vivem em uma bolha de riqueza e privilégios cercado por auxiliares e consultores que só dizem o que eles querem ouvir.

Mas quando o encanto é quebrado e a revolta popular explode, as mudanças que poderiam ter levado anos em tempos "normais" podem acontecer em questão de horas.

O medo diante da polícia e do exército desaparece quando milhares de pessoas tornam-se politicamente ativas. Trabalhadores e estudantes de todo o mundo acompanham com entusiasmo os acontecimentos.

O que vem acontecendo na Tunísia tem sido considerado "revolução do Twitter", a exemplo do que aconteceu no Irã há dois anos. A capacidade de se comunicar instantaneamente em todo o país tem sido um recurso fantástico nas últimas lutas.

Mas não devemos confundir um instrumento na luta com a luta em si. O Twitter não forçou Ben Ali a fugir do país que governou por 23 anos. Assim como não foram paredes pichadas ou folhetos que derrubaram o czar da Rússia em 1917.

Em toda situação revolucionária é a ação real do ser humano que tomas as ruas. Desafiando a polícia e lutando com coragem e imaginação. Ao longo da história, a classe trabalhadora  jamais conquistou nada sem travar lutas duras.

Lutar pode mudar o mundo. Mas, lutar muda a nós também. À medida que lutamos ao lado de outros trabalhadores e ativistas deixamos de nos sentir como engrenagens isoladas em um sistema enorme e anônimo.

Quando começamos a tomar o controle de nossas vidas, verdades sagradas sobre a sociedade são desafiadas. A polícia é neutra?  Realmente não há dinheiro para hospitais e escolas? É melhor deixar as decisões importantes para um punhado de pessoas no topo?

Como este processo irá desenvolver na Tunísia vai depender da política e das organizações que formam o movimento nas próximas semanas e meses.

Por exemplo, os comitês de defesa local criados para proteger as comunidades das milícias que apóiam governo Ben Ali podem se transformar em formas mais amplas de auto-governo? Poderiam ser as sementes de uma organização política independente.

Os movimentos revolucionários foram derrotados no passado, quando setores de oposição foram cooptados pelo governo e se afastaram da luta. Regimes ameaçados costumam aceitar pequenas mudanças para se manter no poder.

Mas o exemplo da Tunísia mostra como as coisas podem mudar rápido quando anos de amargura chegam ao ponto de explodir.

A crise econômica mundial leva pessoas comuns em todo o mundo a sofrer aflições parecidas e a se preocupar com o futuro. O movimento revolucionário na Tunísia tornou-se um farol para milhões delas. Pode levá-las a desafiar seus governantes.

A situação está madura. Há potencial para que a luta vá além de uma simples mudança de governo. As pessoas comuns sentem que podem desafiar o capitalismo e construir um mundo socialista que possa satisfazer as necessidades de todos.

Socialist Worker – edição 2235 – 22/01/2011


Monsenhor Gaillot: “A América Latina e não a velha Europa dá o exemplo aos que lutam contra a injustiça”

São poucos os franceses que conhecem o nome da máxima autoridade da Igreja Católica no país, mas a imensa maioria sabe quem é o Monsenhor Jacques Gaillot. Homem, de olhar sereno e voz pausada, que fez de sua vocação religiosa uma opção pelos direitos humanos, especialmente os direitos dos pobres e priosineiros da injustiça. Em entrevista ao jornalista colombiano Hernando Calvo Ospina, Gaillot denuncia o clima de injustiça reinante na França hoje, diz que a Igreja Católica virou as costas para o povo pobre e caminha para virar uma seita, A aponta a América Latina como a região que deve servir de exemplo para os que lutam contra a injustiça.

por Hernando Calvo Ospina, em Carta Maior, via viomundo

São poucos os franceses que conhecem o nome da máxima autoridade da Igreja Católica no país, mas a imensa maioria sabe quem é o Monsenhor Jacques Gaillot. Homem extremamente humilde, de olhar sereno e voz pausada, que sem usar frases grandiloquentes diz o que gostaríamos de escutar de muitos políticos.
Nasceu em 11 de setembro de 1935 em Saint-Dizier, uma pequena cidade da França. Aos 20 anos, deixou o seminário para realizar o serviço militar. Foi para a Argélia, onde havia uma guerra de libertação contra o colonialismo francês. Conta que foi uma sorte não ter sido obrigado a usar armas, pois foi destacado para trabalhos sociais, a viver com a comunidade.
O que significou para você ter vivido essa guerra?

