sábado, 9 de abril de 2011

Peru: com slogan 'a esperança vai vencer o medo', Humala tenta repetir o Lula de 2002

Jacqueline Fowks no OPERA MUNDI

Imediatamente após uma pesquisa mostrar que o candidato da coalizão de esquerda Ganha Peru liderava as intenções de voto para as eleições peruanas, a Bolsa de Valores de Lima caiu mais de 5%. O temor expressado pelo mercado com a dianteira de Ollanta Humala Tasso, 48 anos, é semelhante ao verificado em eleições em outros países latino-americanos, como a do ex-presidente Lula.

E as incertezas da elite econômica no Peru com Humala não são a únicas semelhanças com a eleição brasileira em 2002: com um discurso mais leve e endereçado aos mais pobres, Humala parece ter eliminado a imagem de radical e conquistado um eleitorado fiel. O candidato inclusive divulgou o documento “Compromisso com o Povo Peruano”, nos moldes da “Carta ao Povo Brasileiro” de Lula. Nele, falou o que os investidores queriam ouvir.

Efe (01/04/2011)

Mudança aconteceu até no visual de Humala, que deixou de lado a camiseta vermelha e adotou o branco

Humala prometeu mudanças sem afetar a estabilidade econômica e política, propondo um “pacto político” entre todas as forças do país para “consolidar o crescimento e distribuir a riqueza no país”. De fato, não nega o crescimento registrado no Peru nos últimos anos – só em janeiro a economia cresceu 10,2% –, mas critica a concentração de renda. Humala garante ainda que “as decisões do Banco Central serão independentes e que não defenderá a volta de reeleições consecutivas”. 

A posição é oposta à apresentada em 2006, quando perdeu no segundo turno para o atual presidente, Alan García. Naquela ocasião, o esquerdista propunha a estatização da economia e a revisão de acordos econômicos já assinados. O neoliberal García ganhou com 52,6% dos votos – Humala teve 47,375 %. 


A mudança também aconteceu no visual: Humala já não veste vermelho e sim, branco, ou trajes formais, a exemplo dos ex-presidentes García e Toledo. Tampouco atacou verbalmente nenhum dos candidatos, apesar de o slogan “a esperança vai vencer o medo” ser exaustivamente repetido em seus comícios.

Frente à tentativa da imprensa e dos concorrentes de atrelá-lo ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, negou qualquer ligação com o líder da Venezuela, de passado militar como Humala. Em 2006, Chávez o apoiou explicitamente, inclusive liderando comícios em praça pública.

"Votarei em Humala não por ser militante, mas pelas reação contrária de certos setores, como o de comunicação, à sua candidatura. Em 2006, votei nele pelo mesmo motivo. Além disso, é o único que irá investigar o governo García, o que seria uma importante mensagem contra a corrupção e  a cultura da impunidade. Porém, não entendo quando diz que não está com Chávez ", disse ao Opera Mundi o eleitor Luis Ancajima , 41 anos, estudante de Filosofia. 
Efe (03/04/2011)

Toledo (e) e Keiko (d) são os candidatos com mais chances de acompanhar Humala no segundo turno

O eleitorado de Humala se concentra entre as camadas mais humildes da sociedade peruana, conforme mostra uma pesquisa do instituto Ipsos Apoyo. Trinta e um porcento da classe E, a mais pobre, vota no candidato, assim como 33% da classe D. Somente 6% da classe A escolherá Humala no próximo domingo.

Obstáculos para Humala

De acordo com a socióloga peruana Paula Muñoz, da Universidade de Austin, em 2006 Humala teve apoio “nas províncias [estados] abandonadas pelo modelo econômico”, e também onde “as políticas neoliberais tiveram benefícios”. No entanto, como verificado nas eleições daquele ano, a forte campanha dos meios de comunicação foi um dos motivos para a derrota para García. Nessa eleição, Humala espera amortecer a forte rejeição des setores como esse.

O candidato do Ganha Peru ainda tem três temas controversos em sua trajetória como militar. Uma denúncia por violação dos direitos humanos durante o combate ao Sendero Luminoso em 1992; a convocação de uma rebelião militar – ao lado do irmão, Antauro – no quartel de Locumba em 2000 no dia em que Vladimiro Montesinos, ex-assessor Fujimori fugiu do Peru e o levante popular convocado por Antauro na virada do ano de 2005, que resultou na morte de seis pessoas, sendo duas delas policiais. Durante esse motim, Humala atuava na Coreia do Sul, após ocupar posto similar na França, durante o governo Toledo.

Giovanna Peñaflor, diretora do instituto de pesquisas Imasen e analista política, insiste que o fato de ser militar reflete de forma positiva e negativa sobre Humala, porque o eleitor pode o enxergar como “uma pessoa que conhece o país, além de transmitir força e caráter”, mas também pode significar “autoritarismo.”

Jacqueline Paiva

Últimas pesquisas para a eleição presidencial no Peru

“Nesse momento, o lado positivo se destaca. Ele é o único candidato que aparece em público com a esposa e os filhos, sendo que um deles é recém-nascido. Sua imagem foi suavizada aos olhos dos eleitores”, explicou a analista política ao Opera Mundi. Além disso, o perfil político teve papel na aceitação de Humala. “Antes ele representava a esquerda radical, agora é uma esquerda moderada”, concluiu Giovanna.

O sociólogo peruano Julio Cotler concorda com a diretora do Imasen. “Ele se deu conta que com extremismo, não vai ganhar. O Peru não passa por um momento de grande dificuldade, que poderia beneficiar um extremista. Humala também entendeu que não bastava mudar a imagem, mas todas as propostas.”

Para o politólogo peruano Alberto Vergara, em entrevista a uma emissora local, “Humala conseguiu se afastar da imagem de militar e jogou com a carta da moderação, ao se aproximar de setores como a Igreja. Desmitificar o autoritário militar lhe rendeu resultados”.

De acordo com todas as pesquisas de intenção de voto, Humala deve passar para o segundo turno em primeiro lugar, um feito inimaginável no começo da campanha. Neste domingo (03/04), três institutos consolidaram a tendência de crescimento e liderança. O Ipsos Apoyo o coloca com 27,2%, seguido por Keiko Fujimori (20,5%), Toledo (18,5%), Pedro Pablo Kuczynski (18,1%) e Luis Castañeda Lossio (12,8%), ex-prefeito de Lima.

Resta saber quem será seu adversário em 5 de junho.

