terça-feira, 3 de maio de 2011

‘Governo Dilma alimenta despolitização propiciada pelos oito anos de Lula’

Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação  do Correio da Cidadania 
 
Em meio a tempos tão despolitizados, e como é a praxe nos inícios de mandato, as discussões sobre a reforma política vieram à baila a todo vapor. Para tratar do assunto, o Correio da Cidadania entrevistou o jornalista e ex-deputado pelo PT-RJ Milton Temer, que exerceu dois mandatos na Câmara, de 1995 a 2002. Para ele, urgem importantes mudanças na atual Constituição e na Lei Eleitoral em função das distorções da representação dos estados da federação no Senado. "A Constituição tem o erro brutal de estabelecer um teto e um piso, em tese pra proteger os estados menores", ressalta Temer.
 
Além disso, segundo o ex-parlamentar e atual integrante do PSOL – pelo qual obteve 500 mil votos para o Senado na passada eleição –, deveria ser introduzido o voto em listas partidárias, além de se abolirem as coligações. Como complemento fundamental, também considera imprescindível o financiamento público de campanha.
 
A opção pelo voto distrital e o fim do bicameralismo passam longe do espectro daquilo que Temer considera relevante para uma verdadeira reforma política em nosso país. E a despeito da intensidade das atuais discussões, não crê que possam redundar em grandes mudanças, ao menos não ainda neste ano e no que se refere à efetivação de mudanças realmente progressistas no quadro. Afinal, trata-se de um quadro que deve ser alterado exatamente por quem tem dele se beneficiado. "É como a Reforma Tributária. Todo mundo diz que precisa, mas cada um quer uma diferente, defendendo seus interesses".
 
A íntegra da entrevista pode ser lida a seguir.
 
Correio da Cidadania: Como é praxe nos inícios de mandato, as discussões sobre reforma política têm andado a pleno vapor. Como você tem encarado estas discussões neste momento? Trata-se de um intento verdadeiro?
 
Milton Temer: Olha, é como a Reforma Tributária. Todo mundo diz que precisa, mas cada um quer uma diferente, defendendo seus interesses. Existem hoje - não como classe, mas como corporação profissional - proprietários de mandatos, principalmente em função de benesses absolutamente desnecessárias, como assessorias gigantescas na Câmara, onde já há um corpo técnico fixo da melhor qualidade que pode fazer tudo, de discurso a projetos. Na verdade, são assessorias que transformam o mandato numa pequena ou média empresa de cabos eleitorais. Esses deputados não querem mexer em nada, apenas preservar aquilo que lhes beneficia.
 
A sociedade não quer isso. E eu diria que, fundamentalmente, são necessárias correções na Constituição e na Lei Eleitoral, o que é parada dura, pois deve ser feito pelos caras que legislam em causa própria.
 
A Constituição prevê uma definição clara para Câmara e Senado. A Câmara é representação do povo, por isso a Constituição estabeleceu, muito sabiamente, o voto proporcional e direto para a representação. As unidades da federação são representadas pelo Senado, o que significa que, independentemente da superfície geográfica e da população, todos os estados da União têm a mesma representação.
 
Isso traz distorções de representação por estado, porque a maior babaquice é o cara dizer que é deputado de tal estado ou município. A primeira questão de ordem que coloquei quando tive meu mandato foi protestar contra a fila por estado. Eu dizia que a votação tem de ser por ordem alfabética ou de partido, porque não estamos representando estados.
 
Correio da Cidadania: E quais correções deveriam ser feitas nesse sentido?
 
Milton Temer: Objetivamente, a Constituição tem o erro brutal de estabelecer um teto e um piso, em tese pra proteger os estados menores. Com isso, nenhum estado pode ter menos de 8 deputados, enquanto que São Paulo tem o teto, 70, o que é um absurdo.
 
Podemos admitir que todo estado tenha de ter ao menos um, mas um piso de oito é uma distorção brutal. Lembro que, no meu primeiro mandato, em 94, o sujeito proporcionalmente mais votado era um equatoriano naturalizado brasileiro, com escritório em São Paulo, eleito por Roraima, com uma votação que não faria um vereador aqui no município de Caxias (RJ).
 
Portanto, a primeira coisa que deveria ser feita é liquidar na Constituição o teto e o piso, para não haver a distorção de o eleitor do Acre ter seu voto local 15 vezes mais valorizado que o eleitor do Acre que vota no Rio de Janeiro e quase 30 vezes mais que o eleitor do Acre que vota em São Paulo. É uma distorção absoluta de representação, o primeiro ponto.
 
Também devemos sair do senso comum de que ninguém vota em partido político e sim em candidatos, individualmente. Isso é uma cascata, uma sacanagem sem limites, que se insere na ordem natural de manutenção do poder econômico no controle do Congresso. Tal idéia pressupõe que o candidato que possa fazer campanhas gigantescas sempre leva vantagem, o que se constata em quase toda votação. Parlamentares inexpressivos, mas que representam lobbies pesados, elegem-se por conta de campanhas riquíssimas bancadas em seu estado.
 
Dessa forma, são duas coisas que precisam ser liquidadas. Primeiro a idéia de que é correto votar no candidato e não no partido. E em segundo lugar acabar com o financiamento privado de campanha.
 
Correio da Cidadania: E além desses dois fatores, que outros mecanismos poderiam ser postos em prática em uma reforma política digna de tal nome?
 
Milton Temer: Voto de lista e financiamento público. É certo que depois vem o argumento de que o voto de lista faz com que as oligarquias ganhem sempre. Então, que se acabe com a cláusula de barreira, permitindo ao sujeito sair do partido se este passar a ser uma oligarquia, e fundar ou aderir a outro, pra não correr tal risco. Também, deve-se acabar com as coligações. Em terceiro lugar, é preciso estabelecer critérios democráticos na elaboração das listas partidárias. Pode-se estabelecer por lei, por exemplo, que tais listas serão elaboradas ou internamente, a partir de uma consulta aos filiados, ou eleitoralmente, de forma, portanto, bem mais ampla, aberta a todos os eleitores. No método belga, por exemplo, vota-se na lista, e dentro dessa lista nominal há um "segundo voto", pelo qual você coloca a ordem da lista de acordo com sua opinião. Se a pessoa não concorda que determinado nome seja a cabeça da lista, pega a lista partidária e dentro dela ordena os nomes como preferir.
 
Correio da Cidadania: Você mencionou como um ponto importante o financiamento público de campanha, que é, como sempre, um dos assuntos mais analisados quando se pensa em uma reforma política. Solucionaria nossos problemas, ou somente incentivaria mais Caixa 2?
 
Milton Temer: Claro que não incentiva! Como? Se você vota em lista, como entra o Caixa 2? E se temos financiamento público sabemos quanto o partido tem para sua campanha, os valores podem ser medidos perfeitamente. É evidente que toda lei pode ser driblada, mas para isso existem as punições previstas. De toda forma, é muito mais fácil controlar e impedir a participação do poder econômico através do financiamento público que do privado.
 
Podemos ver que todos os grandes caciques e peraltas do Congresso não têm dúvidas. Alguns discursos são escandalosos. Depois ficamos sabendo que tal candidato é da Globo, defensor do poder absoluto às emissoras privadas de TV, a despeito de serem concessões públicas... Inclusive, introduziram a idéia, transformada em lei, de que o horário obrigatório eleitoral dá direito de abater do Imposto de Renda aquilo que as emissoras deveriam descontar caso tivessem vendido publicidade nos horários usados para o programa eleitoral. Por aí se vê...
 
Mas claro que, estabelecendo os critérios dos quais falamos, não tem nem porque fazer Caixa 2. Não existe campanha individual. O partido faz uma lista e não se sabe quantos dela vão entrar. Vota-se na lista sabendo quais são as alternativas.
 
Correio da Cidadania: Logo no início do ano, o vice-presidente Michel Temer propôs uma reforma política que chegou a ser chamada de "Distritão" - eleger pura e simplesmente os mais votados, até o limite de vagas, extinguindo o atual critério do quociente eleitoral. O que pensar de uma proposição com este conteúdo, ainda mais vinda de um vice-presidente logo no início de mandato?
 