Esta experiência começou a mudar a minha vida. Ali me encontrei com o Islã, uma religião muito diferente da católica e sobre a qual nada conhecia. Fiquei sabendo que os muçulmanos tinham fé em um Deus, que oravam e que eram hospitaleiros. Eles foram como meus irmãos. Esta interreligiosidade influiu em minha fé. Também vivi a violência da guerra, razão pela qual fui me convertendo em um militante da não violência. Realmente, a Argélia foi um seminário para mim.
Após 22 meses na Argélia, você foi enviado a Roma e, em 1961, foi ordenado sacerdote. Até que, em 1982, foi nomeado bispo da cidade de Evreux, na França. Mas em 13 de janeiro de 1995, o Vaticano decidiu retirar-lhe essa missão pastoral. O que aconteceu?
Alguns dias antes dessa data fui chamado a comparecer diante das autoridades do Vaticano sem saber por quê. Ante minha incredulidade, em algumas horas fui declarado culpado e, em menos de um dia, foi decretada minha expulsão da diocese. O cardeal Bernardin Gantin, prefeito da Congregação dos Bispos, me propôs que eu assinasse minha demissão e assim poderia manter o título honorífico de bispo emérito de Evreux. Não assinei nada. Então me nomearam bispo de Partenia, uma diocese que não existe desde o século V, situada na atual Argélia.
Com minhas poucas roupas deixei a diocese de Evreux. Como não tinha onde ficar, me instalei durante um ano em um prédio recuperado por famílias sem teto e estrangeiros sem documentos, em Paris. Depois fui acolhido por uma comunidade de missionários.
O que levou o Vaticano a tomar uma decisão tão drástica? Talvez suas posições políticas e compromissos sociais? Porque, vejamos: em 1983, foi um dos bispos que não votou a favor de um texto episcopal sobre a dissuasão nuclear. Em 1985, apoiou o levante palestino nos territórios ocupados por Israel, além de se encontrar com Yasser Arafat em Tunís. Em 1987, preferiu viajar até a África do Sul para visitar um preso, militante contra a segregação racial, ao invés de ir à peregrinação pela Virgem de Lourdes. Em 1988, defendeu na revista “Ele” a ordenação de homens casados. No mesmo ano se declarou a favor de dar a benção a homossexuais. No dia 2 de fevereiro de 1989, publicou na revista “Gai Pied” um artigo intitulado “Ser homossexual e católico”. Desde 1994, você se envolveu diretamente na fundação de associações de apoio a marginalizados, passando a ser conhecido como “O bispo dos sem”: sem documentos, sem teto…Não acredita que isso já seja o suficiente para conseguir inimigos entre os círculos de poder eclesiástico e civil?
Ainda que siga sem provas concretas até hoje, fontes confiáveis me disseram que o governo francês, em particular o ministro do Interior da época, Charles Pascua, tem a ver com a decisão do Vaticano. Não esqueçamos que, na França, este ministério está encarregado dos Cultos. Tenho certeza que um livro meu contra a lei de imigração foi a gota d’água que entornou o copo.
O Vaticano e o governo francês quiseram me isolar. Mas em 1996, no primeiro aniversário de minha partida de Evreux, alguns amigos criaram na internet a Associação Partenia (1), fazendo de mim um “bispo virtual”. Não imaginaram que eu iria acabar animando a única diocese em expansão, com mais fiéis no mundo e em diferentes idiomas.
Imediatamente agradeci ao Vaticano e a Pascua, porque eles me fizeram dar mais passos na direção da outra margem, onde encontrei outra vida. Agora tenho toda a liberdade, vivo na ação com os excluídos da sociedade. Posso viver com as pessoas, compartilhar suas alegrias e suas angústias. Tem sido maravilhoso conhecer todas as pessoas que conheci. Enquanto isso, Pascua está sendo processado por vários delitos e a Igreja a cada dia perde mais cristãos.
Como, você avalia atualmente a Igreja Católica?

