domingo, 13 de março de 2011

A produção/consumo de animais não-humanos

Processos e impactos da (agro)pecuária

por Rui Pedro Fonseca [*]
Anabela Santos [**]
.  
1. Evolução da produção/consumo de animais não-humanos sencientes .

Nos últimos dois séculos, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, a relação dos animais não-humanos sencientes [1] com a espécie humana modificou-se consideravelmente, em particular, nos países mais desenvolvidos.

Com efeito, a industrialização modificou os dez mil anos de agricultura de base da civilização humana. Das primeiras máquinas debulhadoras de 1830 aos tractores modernos do pós-guerra, dos antibióticos aos modelos de negócios corporativos, a industrialização tem vindo a dominar as mentalidades e práticas da agricultura e da pecuária. A optimização tecnológica e as modificações económicas, políticas e socioculturais têm influenciado definitivamente o sector da pecuária.

Os/As criadores/as de gado do mundo ocidental adoptaram critérios de produção fundados num mercado livre, competitivo e em crescendo, sendo que o paradigma de criação de gado baseado num modelo de subsistência local se transformou num tipo de distribuição muito intensa e mais vasta em termos territoriais. O novo paradigma consiste na criação industrial de animais não-humanos sencientes ou " factory farming ", permitindo que, por exemplo, "carne de vaca" [2] da Argentina chegue ao distrito da Guarda, ou que "carne de porco" portuguesa chegue ao Brasil.

Hoje, vivemos sem a presença física de animais não-humanos sencientes; contudo, a sua produção mundial para abate aumentou substancialmente desde 1961 (71 milhões de toneladas), chegando, em 2007, às 275 milhões de toneladas. Peritas/os prevêem que, em 2050, a produção para abate duplicará, superando as 465 milhões de toneladas. [3]

Em seis mil milhões de pessoas, apenas dois mil milhões vivem primariamente de uma dieta à base de cadáveres de animais não-humanos, enquanto quatro mil milhões vivem de uma dieta essencialmente à base de produtos de origem vegetal. [4]

Portugal, um país económica e culturalmente globalizado, tende a revelar os mesmos padrões de produção e de consumo que os países mais desenvolvidos.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) confirma esta tendência: as/os consumidoras/es portuguesas/es tendem a enveredar por uma dieta com índices excessivos em proteínas de origem animal, em detrimento dos frutos, legumes e leguminosas secas : de 2005 a 2010, "carne", "peixe" e ovos, óleos e gorduras registam um consumo excedentário em 11% para além "do recomendado" . Em relação ao grupo dos "hortícolas", a população portuguesa apresenta um consumo deficitário em 10%. Ao longo dos cinco anos em análise, o consumo de "carne" aumentou cerca de 7%, a uma taxa média anual de 1,1%. De acordo com o INE, esta tendência começou a verificar-se a partir de 1990. [5]

2. Corolários da produção/consumo de animais não-humanos sencientes

Desde 1950, a produção e consumo de animais não-humanos sencientes aumentou substancialmente nos países mais desenvolvidos. Todavia, a fabricação destes sujeitos com vista ao abate traduz-se em corolários drásticos a níveis vários, a saber:

–Malefícios na Saúde Pública

O consumo de animais não-humanos sencientes provoca obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes e cancros (com maior incidência no cólon e próstata), que são, de resto, as principais causas de morte nos países ricos.

No panorama nacional, o INE certifica que a "disponibilidade para o consumo de gorduras saturadas excede as recomendações internacionais e é um dos principais factores de risco para o desenvolvimento das doenças cardiovasculares". [6]

Estudos referenciados internacionalmente têm relacionado o consumo da "carne vermelha" ou de "carnes processadas" com o aumento de riscos de várias doenças: o World Cancer Research aponta a "carne vermelha" como um dos factores de risco de cancro (acima dos 20%) do pulmão e do colo-rectal.

De acordo com estudos no Nutrition, Metabilism and Cardiovascular Diseases, ao consumo de "carnes vermelhas" está associado o aumento em 24% de doenças cardiovasculares, em particular ataques cardíacos.

No jornal Diabetologia, [7] cientistas da Universidade de Oslo concluem que o elevado consumo de "carne vermelha" ou de "carne processada" aumenta o risco de desenvolver diabetes tipo 2 em 40%. [8] Antibióticos provenientes de rações químicas, vacinas, pesticidas, drogas alopáticas variadas, carapaticidas, toxinas como o escatol, histamina, putrescina, cadaverina, notrosaminas, nitritos e nitratos, químicos como o formol, adrenalina, adrenocomo e adrenolutina, benzopireno, sagihate (verme intestinal perigoso); bactérias e vírus diversos; brucelose, tuberculose bovina; substâncias linfocitárias alergenos, antigenos, benzoqureno, e as hormonas sintéticas (dietiletilobestrol e sulfato de sódio) são administrados a animais não-humanos sencientes para múltiplas funções, a saber: prevenção de doenças, aumento da produção do leite; crescimento galopante, etc. E constam no conjunto de químicos nocivos assimilados pelo organismo humano aquando da ingestão de animais não-humanos sencientes ou de lacticínios. [9]

–Distribuição não equitativa de recursos: má nutrição e crises alimentares

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) cerca de 3 mil milhões de pessoas apresentam má nutrição. Inúmeros estudos apontam que a produção intensiva de animais não-humanos sencientes constitui uma das causas para este facto, pois o ' factory farming ' encerra graves problemas de insustentabilidade atinentes ao uso de recursos naturais (e.g. água, solo e energia).

A produção de grão e cereais tem sido um pilar fundamental no sustento humano. Porém, a distribuição destes alimentos é desigual na rede económica global das sociedades contemporâneas: não atende às necessidades das populações mundiais, apenas às dos países desenvolvidos. Quem tem acesso à produção de animais não-humanos sencientes são os países mais ricos e as elites dos países mais pobres.

Cerca de 70% da produção mundial de grão e cereais é utilizada para a produção de "carne". A produção de proteína animal é demasiado exigente ao nível de recursos. Em termos concretos, uma dieta à base "carne" exige sete vezes mais solo que uma dieta à base de vegetais [10] ; produzir 1kg de carne requer cerca de 13kg de grão e 30kg de feno e 100.000L de água [11] . Em comparação, 900L de água são necessários para produzir 1kg de milho e são necessários 3,000L de água para produzir 1kg de arroz [12] . Na produção de 1kg soja, são necessários 2000L de água e 500L para produzir 1kg de batatas. Em grosso modo, usando os registos dos Estados Unidos, os animais não-humanos sencientes criados para abate consomem sete vezes mais grão/cereais que a população norte-americana. [13]

Assim, se a produção de animais não-humanos sencientes para abate fosse reduzida a cerca de 70%, o alimento básico produzido actualmente seria suficiente para colmatar as necessidades das populações mundiais, integralmente.

– Degradação ambiental

Em consonância com o relatório da ONU "Livestock´s Long Shadow – Environmental Issues and Options (2006), a indústria da pecuária constitui-se como um dos maiores responsáveis da degradação ambiental, nomeadamente pela poluição da água, degradação dos solos e perda de biodiversidade. [14]

O documento mostra que o "sector da agropecuária imerge como um dos dois ou três maiores contribuidores de problemas ambientais sérios, às escalas local e global". [15] O sector da agropecuária é responsável pela emissão de 18% de emissões de gazes poluentes, taxa ainda mais elevada que o sector dos transportes. [16]

A produção de proteína animal requer oito vezes mais energias fósseis do que a da proteína de origem vegetal. De acordo com Daniele Fanelli, a produção de 1kg de "carne" equivale à distância percorrida por um automóvel de 250 km, e queima energia o suficiente para acender uma lâmpada de 100W durante quase vinte dias [17] .

Os animais não-humanos sencientes, confinados em produções intensivas, geram uma quantidade de excrementos três vezes superior àquela que é gerada por humanas/os. Os resultados práticos são devastadores. A Ribeira dos Milagres, no conselho de Leiria, trata-se de um dos casos paradigmáticos em Portugal: apresenta frequentemente " espuma abundante" e "cheiro característico das suiniculturas" em virtude do excesso de produção de suínos, cujos dejectos são lançados para as águas, dizimando peixes e afectando as populações circundantes. [18]

–Pecuária como estímulo-resposta ao capitalismo

A pecuária promove/absorve/vivifica condutas apanágio do sistema capitalista, nomeadamente a violações dos direitos humanos (e.g. exploração da mão-de-obra, condições de trabalho insalubres, etc.) e a extinção de culturas e de negócios de subsistência local decorrentes do fluxo mercantil mundial de animais não-humanos sencientes abatidos e da proliferação de corporações (e.g. McDonalds, Burger king, Kentucky Fried Chicken , etc).

Portugal não é caso excepcional e é também palco para que estas grandes corporações possam expandir-se. Em 2008, a Burger King gerou 12 milhões de euros, uma subida de 34,9%, ao passo que a KFC conseguiu seis milhões (+2%). [19] A maior cadeia de restaurantes de fast-food do mundo – McDonalds – divulgou um aumento dos lucros da empresa em 10% no terceiro trimestre de 2010, tendo lucrado 1,39 mil milhões de dólares. [20] Em contraste, a Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) indica uma "quebra média do volume de negócios do sector entre 30 e 35%, no terceiro trimestre", em 2008 [21] .

–Violação dos direitos dos animais não-humanos sencientes

De acordo com a Compassion in World Farming Trust (2006), a senciência consiste na capacidade de sentir (e.g. dor, prazer, fome, sede, calor, frio, etc.) e na atribuição de emoções às sensações. O animal não-humano senciente é capaz de interpretar informação, compreender o contexto em que se insere, estabelecer relações com os seus pares, analisar perigos, solucionar problemas. A senciência não significa necessariamente a posse de capacidades complexas de entendimento, aprendizagem e/ou intelectualidade, embora também as possa incluir. [22]

O reconhecimento dos direitos dos animais não-humanos depende de construções ideológicas e assumpções socioculturais. É, nesta medida, que se justifica a chacina de uns e não de outros numa determinada região.

No Ocidente, por exemplo, há uma maior preocupação social em proteger cães e gatos, já que estes são pensados como "animais de companhia" [23] Por outro lado, a vaca, porco, galinha ou ovelha são consideradas/os "animais comestíveis" ou 'food animals'. São ignoradas/os, coisificadas/os, fragmentadas/os e consumidas/os em forma de "bife", "chouriço", etc. Tornam-se referenciais ausentes na/pela tecnologia, linguagem e representação cultural com vista a omitir os meandros atrozes da produção industrial de animais não-humanos sencientes. [24] Porém, antes ainda da sua objectificação, fragmentação e consumo, estes seres sencientes são expostos às mais ignóbeis formas de opressão, exploração e violência durante os processos industriais.