Milton Temer: Um absurdo total, votação individual, dentro de distritos. Não tem nem como organizar isso no Brasil, não existe.
 
Correio da Cidadania: A este respeito, qual a sua opinião sobre o voto distrital, ainda que condicionado à correção das distorções de representatividade na Câmara, com a concomitante adoção do voto em listas partidárias. O que pensa disto?
 
Milton Temer: Essa é outra grande sacanagem, coisa dessa idéia de que deputado representa tal comunidade, uma babaquice. Deputado representa o povo. Comunidade é representada no município pelos vereadores. A idéia de que o deputado deve prestar conta ao munícipe, ao seu eleitor, é uma grande cascata que transforma o deputado em vereador federal. Eu nunca recebi prefeito em gabinete meu, eles já passavam direto. Só recebia e aceitava discussão política, mas nem ouvia conversas sobre as emendas que sempre queriam...
 
Objetivamente, dentro da bancada do PT, lutei arduamente para que condenássemos a emenda individual, que é a maior fonte de corrupção do Congresso. Por meio dela, você acerta com a empreiteira, ganha um percentual do que se consegue acrescentar ao orçamento e outro percentual sobre aquilo que se consegue efetivar no Ministério para cumprir o orçamento, que por sua vez é apenas autorizativo. Isso não é invenção minha, são propostas da CPI dos Anões, a que gerou a derrocada do Collor.
 
Portanto, o quadro que enfrentamos hoje pressupõe várias frentes de luta: pelo fim da emenda individual, a favor do financiamento público, do voto em lista, da representatividade corrigida. Pra mim, estas são as questões fundamentais de uma reforma política que realmente levantariam o interesse da população para o debate de idéias, e não para a venda clientelística de seus votos.
 
Correio da Cidadania: Quanto às propostas que têm circulado sobre o fim das coligações partidárias, têm relevância no seio de uma reforma política, ou se trata de oportunismo que viria em prol dos maiores partidos e dos políticos mais poderosos?
 
Milton Temer: Acho correto, tem que acabar com isso. Não creio que favoreça os mais poderosos. E não impede que haja outra coisa, a federação de partidos. Estabelece-se um prazo para que tal federação se mantenha junta, por exemplo, por três anos, podendo se alterar somente na eleição seguinte. Mas em minha opinião nem isso deveria ser aceito. Penso que cada legenda deve entrar com sua representação e só.
 
Correio da Cidadania: Avançando ainda mais nestas discussões, envoltos que estamos em recorrentes crises em nossa vida parlamentar, especialmente irrigadas pelos escândalos no Senado, ouve-se recorrentemente a voz de estudiosos propondo o fim do bicameralismo. Qual a sua opinião?
 
Milton Temer: Uma besteira, não resolve nada. Claro que o Senado não pode ser outra Câmara dos Deputados. Tem de ser restrito ao tratamento de questões federativas, não pode ser Câmara corretora. Mas uma forma de proteger as unidades menos populosas e ricas em relação às principais é manter a representação equânime do Senado.
 
Em regime presidencialista, o fim do bicameralismo ia deixar os estados menos poderosos ainda mais desprotegidos. É uma demagogia entrar nessa onda de que se deve liquidar o Senado por ser um poço de corrupção. A Câmara também é. E o Senado foi muito mais progressista na aprovação de medidas que a Câmara, que brecou quase todas as boas iniciativas vindas do Senado.
 
Além do mais, na Câmara existe um baixo clero, aquele pessoal que fica embaixo da arquibancada, no fundo do plenário, onde vale tudo. É pior que banheiro de botequim em área de contravenção.
 
Correio da Cidadania: Já as atuais negociações em torno da criação de um novo partido, o PSD, lideradas por Kassab, e coadjuvadas por membros da oposição peessedebista e demista, dizem o que do atual contexto político do país?
 
Milton Temer: Mostram a cara da despolitização propiciada pelos oito anos de governo Lula e que se alimenta no governo Dilma. É um partido que se forma e vai ser forte dizendo que não tem nenhuma definição política. É a característica do nosso tempo, da despolitização da política, proporcionada pelo governo Lula.
 
Correio da Cidadania: E do carreirismo político.
 
Milton Temer: É pior, porque o carreirismo na política vai haver sempre. A idéia de transformar o mandato em carreira dá pra discutir.
 
Correio da Cidadania: Mas há o carreirismo político no sentido mais nefasto mesmo, o dos políticos de si mesmos, não o carreirismo de espírito público, republicano, e sim o oposto, de busca por objetivos e benesses individuais.
 
Milton Temer: Ah, isso sim. Exatamente. Uma coisa é fazer carreira de político, de sentido público, outra é isso.
 
Eu, particularmente, deixei de ser deputado no fim do segundo mandato por uma razão simples: pela convivência pessoal no Congresso, acaba-se por criar relações pessoais que podem te levar à acomodação. Acontece com muita gente. Muitos radicais do meu tempo viraram políticos iguais aos outros pela convivência no cafezinho de cada dia.
 
Eu, por exemplo, comecei a sentir, no fim do mandato, que tava começando a ficar difícil chamar alguém de "latifundiário filho da puta". Até porque esse "latifundiário filho da puta" era um tremendo ortopedista que tinha curado uma crise de coluna minha.
 
E como se estabeleciam relações pessoais, se você é um deputado de esquerda combativa, fica difícil manter posições e princípios em meio àquela convivência. Uma das coisas que me fizeram manter minha visão radical da política, ainda nessa idade, foi o fato de não ter continuado na Câmara.
 
É claro que há gente com competência pra ficar esse tempo todo lá sem perder a radicalidade, não tenho nada contra esse continuísmo. Por exemplo, o Ivan Valente é um exemplo de que isso é possível, é tão antipático que não cria amizades na Câmara e continua tão combativo hoje quanto no primeiro mandato (risos)... Eu não, sou mais mole e acabaria cedendo. Não podia ficar muito tempo...
 
Correio da Cidadania: E é mais ou menos esse lado corrosivo, do fisiologismo como programa político, que caracteriza partidos com este novo PSD.
 
Milton Temer: Exatamente. Deputado moderado de direita a gente vê a vida inteira, já que o papel deles é ser essa merda que eles são mesmo. Mas os combativos são exceção, como o Ivan. Por isso digo, inclusive, que dificilmente o Chico Alencar vai continuar deputado, mesmo que tenha mais uma eleição garantida. Porque vai ficando impossível conviver naquele lugar...
 
Correio da Cidadania: Como imagina que vá caminhar a base aliada e a oposição no governo Dilma? As novas articulações que estão sendo feitas deverão fortalecer, a seu ver, o governo ou a oposição?
 
Milton Temer: O que seria oposição do governo Dilma?
 
Correio da Cidadania: A chamada "de direita".
 
Milton Temer:Não é de direita. É uma oposição de preconceito de classe, contra a origem do PT. Não chega a ser oposição de programa. A Dilma não está privatizando aeroportos? Inclusive, num artigo que escrevi, eu a coloquei no nível do Menem.
 
Assim, quem no parlamento é a oposição? Pelo contrário, nem sabem como fazer oposição, não têm o que atacar. Banco Central, política econômica, juros, superávit primário para pagar dívida, metas de inflação... O que esses caras têm pra condenar? Só os três deputados do PSOL fazem oposição a isso.
 
Correio da Cidadania: Dessa forma, podemos pensar que tais articulações só vêm a engrossar esse ‘supergoverno’, cada vez mais entupido de aliados...
 
Milton Temer: Não tenho nenhuma dúvida de que o governo Dilma será "moderado". Basta ver por essa questão dos aeroportos. A matéria do Globo mostra claramente. A questão do Galeão já estava resolvida, mas sua privatização vem para atender a pressão política, pois tem gente que vai se empanturrar de dinheiro com isso. Tá lá escrito! Na matéria está dito, em destaque! No Globo! "Galeão não era necessário, porque as obras já estão em andamento, mas...".
 
Correio da Cidadania: Em suma, o mesmo procedimento que vemos nas negociações de ministérios para as "cotas" dos aliados, mesmo que estes não tenham a mínima idéia sobre o que fazer com a pasta em questão. Apenas querem acessar verbas, declaradamente.
 