A Igreja nos ensinou que Deus quis trazer-nos as desgraças e assim nos leva à resignação. Isso não é cristão. A Igreja procura fazer Deus intervir para nos forçar a obedecer e a não pensar. Muitos discursos sobre Deus falam dele, mas quando alguém fala bem do ser humano, isso me diz muito de Deus. A Instituição segue impávida em seu pedestal, longe do povo e de Deus. A seguir assim, se converterá em uma seita, porque muitas pessoas estão partindo para outras religiões. A Igreja vive uma hemorragia.
A Igreja deve mudar, modernizar-se, reconhecer que os casais têm direito a se divorciar e a usar a camisinha, que as mulheres podem abortar, que homens e mulheres podem ser homossexuais e se casar, que as mulheres podem chegar ao sacerdócio e ter acesso às esferas de decisão. Deve-se revisar a disciplina do celibato para que os sacerdotes possam amar como qualquer outro ser humano, sem ter que viver relações clandestinas, como delinquentes.
A situação atual é perversa e destruidora tanto para os indivíduos como para a Igreja. O Vaticano é a última monarquia absoluta da Europa. A Igreja deve aceitar a democracia em todos os níveis. E deve mudar de modelo porque o atual não é evangélico.
O que você pensa da Teologia da Libertação, que teve um desenvolvimento importante na América Latina?
Eu me interessei por ela porque é uma teologia que fala dos pobres. Não se fala da liturgia, nem do catecismo, nem da Igreja; fala-se do povo pobre. Ensina que são os próprios pobres que devem tomar consciência da necessidade de sua libertação.
Alguns de nós fomos muito tocados pelos ensinamentos de Dom Helder Câmara, no Brasil, um grande teólogo (2); do Monsenhor Leónidas Proaño, no Equador (3); de Oscar Romero, em El Salvador, e outros sacerdotes latino-americanos, principalmente. Para mim foi um choque brutal quando Romero foi assassinado celebrando a missa, em 24 de março de 1980. Ele havia deixado a Igreja dos poderosos para estar com os pobres. Achei admirável essa conversão.
Na América Latina, existiram alguns padres e freiras que pegaram em armas (4). Eu respeito sua decisão, não os julgo, ainda que não esteja de acordo com ela por ser um adepto da não-violência.
Evidentemente, a Teologia da Libertação é perigosa para os poderosos. Quando os pobres são submissos aceitam seu triste destino, então não há nada que temer, são pão abençoado para os poderosos. Os detentores do poder podem dormir tranquilos. Mas se os pobres despertam e adquirem consciência de sua condição, convertendo-se em atores da mudança, então isso produz medo no poder.
Parece que é terrível quando os pobres tomam a palavra e questionam a instituição eclesiástica. No mesmo instante, ela diz: “Atenção, cuidado com esses comunistas”. Porque sempre prevaleceu a obsessão da infiltração comunista. Por isso, regularmente, as ditaduras, os governos repressivos e o Vaticano se unem em um combate comum. Infelizmente não existem muitos rebeldes na Igreja, porque a instituição sempre formou para a obediência e para a submissão.
Como você vê a situação social e econômica na França hoje?
Eu julgo uma sociedade em função do que ela faz pelos mais
desfavorecidos. E é claro que eu só posso fazer um juízo severo, porque na França não se respeita a todos os seres humanos. Para mim o problema número um é a injustiça que reina por toda parte. Os que estão no poder não investem nos pobres. Temos um governo que só favorece os ricos. Por isso temos três milhões de pobres.
Muitos de nossos cidadãos acreditam que os trabalhadores ilegais se aproveitam do sistema, sem saber que eles recebem o formulário de impostos em suas casas. Ou seja, eles são conhecidos pelo governo, mas como não estão com os papéis em dia não podem se beneficiar de nenhuma ajuda social. Isso é uma extorsão por parte do Estado!
E a Igreja o que faz? Tomemos como exemplo o que ocorreu em 23 de agosto de 1996, quando quase mil policiais das forças especiais forçaram a ponta de machado as portas da Igreja Saint-Bernard-de-la-Chapelle em Paris, tirando a força 300 estrangeiros em situação irregular. Eu estava escandalizado e desgostoso porque o próprio bispo havia pedido sua expulsão. E quando alguém expulsa humanos que se protegem em uma igreja, está dessacralizando essa igreja. Desgraçadamente, isso continua acontecendo.
E o que se faz com os estrangeiros ilegais? São jogados em centros de detenção, e recebem um tratamento próprio de campos de concentração. Isso é o que ocorre hoje na França. Nas prisões, ocorre um suicídio a cada três dias. É um número enorme. O único horizonte para muitos desses presos é o suicídio, Nunca se viu algo igual. Na Europa, a França tem o recorde de suicídios por enforcamento na prisão.
E o discurso sobre a crise econômica, onde se situa?
Nesta crise, não são os ricos que estão em crise, são os mais pobres. Protestamos o ano passado contra as leis propostas pelo governo porque elas penalizavam os pobres. Hoje, muitos franceses só vão ao médico, ao dentista, ao oftalmologista quando é algo verdadeiramente de urgência. E às vezes já é tarde. Os direitos sociais estão sendo eliminados. E a crise atinge as famílias. Se alguém comprou uma casa, perde o trabalho e não arruma outro, deve revendê-la. Isso traz muitos problemas de droga e delinquência.
A moradia social não é uma prioridade política, porque aqueles que estão no poder possuem boas mansões. Constrói-se pouco e as pessoas não sabem aonde ir, restando-lhes as ruas ou algum sótão insalubre. E isso não importa, ainda que existam muitos edifícios vazios em Paris. Quando chega o inverno, o governo fala de “planos”. Então, abrem-se ginásios ou algumas salas para abrigar os milhares que não tem onde morar. Mas esses “planos” não são solução para o frio. A solução é construir habitações dignas. É uma vergonha, é desumano e não é cristão deixar que centenas de pessoas morram de frio nas calçadas e ruas da França.
Como disse o escritor Victor Hugo: “Fazemos caridade quando não conseguimos impor a justiça”. Porque não é de caridade que necessitamos. A justiça vai às causas; a caridade, aos efeitos. Eu não estou dizendo que não se deve ajudar com um prato de sopa ou um abrigo a quem está nas ruas. Existem urgências. Eu faço isso, mas minha consciência não fica tranquila, porque penso que devemos lutar contra as causas estruturais que prendem essas pessoas na injustiça. O mais triste é que as pessoas vão se acostumando com a injustiça. E eu digo: Despertem! Tenham vergonha! Vamos nos indignar contra a injustiça!
Hoje, a injustiça está presente por toda a França. Existem oásis de riqueza, de luxo exorbitante, e extensos guetos de miséria. Na França, há uma violação flagrante dos Direitos Humanos. Por isso devemos combater, para que os direitos das pessoas sejam respeitados.
No ano passado, ocorreram manifestações massivas de protesto contra diferentes projetos do governo, que se fez de surdo para o barulho das ruas.