Com efeito, os animais não-humanos sencientes fabricados sofrem com a privação de liberdades, vontades, acções e movimentos. Milhões vivem fechados, acorrentados e circunscritos a espaços exíguos, insalubres e, muitas vezes, sem luz solar ou artificial. É frequente o desenvolvimento de infecções e/ou doenças, auto-mutilação, etc) [25] . Por exemplo, cerca de 850 milhões de galinhas estão enclausuradas no Reino Unido. Cada aviário contém 30-40 mil galinhas, as quais jamais vêem luz. Anualmente, 2,5 milhões galinhas são mortas para serem convertidas em "carne" [26] .

Os comportamentos naturais são mecanicamente regulados (e.g. procriação, aleitamento, etc.) e o tipo, frequência e modo de alimentação são definidos apenas com vista à maximização dos lucros das empresas pecuárias. [27] Mutilam-nos (e.g. castração, corte de cauda, debicar, descornar, etc.) sem uso de lenificantes ou anestesiantes; são-lhes injectados hormonas e antibióticos para acelerar o crescimento [28] ; são vítimas de abusos sexuais. [29]

As fêmeas tendem a desenvolver problemas de saúde graves, pois são obrigadas a procriar reiteradamente de forma a maximizar a produção máxima [30] . As vacas, por exemplo, sofrem de claudicação crónica, inflamações mamárias/infecções nos úberes. São forçadas a engravidar; é-lhes sorvido o leite para o consumo humano, ininterruptamente. Os bezerros machos, considerados inúteis na indústria de lacticínios, são geralmente mortos. [31] .

Os animais não-humanos sencientes fabricados são ainda impedidos de criar e participar em actividades lúdicas específicas da sua espécie, são-lhes quebradas as relações de parentesco desde a tenra idade, estabelecem relações sociais muito limitadas, não conseguem comunicar idoneamente com membros do seu grupo ou família. [32]

O transporte dos 'food animals' provoca-lhes frequentemente dor e doenças na medida em que são deslocados em grande número, carregados, descarregados e mantidos em espaços pequenos, sob o uso de violência [33] .

Na actualidade, inúmeros países reconhecem os direitos dos animais não-humanos sencientes e incluem-nos nos seus sistemas legais. Por exemplo, a Directiva da União Europeia de 1993 exige a imunização dos 'food animals' a qualquer "dor ou sofrimento evitáveis" durante a matança, impondo condições de criação destes indivíduos. No entanto, as práticas pecuárias (intensivas) são avessas a tais premissas [34] . Causam, ao invés, sofrimento físico e psicológico, provocando medo, angústia, stress, ansiedade e frustração, bem como debilitação física e/ou a morte. [35]

3. No alcance do veganismo: uma visão sustentável, consciente e não-especista

Em anuência com a Vegan Society (2006) [36] , o veganismo consiste numa posição ideológica que recusa a opressão/exploração de animais não-humanos, em absoluto.

Boicota a pecuária; erradica da dieta alimentar "carnes", gelatina, lacticínios, ovos, mel e quaisquer produtos de origem animal; opõe-se ao carnismo [37] ; veta a indústria de peles; exclui vestuário, medicamentos, cosmética, contraceptivos, ornamentação e produtos de higiene e limpeza que contenham substâncias de origem animal; repudia o uso de animais não-humanos no campo científico, em circos, touradas, rodeios, vaquejadas, jardins zoológicos, equitação, caça e pesca desportivas, etc. Nessa medida, as/os veganas/os visam promover a criação, desenvolvimento e uso de produtos de origem não-animal com vista a proteger os direitos dos sujeitos humanos e não-humanos (sencientes), bem como preservar o meio ambiente. [38]

Em sentido lato, o veganismo opõe-se ao especismo (ie. ideologia que pressupõe a superioridade da espécie humana sobre as restantes), assim como o vegetarianismo (ie. dieta alimentar à base de grãos, sementes, vegetais, cereais e frutas, com ou sem o uso de lacticínios e ovo) [39] antagoniza com o carnismo (ie. ideologia que induz as pessoas a comer (certos) animais, sob a premissa de que a "carne" é imprescindível ao organismo humano) [40] .

De acordo com a ideologia vegana, os animais não-humanos detêm autonomia própria e liberdades invioláveis; não existem para alimentar, vestir e entreter os animais humanos . O animal não-humano não é propriedade, herança ou objecto; é tão-só dono de si mesmo. Objectificá-lo e/ou comê-lo é promover o especismo, ou seja, uma ideologia discriminatória como o sexismo, racismo, transfobia, lesbofobia, xenofobia, homofobia ou islamofobia [41] .

As práticas veganas são, em suma, um caminho eficiente para reverter os corolários nocivos da pecuária, nomeadamente reduzir a violência exercida em animais não-humanos, proteger o meio ambiente, travar fomes e crises alimentares, melhorar a saúde pública. Para a ecofeminista Carol J. Adams [42] , é necessário um rompimento com a história dominante. Impõe-se um corte com a história hegemónica, discriminatória e especista – acrescentamos nós – no sentido da edificação de sociedades veganas, mais sustentáveis e conscientes. É também, este, um dos caminhos de luta: a veganização [43] . Tomemos parte.
Notas
1. Utiliza-se a expressão "animais não-humanos" como recusa à atribuição especista "animais irracionais". Seria ainda impreciso usar apenas "animais", pois esta categoria inclui também mulheres e homens.
2. Os vocábulos "carne", "bifes" e "chouriço" são atribuições gastronómicas. São utilizados entre-aspas no sentido de mostrar o nosso desacordo. Segundo um posicionamento não-especista/vegano – que é o que aqui sustentamos – os correspondentes seriam "cadáveres (de animais não-humanos)".
3. Cf. Meat Production Continues to Rise by Brian Halweil | August 20, 2008 – World Watch Institute http://www.worldwatch.org/node/5443
4. Sustainability of meat-based and plant-based diets and the environment by David Pimentel and Marcia Pimentel - American Journal of Clinical Nutrition, Vol. 78, No. 3, 660S-663S, September 2003 http://www.ajcn.org/content/78/3/660S.full
5. Cf. Portugueses optam por dietas cada vez mais calóricas Base de Dados de Qualidade e Segurança Alimentar 13-12-2010 http://qualfood.biostrument.com/?option=noticia&task=show&id=11807
6. Dieta portuguesa afasta-se das boas práticas nutricionais Balança Alimentar Portuguesa – 2003-2008 30 de Novembro de 2010 pág. 4 http://www.alea.pt/html/actual/pdf/actualidades_55.pdf
7. Cf.: Seeing red: The health implications of meat consumption By Stephen Daniell (2009, Vol. 52, pp. 2277-2287) www.foodnavigator.com/..,
8. Seeing red: The health implications of meat consumption By Stephen Daniell (2009, Vol. 52, pp. 2277-2287) www.foodnavigator.com/...
9. cf. Porque não comer carne? Suzete Barreto http://www.saudeintegral.com/artigos/por-que-nao-comer-carne.html 7 de Junho de 2007
10. Cf. Meat production's environmental toll Stephen Leckie Fevereiro 2002 Torono Vegetarian Association http://utcare.sa.utoronto.ca/resources/TVA_Meat_Environment.pdf
11. Sustainability of meat-based and plant-based diets and the environment David Pimentel and Marcia Pimentel in American Journal of Clinical Nutrition, Vol. 78, No. 3, 660S-663S, September 2003 http://www.ajcn.org/content/78/3/660S.full
12. Footprint 2008. The website was originally set up by prof. Arjen Y. Hoekstra and dr. Ashok K. Chapagain at UNESCO-IHE in 2004.
13. Idem
14. cf.p.408 Livestock´s Long Shadow – Environmental Issues and Options, 2006, 408 pp. http://www.shabkar.org/download/pdf/Livestock_s_Long_Shadow.pdf 2006
15. Livestock´s Long Shadow p.22 – Environmental Issues and Options , 2006, 408 pp. http://www.shabkar.org/download/pdf/Livestock_s_Long_Shadow.pdf
16. cf. Livestock´s Long Shadow p.23 – Environmental Issues and Options , 2006, 408 pp. http://www.shabkar.org/download/pdf/Livestock_s_Long_Shadow.pdf 2006
17. Cf. Meat is murder on the environment 18 July 2007 by Daniele Fanelli Magazine issue 2613 in Wannaveg.com - http://wannaveg.com/2007/07/19/meat-is-murderon-the-environment
18. Comissão denuncia nova descarga poluente para a ribeira dos Milagres Ecoesfera, OPublico 21.04.2010 Lusa http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1433254
19. Restaurantes trocados por fast-food – João Paulo Madeira, Jornal de Noticias 2008-11-20 - http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=1047067
20. McDonald's aumenta lucros em 10% no terceiro trimestre - Pedro Carreira Garcia, 21 de Outubro 2010 Negócios Online http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=449927
21. Restaurantes trocados por fast-food   – João Paulo Madeira,   Jornal de Notícias 2008-11-20 http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=1047067
22. "Trust Stop – Look – Listen: Recognising the Sentience of Farm Animals" Compassion in World Farming Trust (2006) p. 6 http://www.ciwf.org.uk/
23. "Trust Stop – Look – Listen: Recognising the Sentience of Farm Animals" Compassion in World Farming Trust (2006) p. 9 http://www.ciwf.org.uk/
24. Why feminist-vegan now? Adams, Carol G.; p. 304 Feminism & Psychology, Vol. 20 No. 3, London: Sage Publications, Inc., 302-317, 2010.
25. "Trust Stop – Look – Listen: Recognising the Sentience of Farm Animals" Compassion in World Farming Trust (2006) p. 30 http://www.ciwf.org.uk/
26. Viva! p.2 - http://www.viva.org.uk/campaigns/chickens/broiler.htm
27. "Trust Stop – Look – Listen: Recognising the Sentience of Farm Animals" Compassion in World Farming Trust (2006) p. 40 http://www.ciwf.org.uk/
28. Idem
29. Does Eating Meat Support Bestiality? Bruce Friedrich, 2010 www.huffingtonpost.com/bruce-friedrich/does-eating-meat-support-_b_773166.html
30. "Trust Stop – Look – Listen: Recognising the Sentience of Farm Animals" Compassion in World Farming Trust (2006) p. 40 http://www.ciwf.org.uk/
31. Viva! - http://www.viva.org.uk/goingvegan/index.php
32. "Trust Stop – Look – Listen: Recognising the Sentience of Farm Animals" Compassion in World Farming Trust (2006) p. 40 http://www.ciwf.org.uk/
33. "Trust Stop – Look – Listen: Recognising the Sentience of Farm Animals" Compassion in World Farming Trust (2006) p. 33 http://www.ciwf.org.uk/
34. "Trust Stop – Look – Listen: Recognising the Sentience of Farm Animals" Compassion in World Farming Trust (2006) p. 30 http://www.ciwf.org.uk/
35. "Trust Stop – Look – Listen: Recognising the Sentience of Farm Animals" Compassion in World Farming Trust (2006) p. 40 http://www.ciwf.org.uk/
36. Vegan Society www.vegansociety.com/uploadedFiles/About_Us/Articles-of-Association-Nov-10.pdf
37. Melanie Joy http://www.carnism.com/
38. Idem
39. Centro Vegetariano - http://www.centrovegetariano.org/Article-70-Tipos%2Bde%2Bvegetarianos.html
40. Melanie Joy http://www.carnism.com/
41. Documentário Earthlings http://www.youtube.com/watch?v=ce4DJh-L7Ys
42. Why feminist-vegan now? Adams, Carol G. p.; 315 Feminism & Psychology, Vol. 20 No. 3, London: Sage Publications, Inc., 302-317, 2010.
43. A expressão 'veganização' é criação nossa. Refere-se ao processo de promoção, desenvolvimento e adopção de atitudes/comportamentos não-especistas, isto é, avessos à exploração de animais não-humanos.