A gasolina, a Petrobras e a hipocrisia de mercado

Brizola Neto no TIJOLACO



Esta controvérsia sobre o “aumenta – não aumenta” da gasolina traz à tona uma questão interessante:
- E se a Petrobras tivesse sido privatizada como foi a Vale e entregue a um administrador competente como Roger Agnelli?
Bah!, como se diz no meu Rio Grande,  o preço da gasolina já estaria nas alturas, há tempos!
Os preços internacionais do petróleo chegaram ao nível mais alto dos últimos dois anos. Do início do ano para cá, o preço do barril no mercado de Londres cresceu cerca de 30% passando de 90 para 120 dólares.
O que os defensores da privatização acham que uma empresa particular estaria fazendo com os preços no mercado interno uma valorização no exterior? Manteria o preço para o consumidor brasileiro? Será que um executivo “competente” como o Sr. Agnelli já não teria sangrado o bolso da população e obtido os melhores lucros para a empresa?
E aí, aumentado assim o preço dos combustíveis o que aconteceria com a inflação,   D. Miriam Leitão?
Ela diz, em sua coluna: “Isso segura a inflação, mas por outro lado cria um artificialismo no mercado. O preço não cai quando o petróleo desce, nem sobe quando acontece o contrário. Mas outros produtos que não são vendidos ao público como o nafta e querosene de aviação sobem constantemente, mostrando a hipocrisia dessa política de preços.”
Faltou coragem de defender a volta da inflação via gasolina e de toda a cadeia de custos em que ela se envolve? Será que o “mercado” tem direito de fazer o Brasil voltar a viver a insegurança inflacionária? Será que os dogmas neoliberais são mais importante que a vida das pessoas?
Para eles, são.
Notem a perversidade com que o assunto está sendo tratado. A Petrobrás, que está segurando no lombo, pelos seus deveres com o Brasil os preços do combusível no mercado interno é culpada de tudo, seja de não aumentar seja da possibilidade e ter de faze-lo.
Olhe os dois gráficos deste post. O primeiro mostra a evolução do preço do petróleo dos últimos meses.
As linhas dispensam qualquer explicação e as razões do aumento estão publicadas todos os dias nos jornais com notícias da crise no mundo árabe. O segundo mostra um alinhamento dos preços praticados pela Petrobras nas refinarias ao longo de 2010, mostrando o   equilíbrio que a estatal manteve durante o ano passado com o preço internacional do petróleo.
Os aumentos do início do ano para cá ela está segurando no tranco. Tanto que hoje, o preço cobrado às distribuidoras – que não são monopólio estatal – está 23% abaixo do que é cobrado nos Estados Unidos, onde a gasolina também subiu, mas é sempre uma das mais baratas do mundo. Em 2009, a gasolina lá era 60% mais barata do que aqui.
Repito: O doutor Agnelli estaria segurando isso, estaria? O Bradesco iria segurar a peteca? E os japoneses da Mitsui, os investidores da bolsa de Nova York, a turma do “quero o meu primeiro”  aguentaria a rebordosa de não lucrar no curto prazo e seguir investindo?
Desculpem-me por estar falando assim, mas é duro ver como o conservadorismo e sua mídia no Brasil não têm o menor compromisso com tudo aquilo que eles dizem cultuar: estabilidade econômica,  liberdade de mercado,  livre formação de preços.
Exploram, no mais sórdido terrorismo as declarações do presidente da Petrobrás, José Sergio Gabrielli, que não disse nada além do óbvio: que se o preço internacional do petróleo se mantiver por muito tempo nos picos que alcançou terá que haver aumento da gasolina. E  nem sequer falou que esse aumento deve ser imediato,  mas se o preço internacional não ceder.
A Petrobrás é uma empresa e tem, sim, de ter equilíbrio econômico.
Equilíbrio, vejam bem. Algo muito diferente de ganância, de imediatismo, de precipitação. Na crise, antes de qualquer coisa, a Vale mandou, num peteleco, três mil trabalhadores para a rua. Se tivéssemos entregue a Petrobras, não estaríamos vendo o preço da gasolina subir, estaríamos vendo-o explodir.
Entregar, como fizemos com a Vale, um setor estratégico da economia como o petróleo aos interesses privados é entregar o próprio direito do povo brasileiro a estabilidade, ao emprego, a justiça e ao desenvolvimento.
O “mercado”, porém, é um deus sem pátria e sem alma.

Textos finais de Tolstói são libelos contra os ricos e a igreja


Como o menino do conto de Andersen, Liev Tolstói grita: "O rei está nu!". A imagem serve para sintetizar a ideia que perpassa os textos de Os Últimos Dias. Em cartas, trechos de diário, discurso e ensaios elaborados entre 1882 e 1910, o célebre escritor russo faz manifestos cáusticos contra a hipocrisia da sociedade, atacando os pilares do poder, defendendo a simplicidade e derramando religiosidade.

Filho da aristocracia, Tolstói (1828-1910) foi um rico desvairado, um militar, um romancista monumental (Guerra e Paz, Anna Kariênina) e um profeta peculiar. É dessa última fase que se ocupa o livro lançado pela Penguin-Companhia das Letras, a partir de seleção feita pelo professor Jay Parini, autor de A Última Estação, obra na qual se baseou o filme homônimo em cartaz.

Tolstói escreve em seu diário: "Pensei que, se eu servir as pessoas pela escrita, então a única coisa a que tenho direito, o que devo fazer, é desmascarar a mentira dos ricos e revelar aos pobres o engano em que eles os mantêm".

Com esse objetivo, ele dispara: "As pessoas vivem num luxo absurdo, enriquecendo-se com o trabalho de pobres humilhados e protegendo a própria riqueza com guardas, juízes, sentenças -e o clero, em nome de Cristo, aprova, consagra e abençoa essa vida, apenas aconselhando os ricos a conceder uma pequena parte do que foi roubado àquele de quem continuam roubando".

Hipnotização do povo

Por suas opiniões, foi excomungado pela Igreja Ortodoxa Russa, que, para ele, tinha abandonado os princípios da religião, criando um "pseudocristianismo". Rico proprietário de terras, Tolstói também se rebelou contra sua classe: "Deveria estar claro para qualquer homem culto de nossa época que o direito exclusivo à terra para pessoas que não trabalham nela e que privam o acesso a ela a centenas de milhares de famílias miseráveis é algo tão perverso e infame como a posse de escravos", diz numa carta.

Nos textos reunidos no livro, ele discorre sobre uma "hipnotização do povo", pregando contra os governos e as Forças Armadas, que ele classifica como "instrumento de assassínio". Pacifista, adversário feroz do serviço militar obrigatório, trocou correspondências com Bernard Shaw e Mahatma Gandhi.

Numa delas, expressa a necessidade de, com a aproximação da morte, transmitir suas opiniões a outras pessoas. Essa urgência provoca um jorro de ideias — às vezes repetitivo e cansativo — que toma conta do volume. Conta fábulas e esgrima temas como educação, vegetarianismo, religião, ciências e artes.

Shakespeare

Nesse último ponto, Tolstói elabora uma polêmica crítica à obra de Shakespeare, que para ele não era um artista. Dissecando Rei Lear, por exemplo, ele argumenta que a peça é "muito ruim, composta de modo desleixado" e que lhe provocou "nada além da repugnância e tédio". Na sua visão, não há "base razoável" para o "louvor insano" que os críticos fazem ao dramaturgo.

Tolstói prega nos textos, eivados de religiosidade e moralismo, a construção de uma nova sociedade, com a eliminação da violência, o estabelecimento de um sistema geral de propriedade, uma única religião e uma "irmandade universal". Suas utopias, que chegaram a reunir seguidores, se esfarelaram no tempo. Suas críticas permanecem.

Basta ler a descrição da sociedade em A Morte de Iván Ilitch (1886) — "uma das obras mais comoventes e mais pungentes da literatura universal", na avaliação de Otto Maria Carpeaux — para antever o âmago do pensamento de Tolstói que desemboca nesse livro lançado agora. Nele a densidade do autor no caminho de seus últimos dias transparece para além dos ranços e carolices.

Da Redação do VERMELHO, com informações da Folha de S.Paulo

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Líbia: A grande manobra de diversão


O que os sauditas queriam, e obtiveram, foi uma grande manobra que distraísse a atenção daquilo que consideravam mais urgente e que já estavam a fazer – a repressão à Revolta Árabe.