Eu acredito que, quando não se respeita o povo que se expressa nas ruas, não se tem em conta o futuro. Na França, ficou um sentimento de raiva. Isso não pode seguir assim. Não se pode seguir metendo a polícia por todas as partes para conter a inconformidade do povo. Isso está nos levando na direção de um regime policial. A injustiça não traz paz. É exatamente o contrário. Existe fogo sob uma panela que querem manter fechada. Ela pode explodir.
As suas lutas pela justiça não se dão só na França. Sua palavra e ação se manifestam em outros lugares também. Poderia dar alguns exemplos?
Seguimos lutando pelos direitos do povo palestino. Israel é um Estado colonialista que rouba terra palestina e exclui esse povo pela força. Há mais de 60 anos que a Palestina vive sob a ocupação israelense e a injustiça. E a chamada “comunidade internacional” faz bem pouco ou nada. Por isso estamos nos mobilizando em todas as partes para exercer uma pressão sobre o governo israelense. E uma das ações é boicotar os produtos vindos de Israel, principalmente aqueles que são produzidos nos territórios ocupados. Cerca de 50 produtos agrícolas são produzidos na Palestina para benefício israelense. Enquanto os palestinos viverem na injustiça, não haverá paz.
Cuba. Este é um país que tem futuro. Eu pude constatar que é um povo digno, corajoso e solidário. Em Cuba pode haver pobreza, mas não existe a miséria que se vê em qualquer país da América Latina, ou na França, ou nos Estados Unidos. Apesar do bloqueio imposto pelos EUA, todos têm saúde e educação gratuita, e ninguém dorme nas ruas. É incrível!
Eu faço parte do Comitê Internacional pela Libertação dos Cinco Cubanos presos nos EUA. Eles lutaram contra as ações terroristas que estavam sendo preparadas em Miami. Resolvi participar do Comitê porque me dei conta da injustiça cometida contra eles e que não pode ser tolerada.
Qual a sua avaliação sobre a maneira pela qual a imprensa francesa trata os processos sociais e políticos alternativos que se desenrolam na América Latina? Por que essa imprensa tem a tendência a ridicularizar presidentes como Evo Morales e Hugo Chávez?
Esse comportamento da imprensa deve-se ao fato de que, regularmente, a França apóia a quem não deveria apoiar. É uma questão de interesses. Estes presidentes não fazem o que os ricos querem, assim a França se coloca ao lado dos ricos. É como faz na África também.
Agora, a participação das mulheres latino-americanas na política é sensacional. Uma mulher na presidência do Brasil é algo extraordinário! Na França, não fomos capazes nem de ter uma primeira ministra: somos tão machos! Ah, sim, uma vez tivemos a senhora Edith Cresson, mas ela não pode ficar por muito tempo já que tentaram massacrá-la em função de sua condição de mulher. Somos machos e vulgares como não se pode imaginar! Hoje, não é a velha Europa que dá o exemplo, é a América Latina. Devemos olhar para lá.
Duas últimas perguntas: o que outros altos membros da Igreja Católica pensam do senhor? E, como cidadão e ser humano, vê alguma alternativa para a situação social da França?
Em geral, minhas relações com os outros bispos são cordiais, ainda que alguns prefiram me ignorar. Não me enviam nenhum documento da Conferência Episcopal, não me convidam para a assembleia anual em Lourdes. Tampouco dizem o porquê, e eu também não perguntei, embora outros sacerdotes tenham perguntado, sem receberem uma resposta até hoje. Às vezes, isso não é confortável, mas o que me conforta é que estou em paz com minha consciência, por dizer o que penso, por denunciar a injustiça.
Quanto à segunda pergunta, tenho confiança e esperança nos homens e mulheres. Vamos seguir avançando. Existem movimentos cidadãos que estão criando um tecido associativo alternativo. Vejo muitas lutas que nascem e se desenvolvem pouco a pouco. É formidável! Cada um deve encontrar o caminho onde outros lutam. A unidade: é isso que pode ajudar a salvar a democracia e os direitos das pessoas. Eu tenho esperança.
Notas:
1) http://www.partenia.com
2) Foi arcebispo de Olinda e Recife. Morreu em 27 de agosto de 1999.
3) Chamado de « Bispo dos Índios », e também de « O bispo vermelho». Exercia seu trabalho pastoral na cidade de Riobamba. Morreu em 31 de agosto de 1988.
4) Vários sacerdotes e freiras somaram-se às guerrilhas. O precursor foi Camilo Torres, na Colômbia, que morreu em combate em 15 de fevereiro de 1966. Na Nicarágua, durante a guerra contra a ditadura de Somoza, muitos seguiram seu exemplo, sendo Ernesto Cardenal o mais famoso.
Hernando Calvo Ospina, jornalista colombiano residente na Europa, autor de vários livros, entre os quais: Salsa, Don Pablo Escobar, Perú: los senderos posibles y Bacardí: la guerra oculta
Tradução: Katarina Peixoto