Milton Temer: Exato. A lógica era botar esses vagabundos da Infraero pra fora e promover a transparência, o controle social, porque a Infraero é muito lucrativa. Isso pra ficar em um exemplo.
 
Correio da Cidadania: Você acredita que a presidente Dilma vá se diferenciar neste tema em relação ao governo Lula, fazendo avançar, de alguma forma, não somente uma reforma política, mas uma outra forma de fazer política em nosso país?
 
Milton Temer: Não, pelo contrário, deve piorar... Ela está se assemelhando cada vez mais àquele personagem do Eça de Queiroz, que participava das reuniões, estava sempre presente, nunca falava, portanto, nunca era contestado por ninguém. Chegou num ponto em que, por ser o menos contestado, na medida em que não emitia opinião, terminou primeiro-ministro. Isso porque nunca falava, nunca se sabia o que pensava.
 
O governo da Dilma está se caracterizando por destruir o pouco de bom que o Lula fez. Tanto que a direita, que nunca teve problema com o programa de governo do Lula, está encantada.
 
Mas vamos ter clareza. Eu continuo achando que entre Dilma e Serra eu votaria de novo nela. Isso porque tenho divergência de idéias com a cúpula do PT, mas convergência de valores com muita gente que constitui sua base social, ainda crente no projeto do partido. Com o PSDB, não. Não tenho nenhuma coincidência de idéias e ainda renego o que eles defendem. São duas coisas diferentes.
 
Portanto, o que me faz dizer que há diferenças entre os lados não são as cúpulas dirigentes, mas as bases sociais de cada um. E essa base social nós temos a obrigação de disputar, pois é com ela que se fará alguma mudança. Eu tenho diálogo com a base social do PT e, no que puder influenciá-los, eu o faço, inclusive em relação a militantes.
 
Não por acaso tive 535 mil votos aqui no Rio. Claro que foram votos de petistas.
 
Correio da Cidadania: O que poderia, finalmente, respaldar, ainda que de forma ideal, essa reforma política verdadeira, que realmente enfrentasse a crise de democracia e representatividade popular e dos partidos políticos, uma crise que não foi, obviamente, mitigada com a dita ‘redemocratização’ pós-ditadura e dificilmente será resolvida pelos políticos atuais?
 
Milton Temer: Realmente, esta crise não foi mesmo de modo algum mitigada, porque fomos vítimas de uma transição pelo alto, um fenômeno que, aliás, se afirma agora no Oriente Médio, onde tudo está mudando para continuar como antes. Somos produto de um projeto lampedusiano de transformação do regime autoritário em uma "democracia" das classes dominantes.
 
Eu defendo uma reforma política que, aliás, coincide com posições do PT, que restabeleça o primado da política na discussão das questões republicanas, não o primado do valor individual de cada picareta que tenha mais ou menos dinheiro para se eleger. E por interesses diferentes dos nossos, o PT também aposta no voto de lista.
 
O voto em lista e o financiamento público de campanha foram aprovados no Senado; foram barrados na Câmara, mas seu relator, Ronaldo Caiado, deu parecer favorável. O PSDB e uma parte do PT é que resolveram recuar. Estes pontos foram aprovados no Senado e aprovados pelo Ronaldo Caiado, que aceitou voto em lista e financiamento público! Por razões opostas às nossas, claro.
 
É que a direita ideológica também tem interesse de fazer os votos conservadores irem para seu estuário. É a forma competente para eles de não precisar comprar tempo de televisão dos partidecos que se formam em torno deles na hora da campanha.
 
No entanto, acho que neste ano nada mais acontecerá, no máximo o fim das coligações, porque essa reforma política em discussão precisa ser aprovada até setembro, e haverá um recesso no meio do ano. Ou seja, tudo muito complicado ainda.
 
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Assim não, companheiro Chavez


Carlos Aznaréz


JOAQUIN PÉREZ BECERRA NAS MÃOS DO REGIME COLOMBIANO
A decisão do governo venezuelano de entregar às autoridades do criminoso regime colombiano o jornalista Joaquín Pérez Becerra, director da agência ANNCOL, é um gesto que suscita as maiores preocupações. Em primeiro lugar pela ameaça que assim passa a pesar sobre a sua integridade física e a sua vida às mãos de um regime para o qual o assassínio de opositores é prática corrente. Em segundo lugar pela atitude política que esta entrega manifesta. Todos aqueles que têm visto no processo bolivariano da Venezuela razões de esperança num contributo para a emancipação nacional e anti-imperialista dos povos latino-americanos só podem encarar com profunda apreensão este gesto. Não pode bater-se coerentemente pela emancipação do seu povo quem pactue desta forma com regimes que exercem a mais bárbara opressão sobre os seus próprios povos.
Esta segunda-feira, 25 de Abril, passará para a história das lutas revolucionárias como o dia em que atiraram ao lixo os princípios mais elementares de solidariedade internacionalista. Não é possível permanecer calado, nem fingir que não vemos quando um irmão, um colega, um companheiro, um revolucionário, é enviado à tortura e ao cárcere na Colômbia, por culpa de acordos espúrios (quase sempre económicos, porque o maldito dinheiro, você sabe, cheira à enxofre, companheiro Chávez).
O que, por lógica, não poderia acontecer, aconteceu: Joaquín Pérez, excelente jornalista da agência alternativa ANNCOL, que nutre o profissionalismo daqueles que praticam o jornalismo sem vendê-lo e nem alugá-lo, foi deportado pelo governo revolucionário, para que o governo fascista de Juan Manuel dos Santos o julgue e o maltrate.
Isto, companheiro Chávez, sua (nossa) admirada Cuba não teria feito e nos consta que não o fez em seus 52 anos de existência rebelde. Jamais teria cedido um milímetro (sempre esteve sendo pressionada, tanto como agora) pelos inimigos dos povos latino-americanos. No entanto, não podemos dizer o mesmo de seu governo, apesar de, você bem sabe, termos colocado nossa cabeça a prémio para respaldar-lhe à frente de seu povo. Não somos daqueles que se emudecem quando percebem que algo anda mal, porém também não somos do tipo que colocam paus na roda, tampouco fazemos o jogo do inimigo, conspirando ao primeiro erro de um processo revolucionário. Por conta do ocorrido (que não foi uma coisa pequena), dizemos a você, companheiro Chávez: lamentavelmente, este erro grave deixará sequelas.
É claro que já existiam antecedentes em seu governo. Foram eles que nos advertiram sobre o equivocado caminho trilhado, principalmente no que se refere à solidariedade internacionalista. Primeiro, no começo de seu governo, um companheiro basco, que se encontrava legalmente refugiado na Venezuela, foi expulso. Em seguida, começou o romance com Santos e foram enviados para a Colômbia, da pior maneira possível, vários companheiros do ELN e das FARC. É preciso recordar que o internacionalista basco também foi expulso sem nenhuma razão, mesmo sabendo-se que, na Espanha, (a do Rei que o insultou com aquele bordão “Por que não se cala?”, e de Zapatero) se violam todos os direitos humanos de bascos e bascas. E agora, a cereja do bolo, em função do acordado na reunião com Santos.
Nos dá raiva escrever esta nota. Nunca pensamos ter que escrevê-la, mas nos ensinaram na política da rua, essa que se pratica nos bairros, nas fábricas, nas comunidades, que o pior que pode ocorrer a um homem ou uma mulher é não se sensibilizar frente a injustiça ou, em nome das benditas “políticas de Estado”, buscar argumentos para, finalmente, abrir mão de valores, de forma submissa, perante os inimigos de nossos povos.
Companheiro Chávez, nós que apoiamos sua revolução desde fins de 1998, que nos mobilizamos no exterior para defendê-la quando o fascista Carmona tentou frustrá-la ou quando a oligarquia petroleira tentou o mesmo em 2002, nós que defendemos a ALBA e tudo o que isso significa, perguntamos a você: temos que ter cuidado ao viajar para a Venezuela para que não nos acusem de terroristas?
Nós que não calamos e nem deixamos de defender os que lutam no mundo contra o fascismo e o imperialismo, por isso respaldamos os lutadores independentistas bascos, os combatentes das FARC e do ELN e todos os que, como eles, dão suas vidas pela liberdade e pela soberania, nos perguntamos: seremos os próximos expulsos, extraditados, entregues aos inimigos da Revolução Bolivariana?
Hoje, nos sentimos feridos, doloridos, desconcertados, porém alertas. Sabemos que nos covis dos inimigos, dos nossos e dos seus, companheiro Chávez, ocorre uma fenomenal festa. Imaginamos a senhora Clinton, o Obama, a oligarquia colombiana, os escritores de “El Tiempo” ou “El Expectador” e toda essa máfia de assassinos, torturadores e gestores da destruição de povos inteiros, rirem e dizerem – desta vez, com razão – que obtiveram uma vitória contra a solidariedade, povo a povo.
Repetimos, companheiro Chávez: humilde, mas revolucionariamente, você se equivocou. Infelizmente, este erro não tem desculpa, não possui maneira alguma de minimizar o que foi feito ao companheiro Pérez Becerra. Só nos resta pedir que reflicta por um momento, que pense em como se sentia quando esteve algemado, juntamente com seu Movimento Bolivariano Revolucionário, em 2000. Como seria seu destino ante uma circunstância parecida? Assim, seguramente você compreenderá a decepção descomunal gerada pela atitude tomada por seu governo.
Novamente, a partir da Argentina, voltamos a pedir que a solidariedade seja defendida com todas as forças. É por isso que abraçamos o companheiro Joaquín Pérez Becerra e exigimos sua liberdade imediata. Antes, perdemos a batalha, fazendo o mesmo pedido ao governo revolucionário da Venezuela. Agora, exigimos o pronto atendimento de nossa reivindicação ao governo contra-revolucionário da Colômbia e conclamamos a todos que redobrem sua mobilização até alcançá-la.