O conflito líbio deste último mês, olhado na sua globalidade – a guerra civil na Líbia, a acção militar contra Khadafi liderada pelos EUA –, não tem a ver com intervenções humanitárias nem com o imediato fornecimento mundial de petróleo. Trata-se, de facto, de uma grande manobra de diversão – uma manobra deliberada – para desviar as atenções da principal batalha política do mundo árabe. Há uma coisa em que estão de acordo tanto Khadafi quanto os líderes ocidentais de todas as sensibilidades políticas. Todos querem desacelerar, canalizar, cooptar, limitar a segunda Revolta Árabe e evitar que esta altere as realidades políticas fundamentais do mundo árabe e o seu papel na geopolítica do sistema-mundo.
Para analisar esta questão, é preciso seguir a sequência cronológica dos acontecimentos. Ainda que os barulhos políticos nos Estados árabes e as tentativas de diversas forças externas de apoiar um ou outro elemento dentro dos vários Estados sejam uma constante há muito tempo, o suicídio de Mohamed Bouazizi, em 17 de Dezembro de 2010, desencadeou um processo muito diferente.
Foi, no meu ponto-de-vista, a continuação do espírito da revolução mundial de 1968. Em 1968, tal como vem a ocorrer no mundo árabe nestes últimos meses, o grupo que teve a coragem e a vontade de iniciar os protestos contra os poderes estabelecidos foi o dos jovens. Os seus motivos foram vários: as arbitrariedades, a crueldade e a corrupção dos que estão no poder, a sua própria situação económica a piorar e, sobretudo, a insistência no seu direito moral e político de serem os actores fundamentais do seu próprio destino político e cultural. Além disso, protestaram também contra toda a estrutura do sistema-mundo e contra o modo como os seus líderes se subordinaram às pressões das potências externas.
Estes jovens não estavam organizados, pelo menos no início. E nem sempre estavam totalmente conscientes do cenário político. Mas foram corajosos. E, tal como em 1968, as suas acções foram contagiantes. Cedo ameaçaram a ordem estabelecida de quase todos os países árabes, sem distinção das suas próprias políticas externas. Quando mostraram a sua força no Egipto, que ainda é o principal país árabe, todo o mundo começou a levá-los a sério. Há duas maneiras de levar estas revoltas a sério: uma é unir-se a elas e tentar assim controlá-las. A outra é tomar medidas de força para anulá-las. Ambas foram tentadas.
Foram três os grupos que se uniram aos protestos, sublinhou Samir Amin na sua análise sobre o Egipto: a ressuscitada e tradicional esquerda, os profissionais de classe média e os islamistas. A força e o carácter destes grupos variaram dependendo do país. Amin viu a esquerda e os profissionais de classe média (ao ponto de serem nacionalistas e não neoliberais transnacionais) como elementos positivos, e os islamistas, os últimos a subir para a carruagem, como elementos negativos. E depois ainda temos o exército, que é sempre o bastião da ordem, que aderiu à revolta no último momento, precisamente para limitar os seus efeitos.
Assim, quando começou o levantamento na Líbia, foi o resultado directo do êxito das revoltas nos dois países vizinhos, a Tunísia e o Egipto. Khadafi é um líder particularmente desapiedado e tem feito declarações horrendas sobre o que vai fazer aos traidores. Se desde cedo se ouviram vozes em França, na Inglaterra e nos Estados Unidos defendendo uma intervenção militar, dificilmente seria por Khadafi ser um incómodo anti-imperialista. De boa vontade ele vendeu o petróleo líbio ao Ocidente, e vangloriava-se de ter ajudado a Itália a conter a maré da imigração ilegal. Além disso, ofereceu acordos lucrativos às empresas ocidentais.
No campo dos partidários da intervenção havia dois componentes: aqueles para quem todas as intervenções militares do Ocidente são irresistíveis, e os que a defendiam como uma intervenção humanitária. Nos Estados Unidos, houve uma forte oposição dos militares à intervenção, porque viam a guerra na Líbia como algo impossível de ganhar, além de ser um enorme esforço militar para os Estados Unidos. O último grupo parecia estar a ganhar quando, subitamente, a resolução da Liga Árabe mudou o equilíbrio de forças.
Como aconteceu isto? O governo saudita trabalhou com determinação e eficácia para obter a aprovação de uma resolução favorável ao estabelecimento de uma zona de exclusão aérea. Para obter a unanimidade dos estados árabes, os sauditas fizeram duas concessões. A intervenção limitar-se-ia à zona de exclusão aérea, e foi aprovada uma segunda resolução opondo-se à intervenção de forças terrestres ocidentais.
O que levou os sauditas a adoptar esta política? Alguém dos Estados Unidos telefonou para a Arábia Saudita e solicitou esse movimento? Creio que foi exactamente o contrário. Foram os sauditas que tentaram influenciar a posição dos EUA. E funcionou. A balança inclinou-se.
O que os sauditas queriam, e obtiveram, foi uma grande manobra que distraísse a atenção daquilo que consideravam mais urgente e que já estavam a fazer – a repressão à Revolta Árabe, sobretudo no que estava a afectar a própria Arábia Saudita, os países do Golfo e, por último, o mundo árabe no seu conjunto.
Tal como em 1968, este tipo de revolta anti-autoritária cria estranhas divisões nos países afectados e dá origem a alianças inesperadas. O apelo às intervenções humanitárias é particularmente fracturante. O problema que tenho com as intervenções humanitárias é que nunca estou seguro de que sejam de facto humanitárias. Os seus defensores sempre apontam os casos onde elas não ocorreram, como no Ruanda. Mas nunca olham para as ocasiões em que ocorreram. Sim, no curto prazo, pode-se evitar o que de outro modo seria um massacre. Mas no longo prazo é realmente efectiva? Para evitar a curto prazo os massacres de Saddam Hussein, os Estados Unidos invadiram o Iraque. O resultado foi ter-se massacrado menos gente num período de dez anos? Não parece.
Os defensores das intervenções humanitárias parecem ter um critério quantitativo. Se um governo mata dez manifestantes, isso é “normal” ou, em todo o caso, só digno de uma condenação verbal. Se matar 10 mil pessoas, já é um crime e requer uma intervenção humanitária. Quantas pessoas têm de morrer antes de o normal se converter em criminoso? 100, 1000?
Agora, as potências ocidentais estão envolvidas numa guerra na Líbia cujo resultado é incerto. É provável que se converta num pântano. Conseguiu afastar a atenção do mundo em relação à Revolta Árabe em curso? Talvez. Não sabemos ainda. Conseguirá derrubar Khadafi? Talvez. Não sabemos ainda. Se Khadafi cair, o que acontecerá depois? Mesmo os porta-vozes dos EUA estão preocupados com a possibilidade de que seja substituído por um de seus velhos camaradas de armas, ou pela Al Qaeda, ou por ambos.
A acção militar dos Estados Unidos na Líbia é um erro, mesmo do estreito ponto-de-vista dos Estados Unidos, e também do ponto-de-vista humanitário. Não vai acabar tão cedo. O presidente Obama explicou as suas acções de uma forma muito complicada e subtil. O que disse, em essência, é que se o presidente dos EUA, após uma avaliação minuciosa da situação, considerar que uma intervenção serve os interesses dos Estados Unidos e do mundo, ele pode e deve fazê-la. Não duvido que tenha sido uma decisão difícil para ele. Mas isso não é suficiente. Foi uma decisão terrível, odiosa e, em última instância, contraproducente.
Entretanto, a melhor esperança para todos é que a segunda Revolta Árabe recupere a sua força – talvez uma possibilidade improvável agora – e abale, em primeiro lugar, os sauditas
Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

A hora é agora. Até o FMI está a favor

Altamiro Borges:
 
Reproduzo artigo de Paulo Kliass, publicado no sítio Carta Maior:

A queda de braço continua! A briga pesada nos bastidores e na frente do palco parece não ter fim. É a antiga disputa por espaço político no interior do governo e também pela hegemonia de idéias e propostas divulgadas pelos meios de comunicação. A cada decisão da Presidenta Dilma ou de sua equipe que venha a ser anunciada ou apenas cogitada, os órfãos do neoliberalismo se agitam nas cadeiras e partem para o ataque.