Flávio Koutzii afirma: “Nos falta recuperar um pedaço da nossa história”

Bruno Alencastro/Sul21
Flávio Koutzii / Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Rachel Duarte no Sul21

Ex-asilado político, Flávio Koutzii assume no governo Tarso Genro a função de assessoramento superior. Vai garantir que as demandas da secretaria cheguem rapidamente ao governador e tenham, também, soluções rápidas. Trabalha com uma equipe pequena, de oito pessoas, que se revezam nas reuniões e elaboração de relatórios.
Na entrevista ao Sul21, Koutzii defendeu a criação da Comissão da Verdade, uma das lutas da ministra da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. Ele acredita que, agora, no governo Dilma, a Comissão será criada e os culpados pelo desaparecimento de 379 pessoas, segundo a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, durante a ditadura brasileira, serão punidos. “Nos falta recuperar um pedaço da nossa história”, diz Koutzii, que se emociona ao lembrar a posse de Dilma Rousseff na presidência da República. Para ele, Dilma representa o lema do ex-presidente francês François Mitterrand, pela conquista da presidência, em 1981: “a força tranquila”.
Sul21 – Como funciona a coordenação de Assessoramento Superior do Governador?
Flávio Koutzii (FK)
– A própria definição era um pouco genérica quando o governador me convidou para a função. Sou o coordenador e tenho um grupo de oito pessoas. O João Victor é o executivo e tem um papel importante. Ele se destacou na campanha eleitoral por ser o coordenador da bancada na Assembleia Legislativa. Então, tem conhecimento de todos os projetos do legislativo. Portanto, fizemos uma combinação, de atuarmos em parceria. Temos amizade e confiança recíproca e vamos jogar juntos. Em diferentes situações, eu ou ele atuamos. Na parte mais política, eu participo do núcleo de gestão, todas as manhãs, não mais do que meia hora.
“A transversalidade cobre duas concepções diferentes: de composição das estruturas e de conexão entre as secretarias”
Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Sul21 – O que é discutido nestas reuniões?
FK
– Não fazemos grandes análises. É um encontro para alinhavamento, entendimento e decisão. A forma de trabalho do governador, como ele mesmo já transpareceu nas entrevistas, é clara. Ele nos convida a uma forma de trabalhar muito precisa para concisão, discussões compactadas e tempo de decisão e execução rápida, de forma exigente e permanente. A nossa assessoria contribui para garantir esta forma de trabalho no encaminhamento das demandas por parte da secretarias. Este trabalho também pode acontecer na relação direta entre as secretarias, dentro do conceito da transversalidade, e aí estou falando não de uma palavra mágica. A transversalidade cobre duas concepções diferentes: de composição das estruturas, onde genericamente podemos definir como a lógica dos 30% de outros partidos como compensação nas estruturas comandadas por alguém de um determinado partido, e na conexão entre as secretarias, que tem interface para executar os projetos do governo.
Sul21 – O senhor está dizendo que a transversalidade prevê secretarias pluripartidárias. Tem alguns gestores que pensam diferente. Está clara a forma de trabalho do governo?
FK
- Eu entendi assim. Alguns secretários podem ter outro entendimento. Mas, o que não é dúvida para todos é que as secretarias não terão porteiras fechadas. E isto não será algo fácil de fazer. Mas, concluída esta composição, e com o passar do tempo, será perceptível as virtudes da transversalidade. O que está intrínseco nesse conceito é que não haverá feudos de partidos, com assuntos que ninguém nunca saberá. Os problemas ou dificuldades não serão públicos só quando os chefes relatarem. A transversalidade ajuda a instigar a gestão, traz a boa inquietação. Outra noção boa que traz este conceito é a boa funcionalidade das estruturas do governo. Evita o que já vimos em outros governos: as secretarias se tornarem ilhas e o arquipélago ser um desastre.
Nós do PT temos bastante acúmulo do governo Lula, do governo Olívio, dos nossos governos nas prefeituras. Eu te diria a mesma coisa se esta entrevista estivesse acontecendo oito anos atrás, mas hoje posso te dizer com mais intensidade e amplitude que temos uma nova geração de gestores petistas que passaram por experiências de gestão, acertando e errando, compreendendo como chegar perto do ideário petista, levando em conta as realidades financeiras, limitações do aparelho estatal, como também de interconexões que não exercitávamos anteriormente.