[*] Doutorando em Sociologia da Arte e da Cultura na Faculdade Belas Artes Universidade do Pais Vasco, associado ao Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras Universidade do Porto, ruipedro.fons@gmail.com .   [**] Mestranda em Ciências Politicas da Universidade Estatal Estudos Humanísticos da Rússia, judith_anabela_santos@hotmail.com . O presente artigo resulta do estudo 'Realidades e imagens do especismo: impactos da indústria pecuária e representações publicitárias de animais não-humanos sencientes' de ambos os autores.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Balanço Inicial do Governo Dilma: Defesa, Direitos Humanos & Ditadura e Justiça


Pequena análise sobre o governo Dilma enquanto suas políticas para Defesa e Justiça.

 
Defesa

Entulho do governo Lula, Nelson Jobim foi mantido no Ministério da Defesa, apesar de todo seu extenso e incansável trabalho como espião dos EUA e na vanguarda do atraso, aliado com a extrema-direita militar para matar o PNDH3 e inviabilizar a criação da Comissão da Verdade, para impedir a abertura dos documentos da Ditadura e evitar que as famílias dos mortos e desaparecidos possam enterrar seus entes queridos.

Jobim é do PMDB e, acreditem, não está no governo porque assim quis o PMDB, mas está lá na cota PESSOAL de Dilma. Isto mesmo, Jobim é ministro porque Dilma quer.

Isto demonstra de forma incontestável o desrespeito do governo com as vítimas da Ditadura e a falta de compromisso com a abertura dos documentos. E ainda mais, que o Brasil não tem problemas em ter um espião dos EUA no governo. Isto nos faz pensar... E tem franca relação com a guinada atual da nossa política externa.

Aliás, nem vou tocar no caso dos caças para a Força Aérea, pois já estão virando lenda.


Ditadura e Direitos Humanos

Ao contrário do que eu imaginava inicialmente, Maria do rosário não cedeu frente aquilo que Vanucchi defendia. Se não faz mais é porque não está em suas mãos fazê-lo como abrir os arquivo ou impor a implantação efetiva do PNDH3. Mas ela tenta.

Mas por parte de Dilma, nenhum palavra sobre a abertura dos arquivos ou sobre o PNDH3. Logo no início de seu governo, Dima visitou as Mães e Avós da Praça de Maio e estas lhe pediram para abrir os arquivos, algo que não está na agenda presidencial. Chega a ser ridículo o encontro com as Mães e Avós quando o tratamento no Brasil aos crimes da Ditadura é o de passar a mão na cabeça dos criminosos e não fazer nada pelas vítimas.

O Brasil foi recentemente condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que repudiou a Lei da Anistia:
O que espanta, porém, é que o novo governo federal, presidido por uma vítima da repressão criminosa comandada pela gente fardada no poder, resolveu proceder como se nada tivesse a ver com isso. "Fomos mesmo condenados? Bem, ainda não tivemos tempo de nos ocupar do caso".
Nenhuma palavra de Dilma, nenhuma palavra da mídia e nem dos ministérios pertinentes.

Nada vem sendo feito para resgatar nossa memória, na verdade vem sendo feito o contrário, através da negação da memória, da negação do direito das vítimas de saberem a verdade e serem reparadas e da negativa do governo em sequer reconhecer a decisão da Corte Interamericana.

Em muitos casos mesmo o acesso à documentos públicos sobre os anos de chumbo vem sendo dificultado ou mesmo negado pelas autoridades.

Especificamente na agenda dos direitos humanos, mas também relacionado com a Ditadura, está a persistente prática da tortura em cadeias, a superlotação de presídios, a situação desesperadora das mesmas e, finalmente, a mentalidade assassina da Polícia Militar, que mantém vivos os mesmos métodos de tortura da Ditadura, usando inclusive as chamadas armas não-letais para este fim, sem que haja qualquer controle ou punição.

Justiça


Em primeiro lugar, se desenha um significativo retrocesso na política do governo na questão das drogas com a saída de Pedro Abramovay da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) depois de ter sido desautorizado em sua declaração de que os pequenos traficantes deveriam ter penas alternativas e não serem enviados para presídios, como grandes traficantes, apenas se reciclarem e piorarem.

Política de penalizar o pequeno tráfico e mesmo o consumo são características da pior direita e não de governos de esquerda ou progressistas, como concorda Carlos Magalhães:
A demonização das drogas, como se elas tivessem poderes malignos, quase uma intenção diabólica, de prejudicar as pessoas é a pior forma de encarar o problema. Drogas são substâncias químicas que interagem com a química cerebral. O que as drogas “fazem” depende de um contexto que é biológico, psíquico e social. Elas não têm poderes “mágicos”, bons ou ruins.

Nesse contexto, a criminalização só atrabalha (criminalização anda de mãos dadas com demonização, com construção de inimigos). Se o abuso de drogas é um problema, a criminalização é o agravante. Não é solução. Décadas de proibição e guerra às drogas só fizeram com que os problemas se tornassem cada vez maiores. Pessoas tiveram as suas vidas destruídas, não pela droga, mas pela prisão e pelo estigma. Os mais pobres são os que mais sofrem, pois são eles os “traficantes” (mesmo quando apenas usuários) que vão para a cadeia.

Outro caso de grande importância é o caso Battisti em que Dilma não só se humilhou como humilhou todo o país ao enviar uma carta ao presidente italiano justificando as ações do país e lavando as mãos, deixando com Peluso e Gilmar Mendes a vida de Battisti.

Não basta "deixar pra lá" o caso, mas também responder às reclamações do prostíbulo europeu (agradeçam Berlusconi).

Não concordo de todo com o tom, mas Laerte Braga vai na raiz do problema:
Ao afirmar que a decisão depende do STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – a presidente está abrindo mão do seu direito constitucional de decidir ou não sobre a matéria, confirmado pelo próprio STF decisão anterior. A palavra final cabe ao presidente da República. E o ex-presidente Lula já a tomou.

Dilma Roussef deve pegar a faixa e entregar a Cesar Peluso, ministro presidente do STF. Deve ir para casa. Mentiu e ludibriou milhões de brasileiros e ao próprio Lula que a fez candidata e presidente (faria um poste, logo Dilma e um zero à esquerda é a mesma coisa).  Battisti refugiado, direito assegurado por Lula, é uma decisão correta, humana, faz jus ao Brasil e aos brasileiros. Se Berlusconi não gosta, paciência. Faça uma festa num dos seus palácios e convide os ministros Peluso e Gilmar Mendes.
E ele completa, em outra mensagem:
O fato da presidente da República pertencer a um partido supostamente comprometido com lutas populares e ter sucedido a um governo – Lula – que malgrado as críticas possíveis e passíveis, superou obstáculos e dificuldades os mais variados, bombas de efeito retardado deixadas pelo governo FHC, é preciso enxergar além de um outro fato, ver o todo, o conjunto.

A carta de Dilma foi resultado de uma discussão ampla sobre o assunto – a extradição de Cesare Battisti – e foi sim um ato de submissão, qualquer que tenha a expressão usada ou o “STF DECIDIR”, ou o “STF MANIFESTAR-SE”.

A corte dita suprema já se manifestou em julgamento anterior e como bem alertou o ministro Marco Aurélio Mello, a competência é do presidente da República. A de extraditar ou não. Dilma Roussef teve conhecimento da decisão do então presidente Lula e apoiou-a. Mesmo porque fez parte do seu governo até a desincompatibilização para candidatar-se à presidente.

O assunto Battisti virou preocupação dentro do governo federal, o atual, seja pela reação do governo italiano, da carta do presidente da Itália ou pela descabida e lamentável atitude do presidente do STF o ministro Cesar Peluso. Ato contínuo ao decreto de Lula deveria ter sido expedido o alvará de soltura, ou mandado de soltura de Battisti e o ministro iria fazê-lo, cientificou o ex-presidente disso, até que contatado por Gilmar Mendes e o embaixador italiano resolveu participar, dar a partida nessa farsa de tentar um confronto com o Executivo. 

Enfim, Dilma não só se humilhou - e ao país - a sequer se dignar a dar uma resposta aos mafiosos italianos, como ainda lavou as mãos no caso Battisti, repassando seu destino para o STF - antro de pilantras - e judicializando uma questão que o próprio Lula já havia decidido. A atitude da presidente não foi só covarde, como indigna e desrespeitosa. No momento em que ela fala tanto em defender os Direitos Humanos e ter este norte na política externa nacional, deveria começar a aplicar esta mesma diretriz ao país.

Caso que envolve tanto a Defesa quanto a Justiça, algo que tomei conhecimento através da Carta Capital, foi o acordo que vem sendo costurado entre Cardozo e Jobim de revisar e revogar os benefícios dados a 2,5 mil cabos da Aeronáutica que foram expulsos das Forças Armadas em outubro de 1964 por supostamente serem elementos nocivos à ordem, ou seja, eram de esquerda. Todos os expulsos faziam parte da Associação de Cabos da Força Aérea Brasileira (Acafab) e o ditador Castelo Branco, através da portaria 1.103 os expulsou da Aeronáutica.

Trata-se de retirar os direitos de quem foi duramente prejudicado pelo Golpe, enquanto os criminosos que torturaram e mataram seguiram com suas carreiras e nunca foram incomodados... até hoje. E no que depender de Dilma, nunca serão incomodados. Jobim e a justiça (sic) brasileira não se contentaram apenas em blindar os criminosos, como agora atacam as vítimas. Muito bom para um governo de Esquerda (sic).