Suas propostas foram derrotadas no plano da política, depois de todas as novidades ocorridas pelo mundo afora a partir da crise econômica iniciada em 2008. A realidade se encarregou de demonstrar seu equívoco. No entanto, a maior parte dos cargos do sistema financeiro internacional ainda não foi alterada – seus ocupantes são os mesmos. A estrutura operacional do complexo das finanças internacionais ainda está dominada pela visão distorcida do viés “financeirista” e da crença na fé cega do mercado como o elemento mágico que forneceria o equilíbrio eficiente e adequado a cada momento na economia e na sociedade. Ao longo dos últimos três anos a crise pode ter contribuído para colocar em xeque tais posições e soluções. Mas o tempo histórico de solidificação das mudanças das idéias é muito mais lento do que o da política ou mesmo da diplomacia. Esse amadurecimento ideológico é coisa prá quase uma geração.

A boa novidade é que muitas das posições do alto escalão dos organismos internacionais sofreram mudanças, dando espaços até então considerados inimagináveis a importantes economistas chamados genericamente de “heterodoxos”. É o caso do atual Diretor Geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), o francês e socialista Dominique Strauss Khan, bem como do economista chefe da instituição, Olivier Blanchard, francês e economista ligado ao meio universitário dos Estados Unidos. E também do professor e economista Paulo Nogueira Batista Jr., indicado pelo Presidente Lula em 2007 para diretor do FMI, representando o Brasil e mais oito países da América Latina e Caribe (1).

Porém, parcela considerável das escolas e das faculdades ainda estão dominadas por uma visão de mundo ultrapassada e conservadora, em especial no que se refere ao fenômeno econômico. Os meios de comunicação também contribuem para criar essa falsa idéia quanto à existência de um consenso entre os especialistas e analistas a respeito das alternativas de política econômica. Os servidores públicos e a tecnocracia estatal, em grande parte, também foram formados segundo essas mesmas visões e encontram grande dificuldade em operar uma transição nessa era pós-falência do credo, espalhado aos quatro cantos, do extinto Consenso de Washington. Ao contrário da conjuntura dos anos 60, onde figuras como Raúl Prebisch e Celso Furtado tinham reconhecimento e espaço para implementar suas idéias desenvolvimentistas no interior dos governos dos países e órgãos como a CEPAL, os tempos atuais são mais difíceis.

Dentre os inúmeros itens da pauta de governo, a ser desconstruída pelos mercadistas de plantão, constam dois pontos que merecem nossa atenção. O primeiro está associado à questão cambial e à forma pela qual o governo deveria sair da armadilha que lhe foi preparada. O segundo relaciona-se à política de controle de capitais estrangeiros, prática sempre acusada de ser estatista e intervencionista pelos liberais de conveniência.

Todos assistimos ao verdadeiro desencontro de informações em torno das medidas que o governo já decretou, e outras que estaria ainda por divulgar, para lidar com a enxurrada de divisas estrangeiras que não param de penetrar em nosso circuito econômico. Um verdadeiro tsunami financeiro, com todas as conseqüências negativas que um evento dessa natureza pode aportar. Também, não é para menos! Há mais de uma década que o Brasil vem oferecendo ao resto do mundo a maior taxa de juros real, estimulado pelo patamar mínimo, definido pelo governo, ao estabelecer a taxa SELIC. O fenômeno foi ainda reforçado ao longo dos últimos três anos, quando a maior parte das autoridades monetárias do mundo desenvolvido reduziu para praticamente zero as suas taxas de juros oficiais. Era a recomendação consensual para sair da crise e estimular a retomada do crescimento naquelas terras. Porém, para a turminha das finanças na esfera internacional, abria-se ainda mais a possibilidade de ganhar dinheiro fácil, às custas do Tesouro Nacional, com sede aqui em Brasília.

E a coisa foi tomando uma dimensão cada vez mais perigosa. O maior parte desse volume ainda estava associado aos recursos dos grandes fundos financeiros internacionais, especulativos por sua própria natureza, em busca da rentabilidade fácil e sem riscos. Mas as grandes empresas operando aqui dentro do Brasil também enxergaram a tal da “janela de oportunidade” e passaram a tomar cada vez mais seus empréstimos junto aos bancos lá fora. Afinal, o procedimento parece bem simples e lógico. Tudo começa com a análise do chamado diferencial das taxas de juros. As do FED, o Banco Central dos EUA, estão entre 0% e 0,25% ao ano. O Banco Central Europeu acabou de elevar a sua para 1,25% ao ano. Erro de digitação? Não, não! Os valores são esses mesmo!

E aí a coisa começa, em um procedimento que qualquer operador do mercado financeiro domina sem menor dificuldade. Tomo empréstimo em dólar ou euro a essa taxa de juros reduzidíssima. Internalizo esse recurso no Brasil e transformo em real. Aplico no mercado financeiro com remuneração seguramente superior aos 11,75% anuais da SELIC e ainda conto com a garantia de que a política cambial do governo é “imexível”. Quando for pagar esse compromisso lá fora, talvez a taxa de câmbio esteja até mais favorável para mim. Pronto: está feita a mágica da geração espontânea... de moeda. Ganho nas duas pontas. E não parece muito difícil imaginar quem perde, quem paga essa conta no final do banquete.

Vamos a um simples exemplo numérico? Imaginemos um fundo estrangeiro que tivesse aplicado US$ 1 milhão há um ano atrás aqui no Brasil. Ao internalizar o recurso, com a taxa de câmbio à época a 1,77, a quantia transformou-se em R$ 1,77 milhão. Com uma aplicação financeira bem tímida (por exemplo, compra de títulos da dívida pública federal), recebeu algo como 12% no ano. Estávamos com R$ 2,12 milhões ontem. E ao sair hoje, com a taxa de câmbio de 1,61, o gestor do fundo recebe lá fora o equivalente a US$ 1,32 milhão. Uma rentabilidade extraordinária de 32% em moeda norte-americana! O cara vai receber um baita bônus e ainda será promovido na empresa, é claro! Uma loucura!

Ainda na linha do “nunca-antes-na-história-deste-país”, foram divulgadas nos últimos dias as informações a respeito da entrada e saída de recursos externos no Brasil ao longo do primeiro trimestre do presente ano. O saldo líquido (entradas menos saídas) atingiu a impressionante marca positiva de US$ 36 bilhões entre primeiro de janeiro e 31 de março. Ou seja, um recorde histórico para esse fluxo financeiro, desde que o BC passou a divulgar essa estatística, há 30 anos atrás. Esse montante significa o dobro do recorde anterior, quando, no primeiro trimestre de 2007, o fluxo foi de US$ 18 bilhões. Ou ainda, para efeito de comparação, um valor quase 50% mais alto do que aquele verificado ao longo de todo o exercício de 2010. Ou seja, o Brasil ainda continua sendo um paraíso de ganho financeiro.