Sul21 – Esta é outra questão que parece contraditória. O senhor fala de “geração de gestores petistas”. Onde ela está contemplada no governo? O que vimos é a repetição de quadros do primeiro governo petista.
FK
– É muito boa essa pergunta. O Sul21 já trouxe esse debate em outra matéria que tinha um intertítulo: “A herança do Olívio”. Por razões óbvias, eu fiquei meio assim ao ler. Mas, esta pergunta oportuniza um raciocínio interessante. Seria uma tragédia se as figuras que estão no governo hoje e que estiveram em outro governo 10 anos atrás não tivessem nenhuma experiência. Mas, aproveitar essa vivência anterior pode ser vista como um mérito. Os quadros que realizaram determinadas experiências e depois voltaram para suas funções públicas, se as tinham, foram acumulando e podem contribuir agora. E esta pergunta traz embutido um alerta positivo: tem uma certa “taxa de velharia” no governo atual. Eu defendo que isso é bom. Mas, não por ter a idade que tenho, mas, sim, porque todos os que estão neste governo, principalmente os partidos que integraram depois a coligação, têm uma visão diferente da nossa. E os mais experientes ajudam a preservar aquilo que preside este processo, que é nós termos uma centralidade política, um programa e uma situação privilegiada com o governo federal.
“Só a cegueira ou o sectarismo de direita não percebem que o governo Dilma é de uma era política diferente”
Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Sul21 – De que forma exatamente poderá trazer benefícios para o estado o alinhamento partidário dos governos federal e estadual?
FK
– O governo Dilma é de uma era política diferente, herdada da era Lula. Só a cegueira ou o sectarismo de direita não percebem. Hoje, a palavra xiita deveria ser usada em relação a vários cronistas e comentaristas políticos que dizem a mesma coisa há 20 anos. Eles poderiam mudar as suas perguntas sobre o país; a sociedade já deu a resposta para elas. E falo isso sem demagogia. A imprensa está muito polarizada.
Existem quatro ou cinco perguntas inevitáveis que serão sempre feitas a todo petista que estiver na frente do jornalista hoje.
A pauta tem que ser outra. Recentemente saiu na internet a lista das dez manchetes dos últimos dias nos jornais da grande imprensa nacional. Todas eram a pauta proposta na campanha do José Serra (PSDB). Eles podem até defender esta pauta, como claramente o fazem, mas não dá para estabelecer uma relação com a realidade escolhida pela maioria da população. Não quer dizer uma relação submissa ou de aceitação pacífica ao governo Dilma. Mas, é preciso dialogar com as ideias que provavelmente um governo que teve oito anos de experiência, e tem uma inflexão continuista, terá. E digo continuista no bom sentido.
“Podemos esperar um cenário menos controverso do que tivemos no governo Olívio”
Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Sul21 – Qual pauta o senhor refere ser a pauta serrista? A insistência com o tema da educação brasileira, por exemplo?
FK
- Eu acho que esse tema se transformou em uma espécie de mantra da direita e do conservadorismo derrotado para um sentido particular. Claro que temos ainda enormes problemas na Educação, como na Saúde. Mas, o que me parece evidente e que faz parte de uma análise intelectualmente séria e politicamente honesta é dizer também que além dos problemas, temos avanços reais na educação brasileira. Os salários não aumentaram espetacularmente, mas faz diferença a criação de um piso nacional para o magistério.
Por isso que eu evoco a comparação disso como o “demônio da alma secreta de todo o petista que envenenará o cara que estiver mais perto”. Estas coisas demoníacas e tão animalescas e bestializadas que muito tempo foram cultivadas pela revista Veja, eu conheço. É uma estratégia de propaganda de demonização que vem desde a época do nazismo. A utilização de uma hidra com sete cabeças que foi a capa da Veja quando teve o seminário do PT, foi para associar o que seria a imagem do próximo governo do PT, o da Dilma.