Leis do fumo, produção e consumo de drogas lícitas e ilícitas

Editorial do Sul21

Os produtores de fumo de muncípios do Vale do Rio Pardo (RS), liderados pela Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), buscam apoio contra a proibição de aditivos no tabaco defendida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
No dia 09, uma comitiva de vereadores e sindicalistas de Santa Cruz do Sul esteve na Assembléia Legislativa, entregando ao seu presidente um estudo da Fundação Getúlio Vargas sobre os impactos na economia da região, caso as restrições sejam aprovadas.
Na sexta-feira (11), foi realizada uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul para discutir as restrições propostas. Coordenada pela Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo da Assembléia Legislativa, a audiência deverá reunir prefeitos e vereadores dos municípios da região, bem como produtores e representantes da indústria e das entidades do setor.
Visando diminuir o poder de atração do cigarro sobre os fumantes em potencial, na sua maioria jovens, a Anvisa quer limitar a divulgação dos cigarros e combater o acréscimo de aditivos que tornem seu sabor mais palatável e mais sedutor. De acordo com sua proposta, 80% dos espaços de divulgação dos cigarros, inclusive das embalagens, serão destinados para alertar sobre seus malefícios à saúde e será proibida a adição de açúcar ao fumo.
O fumo burley, produzido na região, será diretamente atingido. Por perder açúcar durante o processo de cura, este tipo de fumo recebe doses de açúcar no processo de industrialização. Serão afetadas 20 mil famílias, bem como a economia dos municípios de Santa Cruz do Sul, Arroio do Tigre e Segredo. Segundo o presidente da Afubra, a limitação da divulgação do cigarro levará a um aumento do contrabando e da sonegação, pois o consumo não diminuirá.
Anvisa, produtores e autoridades locais têm, todos, parte da razão e seus argumentos merecem ser analisados. Como qualquer outro produto lançado e mantido no mercado, o cigarro conquista consumidores e movimenta a economia. Não fosse assim, não seria produzido. Não obstante este fato, o cigarro, por conter substâncias que produzem sensação de prazer e alento, é procurado pelos consumidores que se tornam, muitas vezes, dependentes, física e psiquicamente, de seu uso. Por este motivo, por mais nocivo que seja o seu consumo, é dificílimo o controle da produção e circulação deste produto.
Tal como ocorre hoje com as bebidas alcoólicas, há que se encontrar um meio termo que regulamente a produção, a distribuição e o consumo do tabaco e de seus derivados, sem colocá-los na ilegalidade, que provoca as falsificações, a sonegação, o contrabando e a criminalidade, da mesma forma como acontece com as drogas ilícitas. A história da regulamentação das bebidas alcoólicas pode servir como exemplo a ser seguido.
Tendo como objetivo a melhoria do produto, a saúde da população ou o controle da ordem pública, as leis que controlam a produção, a venda e o consumo das bebidas alcoólicas são antigas. A primeira lei conhecida surgiu durante o Império Romano, no ano 92 do Calendário Juliano. Visando a melhoria da alimentação e o aumento da produção de grãos, o imperador Domitiliano proibiu a plantação de novos vinhedos destinados à produção de vinhos e determinou a erradicação da metade das vinhas então existentes. As evidências históricas são de que a determinação foi ignorada pela maioria das províncias romanas.
A lei da pureza da cerveja (Reinheitsgebot) foi editada no ano de 1516, na Baviera, definindo os ingredientes de produção e o preço máximo de sua venda ao público. Em 1906, o Reinheitsgebot se estendeu por toda a Alemanha e foi incorporado à regulamentação federal para a taxação da cerveja. Hoje, as boas cervejas em todo o mundo seguem espontaneamente as normas de produção da Reinheitsgebot original.
Na tentativa de conter a “mania de gim” que assolou a Inglaterra durante a primeira metade do século XVIII, quando esta bebida chegou a custar mais barato que a cerveja e tornou-se de consumo popular, o Parlamento da Grã-Bretanha promulgou o Gin Act 1736. Por meio dele, foram taxadas enormemente a produção e a venda de gim, tornando economicamente inviável o seu comércio. As lojas ilegais prosperaram e a probabilidade de envenenamento aumentou imensamente devido ao destilo ilegal do produto. Sob violentos protestos populares, o ato foi revogado em 1743.
A mania de gim só começou a diminuir nos anos seguintes, após o Gin Act 1751, que coibiu a produção e o consumo do craze gin, estabelecendo normas para a produção e a venda desta bebida, assim como os horários de consumo público de todas as bebidas alcoólicas. Na mesma época, o aumento do preço dos grãos, devido o crescimento da população urbana, fez com que os proprietários de terra deixassem de produzir a bebida, destinando os grãos, anteriormente destinados à sua produção, para um mercado mais rendoso.
A lição que estas histórias nos apontam é a de que a proibição ou a regulamentação extremada não resolvem. Vejam-se, mais recentemente, a Lei Seca norte-americana e o combate às drogas ilegais, com o aumento da criminalidade e da violência em todo o mundo. A regulamentação ponderada tem dado resultados importantes, que precisam ser imitados. No caso da produção de fumo, em discussão neste momento, além da regulamentação, alternativas rendosas precisam ser incentivadas junto a seus produto

Tragédias naturais expõem perda da noção de limite


Nas catástrofes atuais, parece que vivemos um paradoxo: se, por um lado, temos um desenvolvimento vertiginoso dos meios de comunicação, por outro, a qualidade da reflexão sobre tais acontecimentos parece ter empobrecido, se comparamos com o tipo de debate gerado pelo terremoto de Lisboa, no século XVIII, que envolveu alguns dos principais pensadores da época. A humanidade está bordejando todos os limites perigosos do planeta Terra e se aproxima cada vez mais de áreas de riscos, como bordas de vulcões e regiões altamente sísmicas, construindo inclusive usinas nucleares nestas áreas. A idéia de limite se perdeu e a maioria das pessoas não parece muito preocupada com isso. O artigo é de Marco Aurélio Weissheimer.


No dia 1° de novembro de 1775, Lisboa foi devastada por um terremoto seguido de um tsunami. A partir de estudos geológicos e arqueológicos, estima-se hoje que o sismo atingiu 9 graus na escala Richter e as ondas do tsunami chegaram a 20 metros de altura. De uma população de 275 mil habitantes, calcula-se que cerca de 20 mil morreram. Além de atingir grande parte do litoral do Algarve, o terremoto e o tsunami também atingiram o norte da África. Apesar da precariedade dos meios de comunicação de então, a tragédia teve um grande impacto na Europa e foi objeto de reflexão por pensadores como Kant, Rousseau, Goethe e Voltaire. A sociedade europeia vivia então o florescimento do Iluminismo, da Revolução Industrial e do Capitalismo. Havia uma atmosfera de grande confiança nas possibilidades da razão e do progresso científico.

No Poème sur le desastre de Lisbonne, (“Poema sobre o desastre de Lisboa”), Voltaire satiriza a ideia de Leibniz, segundo a qual este seria “o melhor dos mundos possíveis”. “O terremoto de Lisboa foi suficiente para Voltaire refutar a teodiceia de Leibniz”, ironizou Theodor Adorno. “Filósofos iludidos que gritam, ‘Tudo está bem’, apressados, contemplam estas ruínas tremendas” – escreveu Voltaire, acrescentando: “Que crimes cometeram estas crianças, esmagadas e ensanguentadas no colo de suas mães?”

Rousseau não gostou da leitura de Voltaire e responsabilizou a ação do homem que estaria “corrompendo a harmonia da criação”. "Há que convir... que a natureza não reuniu em Lisboa 20.000 casas de seis ou sete andares, e que se os habitantes dessa grande cidade se tivessem dispersado mais uniformemente e construído de modo mais ligeiro, os estragos teriam sido muito menores, talvez nulos", escreveu.

Já Kant procurou entender o fenômeno e suas causas no domínio da ordem natural. O terremoto de Lisboa, entre outras coisas, acabará inspirando seus estudos sobre a ideia do sublime. Para Kant, “o Homem ao tentar compreender a enormidade das grandes catástrofes, confronta-se com a Natureza numa escala de dimensão e força transumanas que embora tome mais evidente a sua fragilidade física, fortifica a consciência da superioridade do seu espírito face à Natureza, mesmo quando esta o ameaça”.

A tragédia que se abateu sobre Lisboa, portanto, para além das perdas humanas, materiais e econômicas, impactou a imaginação do seu tempo e inspirou reflexões sobre a relação do homem com a natureza e sobre o estado do mundo na época. Uma época, cabe lembrar, onde os meios de comunicação resumiam-se basicamente a algumas poucas, e caras, publicações impressas, e à transmissão oral de informações, versões e opiniões sobre os acontecimentos. Nas catástrofes atuais, parece que vivemos um paradoxo: se, por um lado, temos um desenvolvimento vertiginoso dos meios de comunicação, por outro, a qualidade da reflexão sobre tais acontecimentos parece ter empobrecido, se comparamos com o tipo de debate gerado pelo terremoto de Lisboa.

A espetacularização das tragédias e a perda da noção de limite

Em maio de 2010, em uma entrevista à revista Adverso (da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o geólogo Rualdo Menegat, professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituo de Geociências da UFRGS, criticou o modo como a mídia cobre, de modo geral, esse tipo de fenômeno.

“Ela espetaculariza essas tragédias de uma maneira que não ajuda as pessoas entenderem que há uma manifestação das forças naturais aí e que nós precisamos saber nos precaver. A maneira como a grande imprensa trata estes acontecimentos (como vulcões, terremotos e enchentes), ao invés de provocar uma reflexão sobre o nosso lugar na natureza, traz apenas as imagens de algo que veio interromper o que não poderia ser interrompido, a saber, a nossa rotina urbana. Essa percepção de que nosso dia a dia não pode ser interrompido pelas manifestação das forças naturais está ligada à ideia de que somos sobrenaturais, de que estamos para além da natureza”.

Para Menegat, uma das principais lacunas nestas coberturas é a ausência de uma reflexão sobre a ideia de limite. É bem conhecida a imagem medieval de uma Terra plana, cujos mares acabariam em um abismo. Como ficou provado mais tarde, a imagem estava errada, mas ela trazia uma noção de limite que acabou se perdendo. “Embora a imagem estivesse errada na sua forma, ela estava correta no seu conteúdo. Nós temos limites evidentes de ocupação no planeta Terra. Não podemos ocupar o fundo dos mares, não podemos ocupar arcos vulcânicos, não podemos ocupar de forma intensiva bordas de placas tectônicas ativas, como o Japão, o Chile, a borda andina, a borda do oeste americano, como Anatólia, na Turquia”, observa o geólogo.