O estranho é que governo tenha aguardado a divulgação do resultado acumulado dos três meses, quando já sabia antes dessa tendência, por meio do acompanhamento cotidiano das operações pelo Banco Central, autoridade de supervisão e de fiscalização do mercado financeiro. E apenas anunciou, timidamente, a extensão da cobrança de 6% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre os empréstimos em moeda em estrangeira do prazo de um ano para dois anos. Muito pouco.

Mas e o que a equipe econômica fez com o grande volume de recursos especulativos que ingressa para aplicar em nosso mercado financeiro e pode pular fora no momento que quiser? Nada! As propostas existem e circulam há muito tempo por aí. Ampliar a cobrança desse IOF para todas as operações financeiras que vierem de fora. Estabelecer uma quarentena para o recurso que vier para o mercado financeiro, de forma que o operador se comprometa com um período mínimo (dois anos, por exemplo) para depois voltar à sua praça de origem. E também a cobrança de Imposto de Renda para esse tipo de aplicação, como se faz para as aplicações dos residentes aqui.

Além do prejuízo que tal postura de passividade provoca em termos de alocação de recursos orçamentários para pagamento de juros da dívida pública, o ingresso de recursos externos também prejudica nossa economia por meio da tendência à valorização da taxa de câmbio, do real frente ao dólar norte-americano e demais moedas do mundo. Enquanto escrevo essas linhas, o mercado financeiro registra mais um dia de aposta contra as posições do governo. E este último se vê obrigado a “enxugar gelo”, como se diz no jargão do mercado financeiro. O Tesouro e o BACEN torram um montão de dinheiro para comprar divisas e, assim, tentar segurar a cotação do real. Mas acabam perdendo a batalha nos dias e nas semanas seguintes, pois o fluxo de entrada não diminui. Este tem sido o enredo recorrente desde a instalação do Plano Real.

O interessante, no entanto, é que apesar da má vontade dos nossos saudosistas das propostas da ortodoxia monetária, o mundo está mudando. Até o próprio FMI aparenta mudanças em suas posições oficiais no que se refere às propostas de política monetária e de estabilização econômica (1). É verdade que ainda está longe das posições que seriam as mais corretas, do ponto de vista dos países em desenvolvimento. Mas já fala em aceitar, em alguns casos, o próprio mecanismo de controle de capitais externos – o que era uma peça intocável do arranjo de “liberdade de mercado” tão apregoado pelos defensores do lucro fácil às custas do esforço do povo trabalhador.

Estão mais do que demonstrados os efeitos perversos que a manutenção da política de valorização cambial e a ausência de controle de capitais especulativos têm provocado ao nosso País. Economistas, pesquisadores e analistas de variados matizes confluem para tal necessidade. A resistência é localizada no coração do sistema financeiro. É passada a hora de tomar medidas para corrigir esse desvio. Afinal, agora - ironia da História - até mesmo o FMI é favorável a tais mudanças!

Nota:

(1) Ver: http://www.imf.org/external/np/sec/memdir/officers.htm

(2) Ver: http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2011/NEW040511B.htm.

A Música Genial de Pixinguinha (1980)

Créditos: UmQueTenha




Especialista americano em segurança nas escolas: Cuidado com análises precipitadas!



por Heloisa Villela, de Washington no Viomundo

Os Estados Unidos têm uma longa lista de massacres e incidentes com armas de fogo em escolas. Columbine, no Colorado, ou a Politécnica, da Virgínia, são alguns dos exemplos mais conhecidos e dramáticos com grande número de mortos. A necessidade de evitar que novas mortes aconteçam no lugar que as crianças têm que frequentar todos os dias, e onde devem estar seguras, provocou uma parceria entre o Serviço Secreto e a Secretaria de Educação. Um estudo aprofundado e feito longe do calor do momento.
William Modzeleski, Sub-Secretário de Educação para a Segurança das Escolas, participou do grupo que elaborou  o estudo entitulado “Implicações para a prevenção de ataques em escolas dos Estados Unidos”. Ele é taxativo: não existe um perfil padrão dos atiradores e diz que é fundamental ouvir os jovens e crianças. Ele também afirmou que as primeiras avaliações e os relatos da imprensa, no momento da tragédia, sempre contém muitos erros.
O estudo, do qual ele é coautor, se concentrou em incidentes registrados em escolas do Jardim da Infância, de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Entrevistei William Modzeleski no dia em que aconteceu o massacre na escola de Realengo, no Rio. Um pequeno trecho da entrevista foi ao ar no Jornal da Record, no mesmo dia. Aqui, a entrevista completa para o Viomundo:

Heloisa Villela:Quando e por que foi feito esse estudo?

William Modzeleski: O estudo foi feito depois de 1999, depois do que aconteceu em Columbine, no Colorado, como um desdobramento. O Serviço Secreto tinha terminado um estudo sobre tentativas de assassinato das pessoas que eles tem que proteger – o Presidente e o Vice-Presidente. Então, o diretor do Serviço Secreto procurou o  Secretário de Educação na época, Richar Riley, e disse que podia nos emprestar o pessoal dele para nos ajudar a fazer um estudo sobre as pessoas que estavam indo às escolas matar crianças. Naquele momento, em 99, tínhamos passado por vários incidentes. Columbine não foi o primeiro nem o último. O Departamento de Educação aprovou a idéia. Então, analisamos 37 casos, 41 indivíduos que entraram em escolas entre 1974 e  1999 e fizeram o que chamamos de ataques que tinham as escolas como alvo. São incidentes em que o indivíduo seleciona a escola alvo. De antemão, quer fazer algo, entrar na escola, atirar ou detonar bombas. Não olhamos apenas os arquivos dos casos mas também entrevistamos 10 das pessoas que participaram desses ataques.E o que aconteceu no seu país, agora, é comum aqui: a pessoa que ataca acaba cometendo suicídio logo depois ou durante o incidente.

Heloisa Villela: Quais foram as conclusões do estudo?

William Modzeleski: Uma das nossas conclusões foi que esses ataques não são impulsivos. Não acontecem num momento de explosão. Começam com um pensamento, depois o atirador desenvolve um plano, o meio de levar ele a cabo: comprar uma arma, ou o que quer que seja que precise. Em geral, existe um prazo de planejamento que pode ser de algumas semanas, alguns meses e, como no caso de Columbine, pode levar mais de um ano. O que nós percebemos é que existe um período de tempo em que podemos interferir e agir.

Heloisa Villela: E o que mais?

William Modzeleski: A segunda descoberta foi que, em sua maioria, os agressores não eram pessoas isoladas que ninguém conhecia. Eram pessoas conhecidas na comunidade, que os professores sabiam que tinham problemas e que ninguém fez nada. E mais: quase todos contaram a outras pessoas o que íam fazer. Não guardaram segredo. Quase todos os agressores estavam na faixa dos 13 aos 19 anos. E a maioria dos adolescentes têm dificuldade de manter segredo. Eles falam com outras pessoas. Também descobrimos que, mesmo depois de contarem a outras pessoas que íam atirar e matar na escola, essas pessoas não contaram para mais ninguém e simplesmente não acreditaram.

Heloisa Villela: O que existe de comum entre esses jovens?