Tradução: Maria Fernanda M. Scelza

Cartilha "O Olho do Consumidor"


A Cartilha "O Olho do Consumidor", que foi produzida pelo Ministério da Agricultura, com arte do Ziraldo, para divulgar a criação do Selo do SISORG (Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica) que pretende padronizar, identificar e valorizar produtos orgânicos, orientando o consumidor.

Infelizmente, a multinacional de sementes transgênicas Monsanto obteve uma liminar em mandado de segurança que impediu sua distribuição. O arquivo foi inclusive retirado do site do Ministério (o link está "vazio").

Em autêntica desobediência civil e resistência pacífica à medida de força, estamos distribuindo eletronicamente a cartilha. Voce pode acessar a cartilha clicando no link http://www.aba- agroecologia. org.br/aba2/ images/pdf/ cartilha_ ziraldo.pdf

Se você concorda com esta idéia, continue a distribuição.

Um abraço afetuoso. Gilvander Moreira, frei Carmelita.
e-mail:
gilvander@igrejadocarmo.com.br
www.gilvander.org.br www.twitter.com/gilvanderluis
skype: gilvander.moreira
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Fukushima ou a desumanidade capitalista

As precárias condições de trabalho em uma situação de altíssimo risco ameaçam a vida de soldados, bombeiros e empregados de empresas terceirizadas que estão em Fukushima. Isso mostra a desumanidade cotidiana do capitalismo para quem a saúde e a vida dos trabalhadores – ou das populações vizinhas, vítimas da contaminação, representam apenas uma variável ajustável, como os salários. Em nome do lucro dos acionistas, a Tepco rejeitou adotar medidas de segurança legalmente exigidas. E se for preciso, a empresa declarará falência para deixar o Estado encarregado das indenizações. O artigo é de Pierre Rousset.


Em algumas notas escritas depois do desastre nuclear japonês, o Dr. Abraham Behar, presidente da Associação de Médicos franceses para a Prevenção da Guerra Nuclear (AMFPGN) perguntava-se: “Quem se preocupa com os empregados de manutenção de Fukushima? Algumas vozes se levantam para discutir o destino dos 50 técnicos que fazem o que podem na central altamente radioativa. Mas quem se preocupa com os 300 empregados encarregados dos trabalhos sujos ao lado dos bombeiros e de seus irrisórios jatos d’água?”

“As condições de trabalho são espantosas”, reconhece Thierry Charles, diretor do Instituto de Radioproteção e Segurança Nuclear (IRSN), citado por Catherine Vincent em um artigo publicado em 18 de março. No entanto, era difícil para os jornalistas verificar até que ponto essa avaliação era justificada. O destino dos empregados de empresas terceirizadas em Fukushima segue sendo muito “mal conhecida”, assinalou dia 23 de março Philippe Pons, correspondente do jornal Le Monde que vive há décadas no Japão. O sociólogo Paul Jobin, especialista nesta questão, conhecia, porém, o suficiente para avisar: “Se reforços, os trabalhadores de Fukushima estão condenados” .

As doses de radioatividade recebidas pelos trabalhadores da usina nuclear são tão mortais quanto afirma Jobin? Muitos especialistas dizem que não, apoiando-se em dados oficiais (claramente incompletos) e nos “níveis” de exposição às radiações autorizados legalmente, esquecendo-se que esses níveis foram definidos levando em conta as necessidades das indústrias afetadas e não critérios médicos: a prova disso é que mudam segundo as urgências e os países, como se os efeitos das radiações variassem segundo o lugar e o momento.

Assim, no dia 19 de março, as autoridades japonesas elevaram o índice máximo legal para 250 milisieverts (mSv) para poder continuar enviando trabalhadores a Fukushima e reduzir a evacuação da população. Paul Jobin assinala que “no período normal, o máximo de exposição legal no Japão é de 20 mSv ao ano, durante cinco anos, ou um máximo de 100 mSv em dois anos, o que já seria muito elevado, mas que se pode entender esta decisão de urgência como um médio para legalizar sua morte próxima e evitar ter que pagar indenizações às suas famílias, já que os riscos de câncer aumentam em proporção à dose de radiação. Com doses de 250 mSv, os riscos de câncer, mutações ou de efeitos sobre a reprodução são muito elevados.

Para além das figuras um pouco abstratas, as condições impostas aos trabalhadores de Fukushima deveriam convencer quem ainda duvida que a saúde dos seres humanos não é a primeira preocupação dos industriais e governantes. Todos os empregados da Tepco – a companhia responsável pela usina – assim como os bombeiros e soldados que estão atuando na central correm grandes riscos; mas os trabalhos mais perigosos são realizados por trabalhadores de empresas terceirizadas (que envolvem trabalhar em meio à água muito radioativa, manusear cabos para reestabelecer a eletricidade, remoção de destroços e detritos que se amontoam por todas as partes, tentar resfriar os reatores e retomar o funcionamento dos equipamentos).

Há uma preocupação em cortar custos: apesar da dureza da tarefa, os trabalhadores que cumprem uma função de alto risco estão mal alimentados! “Comemos duas vezes ao dia. No café da manhã, biscoitos energéticos; para jantar, arroz instantâneo e alimentos em conserva”, relatou Kazuma Yokota, vigilante da central, a uma equipe da televisão japonesa. Não há comida ao meio dia. Durante os primeiros dias da crise, cada participante só recebia um litro e meio de água engarrafada. Dormem (brevemente) em condições precárias nas próprias dependências de Fukushima, em um edifício previsto para resistir em parte às radiações, sobre uma esteira e com uma coberta de chumbo que supostamente os protege. “Os empregados dormem em grupo nas salas de reunião, nos corredores ou perto dos banheiros. Todos dormem diretamente sobre o solo”.

Os “ciganos nucleares”, como são chamados no Japão (eles se deslocam de central em central, de obra em obra, em função das necessidades), vivem, portanto, 24 horas por dia em um ambiente contaminado. A falta de equipamentos de proteção é dramática. Às vezes tinham apenas um dosímetro para cada duas pessoas. Segundo a Tepco, após a catástrofe de 11 de março, só restaram 320 dosímetros em condições, dos 5.000 que, oficialmente, estavam disponíveis. Os trabalhadores usam botas de borracha ou de plástico. “Como as condições de trabalho são cada vez mais perigosas, não creio que seja possível encontrar outros assalariados que aceitem trabalhar lá”, disse um terceirizado ao jornal Asahi.