Não podemos, mas ocupamos, de maneira cada vez mais destemida. O que está acontecendo agora com as usinas nucleares japonesas atingidas pelo grande terremoto do dia 11 de março é mais um alarmante indicativo do tipo de tragédia que pode atingir o mundo globalmente. O que esses eventos nos mostram, enfatiza Menegat, é a progressiva cegueira da civilização humana contemporânea em relação à natureza. A humanidade está bordejando todos os limites perigosos do planeta Terra e se aproxima cada vez mais de áreas de riscos, como bordas de vulcões e regiões altamente sísmicas. “Estamos ocupando locais que, há 50 anos atrás, não ocupávamos. Como as nossas cidades estão ficando gigantes e cegas, elas não enxergam o tamanho do precipício, a proporção do perigo desses locais que elas ocupam”, diz ainda o geólogo, que resume assim a natureza do problema:

"Estamos falando de 6 bilhões e 700 milhões de habitantes, dos quais mais da metade, cerca de 3,7 bilhões, vive em cidades. Isso aumenta a percepção da tragédia como algo assustador. Como as nossas cidades estão ficando muito gigantes e as pessoas estão cegas, elas não se dão conta do tamanho do precipício e do tamanho do perigo desses locais onde estão instaladas. Isso faz também com que tenhamos uma visão dessas catástrofes como algo surpreendente".

A fúria da lógica contra a irracionalidade

Como disse Rousseau, no século XVIII, não foi a natureza que reuniu, em Lisboa, 20.000 casas de seis ou sete andares. Diante de tragédias como a que vemos agora no Japão, não faltam aqueles que falam em “fúria da natureza” ou, pior, “vingança da natureza”. Se há alguma vingança se manifestando neste tipo de evento catastrófico, é a da lógica contra a irracionalidade. Como diz Menegat, a Terra e a natureza não são prioridades para a sociedade contemporânea. Propagandas de bancos, operadoras de cartões de crédito e empresas telefônicas fazem a apologia do mundo sem limites e sem fronteiras, do consumidor que pode tudo.

As reflexões de Kant sobre o terremoto de Lisboa não são, é claro, o carro-chefe de sua obra. A maior contribuição do filósofo alemão ao pensamento humano foi impor uma espécie de regra de finitude ao conhecimento humano: somos seres corporais, cuja possibilidade de conhecimento se dá em limites espaço-temporais. Esses limites estabelecidos por Kant na Crítica da Razão Pura não diminuem em nada a razão humana. Pelo contrário, a engrandecem ao livrá-la de tentações megalomaníacas que sonham em levar o pensamento humano a alturas irrespiráveis. Assim como a razão, o mundo tem limites. Pensar o contrário e conceber um mundo ilimitado, onde podemos tudo, é alimentar uma espécie de metafísica da destruição que parece estar bem assentada no planeta. Feliz ou infelizmente, a natureza está aí sempre pronta a nos despertar deste sono dogmático.


Fotos: Huffington Post

sábado, 12 de março de 2011

MEC oferece R$ 320 milhões para qualificação de escolas técnicas


Creditos: Correio do Brasil


O programa Brasil Profissionalizado do Ministério da Educação dispõe este ano de R$ 320 milhões para investir na melhoria das redes estaduais de educação profissional em todo o país. Para receber os recursos, os Estados e o Distrito Federal devem assinar convênios com o MEC. As verbas públicas são para reforma, ampliação, construção de escolas técnicas e aquisição de recursos pedagógicos.
O valor deste ano é superior ao de 2010 que foi de R$ 263,4 milhões. Parte do orçamento do Brasil Profissionalizado de 2011 será utilizada para novos convênios com o Distrito Federal, Amazonas, Rio de Janeiro e Rondônia, unidades da Federação que ainda não aderiram ao programa.
Os 23 Estados que já assinaram convênios com o MEC podem apresentar novas propostas à medida que executarem os recursos repassados que somam R$ 1,5 bilhão.
– A primeira meta é terminar as obras em andamento e consolidar as ações em curso –, ressalta o secretário de Educação Profissional e Tecnológica, Eliezer Pacheco.
Das 176 escolas técnicas estaduais previstas para serem construídas com recursos do programa, 22 já foram entregues. Cada escola tem capacidade para atender, em média, 1,2 mil alunos.
Quando todas as escolas estiverem em pleno funcionamento serão geradas mais de 210 mil vagas, além daquelas que serão criadas pelas 532 obras de reforma e ampliação programadas. O objetivo é alcançar meio milhão de matrículas.

A financeirização da fome

Nos últimos 30 anos, a desregulamentação e a liberalização da finança quebraram as barreiras impostas pelas reformas dos anos 30 do século passado, criaram os supermercados financeiros e promoveram a securitização dos créditos. No vendaval das reformas neo-liberais, os governos abandonaram as políticas de estabilização de preços baseadas na formação e operação de estoques reguladores (ainda que os países desenvolvidos tivessem mantidos os subsídios a seus agricultores) e submeteram os mercados de commodities, instáveis por sua própria natureza, ao capricho e à sanha especulativa dos mercados futuros. O artigo é de Luiz Gonzaga Belluzzo, especial para a Carta Maior.


Depois do crash de 1929, o Glass-Steagal Act proibiu o envolvimento direto dos bancos comerciais em operações nos mercados de capitais, mercados imobiliários e na especulação nos mercados de alta volatilidade, como é o caso das commodities. Nos últimos 30 anos, a desregulamentação e a liberalização da finança quebraram as barreiras impostas pelas reformas dos anos 30 do século passado, criaram os supermercados financeiros e promoveram a securitização dos créditos. Na verdade, as inovações financeiras alteraram as relações entre bancos de depósito, bancos de investimento e outras instituições financeiras que se aproximaram das funções cumpridas pelos bancos comerciais. Ao mesmo tempo, estes passaram a executar funções próprias dos bancos de investimento, ao criar os SIVS (Special Investment Vehicles) para carregar os papéis lastreados nas operações de crédito, não só os hipotecários.

Entre outras consequências, as transformações impulsionaram a securitização dos créditos, estimularam a “alavancagem” (palavra horrível) abusiva - ou seja, a utilização do crédito barato para sustentar a posse de ativos em desproporção perigosa com o capital próprio. Na maioria dos casos, antes da crise, a relação era de 30 para 1. Não espanta que tais procedimentos da alta finança tenham promovido o inchaço das operações com derivativos nos mercados futuros de juros, câmbio, matérias-primas e alimentos. No vendaval das reformas neo-liberais, os governos abandonaram as políticas de estabilização de preços baseadas na formação e operação de estoques reguladores (ainda que os países desenvolvidos tivessem mantidos os subsídios a seus agricultores) e submeteram os mercados de commodities, instáveis por sua própria natureza, ao capricho e à sanha especulativa dos mercados futuros.

O Federal Reserve o Tesouro americano deixaram correr farra da alavancagem e o festival da multiplicação de securities lastreadas em empréstimos hipotecários. Essa música tambem embalava a especulação altista com estoques de matérias-primas e alimentos, cuja oferta responde lentamente a um aumento de preços. Às vésperas da crise de 2007-2008, os principais índices de preços das commodities mostravam uma aceleração impressionante.

Nos últimos anos, com o auxílio inestimável dos trabalhadores chineses e do Banco Central da China, a rápida queda de preços do produtos manufaturados ajudou os bancos centrais dos paíse desenvolvidos conseguiram manter a inflação sob controle. Mas o “sucesso” das políticas de metas de inflação não impediu, senão incitou a recorrência de ciclos exuberantes de valorização dos ativos. A concorrência entre os possuidores de riqueza, associada ao crédito elástico e à crença nas intervenções de última instância dos bancos centrais, estimularam o surgimento de episódios especulativos.

O colapso do Lehman Brothers em setembro de 2008, cozido e fervido nos temperos e pruridos ideológicos de Paulson e Bernanke, interrompeu o ciclo de inflação de ativos. Os preços das commodities, aí incluído o petróleo, despencaram. Nesse momento, a corrida dos investidores para a “qualidade” suscitou a valorização do dólar e provocou surtos de desvalorização nas moedas dos países produtores de commodities, sem qualquer efeito sobre a inflação nos emergentes. Isto porque o choque da desvalorização foi compensado pelo colapso dos preços dos produtos básicos.

A vacilada deflagrou as vendas de securities nos fundos mútuos e de hedge administrados por bancos de investimento que financiavam a posse desses ativos tomando recursos nos mercados monetários atacadistas (semelhantes aos fundos DI de curtro prazo no Brasil). As aplicações nesses mercados sustentavam posições alavancadas em ativos originados nos empréstimos hipotecários e outras operações de crédito securitizadas.

A clientela cuidou de retirar os depósitos das instituições menores para concentrar o rico dinheirinho nos títulos do governo americano, vistos com derradeiro refúgio da riqueza líquida das empresas e das famílias endinheiradas. Diante do encolhimento da confiança, os bancos tornaram mais rigorosos os critérios de concessão do crédito no mercado interbancário e, assim, fizeram periclitar instituições ilíquidas, mas solventes. Em situações como a aquela, passar da iliquidez à insolvência é um passo.

Mas, os bancos centrais e as autoridades do Tesouro - imprudentes e cúmplices da especulação - não poderiam deixar a vaca ir para o brejo. Foram compelidos a intervir na cadeia de interrelações entre as instituições para domar a mula sem cabeça dos mercados infectados pela desconfiança. Deixar o bicho à solta seria grave irresponsabilidade. Nos países centrais, a crise de liquidez transformou-se numa crise de crédito, depois transfigurada num festival de insolvências, contida pela intervenção generosa das autoridades

As generosas injeções de liquidez e os programas de compra de ativos podres não fizeram pouco. Ademais de construir um piso para a deflação de ativos, as intervenções suscitaram um movimento global no interior da circulação financeira. Os movimentos observados no interior da circulação financeira, em si mesmos, não prometem à economia global uma saída rápida da trajetória medíocre, mas indicam que os mercados de ativos começam a se restabelecer da derrocada de 2008.

Trata-se, na verdade de um rearranjo dentro do estoque de riqueza que responde aos preços esperados dos ativos, por parte dos investidores que lograram vencer o colapso da liquidez. Salvos das perdas e capturados os benefícios oferecidos pelas autoridades, os investidores eles se mobilizam para a realocação de carteiras. Esse movimento favoreceu a forte recuperação as bolsas, a valorização das moedas dos emergentes e o “aquecimento” dos mercados de commodities. O dólar devolve a valorização observada nos primeiros meses de crise e com isso ajuda a explosão dos preços das matérias-primas e alimentos.

Semanas atrás, escreví no jornal Valor que, em sua coluna no New York Times, Paul Krugman jogou a responsabilidade do aumento de preços às condições climáticas. Sem dúvida, as secas e enchentes em áreas de excelência na produção de alimentos desempenham um papel importante na contração da oferta de muitos produtos, dentre ele o trigo, o nosso pão de cada dia. Krugman, no entanto, rejeitou as hipóteses que, além dos fatores climáticos e do aumento da demanda de alimentos e de outras matérias primas nos emergentes, apontavam a expansão da liquidez global e suas taxas de juro ínfimas que botam fogo na especulação com as mercadorias transfiguradas em ativos. Krugman, assustado com os falcões da austeridade fiscal e monetária que rondam sinistramente a convalescente economia americana, chuta para escanteio a hipótese das “distorções” causadas pelas políticas anticíclicas e pelos derivativos na volatilidade e na elevação dos preços.