Esses símbolos embolam nesta sopa meio diabólica outros temas, como o da educação agora. Por isso que eu uso a expressão mantra. É um jeito de fazer a comunicação. A parte alcançada é diminuída na sua importância e significação, e se utilizam métodos comparativos de índices mundiais, que é natural que estejamos atrás. Mas, se compararmos com índices do próprio Brasil, teve avanços. Nunca antes na história deste país se dobrou o número de escolas técnicas federais que tínhamos ao longo de toda a história republicana brasileira. Isso não é um detalhe ou aquele truque que qualquer político faz, que é legítimo, de mostrar pequenas obras para fazer marketing. Não é isso. Tu dobrar a oferta para a demanda de ensino técnico tem a ver com uma preocupação com o ensino, que é a mesma preocupação de toda população. A unificação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também foi uma conquista importante. Mas, também virou o exemplo de desastre, porque o controle das empresas terceirizadas teve problema.
Mesmo com os percalços, estamos estabelecendo um padrão nacional e sistemático. Citei apenas dois exemplos. Mas o mantra utiliza a tática de desconhecer os progressos, por mais que ainda sejam insuficientes, dando ideia de que nada aconteceu.
Sul21 – Essa tática também será utilizada pela imprensa gaúcha? Ao exemplo do que ocorreu na gestão de Olívio Dutra?
FK
– Podemos esperar um cenário menos controverso do que tivemos no governo Olívio, por várias razões. Tivemos oito anos de gestão Lula. Já aprendemos com os erros do passado. Tomamos a atitude complexa de ampliar a base de governabilidade. Partindo disso, diminui parcialmente o campo de uma feroz forma de atuação da imprensa, que foi a que atuou desde a largada do governo Olívio. Criamos condições de arrancar com uma crispação muito menor. Porém, sou daqueles que pensa individualmente que o debate continua.
Sul21 – Apoio às mídias alternativas será suficiente para alcançar um equilíbrio neste debate?
FK
– Sem dúvida. Os indicadores nacionais de gastos com publicidade no governo Lula mostram que foram repassados recursos para 8 mil veículos, não mais 800 como era antes. Isto foi uma conquista democrática. Mas não porque se atendeu o compadre do pequeno jornal, mas porque atendeu a diversificação das mídias, redestribuindo as verbas públicas. Aqui (RS) teremos este mesmo critério. Respeitaremos os veículos tradicionais, mas vamos incentivar os demais.
Sul21 – A sua coordenação lhe permite opinar sobre todas as áreas do governo?
FK
– Sim. Mas minha participação varia muito. Os demais companheiros da equipe revezam os acompanhamentos das reuniões. Sempre fazemos breves sínteses das reuniões para o acompanhamento do governador. Isso nos dá certa noção geral do governo, mas não ultrapassamos as nossas competências. É claro que, como membro do núcleo de gestão, participo com observações que penso ser pertinentes.
“Para nossa tarefa, precisamos ter maturidade, para não nos sombrear com outras áreas”
Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Sul21 – Terá áreas mais prioritárias de relações na sua coordenação, como a articulação política junto à Casa Civil, por exemplo?
FK
– Nós temos finalidade específica. Somos assessores do governador que têm atribuições desde participar do centro político de decisões, monitorar alguns projetos e seguir determinações do governador. É uma tarefa para a qual precisamos ter maturidade, para não se sombrear com outras áreas do governo. É necessário se autolimitar, para ser realmente uma força auxiliar com a hierarquia voltada ao governador, dialogar bem e ajudar as secretarias.
Sul21 – Como está o andamento geral do governo nestas primeiras semanas?
FK
- Ainda estamos nos organizando e terminando a composição do segundo escalão. Mas já temos nos apropriado de alguns temas, como as cartas-consultas dos empréstimos financeiros e a aprovação dos projetos na Assembleia Legislativa.
Sul21 – Como é a sua relação com o governador Tarso Genro?
FK
– Nos conhecemos há muito tempo. Mas, nunca estive tão perto dele como nesta eleição. Acompanhei os debates da coordenação de campanha. Vivenciei algumas avaliações, decisões. E, no período da transição, também acompanhei os labirintos da composição. A instância para arbitrar situações que viravam impasses era o governador, mas a nossa tarefa sempre foi levar o mínimo de questões para o governador arbitrar. Nesse processo eu me aproximei mais do Tarso.
Sul21 – Mas o senhor fundou junto com ele uma das correntes do PT. Como foi essa aproximação político-partidária?
FK
– Quando eu voltei da França, onde estava exilado, em 1984, o Tarso estava entrando no PT. Nesta época se falava de construir o partido e para mim foi fantástico, pois eu tinha ficado 14 anos fora. Mas eu era um cara meio portenho e até sempre debochei que não sei como me entendiam, porque o meu português era terrível. Sempre foi muito viva a memória de Buenos Aires, da prisão…