O movimento antinuclear – não só os sindicatos – deve assumir a defesa dos assalariados em perigo. Como assinala Abraham Behar, “só os trabalhadores correm um duplo risco, o das grandes doses de radiação na área dos acidentes e o das doses menores como toda a população exposta e contaminada. Perdão pelo velho reflexo de médico que considera que a vida de cada paciente é o “bem mais precioso” e se pergunta: que solidariedade podemos e devemos praticar com esses trabalhadores japoneses? O movimento sindical soube mobilizar-se pelos trabalhadores terceirizados da indústria nuclear e a União Europeia tomou algumas medidas. E nós o que fazemos?

Ainda que isso desagrade aos defensores da energia nuclear, a gravidade do perigo que correm os trabalhadores de Fukushima não oferece nenhuma dúvida. O Ministério da Saúde, Trabalho e Bem Estar Social do Japão reconheceu: “Nunca é bom ter um tipo de trabalho que coloca sua vida em perigo”, disse ao jornal Asahi um de seus altos funcionários. “No entanto, a importância de resolver a situação da central nuclear ultrapassa o marco da política social. Não estou seguro que a prioridade atual seja a segurança dos trabalhadores”, acrescentou. Mesmo que utilizando uma linguagem um tanto elíptica, não se pode falar de modo mais claro.

Quanto mais precarizado é o trabalho, tanto mais incide sobre os assalariados a chantagem do emprego e sobre as empresas terceirizadas a chantagem do mercado. Paul Jobin assinala que nestas condições estes trabalhadores atuam muitas vezes sem respeitar as normas de proteção. O patrão de uma pequena empresa próxima de Fukushima 1, que trabalhou com fabricantes de reatores nucleares (General Eletric, Hitach,...), me mostrou em 2002 o selo “sem anomalias” que utilizou durante anos para falsificar a ficha de saúde dos trabalhadores sob sua responsabilidade, até que ele mesmo sofreu um câncer e foi dispensado pela Tepco.

O risco nuclear é ocultado em todas as partes, começando pela França. Dadas as circunstâncias, os decretos governamentais de 30 de março sobre as condições para que os trabalhadores se beneficiem de uma aposentadoria antecipada adquirem valor simbólico. As radiações ionizantes (radioatividade) cancerígenas, antes mencionadas, foram discretamente retiradas da lista, embora constassem do projeto de decreto apresentado em 23 de fevereiro.

“Assim, o pessoal da indústria nuclear e, em particular, os assalariados das empresas contratadas, que sofrem os as maiores exposições, são deixados de lado por uma disposição que serve para todas as exposições profissionais a cancerígenos”, denunciou Michel Lallier, representante da CGT no Comitê Superior para a Transparência e a Informação sobre a Segurança Nuclear. “É um contrassenso e uma injustiça flagrante”, criticou.

Quando o escândalo tornou-se público, os empregados que estão trabalhando em Fukushima obtiveram melhores condições de segurança e indenizações, na expectativa de que os empregados das terceirizadas também sejam beneficiados pelas novas medidas. Mas tudo isso diz muito pouco sobre a falta de preparo da indústria nuclear e do governo diante de um acidente desta importância. A Tepco foi obrigada a confessar que, em relação aos seus próprios empregados, não tinha previsto um nível de risco correspondente à crise atual e que nunca havia previsto “uma situação onde os trabalhadores tivessem que agir de forma continuada sob um alto nível de radiação”.

Isso mostra a desumanidade cotidiana do capitalismo para quem a saúde e a vida dos trabalhadores – ou das populações vizinhas, vítimas da contaminação, representam apenas uma variável ajustável, como os salários. Em nome do lucro dos acionistas, a Tepco rejeitou adotar medidas de segurança legalmente exigidas, negociando as condições de segurança nos contratos de seguros. E se for preciso, a empresa declarará falência para deixar o Estado encarregado das indenizações.

Mas a Tepco não é uma representante marginal no mundo dos negócios. Fundada em 1951, esta multinacional japonese se converteu no maior produtor privado de eletricidade do mundo. Nada menos do que isso. A política da Tepco lança uma luz sobre o fundo do cenário, sobre a natureza do capitalismo realmente existente.

(*) Pierre Rousset – membro da direção da IVª Internacional e do Novo Partido Anticapitalista (NPA), da França.

Tradução: Katarina Peixoto

Índios protestam contra criminalização e maus tratos policiais


 
indígenas
Manifestantes iniciam protesto contra a política de segurança contra os índios

Além de protestar contra as grandes obras federais que causam impacto em comunidades indígenas, outro problema que será apontado pelas lideranças indígenas reunidas no Acampamento Terra Livre, a partir desta segunda-feira, em Brasília, será o chamado processo de criminalização de líderes que, segundo os índios, é crescente e generalizado no país. Eles reclamam que os líderes da luta indígena sofrem constantemente acusações de crimes de forma individualizada. Lideranças ligadas ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reclamaram que essa ação acaba emperrando o movimento de luta pelos direitos.
Na opinião da subprocuradora-geral da República Raquel Dogde, coordenadora da 2ª Câmara do Ministério Público Federal, órgão responsável por matéria criminal e controle externo da atividade policial, a reclamação dos índios tem fundamento.
– Muitas vezes, a investigação não esclarece qual é a causa que levou àquele conflito. Muitas vezes acontece um homicídio e o crime é tratado como se fosse uma questão dissociada da disputa pelo território indígena. Muitas vezes, simulam-se alguns crimes atribuídos a lideranças indígenas – relatou a subprocuradora.
Ainda segundo a funcionária pública, “como esses crimes acontecem em territórios distantes dos olhares das autoridades acaba ocorrendo uma fabricação de provas que incriminam as lideranças indígenas. São as lideranças que conduzem esse movimento indígena de retomada da terra, de reconhecimento do território indígena. Por isso, elas são alvos preferenciais dos que têm seus interesses contrariados”.
O Acampamento Terra Livre será instalado no gramado em frente ao Congresso Nacional. Cerca de 500 líderes indígenas de todo o país pretendem ficar acampadas até quinta-feira e cobrar do governo a não contrução de obras que afetem as comunidades, entre outras reivindicações.
A criminalização das lideranças, para Raquel Dogde, é um processo iniciado na década de 80, mas muito presente nos dias atuais. Segundo ela, o objetivo é emperrar a luta pela terra indígena, garantida pela Constituição de 1988.
– Temos observado, ao longo dessas décadas, que esses conflitos acabam gerando um processo de criminalização das lideranças. Aqueles que têm interesses contrários aos dos índios indicam aqueles que lideram as resistências. Isso faz com que esses índios acabem sendo investigados e punidos por crimes que, muitas vezes, não cometeram – destacou a procuradora.
Raquel Dogde defende que qualquer crime praticado por índios ou por líderes indígenas deve ser tratado pela Polícia Federal e processado pela Justiça Federal para reduzir a influência do poder político local nas investigações.
– Na maioria dos casos, as autoridades policiais são situadas em grandes cidades, nas capitais dos Estados e não há uma delegacia especializada nesse tipo de investigação. Que as investigações sejam feitas no âmbito da Polícia Federal e do Ministério Público Federal e esses crimes sejam processados no âmbito da Justiça Federal. Entendemos que a questão indígena no país é uma questão federal. Não é à toa que as terras indígenas são terras da União ocupadas pelos índios. Não é à toa que a agência pública que cuida dos interesses dos índios é uma agência federal, que é a Fundação Nacional do Índio (Funai) – acrescentou.
Para a procuradora, crimes cometidos por índios e crimes cometidos contra índios devem ser tratados em nível federal.
– Acreditamos que a força federal está mais distantes dos conflitos que são travados no município e, por isso, ela tem mais isenção para empreender essas investigações na busca da verdade, na busca de saber a verdadeira motivação do crime, se tem alguma relação com a disputa pelas terras indígenas e para evitar a incriminação de pessoas inocentes – afirmou.

domingo, 1 de maio de 2011

A guerra de rapina contra o Iraque: As mentiras de Blair e a gula da petrolíferas

Avante - Via Odiario.info Em 2003, Tony Blair afirmou que «a ideia de que estamos interessados no petróleo iraquiano é absurda»