Os adversários da crítica ao papel dos derivativos afirmam que os operadores financeiros não intervêm diretamente nos “ativos subjacentes” negociados nos mercados a termo, ou seja, nos mercados físicos de matéria primas. Sustentam que o volume de transações nos mercados a termo é muito superior àquele transacionado nos mercados à vista, com fracas interações entre eles.

O economista Michel Aglietta argumenta que essa visão parte de uma interpretação errônea da transmissão do movimento de preços entre os mercados de derivativos de matérias-primas e os mercados “físicos”. O ponto de vista dos defensores da escassez tem alguns elos fracos: 1) a estrutura de mercado dos produtos agrícolas é fortemente concentrada, governada por monopólios e monopsônios com enorme poder de administrar preços e quantidades. Portanto, se um mercado está em “desequilíbrio” por conta de um choque de oferta, o movimento inicial é amplificado pela formação de posições à termo “compradas” pelos caçadores de tendências. A transmissão para os mercados á vista é efetuada através das grandes empresas que tratam de acumular estoques tão logo antecipam a alta de preços deflagrada nos mercados a termo.

O G 20 se reúne em Paris assombrado pelo espectro da estagflação, fenômeno que os economistas e policy makers imaginavam ter sepultado no início dos anos 80 do século passado, sob o peso das taxas de juros de Paul Volker. O presidente Sarkozy propõe um arranjo internacional, com formação de estoques reguladores administrados por produtores e consumidores para estabilizar os preços das commodities.

Seria conveniente lembra que, na posteridade da 2ª Guerra Mundial Keynes sugeriu a constituição de um comitê internacional encarregado de estabilizar os preços das matérias primas e alimentos. Esse comitê, composto por países produtores e consumidores, teria o apoio da Clearing Union, o sistema público de financiamento dos desequilíbrios dos balanços de pagamentos, envolvendo responsabilidades dos países deficitários e superavitários. Nada mais atual.

‘Questão urbana foi rifada pelo governo Lula, pelo PT, e aparentemente, pelo governo Dilma’

  Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação   do Correio da Cidadania
 
No que já se tornou uma regra, o verão brasileiro mais uma vez foi permeado por desastres oriundos de chuvas. Chuvas e catástrofes são praticamente sinônimas nestes tristes trópicos. Em São Paulo, maior metrópole do país, a espiral de problemas trazidos pelas chuvas tem tornado a cidade cada vez mais insustentável, bastando alguns minutos de chuva para deixar de funcionar.

 
Em entrevista ao Correio da Cidadania, a urbanista e professora da FAU-USP Ermínia Maricato descreve um panorama desalentador a respeito da gestão de uma cidade, que, mesmo afundando, não traz indícios de reversão das atuais lógicas predatórias de ocupação do solo. O domínio da especulação imobiliária e a incessante construção de vias asfaltadas, que agrava o quadro de "uma das maiores áreas impermeáveis do mundo", articulam-se a partir de poderosos grupos e interesses econômicos, que imperam cada vez mais soberanos em meio ao descaso público e à apatia social.
 
Em face destas constatações, a recente tomada do Ministério das Cidades por interesses políticos imediatos, assim como o estrondoso corte de verbas de que foi vítima, em pleno começo de uma nova gestão presidencial, nem mesmo chegam a ser surpreendentes. "Os governantes começam obras que eles podem acabar em quatro anos. Drenagem e sistema de transporte de massa não são obras para quatro anos. Toda a criação de uma gestão sobre o solo não é coisa de curto prazo".
 
Em uma metrópole comprometida já a partir de sua concepção histórica, a urbanista é ainda veemente em dizer que o mero apontamento de erros, a partir de velhas e novas concepções de planejamento urbano, se tornou uma postura insuficiente e inócua.
 
A íntegra da entrevista pode ser conferida a seguir.
 
Correio da Cidadania: Chuva e catástrofe viraram sinônimos na cidade de São Paulo. Basta que chova em média intensidade e são milhares de pontos alagados e vias congestionadas. Onde estão as raízes estruturais dessa rotina ‘trágica’ em que se transformou a vida dos paulistanos?
 
Ermínia Maricato: Em primeiro lugar, se formos ver o que acontece em vários aspectos da vida da cidade, esse não é o único fenômeno catastrófico. As conseqüências da poluição do ar são, por exemplo, outro fenômeno muito negativo. Há pesquisas que fazem correlação entre mortes por problemas cardíacos, dentre outras, com a poluição, que só neste momento aparecem. Acredito que o problema das enchentes fica mais evidente porque as pessoas que andam de automóvel vêem um trânsito cada vez mais caótico, de forma clara.
 
A cidade de São Paulo é uma das maiores áreas impermeabilizadas do mundo. Não sou eu que acho, e sim diversos especialistas do mundo que já vieram aqui e ficaram muito impressionados com a gigantesca superfície impermeabilizada – esse é o grande problema. E tivemos políticas que trabalharam para impermeabilizar o solo e fazer o mesmo com os canais de drenagem da cidade, e que não foram fruto somente de uma política rodoviarista, de prioridade ao automóvel, mas também de uma engenharia vesga; fizeram as marginais dos rios, impermeabilizando assim o principal meio de extravasamento de sua água, as avenidas de fundo de vale, a canalização de córregos, a própria retificação do rio Tietê, que era cheio de meandros em suas várzeas...
 
Tivemos grandes obras que contribuíram para apressar o caminho das águas, o escoamento para as calhas, sem retenção d’água. O processo de urbanização da cidade foi acompanhado de erros, é importante dizer, não foi natural.
 
Agora, incidimos em novos erros, como os piscinões. Como se apressaram as águas, o que não pode ocorrer, estamos retardando o caminho delas através dos piscinões. Não estou sequer os criticando nessa situação de emergência, mas são muito discutíveis. E, além disso, não fazemos o necessário: diminuir um pouco a superfície impermeável e torná-la permeável, ter diretrizes para a cidade. É preciso retirar aquilo que impermeabiliza a cidade, não apenas fazer piscinão. A ampliação da Marginal feita pelo Serra foi completamente na contramão de tudo que deveria ser feito.
 
Correio da Cidadania: Isto é, por mais que os problemas aumentem, os paradigmas não mudam.
 
Ermínia Maricato: Exatamente. Estamos diante do rodoviarismo, a principal causa disso tudo, do desprezo impressionante pelas causas reais dos problemas, como no caso da drenagem da cidade, algo muito pouco observado.
 
O Alckmin até fez mais do que o Serra, mas devemos insistir na observação da questão do controle da ocupação e uso do solo, suas diretrizes, do que decorrem todos os problemas destacados.
 
Correio da Cidadania: Nesse sentido, não seria preciso incluir de forma clara nos debates a questão da macro-drenagem, cada vez mais inviabilizada com a impermeabilização do solo urbano, o que confronta a própria geologia de São Paulo, uma cidade erigida sobre áreas varzeanas e centenas de cursos d’água, muitos já concretados ao longo das décadas?
 
Ermínia Maricato: São tantos os cursos d’água (alguns deles secaram e não existem mais) que uma parte fica canalizada nas galerias, exigindo manutenção, o que é caríssimo. Há áreas na cidade em que se abrem grandes buracos nas galerias periodicamente. Aí se vê que tem uma galeria desabando, muito envelhecida, no terreno.
 
Portanto, tivemos, de fato, uma engenharia que comprometeu muito o crescimento da cidade. E quando falamos "precisa de área permeável", há certos momentos em que, ao invés de um piscinão, o melhor seria liberar as margens de córregos e rios. Em alguns casos! Em outros, a solução é resolver o problema de esgoto e drenagem na beira do córrego, com urbanização, retirando algumas famílias e mantendo a maior parte. E ainda há as situações em que o jeito é a retirada de toda a população, por estar correndo risco e impedindo o córrego de exercer sua função de drenagem.
 
O problema é o seguinte: além de estarem ligadas ao interesse das empreiteiras, obras têm uma função muito paradigmática: é muito comum as pessoas terem a idéia de que política urbana é um conjunto de obras; política habitacional é um conjunto de obras; projetos de drenagem são um conjunto de obras. Há obras no meio disso, mas há a gestão, a liberação de solo para permeabilização...
 
Correio da Cidadania: Além da necessidade de um acompanhamento efetivo do que se faz em algumas áreas. Não basta a obra imediata.
 
Ermínia Maricato: E além do acompanhamento, o projeto é muito importante! É incrível, porque vemos os projetos de conjuntos habitacionais para a população de 0 a 3 salários mínimos repetindo exatamente os mesmos erros da ditadura militar, 30, 40 anos atrás. É impressionante vermos isso. Colocam a população fora da cidade, geram um problema gravíssimo de mobilidade e transporte, estendem horizontalmente a cidade, de forma que fique mais impermeável. Ou seja, aquela habitação cria problemas, não aponta soluções, pois agrava os defeitos da cidade.
 
Dependendo do projeto e de sua localização, não precisa de infra-estrutura, pois ela já está presente. O problema é que ninguém quer enfrentar o interesse dos proprietários imobiliários - sejam eles pobres ou ricos, que se diga. A questão da propriedade privada pega todo mundo no Brasil. Até mesmo a valorização da pequena propriedade já indispõe uma classe média baixa com moradores de favela...
 
Correio da Cidadania: Pode-se, neste sentido, afirmar que, na medida em que prevalecem os interesses privados, não se aplicam os instrumentos criados para o controle da propriedade e do uso do solo, como o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor?
 
Ermínia Maricato: É muito difícil implementar instrumentos da função social da propriedade, previstos na Constituição Federal, no Estatuto das Cidades, e que precisam constar também nos planos diretores. Os PDs são vagos, não marcam as terras ociosas da cidade, que deveriam sofrer com o IPTU progressivo, que por sua vez não é definido e objetivado nos planos... Dessa forma, faltando tantas coisas, de que adiantam boas intenções?
 
E é preciso, neste sentido, estar muito atento para um problema que também existe no Brasil e que diz respeito ao mito do planejamento. Durante a ditadura, o Plano Diretor já foi muito prestigiado. E continua. Mas primeiro temos de falar da produção da cidade, ao invés de planejamento, que é um problema maior. E nisso os urbanistas realmente se equivocam, pois param de enxergar a cidade e ficam discutindo leis, instrumentos, como se aquilo de fato constituísse orientação para o crescimento urbano do Brasil, o que nunca foi o caso.
 
Lei no Brasil já é uma coisa que se aplica, sempre, de acordo com a circunstância. Portanto, é hora de olhar a produção da cidade, a ‘cidade real’, e não ficar achando que uma lei vai consertar uma cidade orientada por determinados interesses. Por melhor que seja, não vai contrariar interesses tão poderosos como os que têm levado nossa cidade pro abismo, pro caos total.
 