William Modzeleski:Vimos que quase todos passaram por algum evento traumático. E não se pode pensar nisso com a cabeça de um adulto e sim com a mentalidade de um jovem porque o que afeta os adolescentes é muito diferente. Alguns perderam a namorada, outros  não conseguiram vaga na universidade, tiveram notas baixas. ¾ das crianças atravessaram situações constantes de agressão na escola. Como vítimas e/ou como agressoras. É mais um sinal que deve ser observado. Agora, o que nós descobrimos e surpreende muita gente é que não existe perfil padrão do jovem que faz isso. Muita gente gostaria que disséssemos: “esses assassinos são todos homens, tem uma determinada idade, se parecem com este ou aquele perfil, se vestem assim ou assado”. Mas descobrimos que são todos diferentes. Alguns tem boas notas outros não. Alguns tem problemas de comportamento na escola e outros não.
Heloisa Villela:E  são todos homens?
William Modzeleski:Até o momento em que terminamos o estudo, sim. Mas depois que concluímos, houve um caso de uma mulher, na Pensilvânia, e descobrimos, depois, casos envolvendo alunas do sexo feminino que tentaram matar colegas, na escola, em 1970, na Califórnia. Então, não existe perfil. É mais um problema de comportamento do que de aparência e características. Como agem, o que falam, o que fazem? Muitas dessas crianças fizeram ameaças, falaram em atirar, desenharam cenas, tiveram atitudes violentas. Deram vários sinais e nós ignoramos.

Heloisa Villela: Sexo, raça, religião, doenças mentais, nada disso é luz vermelha que dever ser observada? O rapaz da Virgínia Tech, dizem que tinham problemas mentais, por exemplo.

William Modzeleski: É bem mais complexo…  Quando falamos de doenças mentais, por exemplo, é preciso ter outros fatores associados a elas. Doença mental é um termo muito genério e existem vários tipos de necessidades na área de saúde mental. Milhões de pessoas têm necessidades na área de saúde mental nesse país. Não é nisso que devemos prestar atenção e sim nos comportamentos relacionados com atitudes violentas: a pessoa tem armas? Tem problemas com álcool e drogas? Têm feito ameaças? E vimos que os atiradores apresentam esses comportamento tenham necessidades na área de saúde mental ou não.
Heloisa Villela: O senhor disse que existe, normalmente, uma janela, um espaço de tempo em que é possível fazer algo. O que pode ser feito para evitar problemas como esse?
William Modzeleski: O primeiro passo é identificar as pessoas que têm esses problemas de comportamento e entender o que são e trabalhar dentro da comunidade para oferecer os serviços necessários. Acompanhar o indivíduo. Acima de tudo, descobrimos que muitas dessas crianças não têm um adulto na vida delas. Alguém com quem possam conversar sobre os problemas que estão enfrentando. Parte do que estamos dizendo no estudo não é apenas identificar as crianças que apresentam esses comportamentos mas também perguntar: existe um adulto ao qual possamos associar essa criança? Pode ser um irmão mais velho… Alguém em quem possam confiar. Isso faz muita diferença.

Heloisa Villela: Além de encontrar um interlocutor adulto para que essas crianças sejam ouvidas, dificultar o acesso a armas não seria importante também?

William Modzeleski:No nosso estudo, a maioria das pessoas que matou nas escolas, usou armas comuns, vendidas em muitos lugares do país. Muitas dessas armas foram obtidas ilegalmente. Foram roubadas de casa, ou da casa do vizinho. Então, é importante descobrir como evitar que as armas caiam nas mãos dos que, legalmente, não deveriam ter armas.
Heloisa Villela: E como fazer para facilitar o contato desses jovens com adultos que os ouçam?
William Modzeleski: Os primeiros adultos na vida das crianças são os pais. É preciso ver se eles estão presentes e se se comunicam. Como acontece em muitos outros países, aqui também, em muitas famílias não existe uma mãe ou um pai que se comunique com os filhos. E quando isso acontece, temos que criar oportunidades. Grupos e organizações civis que estão disponíveis. Se não houver pai ou mãe, é preciso que haja um adulto responsável.

Heloisa Villela: Pode ser um professor?

William Modzeleski:Claro! Em muitos casos, é o professor que faz um trabalho maravilhoso de conversar com as crianças e ir muito além das necessidades acadêmicas, tratando também dos problemas emocionais.

Heloisa Villela: Os Estados Unidos lideram neste tipo de problema, mas já aconteceram casos na Alemanha, na Finlândia, na Nova Zelândia…

William Modzeleski: Deixe-me corrigir uma impressão equivocada de que nossas escolas são lugares perigosos e que esses incidentes acontecem com frequência… Não é o caso. Apenas 1% dos homicídos de crianças na faixa de 5 a 18 anos acontece nas escolas. Então, as escolas são seguras. Mas podem se tornar ainda mais seguras? Podem. E estamos trabalhando muito para que todas as escolas do país sejam seguras porque entendemos que as crianças não podem aprender e os professores não podem ensinar se estiverem em um ambiente no qual sempre sentem medo. E podemos tornar as escolas mais seguras transformando a cultura dentro delas para que as crianças não agridam umas às outras, para que não haja o chamado bullying. Garantindo que toda criança tenha um adulto ao qual possa recorrer em caso de necessidade.  Fazendo com que as crianças entendam que uma arma não é o meio para resolver problemas.

Heloisa Villela: Então, não é instalando detectores de metais…

William Modzeleski: Os detectores tem seu lugar em algumas escolas. Não devem ser a única medida porque as crianças não podem conversar com detectores de metais. Mas depende muito das condições e dos problemas que a escola enfrenta. Se é uma escola que nunca teve problema com armas, por que ter um detector de metais? Mas se você fez um levantamento e viu que muitos alunos têm problemas com drogas, você precisa de um programa de drogas. Muitos adolescentes tem problemas sociais, tem problemas com namorados… É o fator humano!

Heloisa Villela: E por que esses atiradores fazem a escola de alvo?

William Modzeleski:De acordo com as entrevistas que fizemos, é porque foi na escola que sofreram algo. Onde se sentiram provocados, agredidos, onde estão as pessoas que, na cabeça deles, os estavam perseguidos. É uma escolha lógica.

Heloisa Villela: Que medidas estão sendo tomadas para tornar as escolas americanas mais seguras?

William Modzeleski:Antes de mais nada, reconhecer e entender qual é o problema. Há 20 anos achávamos que as escolas precisavam de programas e começamos a fazer vários. Prevenção de violência, de drogas. Mas não tínhamos uma compreensão do problema. Agora, estamos empurrando as escolas para que tenham um entendimento melhor dos problemas. Que façam pesquisas, falem com as crianças e levantem informações porque enquanto não fazem isso, não podem desenvolver programas. Uma coisa que encorajamos muito é para que re-examinem suas políticas para ver se são muito punitivas. Você expulsa a criança por qualquer motivo ou  oferece alternativas? Pedimos a todas as escolas do país que desenvolvam parcerias com a comunidade. Com os serviços de saúde mental, com a polícia local. Se o principal problema da escola é bullying, é preciso mudar a cultura da escola.

Heloisa Villela: No caso do Brasil, considerando que cada país é um país e cada cultura é uma cultura, o que o senhor diria às autoridades brasileiras, que tipo de alerta ofereceria?