Na passada semana, o jornal The Independent revelou a existência de planos de partilha das reservas daquele país pelas petrolíferas BP e Royal Dutch Shell.
Segundo o diário londrino The Independent (19.04) o governo de Tony Blair tinha planos para explorar as reservas de petróleo iraquianas cinco meses antes de se aliar aos Estados Unidos para a invasão daquele país.
Os documentos divulgados foram obtidos por Greg Muttitt, autor do livro Fuel on the Fire: Oil and Politics in Occupied Iraq (Combustível no fogo: petróleo e política no Iraque ocupado), e provam que houve pelo menos cinco reuniões entre funcionários do governo britânico e responsáveis das petrolíferas BPe Royal Dutch Shell em finais de 2002.
Além disso, num documento secreto do Ministério dos Negócios Estrangeiros de inícios de 2003 afirma-se claramente: «A Grã-Bretanha tem um interesse absolutamente vital no petróleo iraquiano».
Também as actas de uma reunião, realizada em 31 de Outubro de 2002, entre a ministra do Comércio, baronesa Symons, e representantes da BP e Royal Dutch Shell e BG (British Gas), indicam que a governante prometeu defender os interesses das companhias britânicas junto do governo dos EUA.
A BP receava que Washington permitisse a manutenção do contrato já existente entre a TotalFinaElf o regime de Saddam Hussein após a invasão, o que tornaria o grupo francês na maior petrolífera do mundo (facto que também explica, pelo menos em parte, a decisão da França de não integrar a coligação militar que invadiu o Iraque em 20 de Março de 2003).
A acta de outra reunião, em 6 de Novembro de 2002, no Ministério dos Negócios Estrangeiros não deixa igualmente dúvidas quanto aos desígnios britânicos: «O Iraque é a grande oportunidade petrolífera. A BP está desesperada para entrar ali e ansiosa de que os acordos políticos não lhe negue a oportunidade».
Isto é também confirmado pelo registo das declarações do director do departamento do Médio Oriente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Edward Chaplin, numa reunião em Outubro de 2002: «A Shell e a BPnão podiam permitir-se ficar sem uma participação [no Iraque], no interesse do seu futuro a longo prazo (...) Estávamos determinados em obter uma fatia justa, em troca da acção do Reino Unido, para as companhias britânicas num Iraque pós-Saddam.»
O roubo do século
As expectativas de saque vieram a confirmar-se logo após a invasão. De acordo com o mesmo jornal, os contratos assinados por um prazo de 20 anos foram os maiores na história da indústria do petróleo.
Cerca de metade das reservas do Iraque, ou seja, 60 mil milhões de barris de petróleo foram comprados por companhias como a BP ou a CNPC (China National Petroleum Company), cujo consórcio conjunto, no campo de Rumaila no Sul do Iraque, espera realizar 403 milhões de libras (mais de 453 milhões de euros) de lucros anuais.
O autor deste trabalho de investigação, Greg Muttitt, conclui: «Vemos que o petróleo era de facto uma das mais importantes considerações estratégicas do governo e que houve conluio secreto com companhias petrolíferas para lhes dar acesso a este prémio enorme.»
Aparências e factos
Tony Blair, 6 de Fevereiro de 2003: «Honestamente, a teoria da conspiração do petróleo é uma das mais absurdas quando a analisamos. O facto é que, se o petróleo do Iraque fosse a nossa preocupação, posso dizer que podíamos provavelmente chegar amanhã a acordo com Saddam em relação ao petróleo. Não é o petróleo que é a questão, são as armas».
BP, 12 de Março de 2003: «Não temos qualquer interesse estratégico no Iraque. Se quem chegar ao poder quiser uma participação ocidental depois da guerra, caso haja guerra, o que sempre dissemos é que tal deve decorrer na base da igualdade de condições. Não estamos seguramente a forçar o nosso envolvimento.»
Lord Browne, então director executivo da BP, 12 de Março de 2003: «Não se trata, na minha opinião nem na da BP, de uma guerra do petróleo. O Iraque é um produtor importante, mas deve decidir o que fazer com o seu património e o seu petróleo.»
Shell, 12 de Março de 2003: «Nunca procurámos ou mantivemos encontros com funcionários do governo britânico sobre a questão do Iraque. O assunto só surgiu em conversas durante encontros normais que temos de vez em quando com funcionários (...) Nunca pedimos "contratos".»

Marcio Pochmann: "A inflação não está fora de controle"

Autor(es): Denize Bacoccina - Isto é Dinheiro

Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) desde 2007, já foi criticado por ter direcionado pesquisas do órgão para respaldar programas do governo Lula.

Dias atrás, o instituto, ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, surpreendeu ao publicar uma pesquisa afirmando que os aeroportos não estarão prontos para a Copa de 2014. Não se trata de mais autonomia sob Dilma, diz Pochmann. “A autonomia do Ipea sempre existiu.” No que diz respeito à inflação, o economista está alinhado com o Planalto. Ele explicou à DINHEIRO por que vê “terrorismo de mercado” nessa discussão. Acompanhe:

DINHEIRO – Na semana passada, um pesquisador do Ipea disse que o mercado faz terrorismo com a inflação. Faz mesmo?

MARCIO POCHMANN – Sim, porque a agenda da inflação, associada ao receituário de corte de gastos e juros elevados, fez parte do debate eleitoral do ano passado. O resultado eleitoral estabeleceu um compromisso com o desenvolvimento nacional e, com ele, o enfrentamento das mazelas que o Brasil carrega, como é o caso da pobreza. O governo está enfrentando a pressão inflacionária por outros métodos, mais heterodoxos. Temos uma pressão inflacionária oriunda de fatores internacionais, mas também temos inflação decorrente de serviços. Isso é consequência justamente das mudanças na sociedade brasileira.

  DINHEIRO – Há mais gente consumindo, pessoas que antes não tinham dinheiro e agora passaram a ter?

POCHMANN – Não é exatamente isso. Houve uma mudança na estratificação da sociedade. São serviços vinculados a trabalhos muito precários: cabeleireiro, serviços autônomos, que se prestam às famílias em geral. Como estão sendo abertos postos de trabalho com remuneração superior, há uma escassez relativa de mão de obra. De um lado, tem menos pessoas disponíveis a esse tipo de atividade, e de outro, as pessoas que ficam tendem a elevar sua renda. Enfrentar essa pressão de preços como sendo uma inflação de demanda, com uma elevação na taxa de juros, é matar a possibilidade dessa mobilidade social. Em países desenvolvidos, esses serviços têm preços bem maiores que os praticados no Brasil.

DINHEIRO – Mas há reajustes em outros preços. Não é a volta da indexação?

POCHMANN – Não acho que existe uma indexação, apenas os mecanismos que o Plano Real permitiu. Por exemplo, tivemos uma elevação de preços vinculados a tarifas municipais. Essa alta tem impacto num período do ano e gradualmente perde importância. O diagnóstico do governo Dilma, e até do final do governo Lula, é que a economia vinha num ritmo muito acelerado. A Dilma, enquanto ministra, teve a ousadia junto com o presidente de construir um Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) quando não havia crescimento. Podemos dizer, agora, que ela criou um plano de desaceleração do crescimento, que estava muito forte. É justamente essa adequação do crescimento que a levou a atender uma pressão de elevação dos juros, optar por uma restrição fiscal, para que a expansão da economia se desse num quadro mais adequado ao ritmo de expansão da oferta. Para além disso, radicalizar a política monetária e fiscal significa não apenas desacelerar o crescimento, mas impossibilitar os investimentos. E em médio e longo prazos, a melhor política de combate à inflação é a ampliação da capacidade de produção. Hoje, os investimentos estão crescendo três vezes mais do que a expansão do consumo.


DINHEIRO – É possível crescer entre 4% e 5% do PIB, como prevê o Ipea, e ter inflação abaixo de 6%?

POCHMANN – Uma elevação descontrolada do custo de vida, para além da meta da inflação, está fora do horizonte. Estamos vendo no governo da presidente Dilma, depois de muito tempo, uma convergência entre o Ministério  da Fazenda e o Banco Central. Há um esforço de enfrentar a inflação sem que isso signifique a postergação ou interrupção dos investimentos.