Um desses interesses é o automóvel: os planos diretores falam muito pouco disso, se formos conferir. A questão da mobilidade urbana é central à cidade e os PDs não a tomam na devida conta. Os urbanistas estão muito centrados em temas como zoneamento, por exemplo. Mas zoneamento é lei pro mercado, e mercado imobiliário no Brasil trabalha com 30% da população. Antes da gestão Lula, atingia uma proporção ainda menor da população, depois se ampliou bem pouquinho para uma classe média, por causa de seu programa de financiamento (Minha Casa Minha Vida). Mas, de toda forma, ainda é minoritária a parcela da população que se encontra neste mercado da moradia.
 
Deste modo, quando o zoneamento é questão central do urbanismo, já se parte do princípio errado. Porque mais da metade da população está fora do mercado imobiliário, aquele residencial, privado, capitalista, legal, formal etc.
 
É verdade que o uso e ocupação do solo é questão central para se ordenar o crescimento de uma cidade, mas ao mesmo tempo tem de ser assegurada uma relação muito próxima com a questão da mobilidade coletiva, do transporte, e de todo o saneamento ambiental: água, esgoto, drenagem e coleta de resíduos sólidos.
 
Correio da Cidadania: Ou seja, a oferta de serviços públicos também merece um olhar mais profundo quando se fala em ‘planejamento’ urbano, ainda mais quando se têm em conta os cortes de verbas dos quais vêm sendo vítimas, mesmo diante das calamidades.
 
Ermínia Maricato: É que uma parte da cidade também cresce ao léu, com os moradores construindo. E obviamente o fazem sem técnicas de engenharia, arquitetura, geologia, enfim, conhecimentos adequados. Esse é o urbanismo da periferia do capitalismo: uma grande parte da população, que não é incluída no mercado imobiliário formal, constrói parte da cidade por conta própria, sem qualquer conhecimento de leis e do que citei. E principalmente nas terras pelas quais o mercado não se interessa, em geral ambientalmente frágeis. Em qualquer cidade brasileira, verificamos que a população pobre está ocupando áreas de preservação ambiental.
 
Correio da Cidadania: Uma vasta reforma urbana, erigida sobre bases que vão na contramão do modelo vigente, seria, portanto, a única saída?
 
Ermínia Maricato: Não é só vasta reforma, pois talvez essa definição assuste um pouco. Não é só isso, e sim mexer na ‘alma’ brasileira, na questão da terra e sua valorização, a propriedade fundiária, é complicado.
 
Correio da Cidadania: Em meio ao atual caos urbano, repensar esta questão da terra e sua valorização não se correlaciona com a necessidade a cada dia mais urgente de uma reforma agrária, na medida em que sabemos que a população expulsa do campo vem engrossar as fileiras de miseráveis urbanos?
 
Ermínia Maricato: Sim. Trata-se de temas cada vez mais inseparáveis. Algo que mexe com as duas questões é o seguinte: atualmente, seria muito importante que as grandes cidades tivessem um cinturão verde, o que de certa forma até existe. E ele pode ser garantido pela agricultura, tendo propriedades hortifrutigranjeiras próximas à cidade, algo muito prestigiado, por exemplo, nos EUA, entre o pessoal de uma certa contracultura.
 
E não só nos EUA, mas também na Europa, no Canadá, vê-se produção agrícola mesclada à cidade. De um lado, conjuntos habitacionais, de outro, um milharal. Mas o fato é que nossa região metropolitana está expulsando a produção agrícola.
 
A idéia é possuir reprodutores orgânicos que possam ficar na franja na cidade, oferecendo produtos frescos e abarcando a questão da segurança alimentar, ao contrário do grande produtor, que usa muito agrotóxico e fica longe. O estado de São Paulo está deixando de produzir alimentos, por não conseguir competir com o agronegócio.
 
Correio da Cidadania: Esse seria um tipo de medida viável no curto prazo, no sentido de reverter algumas lógicas da cidade e melhorar sua macro-drenagem?
 
Ermínia Maricato: Sem dúvidas. Mas isso significaria gravar o solo apenas para uso rural. Imagina o que não acontece no Brasil se fazem isso! Aí as pessoas simplesmente deixariam a terra lá, ociosa, engordando e especulando. É complicado quando não se quer ter controle sobre o uso do solo e enfrentar a especulação; não se consegue implementar o que o capitalismo central implementou, um certo controle sobre a valorização e especulação imobiliária.
 
Correio da Cidadania: Você enxerga como possível que esse debate acerca da crescente imbricação entre questões urbanas e rurais seja colocado no curto e médio prazos?
 
Ermínia Maricato: Acredito que regredimos nos debates sobre as cidades nos últimos anos, apesar da criação do Ministério das Cidades. Se levarmos em conta a proposta da agenda da reforma urbana, com um movimento unificado, nacional, hoje ela se encontra mais fragmentada. Por exemplo, no Congresso, a bancada da reforma urbana é mais fraca do que já foi, assim como a unidade nacional dos movimentos. Creio que a bandeira do Plano Diretor como algo central é um equívoco, como definiram alguns movimentos, pois é a luta social que deve realmente conduzir a reforma urbana.
 
Eu não sei se alguma vez na história desse país o automóvel foi tão determinante, absorvedor de recursos públicos orçamentários. Dessa forma, mesmo diante do fato de a história ser dinâmica, creio que teremos uma volta do tema urbano, que pode ser datado de 1963 pelo menos, sob a ditadura, que fez o que fez com as reformas urbanas. O tema chegou a ter muitas vitórias institucionais, apesar de muitas serem letra morta, avanços reais numa série de prefeituras com governos diferentes, mas, neste momento, eu diria que há um recuo das forças mais progressistas e sua unidade.
 
Assim, acredito que teremos uma retomada, que não pode ignorar outra questão: devemos passar do urbano ao regional. Se pegarmos São Paulo, boa parte da questão urbana tem de ser debatida no plano regional. Há três regiões metropolitanas muito próximas (Campinas, São Paulo e Baixada Santista; a vista aérea permite ver claramente como se aproximam), com um território bem mais loteado do que há 40 anos (apesar da ilegalidade). Ou seja, há uma necessidade de se discutir o tema regionalmente.
 
Correio da Cidadania: Ainda que estejamos a léguas de distância do enfrentamento estrutural dos atuais problemas, que deveria passar pela questão da terra e da especulação imobiliária, algumas medidas paliativas são o que resta para ‘amenizar’ as tragédias. Como você analisa, nesse aspecto, as medidas anti-enchentes que vêm sendo anunciadas, mais ou menos nos mesmos moldes dos últimos anos?
 
Ermínia Maricato: Ah, não sei nem o que pensar disso... Ao mesmo tempo, o prefeito anunciou uma nova via expressa e o mercado imobiliário está aí, trabalhando em cima disso.
 
A verdade é que não há o menor avanço em brecar a lógica impiedosa de destruição da cidade: os governantes estão começando obras que eles podem acabar em quatro anos, ou seja, não são obras de longo prazo. Drenagem e sistema de transporte de massa não são obras para quatro anos. A criação de uma gestão sobre o solo urbano, e seu controle, não é coisa de curto prazo.
 
Ah, e passado o período das chuvas, agora vem o da poluição atmosférica.
 
Correio da Cidadania: E dentro dessa lógica, vemos o prefeito da cidade pronunciar-se reiteradamente sobre sua mudança de partido, e pouco falar dos problemas que têm afligido São Paulo em meio às últimas chuvas...
 
Ermínia Maricato: Não é só o Kassab, cá entre nós. Todo mundo parece que só cuida disso agora, é um pragmatismo... Eu não li essa coisa da Carta Capital que insinua que a esquerda está namorando o prefeito... Que esquerda quer esse cara, pelo amor de deus?! Ele e esse governo prejudicam tanto a cidade, mas tanto! Se existe uma coisa que é prioridade nessa cidade é o transporte de massa. E vemos que a cidade pára a cada chuva, incidindo em novos problemas de saúde, de epidemias...
 
Correio da Cidadania: Foi citada acima a hipótese de uma retomada da questão urbana. Onde você vislumbraria alguma mínima possibilidade de a cidade sair das amarras da especulação imobiliária, que prejudica a vida da grande maioria da população que nela habita?
 
Ermínia Maricato: Somente existirá esta possibilidade quando algumas forças se organizarem, porque se esperar a Câmara Municipal... Eu não sei por que o povo agüenta esse transporte de forma tão pacífica, um transporte caro, ineficiente, que perde tanto tempo... As pessoas que ficam nos carros também se acomodaram em perder horas, gastar combustível, emitir gases poluentes... Fora o número de acidentes, absolutamente bárbaro. Quer dizer, é uma cidade selvagem, doente!
 
Por isso acho que discutir Plano Diretor é firula. Claro que é necessário um plano, uma orientação. Mas é preciso encarar o que impede as soluções, não adianta só falar que "falta planejamento urbano", "falta prevenção"...
 
Há situações evidentes que tomaram conta de tudo e estão mais fortes que há tempos atrás: os interesses do automóvel, das mega-empreiteiras, do capital imobiliário, das campanhas eleitorais...
 
Correio da Cidadania: Não basta criticar, é preciso intensificar as lutas práticas.
 
Ermínia Maricato: Só criticar, falar que falta planejamento urbano, é muita ingenuidade, porque na verdade existe um poder ocupando o espaço do planejamento urbano.
 
Correio da Cidadania: E que planejou exatamente dessa forma.
 
Ermínia Maricato: Sim, há esta lógica. Mas não estamos diante de algo que se possa chamar de planejamento. O que existe é uma orientação, uma direção política, que implica na relação da infra-estrutura construída com o mercado imobiliário, como por exemplo na Água Espraiada, nas Operações Urbanas, nos investimentos. E obviamente que esta tônica não pode resultar em algo planejado.
 
Em resumo, tem-se o que se pode chamar de "máquina do crescimento", conceito de dois americanos que analisam o agrupamento de interesses diversos para orientar a cidade numa direção determinada
 
Correio da Cidadania: E quanto ao novo governo estadual, com Alckmin à frente, o que vai significar para São Paulo a persistência do tucanato no poder? Essa lógica prosseguirá com toda a força?
 
Ermínia Maricato: O governo estadual, como qualquer um do país, é muito ausente da questão urbana e metropolitana. A questão metropolitana está no limbo. Ninguém fala dela, as iniciativas existem, mas são muito incipientes. E esses problemas que citamos, como a macro-drenagem, não são questões apenas municipais. O transporte de massa nos grandes centros também não. A água de esgoto e mesmo o destino final do lixo tampouco.
 
Dessa forma, na medida em que não há ninguém, nenhuma instituição, partido, universidade, mídia, puxando a questão metropolitana para ser pensada, nossas metrópoles viram um amontoado de políticas paroquiais e clientelistas. Com aquela validade de quatro anos.
 