William Modzeleski:Não sei muito sobre o caso do Brasil. É difícil falar. Mas acho que devem fazer o mesmo que fizemos aqui: primeiro, tentar entender o que está acontecendo. Depois vai poder desenhar algum programa. Mas acho que não é por causa de um incidente que você vai traçar política. Pode ser apenas uma aberração. Antes de pensar em criar qualquer política, é preciso entender melhor o que aconteceu.
Nota: Nos casos analisados pelo estudo, 76% dos atiradores eram brancos, 12% Afro-Americanos, 5% hispânicos, 2% Native-Alaskans, 2% Native-Americans e 2% Asiáticos.

As origens da expressão “politicamente correto”

Se pudéssemos resumir de forma simplificada a grande descoberta dos estudos da linguagem no século XX, o resumo seria: a língua não é um instrumento neutro. Dito assim, parece à toa. Mas quando desempacotamos as premissas e conclusões que se desprendem desse enunciado, algumas consequências se impõem para a prática política de esquerda. Não se trata só de que os sujeitos que se utilizam da linguagem não são neutros, mas que os próprios vocábulos, estruturas e entonações da língua trazem consigo uma história carregada de sentidos culturais e políticos. Não é do interesse dos que lutam ao lado dos mais fracos ignorar ou minimizar essa história.
A expressão “politicamente correto” se firmou na língua inglesa como parte de uma ofensiva da direita estadunidense nas chamadas guerras culturais dos anos 1980 e 1990. Embora haja ocorrências da expressão em textos da New Left (a Nova Esquerda), foi naquelas batalhas que o termo passou a funcionar como designação de um suposto autoritarismo policialesco da esquerda no uso da linguagem. A esfera do politicamente correto abrangeria classe, raça, gênero, orientação sexual, nacionalidade, descapacitação e outros marcadores de subalternidade. Mas, sem dúvida, o exemplo paradigmático sempre foi racial.
Enquanto parte significativa dos negros dos EUA passava a utilizar, como autodescrição, o termo “afro-americano” — sob a lógica de que preferiam identificar-se pela cultura de origem, e não pela cor da pele —, o conservadorismo realizava simpósios como “Correção Política e Estudos Culturais”, promovido pela Conferência das Humanidades Ocidentais, em Berkeley, em 1990. O colóquio se propunha a examinar “qual o efeito que tem sobre a pesquisa acadêmica a pressão para se conformar a ideias atualmente na moda”. Tomava corpo a bem sucedida estratégia da direita nas guerras culturais. Partia-se de uma premissa jamais demonstrada, a “pressão” para que se adotassem expressões “politicamente corretas”. No mundo realmente existente, não se tinha notícia de grandes pressões do movimento negro sobre quem fosse para que se abandonasse o termo “black” por “African-American”. Não se tinha notícia de que ninguém tivesse sofrido dano considerável por não usar “ele ou ela” (ao invés de somente “ele”) em frases com sujeito de gênero indeterminado. Mas o mero ato de se explorar a possibilidade de uma nomenclatura alternativa, mais conforme à identidade reclamada pela comunidade, no caso racial, mais inclusiva e menos discriminatória, no caso dos pressupostos sexistas da língua, já oferecia o arremedo de bicho-papão a partir do qual a direita dos EUA desenvolveria sua tática favorita: silenciar o outro enquanto se faz de vítima oprimida. O coroamento dessa tática ocorreu no famoso caso da Universidade Stanford, que marcou a vitória da direita naquele debate e a consolidação da expressão “politicamente correto”.
Os currículos universitários norte-americanos incluem um curso de obras-primas ocidentais que percorre, em geral, um trajeto que vai de Homero (ou Platão) a Nietzsche. Esses autores também são lidos numa série de outros cursos que, em Stanford, compõem as grades dentro das quais o aluno pode cumprir os requisitos de humanas. Em março de 1988, o Senado de Stanford decidiu aprovar uma proposta de substituição de um desses cursos de cultura ocidental, em uma das grades, por um curso intitulado “Culturas e valores”, de cunho comparativo, no qual se incluíam textos “não-ocidentais” como os do ensaísta antilhano Frantz Fanon e da ativista indígena guatemalteca Rigoberta Menchú.
Dentro de Stanford, a implantação do novo currículo foi absolutamente tranquila, num debate já informado por anos de reflexão sobre a necessidade de oferecer outras versões sobre a modernidade. A votação no Senado foi normal. A defesa do projeto foi ligeiramente politizada por grupos de estudantes, mas tudo correu dentro da normalidade que se espera de uma revisão curricular como qualquer outra, exceto por um detalhe. As principais fundações da direita, grupos religiosos e o Partido Republicano acompanhavam o debate de perto. A grande imprensa passou a dedicar blocos de seus programas à “eliminação da cultura ocidental no currículo das universidades americanas”, ao “assassinato de Shakespeare e Platão” e à “intimidação de ativistas estudantis”. Estavam lançadas as sementes das guerras culturais.
Desde Watergate, a queda de Nixon e a consequente desmoralização da direita estadunidense, as forças conservadoras do país passaram a dedicar intenso esforço à vitória na luta cultural. Investiram-se milhões de dólares na construção de think tanks como a Heritage Foundation. Os neo-conservadores sabiam que era no terreno da cultura que se jogaria a cartada decisiva. Em 1988, a direita republicana concluía oito anos de controle sobre a Casa Branca, acabava de estrangular a revolução centro-americana, estava pronta para presenciar a queda do comunismo e identificava na cultura a nova guerra que deveria vencer. William Bennett (ex-secretário de Educação no governo Reagan), Herbert London (fundador do Instituto Hudson, um think tank de direita), Allan Bloom, autor de O fechamento da mente americana, e Dinesh D’Souza, autor de Illiberal Education, passariam a acusar Stanford de jogar no lixo a cultura ocidental. O livro de D’Souza atacava especialmente a incorporação do testemunho de Rigoberta Menchú, ativista guatemalteca de etnia maia-quiché que aprendeu espanhol já adulta e narrou sua história de vida à antropóloga franco-venezuelana Elizabeth Burgos. O relato é indissociável das atrocidades cometidas na guerra civil da Guatemala nos anos 1970 e 1980, de responsabilidade de uma ditadura financiada pelos EUA. O que enfurecia no testemunho de Menchú era que, ao ser incluído num currículo universitário de culturas ocidentais, ele dava uma resposta aos que idealizam o Ocidente ou “os valores ocidentais” como cavalos de batalha. O livro implicitamente dizia: O Ocidente é isto aqui também, é atrocidade também. No entanto, a versão do episódio Stanford apresentada nas redes televisivas e em  revistas como Time e Newsweek se limitava a replicar as fundações de direita: a universidade estava “eliminando a cultura ocidental” do currículo e “matando” Platão e Shakespeare.
De lá para cá, a expressão “politicamente correto” virou moeda corrente no Brasil. Com frequência, a mera menção de algum episódio que envolva racismo, homofobia, sexismo ou xenofobia é desqualificada com referência ao termo, que estaria nos impedindo de sermos nós mesmos. É como se “politicamente correto” fosse um ser com vontade própria, um movimento, um sujeito dotado de consciência. No mundo realmente existente, ele é apenas isto: um sintagma sem referente, um balão de ensaio, uma cortina de fumaça, uma tutameia. Não interessa às forças de esquerda perpetuar a confusão.
Este artigo é parte integrante da edição 96 da revista Fórum.via Sul21