DINHEIRO – Daí a aplicação de medidas macroprudenciais em vez da elevação da taxa de juros?

POCHMANN – Sim, porque a opção pela política de juros é de uma preguiça enorme. Basta elevá-los para segurar o consumo, mas seus efeitos vão além dos setores afetados pela inflação. Uma elevação de juros afeta toda a atividade econômica. E a intenção do governo é olhar os setores em dificuldade. Ninguém está dizendo que não tem pressão inflacionária hoje. A questão é olhar para o que provoca essa elevação de preços, e como enfrentá-la, sem afetar os setores que estão à margem.


DINHEIRO – Qual o impacto do salário mínimo de R$ 616 em 2012 na inflação e em outros setores da economia?

POCHMANN – Ele é compatível com a ampliação real que a economia teve dois anos atrás. Havendo crescimento econômico, a elevação do salário mínimo é plenamente compatível com o ganho de produtividade e com a escala de produção do País. Um reajuste desses terá um impacto positivo na medida em que se amplia a base da Previdência, eleva o poder de compra da base da pirâmide social, uma das locomotivas da expansão da economia brasileira. Mas é evidente que terá um impacto desfavorável nas contas públicas. Poderíamos reduzir gastos desnecessários e improdutivos, que são os gastos com os juros da dívida.

DINHEIRO – Os juros poderiam cair para quanto?

POCHMANN – Uma taxa de juros real acima de 2% já é pouco civilizada. Nós sabemos que o diferencial dos juros no Brasil em relação a outros países é um fator que torna nossa moeda extremamente valorizada.

DINHEIRO – Em fevereiro, a taxa de desemprego foi de 6,4%. Com a economia desacelerando, podemos dizer que o  desemprego já chegou no piso?

POCHMANN – Teremos uma acomodação no mercado de trabalho nos níveis atuais. Isso dará um desemprego médio praticamente igual ao do ano passado.

DINHEIRO – Qual o limite do pleno emprego no Brasil?

POCHMANN – É difícil falar em pleno emprego num país que não tem um mercado de trabalho or-ganizado. Temos um mercado de trabalho ainda muito desorganizado pela presença da  informalidade e relações de trabalho não assalariadas, como na agricultura familiar, de trabalhadores autônomos e de empregados sem carteira assinada.

DINHEIRO – Não temos problemas de qualificação? Pesquisa do Ipea mostra que o desemprego é de 0,9% entre os 10% que ganham mais e de 30% entre os 10% que ganham menos.

POCHMANN – É possível que o Brasil, mesmo não tendo um contexto de pleno emprego, tenha problemas de escassez de trabalhadores porque há um descompasso entre a necessidade das empresas e a capacidade de oferta do ponto de vista dos trabalhadores adequados a esse tipo de ocupação. Isso pode ser resolvido com um bom sistema público de emprego. Mas ainda estamos longe de ter um sistema que combine a formação de mão de obra, a intermediação e os benefícios para quem está desempregado. É preciso formar gente para o amanhã.

DINHEIRO – A Foxconn anunciou um investimento de US$ 12 bilhões com criação de 100 mil empregos no Brasil. Vamos ter de  importar engenheiros?

POCHMANN – Hoje, praticamente dois terços dos engenheiros formados no Brasil exercem outra profissão. For-maram-se nos anos 80 e 90, quando o País não crescia. Temos um problema sério de evasão muito elevada no ensino superior e na engenharia não é diferente. O Brasil só forma 15% dos engenheiros que entram no curso em cinco anos. A cada ano, entram 322 mil estudantes nos cursos de engenharia, mas só formamos 47 mil.

DINHEIRO – A China é um parceiro bom para resolver os problemas de infraestrutura que o Brasil precisa para se tornar um país mais competitivo?

POCHMANN – Estamos num deslocamento do centro dinâmico do mundo. Os Estados Unidos continuarão sendo um país grande, competitivo, mas não serão mais o centro do mundo. O Brasil tem que se adequar a esta perspectiva. A China lembra a Inglaterra, que, no século XIX, produzia manufatura e dependia de matéria-prima. É um país que desenvolve sua tecnologia, mas tem problemas sérios de matéria-prima e de alimentos. O Brasil é um país grande, um dos poucos com capacidade de dobrar a área plantada. Tem uma excelente capacidade de produção alimentícia, excelentes recursos naturais. Então, esse é um risco da “fama”: fazenda com maquiladora. Não estamos condenados à “fama”. É possível, pela diplomacia, constituir uma relação menos desequilibrada.
 
DINHEIRO – O Ipea publicou uma pesquisa dizendo que as obras dos aeroportos estão atrasadas para a Copa de 2014. Aumentou a autonomia?

POCHMANN – A autonomia do Ipea sempre existiu. Nos anos 1990, o órgão produziu diversos estudos justificando a política de privatização. No período atual, o Ipea tem se voltado para o desenvolvimento em longo prazo e as políticas públicas. O que o Ipea torna público é apenas um terço de tudo o que produz. Dois terços estão associados às políticas públicas, aos ministérios, ao Poder Legislativo, ao Poder Executivo, ao Poder Judiciário. Fazemos coisas que não são divulgadas porque somos uma instituição de pesquisa aplicada às políticas públicas.

DINHEIRO – Houve críticas dentro do governo por causa dessa pesquisa sobre os aeroportos?

POCHMANN – Estou à frente do Ipea há quase quatro anos e já me acostumei a ser criticado, tanto pela imprensa quanto pela oposição. Uma instituição se mantém integra, transparente e comprometida com a pluralidade, que é natural dentro da sua autonomia, quando ela recebe críticas de todos os lados. Isso é um sinal de que o que ela produz está comprometido com a verdade e não com a política de “p” minúsculo.

Eldorado dos Carajás: A escola é orgulho, para romper com passado de exclusão

Há quinze anos, depois do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, 690 famílias foram assentadas num latifúndio que tinha, então, 37 mil hectares. Muitos assentados eram analfabetos. Hoje, um dos orgulhos do “17 de Abril” é a escola, que permite às novas gerações romper com a história de exclusão das famílias. No terceiro retrato da vida no assentamento, que visitou recentemente, a repórter Manuela Azenha,no VIOMUNDO,  fala sobre educação:


Altamiro da Silva e sua esposa voltaram a estudar “depois de velhos”, como ele mesmo diz. Vivem no assentamento 17 de abril. Altamiro veio de Goiás para trabalhar no garimpo do sul do Pará, mas chegou tarde para a extração manual, atividade já enfraquecida, então. Foi quando decidiu entrar no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Isso foi há 16 anos.
Ele e a esposa, ambos com mais de 40 anos de idade, estão matriculados agora no ensino fundamental pelo EJA, o programa federal de alfabetização voltado para jovens e adultos.  “Essa camisa aqui é o uniforme da escola. Está vendo o meu nome?”, mostra Altamiro.
A filha deles, Gislane, tem 18 anos. A primeira sala de aula em que entrou foi na escola Oziel Alves Pereira, orgulho do assentamento, onde estudou até o terceiro colegial. Os atuais professores do ensino fundamental e muitos do ensino médio se formaram e hoje dão aulas na Oziel.
Ela atende a mais de mil alunos em três turnos, do maternal ao terceiro colegial. A escola leva o nome de um jovem militante que, já no hospital, foi espancado até a morte, no dia do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996.
Hoje, Gislane é professora e trabalha no programa estadual de alfabetização “Sim, eu posso”, também voltado para jovens e adultos. O programa tem 14 professores no assentamento, cada um com cerca de 10 alunos, número máximo por turma. As professoras dão aula em suas próprias casas, mas se for preciso vão até onde os alunos vivem. Gislane viu seis de seus alunos serem certificados este ano.
Ao longo de mais de uma década de militância, o pai dela, Altamiro, ocupou inúmeros cargos dentro do movimento e hoje é fiscal da Associação de Produção e Comercialização dos Trabalhadores Rurais do Assentamento 17 de Abril (ASPCTRA)
O lote de terra que ele ocupa é tido como exemplo de plantio orgânico bem sucedido. Altamiro orgulha-se particularmente do cultivo de cacau, que em 2010 rendeu duas toneladas e meia – mais do que qualquer outro produtor do município.
Muitos dos assentados passam por um processo de formação do MST. Mas, para Altamiro, foi na experiência cotidiana que aprendeu o que sabe: “Já vi muita miséria. Aprendi simplesmente porque colono não pode errar, se não a família toda sofre. É como na escola: quem tira nota baixa não passa de ano”.
Altamiro gosta de se explicar fazendo comparações. Em relação à terra, parece ser ela sua suprema companheira: “ É igual com mulher: no começo você fica deslumbrado, mas depois que se acostuma com ela, já quer trocar. Não pode ser assim, tem que tratar bem a terra, cuidar dela, que a relação dura para sempre”. Quando perguntado se aplica agrotóxicos em seu lote, responde com ternura: “Imagina, você ter uma planta bem linda e alegre, depois você vai jogar veneno nela?”
Segundo Luis Lima, presidente da ASPCTRA, a escola adota o método Paulo Freire, que associa a aprendizagem às questões concretas do cotidiano. Os programas para adultos são sempre divididos em módulos: o estudante passa 45 dias na escola e, em seguida, 60 dias no trabalho prático do campo, para que não se desligue de sua realidade.
Diversas citações de Freire estão pintadas nas paredes da Oziel Alves Pereira.
A escola é reconhecida como uma das melhores da região. É uma construção espaçosa e arejada, de 12 salas de aula equipadas com ar-condicionado, auditório para 100 pessoas, laboratório de química, salas de informática, de vídeo e biblioteca. Os equipamentos doados ao laboratório de química ainda estão encaixotados, já que os professores do próprio assentamento ainda não estão capacitados para utilizá-los: “Já pedimos à Universidade Federal do Pará (UFPA) que mande alguém para dar assistência aos professores. Tem produto químico que já está até vencido”, explica a coordenadora Risângela Almeida.
O objetivo da escola é montar um programa pedagógico que contemple a realidade do campo. Na biblioteca estão guardados dezenas de livros didáticos que foram doados pela Secretaria Estadual de Educação mas que, segundo a coordenadora, são inadequados para qualquer escola fora do Sudeste: “Os jovens estão saindo do campo para trabalhar em qualquer subemprego na Vale do Rio Doce. Queremos formá-los para que criem vínculos com o campo e com sua história”.
Risângela vivia em Brasília quando foi visitar a irmã no assentamento e decidiu que queria viver ali. “No começo é difícil, mas depois a gente vai pegando amor pelas coisas daqui, pelas pessoas. É assim que tem de ser”. Ela já tinha prestado o vestibular várias vezes quando conseguiu entrar no curso de Letras da UFPA através de um convênio entre a universidade e o MST. Durante o dia assistia às aulas e, à tarde, voltava para o assentamento.
Risângela reclama da falta de autonomia em relação à Secretaria de Educação, que é quem financiou a construção da escola. Os trinta professores são selecionados pelo município de Eldorado dos Carajás: “Conseguimos ao menos que a Secretaria desse prioridade a professores do assentamento. Não queremos gente de fora”.
A coordenadora ressalta a importância do currículo de português. Acredita que os alunos devam aprender a ler e a escrever com fluência antes de estudarem a gramática: “Temos de dar o que eles realmente precisam. Discutimos e interpretamos muitos textos na sala de aula”. Uma vez por ano, é organizada a “Noite com poesias”. Na quadra da escola, todos os alunos, do maternal ao colegial, declamam poesias de autoria própria ou de poetas consagrados, como Cecília Meirelles, Vinícius de Morais e até Charles Trocate, militante do MST e autor de três livros de poesia.
Um exemplo sempre citado no assentamento é o de Leonildo, que entrou na escola sem saber ler ou escrever. Agora, com mais de sessenta anos, está na oitava série. Durante a semana de atividades para relembrar o massacre de 17 de abril, ele subiu no palanque da praça central do assentamento para declamar um poema em formato de cordel que ele mesmo escreveu.
Charles Trocate entrou no MST aos 16 anos de idade. Passou nove meses em um programa de estudos. “É aí que se consolidaram em mim preocupações mais gerais, o hábito da leitura, a profunda fé no trabalho coletivo e as primeiras formulações poéticas”, conta.
Hoje ele é da coordenação nacional do movimento. Um poeta reconhecido: “Falam que meus poemas são difíceis, mas eu não sei escrever de outro jeito. Com 16 anos entrei para a escola do movimento e ficava lendo Marx, Gramsci… Imagina só o jeito que eu saía falando das aulas!”, explica. A poesia do uruguaio Mario Benedetti foi uma de suas primeiras leituras. “O poeta se constrói ao construir. Não fica satisfeito até conseguir criar uma grande metáfora. Lia [Walt] Whitman, que me ensinou o poema-conceito; Drummond, que é a base da nossa educação sentimental; Maiakovski, que fala do trabalho na arte”.  Tanto aprecia Maiakovski que está aprendendo russo para traduzir um de seus poemas para o português.
Expulso da escola depois de um ano, Charles nunca mais retornou ao sistema de ensino convencional.  Quando menino, trabalhou no garimpo por dois anos. Como não era permitida a entrada de mulheres, nem de bebida, os garimpeiros iam à chamada “Cidade do Trinta”, atual Curianópolis, onde Charles passou a vender cuscuz às prostitutas na porta de boates. Trabalhou de bananeiro a engraxate. Foi alfabetizado pela irmã mais velha, que o ensinava a ler placas: “A gente morava na beira do rio, então descíamos para lavar as placas e aprender as letras. Até hoje tenho mania de ler todas as placas que vejo”.
Charles já publicou três livros de poesia pela editora Expressão Popular. No ano passado, foi convidado para fazer parte do Academia de Letras do Sul e Sudeste paraense: “Houve quem se opôs à minha aceitação porque sou do MST”.
Apreciador e estudioso de música, ele também coordena um grupo composto por jovens assentados e inspira-se em compositores consagrados: “Minha mãe colocou o disco do Bob Dylan para tocar quando eu tinha dois anos de idade. Desde então, sou marxista e poeta”, conta aos risos.
Atualmente, está escrevendo um texto sobre a relação entre a arte e o movimento político: “Não acredito em arte camponesa porque não acredito na arte operária. Arte é catarse, emancipa o homem e não pode estar presa a uma classe social”, defende Charles.

Fantasmas da Ditadura - SBT Brasil (Completo)

Do Céu e da Terra




Deus necessita dos ladrões para castigar os empresários.

Para os piedosos que ainda não foram infectados pelo vírus do ódio contra os excluídos, esclareço que a frase acima é de Lutero e se encontra em seu Do Comércio e da Usura.Portanto, roga-se aos desgarrados adoradores do bezerro de ouro que retornem às hostes do Senhor antes de sair por aí yankisisando a favor da pena de morte.

Muito bem farão também se consultarem o grande Catão que há mais de dois mil anos afirmou: “pequenos ladrões estão trancafiados nas torres e calabouços enquanto os ladrões públicos andam em ouro e sedas”.

Precisamos decidir se queremos o futuro a nosso favor ou contra, pois vivemos num mundo onde a geração de riquezas é a principal responsável pela pobreza.

Talvez a melhor explicação para esse paradoxo esteja no Discurso da Servidão Voluntária de Etienne de La Boétie, mas para isso é necessário visitar o século XVI. Ou então aceitar a afirmação de Marx de que o usurário, do ponto de vista político, tem atuação revolucionária na medida em que arruína as formas de propriedade.

Ao contrário dos humanos, todos os animais possuem onde morar, além de não oprimir ou explorar os seus semelhantes. E quando matam, o fazem para se alimentar. Mas vá explicar isso a Israel  e Estados Unidos.

Veja-se o que acontece com os sem-terra. São perseguidos, caluniados, maltratados e assassinados porque lutam pelo direito a um pedaço de chão.

Chão que lhes é recusado em vida, mas não lhes faltará ao morrer. Por isso nunca é demais repetir que se a propriedade é um bem, vamos estende-la a todos; se for um mal vamos acabar com ela.

Ou como dizem no deserto, os parasitas coletivizaram Deus e privatizaram a riqueza.