Correio da Cidadania: Qual a importância e significado que tem hoje para o Planalto o Ministério das Cidades?
 
Ermínia Maricato: Bom, saiu uma equipe que lutou a vida inteira pela reforma urbana e entra o partido do Maluf e do Severino Cavalcante. É verdade que tem gente boa lá dentro, mas, aqui entre nós, não se faz política urbana acomodando as politiquinhas...
 
Correio da Cidadania? E o que pensa do novo ministro das Cidades, Mário Negromonte, que substituiu Márcio Fortes?
 
Ermínia Maricato: Não posso falar muito, mas pelo que sei é um empresário da área de construção. Não entendo isso! É a mesma coisa que botar o cabrito pra tomar conta da horta.
 
Correio da Cidadania: Segundo notícias trazidas pela imprensa, o Ministério das Cidades deverá sofrer o maior corte de despesas, com redução de R$ 8,57 bilhões no Orçamento. Não se tem aí mais uma evidência da posição subalterna do projeto desse ministério na arena política?
 
Ermínia Maricato: A verdade é que esses cortes são principalmente de emendas que, em grande parte, fazem pouca diferença para a melhoria da qualidade das cidades brasileiras. O Ministério das Cidades já sofria esses cortes enormes. Fora isso, o Palocci está de volta, com a mesma política do início do governo Lula.
 
Correio da Cidadania: Mas não é muito paradoxal o anúncio de um corte dessa ordem logo na seqüência da tragédia da Região Serrana do Rio de Janeiro?
 
Ermínia Maricato: Seria se os recursos fossem aplicados de forma planejada, seguindo orientações de políticas públicas. Mas se temos um grande corte nas emendas dos deputados, é o caso de olharmos as emendas. Muitas delas contrariam o adequado crescimento da cidade. O deputado escolhe um bairro e pede verba...
 
Veja bem: no Congresso Nacional, o sujeito escolhe um bairro da cidade pra ser asfaltado e pega verba no Ministério das Cidades. O que você acha?
 
Correio da Cidadania: Mais políticas paroquiais e clientelistas, como você disse.
 
Ermínia Maricato: Não resta dúvida. Mas também me refiro à irracionalidade que é espalhar um dinheiro aqui e ali sem seguir plano algum. Eu me lembro que, quando estava no Ministério, o que mais existia era emenda pra asfalto. E estamos aqui falando da impermeabilização de São Paulo.
 
Eu não estou dizendo que sou contra asfaltar bairros onde as pessoas andam na lama. Mas o que eu vi muitas vezes foram bairros nos quais nem deveriam morar pessoas, na extrema periferia. O sujeito vai e consegue uma emenda pra asfaltar. E assim vamos contrariando tudo que é falado sobre o adequado crescimento urbano, o que rezam os Planos Diretores. É a lógica das emendas parlamentares. No Congresso Nacional, o sujeito atua muito mais como um vereador.
 
Correio da Cidadania: Qual a sua expectativa quanto ao governo de Dilma? Apesar desse começo pouco auspicioso no Ministério das Cidades, acredita que se possa retomar, de uma forma ou outra, algumas das suas concepções iniciais?
 
Ermínia Maricato: Acho difícil. Eu pensei que seria um governo à esquerda do Lula. Mas quando o Palocci foi pra Casa Civil, já fiquei com o pé atrás.
 
Não sei, mas as informações mostram que é um governo que repete os primeiros anos de Lula. Foi exatamente assim: cortes profundos nos ministérios, tanto que me lembro que, nas primeiras reuniões, reclamavam de falta de papel higiênico, contingenciamento, cortes, aumento de juros... Esse ralo de dinheiro público que escoa para o sistema financeiro ao mesmo tempo em que se contingenciam recursos públicos...
 
É o filme do primeiro governo Lula.
 
Correio da Cidadania: Portanto, avançar na questão da democratização da terra chega a ser uma utopia para os próximos anos?
 
Ermínia Maricato: Na terra, o governo Lula não tocou. Fora Raposa Serra do Sol, não tocou na questão da terra. E não adianta querer fugir dela.
 
Não existe desenvolvimento social, ambiental, regional e territorial, inclusive no campo, sem tocar na questão da terra. Não existe! Não existe resolver o problema urbano sem tocar na questão da terra.
 
E ela é cada vez mais central, inclusive na globalização. A gente vê isso no Brasil, no mundo inteiro, as grandes corporações e até estados nacionais estão comprando terra. E continuamos tentando fingir que não vemos nada.
 
Correio da Cidadania: Finalmente, pode-se dizer que o programa Minha Casa Minha Vida, bandeira do governo Lula, toma parte neste loteamento irresponsável da terra urbana e rural?
 
Ermínia Maricato: O impacto que o Minha Casa Minha Vida teve sobre o preço da terra, em todas as cidades brasileiras, foi bárbaro, e todo mundo finge que não percebe. Os empresários dão as explicações mais estapafúrdias e todo mundo engole ou ignora, ninguém fala em regular. Assim, estão sendo geradas novas áreas de risco e novas exclusões territoriais.
 
Tenho muito medo de ver as pessoas se dividirem entre otimistas e pessimistas. Isso me incomoda muito. Até reconheço que na pequena agricultura houve alguns avanços, apesar de o agronegócio ter sido muito mais aquinhoado. Reconheço alguns progressos, como, por exemplo, com o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
 
Até pode resultar algum impacto em torno das regiões metropolitanas em função da manutenção de pequenos agricultores, seria muito interessante. Mas a questão urbana, de fato, foi rifada pelo governo Lula, rifada pelo PT e aparentemente rifada pelo governo Dilma.
 
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
 

Para o Jornal da Globo a culpa é do oprimido



Alexandre Haubrich

“As mulheres reclamam muito dos salários baixos, mas pesquisa revela: muitas delas têm medo de pedir aumento”. Essa foi a chamada para uma matéria do Jornal da Globo desta quinta-feira. Na escalada do jornal, o texto perguntou: “Medo de quê? Por que as mulheres tem mais dificuldade em pedir aumento?”.
Essa é a explicação encontrada pela Globo para os salários mais baixos recebidos por mulheres em cargos iguais aos dos homens. A mesma matéria já aproveita para explicar as maiores dificuldades das mulheres em ascender na carreira: apenas 28% delas pensam em promoção, contra 39% dos homens.
Após algumas entrevistas nas ruas, nas quais todas as falas que foram ao ar são de mulheres dizendo que nunca pediram aumento – referendando a tal pesquisa –, o repórter, em off, acusa: “Quase metade delas diz que ganha mal, mas também não faz nada para mudar essa situação”. No fim da matéria, a entrevistada é uma alta executiva. A partir de sua posição privilegiada, ela faz uma análise sociológica: “Não vejo limitações. Quem coloca limitações é a própria pessoa, o mercado está aberto”, afirma.
Entre tantas aspas destacando frases absurdas, um comentário do Mirgon Kayser, no Twitter, resumiu a situação com precisão: “Padrão Globo sim… Em geral a Globo valoriza as explicações mercadológicas que diluam e mascarem machismo / racismo / homofobia, etc”.  É isso. No caso específico das mulheres, é a reprodução e o fortalecimento do pensamento segundo o qual a mulher estuprada é a responsável pelo estupro.
A culpa por ser pobre é do próprio pobre, a culpa do desemprego é do desempregado que não gosta de trabalhar, a culpa de todas as formas de exploração e/ou opressão é sempre do explorado e oprimido. É assim que a Rede Globo quer fazer as pessoas pensarem, alimentando, dessa forma, a segregação, o preconceito e a exclusão por parte das elites, ao mesmo tempo em que tira dos oprimidos a percepção da necessidade de luta coletiva para se alcançar uma verdadeira mudança social. Individualiza a percepção e a luta, colaborando, através da construção desse discurso, com a manutenção das mais diversas formas de opressão.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Leonardo Avritzer e a sociologia otimista

Ruda Ricci
 
Há anos Avritzer produz uma série histórica sobre o orçamento participativo e o associativismo em capitais do Brasil. Trata-se de um autor respeitado. Mas desconfio que há um problema de base de coleta de dados em suas pesquisas. Que gera - ou é gerada - um otimismo surreal em relação ao avanço da democracia deliberativa no Brasil. Já nas suas pesquisas a respeito do orçamento participativo, onde vê avanço, percebo estagnação e envelhecimento precoce. A experiência é, ainda, basicamente petista e, mesmo assim, não envolve todas administrações deste partido. Não se espraia pelo país e mesmo após tantos anos, não atinge 5% das localidades brasileiras.
Ontem, a CBN me entrevistou e questionava a conclusão da última pesquisa de Avritzer, segundo a qual Belo Horizonte possui a maior prática associativa entre capitais brasileiras, incluindo Rio de Janeiro e São Paulo. Perguntei sobre vários dados da pesquisa e fiquei surpreso. Acredito que o problema está na base de dados, excessivamente oficial e/ou quantitativa. É evidente que Belo Horizonte não possui uma prática ou cultura associativa muito desenvolvida. Veja os casos de alteração da Lei Orgânica no ano passado (que não foi acompanhada por organizações de base, mas apenas pelo Nossa BH) ou reação da população à chacina no Aglomerado da Serra (envolvendo reações emocionais desorganizadas) ou mortes no Anel Viário da capital. Veja a total ausência de reação à tentativa de destruição dos conselhos de gestão pública pelo vereador Leonardo Mattos (PV). Não há nenhum sinal de articulação ou reação do "associativismo" de Belo Horizonte. Mas a ação social em Recife é visível à olho nú. Me preocupa saber que em localidade onde o governo promotor da institucionalização da participação popular na gestão, ao perder, não deixa um legado cultural, não consegue inscrever estas práticas como direito da população. Em Belo Horizonte, as experiências participacionistas são todas tuteladas e alimentadas pelo governo local e, mesmo assim, vêm decaindo ano a ano.
O mesmo já ocorria nas pesquisas sobre o orçamento participativo. Avritzer envia pedido de dados para as prefeituras e são elas que respondem. Como ter controle sobre o dado oferecido? Trata-se de um problema de metodologia científica. Nesta pesquisa mais recente, se os dados são também quantitativos e oficiais, não há como ter controle sobre o resultado. Em tempo: a medida sobre a cultura participativa está na mudança do processo decisório das políticas públicas de uma localidade (incluindo a mudança de rotinas das secretarias de governo) e o impacto real na cultura política (nos valores e representações) da população pesquisada. O que exige um fôlego razoável de investigação.
Sempre tive um orgulho não explícito ao ouvir que a sociologia é a ciência do desencanto porque ela é a expressão do pensamento crítico sobre todos aspectos da vida social. Uma desconfiança que me parece a alma de qualquer investigador.