Criança, entre livros e TV


Frei Betto, recebido por email

Foi o psicanalista José Ângelo Gaiarsa, um dos mestres de meu irmão Léo, também terapeuta, que me despertou para as obras de Glenn e Janet Doman, do Instituto de Desenvolvimento Humano de Filadélfia. O casal é especialista no aprimoramento do cérebro humano.
Os bichos homem e mulher nascem com cérebros incompletos. Graças ao aleitamento, em três meses as proteínas dão acabamento a este órgão que controla os nossos mínimos movimentos e faz o nosso organismo secretar substâncias químicas que asseguram o nosso bem-estar. Ele é a base de nossa mente e dele emana a nossa consciência. Todo o nosso conhecimento, consciente e inconsciente, fica arquivado no cérebro.
Ao nascer, nossa malha cerebral é tecida por cerca de 100 bilhões de neurônios. Aos seis anos, metade desses neurônios desaparecem como folhas que, no outono, se desprendem dos galhos. Por isso, a fase entre zero e 6 anos é chamada de "idade do gênio”. Não há exagero na expressão, basta constatar que 90% de tudo que sabemos de importante à nossa condição humana foram aprendidos até os 6 anos: andar, falar, discernir relações de parentesco, distância e proporção; intuir situações de conforto ou risco, distinguir sabores etc.
Ninguém precisa insistir para que seu bebê se torne um novo Mozart que, aos 5 anos, já compunha. Mas é bom saber que a inteligência de uma pessoa pode ser ampliada desde a vida intrauterina. Alimentos que a mãe ingere ou rejeita na fase da gestação tendem a influir, mais tarde, na preferência nutricional do filho. O mais importante, contudo, é suscitar as sinapses cerebrais. E um excelente recurso chama-se leitura.
Ler para o bebê acelera seu desenvolvimento cognitivo, ainda que se tenha a sensação de perda de tempo. Mas é importante fazê-lo interagindo com a criança: deixar que manipule o livro, desenhe e colora as figuras, complete a história e responda a indagações. Uma criança familiarizada desde cedo com livros terá, sem dúvida, linguagem mais enriquecida, mais facilidade de alfabetização e melhor desempenho escolar.
A vantagem da leitura sobre a TV é que, frente ao monitor, a criança permanece inteiramente receptiva, sem condições de interagir com o filme ou o desenho animado. De certa forma, a TV "rouba” a capacidade onírica dela, como se sonhasse por ela.
A leitura suscita a participação da criança, obedece ao ritmo dela e, sobretudo, fortalece os vínculos afetivos entre o leitor adulto e a criança ouvinte. Quem de nós não guarda afetuosa recordação de avós, pais e babás que nos contavam fantásticas histórias?
Enquanto a família e a escola querem fazer da criança uma cidadã, a TV tende a domesticá-la como consumista. O Instituto Alana, de São Paulo, do qual sou conselheiro, constatou que num período de 10 horas, das 8h às 18h de 1º de outubro de 2010, foram exibidos 1.077 comerciais voltados ao público infantil; média de 60 por hora ou 1 por minuto!
Foram anunciados 390 produtos, dos quais 295 brinquedos, 30 de vestuário, 25 de alimentos e 40 de mercadorias diversas. Média de preço: R$ 160! Ora, a criança é visada pelo mercado como consumista prioritária, seja por não possuir discernimento de valor e qualidade do produto, como também por ser capaz de envolver afetivamente o adulto na aquisição do objeto cobiçado.
Há no Congresso mais de 200 projetos de lei propondo restrições e até proibições de propaganda ao público infantil. Nada avança, pois o lobby do Lobo Mau insiste em não poupar Chapeuzinho Vermelho. E quando se fala em restrição ao uso da criança em anúncios (observe como se multiplica!) logo os atingidos em seus lucros fazem coro: "Censura!”
Concordo com Gabriel Priolli: só há um caminho razoável e democrático a seguir, o da regulação legal, aprovada pelo Legislativo, fiscalizada pelo Executivo e arbitrada pelo Judiciário. E isso nada tem a ver com censura, trata-se de proteger a saúde psíquica de nossas crianças.
O mais importante, contudo, é que pais e responsáveis iniciem a regulação dentro da própria casa. De que adianta reduzir publicidade se as crianças ficam expostas a programas de adultos nocivos à sua formação?
Erotização precoce, ambição consumista, obesidade excessiva e mais tempo frente à TV e ao computador que na escola, nos estudos e em brincadeiras com amigos, são sintomas de que seu ou sua querido(a) filho(a) pode se tornar, amanhã, um amargo problema.

“Ruralistas querem ludibriar agricultores familiares”


Fetraf e Greenpeace criticam ato com megaestrutura para defender alterações de Aldo Rebelo ao Código Florestal



Vinicius Mansur
de Brasília (DF) para o Brasil de Fato

Milhares de produtores rurais e uma megaestrutura estavam em Brasília, nesta terça-feira (5), para um ato que pediu a aprovação do novo Código Florestal. O custo do evento, de acordo com seus organizadores, a Confederação Nacional da Agricultura Pecuária (CNA) e instituições ligadas ao lobby ruralista, foi de R$ 2 milhões.
O cenário montado serviu de palco para o discurso parlamentares ruralistas: o novo código é uma urgência para todos os produtores rurais do país. Uma farsa, de acordo com o coordenador da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), Francisco Lucena:
“Os ruralistas querem ludibriar a cabeça de milhares de agricultores familiares com a ilusão de que essa proposta vai elevar a renda e a produção. É uma forma de esconder o interesse da bancada ruralista e dos grandes produtores”.
Lucena explica que uma das ofertas dos ruralistas é dispensar da Reserva Legal as propriedades com até 4 módulos fiscais. Isso é, desobrigar estas propriedades de reservar 20% da área para preservação do ambiente natural da região. A questão é que, enquanto o módulo fiscal mede 5 hectares no Distrito Federal, por exemplo, na Amazônia Legal ele mede 100. “Ou seja, representará uma brutal ampliação da degradação. O que eles querem é ampliar a fronteira agrícola do agronegócio, justificando-se pelos pequenos. Dizem ampliar espaço para produção, mas essa propostas, e muitas outras que vem no pacote, na verdade, podem acabar rápido com nossos recursos naturais.”, diz Lucena.
Para Rafael Cruz, da ONG Greenpeace, os pequenos agricultores serão os maiores prejudicados caso o novo Código Florestal seja aprovado:
“Um estudo da Embrapa concluiu que o Nordeste está ficando impraticável para o plantio de milho, produto básico da dieta do nordestino, por causa da desertificação. Acentuada pelo aquecimento global. E no Brasil a derrubada e queima de florestas é responsável por 61% de todas as emissões dos gases de efeito estufa. No médio e longo prazo o aquecimento vai impactar ainda mais a produção e quem está mais preparado para receber esse tipo de perda é o agronegócio, que tem mais financiamento, maquinaria agrícola, etc. O pequeno não aguenta perda de safras sucessivas.”
Para Cruz, a proposta de novo Código Florestal beneficia, sobretudo, aos parlamentares ruralistas, “que montaram um grande palanque próprio, como o desta terça-feira, com muito dinheiro”.
De acordo com informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos 18 deputados federais que integraram a comissão especial do Código Florestal, em julho de 2010, 13 receberam juntos aproximadamente R$ 6,5 milhões doados por empresas do setor do agronegócio, pecuária e até do ramo de papel e celulose durante campanha à reeleição. À época da análise do projeto por esta comissão, o novo Código foi aprovado por 13 votos a 5.