Aqueles anos na Argentina foram muito impactantes na minha vida. Como o período na França. Foram cinco anos, mas foram dramáticos. Foi uma tentativa de reconstrução pessoal, depois de duas derrotas gigantescas, prisão, tortura, muita gente perdida… Minha autocrítica com minhas próprias responsabilidades, com meu sentimento de culpa em ter falhado aqui.
“A Argentina colocou na cadeia os seus ditadores. E o Brasil não conseguiu sequer tratar do assunto”
Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Sul21 – A ministra da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, começou o mandato pedindo que seja aprovada a criação da Comissão da Verdade, que irá apurar os crimes da ditadura militar. O senhor acredita que o governo Dilma irá conseguir isso?
FK
– Agora vai. Este é um atraso para nossa nação. Tanto o ministro Paulo Vanuchi como o Tarso foram figuras emblemáticas na tentativa de avançar neste tema. Tanto no Plano de Direitos Humanos quanto na tentativa de responsabilizar os torturadores por crimes contra humanidade. Portanto, reler o tema da anistia como ele tem que ser feito.
E ver o atraso do Brasil me remete ao meu pedaço de vida argentina. A Argentina colocou na cadeia os seus ditadores. E o Brasil não conseguiu sequer tratar do assunto. A direita e seus interessados dizem que este é um tema revanchista. Não. Nos falta recuperar um pedaço da história. É impossível que os jovens continuem sendo formados dentro do Exército, que seja legítimo ter uma educação deformada da história. Uma espécie de fossilização do passado e uma indecência inadmissível.
Eu me considero concernido por todas essas coisas. Mas não acho que isso é uma questão de acerto pessoal. Há um pedaço faltando nesta história. Como podemos, simplesmente, aceitar o desaparecimento de cerca de 400 pessoas do país? Simplesmente nos convidam a esquecer? O que me alarma terrivelmente é o discernimento sobre a ética deste tema. Ninguém quer fazer um novo capítulo do passado. Temos que acertar as contas com o passado para ter uma luminosidade mais clara do conjunto da nossa história. Isso tem a ver com a educação, com a memória de um povo e com a formação do nosso Exército. No governo Lula começou a haver, especialmente a partir do segundo mandato, uma modernização do Exército brasileiro. Essa modernização implicará em algumas revisões doutrinárias do que deve ser uma força nacional de defesa. E o resto? Também. A formação cívica, onde a moral cívica não é da ditadura militar. Este tema ficou pendente do governo Lula e a nossa presidenta terá coragem para fazê-lo.
Sul21 – Precisou de uma mulher para fazer isso?
FK
– É verdade. Duas né. (risos)
Sul21 – Qual o significado da eleição de Dilma Rousseff para o país?
FK
– Eu senti mais o aspecto da vitória, do ponto de vista mais amplo, de todos. Foi a candidatura do projeto em que eu acredito, que conseguiu coisas notáveis para o país, apesar de ainda faltarem avanços. Medularmente envolvido com a política como estou, posso dizer que o mau-caratismo da campanha eleitoral nacional, fez com que a vitória de Dilma fosse uma confirmação de sua segurança e da sua força. Ela encarou um câncer, uma situação de ser candidata à presidência da República, uma campanha que atacou pontos sensíveis e fora do debate político e conseguiu crescer e vencer. A minha impressão pessoal do dia de sua posse….
(emocionou-se e chorou)
Desculpa. Me engasguei. Não sou um personagem de paparicações, mas tem uma imagem de força na Dilma que lembra o lema do Mitterrand (François), quando ganhou as eleições na França, em 1981: “La force tranquille”. É a força tranquila. Tem uma síntese genial essa frase e me fez lembrar a síntese da trajetória de conquista da Dilma. Essa foi a sensação subjetiva que me passou. Que ela tem uma densidade e uma história de vida que é dura, mas ela foi tranquila e segurou.
Sul21 – Como o senhor prevê a participação do estado nas eleições do Parlamento do Mercosul e como será a relação diplomática com os países que compõem o bloco?
FK
– O único país que já elegeu para o Parlamento é o Paraguai. Até agora todo o Parlamento era indicado. Este assunto é importante. O deputado federal Rosinha no Paraná presidiu uma parte da gestação do futuro Parlamento eleito. Mas, este tema ainda não foi tratado. Não está em pauta ainda no governo. Talvez esquente mais na metade do ano. Em todo caso, com o Mercosul nós temos toda a ambição. Vamos contar com o trabalho da assessoria de Relações Internacionais para isso.