sábado, 6 de agosto de 2011

João Bosco - Linha de Passe (HD)

Mercado não garante banda larga universal


Internet p/ todos com qualidade e preços baixos depende de retomada do Estado. Mas não são só os objetivos de garantir o interesse público que justificam a necessidade da presença estatal. A própria estrutura econômica das telecomunicações faz que o mercado seja incapaz, de prestar o serviço de forma eficiente
por Braúlio Araújo e João Brant, Veridiana Alimonti

O lançamento em 2010 do Plano Nacional de Banda Larga deu a impressão de que o Brasil tinha acordado. Depois de anos com o serviço de internet deixado na mão dos interesses das empresas de telecomunicações, o Estado brasileiro parecia disposto a assumir o protagonismo necessário para mudar a realidade de uma banda larga cara, lenta e para poucos. Os acordos firmados no final de junho deste ano, contudo, mostram que o governo não assumiu a postura capaz de lidar com esse problema, insistindo em negociar com base no que as empresas aceitam oferecer e não a partir de um plano estratégico de longo prazo. Aquilo que o mundo inteiro já sabe parece não ter ficado claro por aqui: oproblema não se resolve sem forte presença do Estado seja na regulação sobre as empresas privadas seja como provedor direto da infraestrutura e dos serviços.
“Resolver o problema” aqui tem a ver com atender a quatro objetivos: o serviço deve ser universalizado, com preços acessíveis, com qualidade e velocidade satisfatórias e com garantias de que não vai ser interrompido. Tudo isso porque a banda larga, pelo que representa à concretização de direitos fundamentais – especialmente liberdade de expressão, acesso à informação, à comunicação, à educação, à participação política e à cultura – e ao acesso a outros serviços, deve ser considerada um serviço essencial e garantida pelo Estado, por meio, inclusive, do controle público sobre a infraestrutura.
Mas não são só os objetivos de garantir o interesse público que justificam a necessidade de uma forte presença do Estado no setor. A própria estrutura econômica das telecomunicações faz que o mercado seja incapaz, por si só, de prestar o serviço de forma eficiente. Isso se dá por conta do alto investimento inicial para instalar redes e da necessidade de o prestador levar seu sinal até a residência de cada usuário. Essas características criam fortes barreiras à entrada de concorrentes e levam a uma falta de incentivos para o mercado prestar o serviço nas áreas que demandem mais investimento ou que não tenham tráfego suficiente para gerar retorno econômico. Assim, o setor é praticamente um monopólio natural e não consegue garantir eficiência econômica por seus próprios meios.
Portanto há a combinação de dois desafios: garantir os objetivos de interesse público e, ao mesmo tempo, garantir a eficiência econômica. Induzir a competição é certamente um dos objetivos da regulação, mas o setor privado, mesmo com razoável grau de competição, é incapaz de garantir o interesse público se não for obrigado a isso. As empresas não vão atuar em áreas que não ofereçam retorno econômico, e, portanto, serviço universal e tarifas baixas não são alcançados sem obrigações impostas pelo Estado. As experiências da Europa, Estados Unidos e Brasil mostram isso com clareza.
 
O histórico aqui e lá fora

Ainda que com modelos diferentes, a expansão dos serviços de telecomunicação nesses países foi promovida com a participação efetiva do Estado. Nos países europeus, havia monopólios estatais que garantiram universalização, controle de preços e de qualidade, entre outras obrigações. No processo de liberalização e privatização, a maioria dos países manteve participação estatal em uma companhia central e abriu o mercado para competidoras, mas sem perder a dimensão de serviço público. Nos EUA, havia um monopólio privado (AT&T), quebrado em 1983, mas sempre houve a imposição de obrigações que respondiam à essencialidade do serviço. Ao longo das últimas décadas, buscou-se ampliar a competição, especialmente na longa distância, mas a recente redução do mercado a duas empresas mostra que a tendência é mesmo de forte concentração.
O Brasil teve um desenvolvimento bem particular do setor, com um início privado, um processo de estatização na década de 1960 e uma reprivatização em 1998. No início da década de 1960, apesar de contar com cerca de novecentas companhias telefônicas, o Brasil estava entre os países com menor densidade telefônica do mundo – tinha apenas um telefone para cada 100 habitantes, abaixo de países como Estados Unidos (38), Suécia (35), Argentina (6) e Uruguai (5).1 A estrutura de telefonia do país compunha-se de operadoras privadas municipais, o que dificultava principalmente a comunicação intermunicipal e de longa distância.
Em 1965, foi criada a Embratel, empresa pública que em cinco anos interligou as principais cidades das cinco regiões do país, permitindo a discagem direta à longa distância (DDD). Em 1972, foi criada a Telebrás, que incorporou a Embratel e, por meio de suas subsidiárias (as “teles”, empresas polo estaduais), adquiriu as companhias municipais, uniformizou e expandiu a telefonia fixa residencial. Valendo-se de subsídios cruzados – cobrança de taxas maiores para o sistema empresarial e regiões mais densas para financiar o desenvolvimento do sistema residencial e de regiões menos povoadas –, a Telebrás teve grande êxito em expandir a infraestrutura de telefonia fixa no Brasil.
O incremento anual do número de linhas nos anos 70 realizou-se a taxas sempre superiores a 15%, tendo chegado a 32% em 1976. No final da década, essas taxas caíram, principalmente por conta do uso das estatais para fazer empréstimos a fim de cobrir a dívida externa. De toda forma, de 1970 a 1990, enquanto a população brasileira cresceu 50% e o PIB 90%, a planta instalada de terminais telefônicos do Sistema Telebrás cresceu 500%.
O rápido desenvolvimento das comunicações no Brasil impulsionou a indústria eletroeletrônica e atraiu empresas fornecedoras transnacionais. Ao longo da década de 1970, o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Telebrás (CPqD) desenvolveu uma série de novos produtos, obteve patentes no Brasil e no exterior e celebrou vários acordos e contratos de transferência de tecnologia.
Toda essa expansão não se deu sem problemas. Durante os anos 80 e 90, a Telebrás perdeu capacidade de investimento ao ser utilizada pelo governo brasileiro para cobrir problemas econômico-financeiros. Além disso, o modelo de negócio – baseado em alto investimento inicial pelo usuário e assinatura básica baixíssima – começou a gerar especulação em torno das linhas e criou um mercado paralelo. Em 1994, começou-se a preparar o terreno para a privatização. A assinatura inicial, que era de R$ 0,69 mensais, subiu rapidamente para alcançar R$ 12 em 1998, ano da privatização.
De toda forma, o processo histórico mostra que a participação estatal no setor foi determinante na saída de um modelo fragmentado, sem condições de se desenvolver, para um patamar de ampla expansão e ampliação do serviço que poderia ter ido ainda mais além se acompanhado por uma mudança no modelo de negócio.
 
Privatização e modelo atual

Com a privatização, limitou-se o poder de intervenção do Estado. A Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97) separou a prestação dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado. Para os prestados em regime público (apenas o serviço de telefonia fixa), reservou ao Estado um poder maior de regulamentação, atribuindo às prestadoras, entre outras, obrigações de universalização e continuidade dos serviços e de reversibilidade de bens. No regime privado, por outro lado, o Estado incumbiu-se de observar “a exigência de mínima intervenção na vida privada”, tomando a liberdade como regra.
O processo de privatização alterou o modelo de negócio do serviço de telefonia fixa. As empresas se beneficiaram de uma base já instalada de clientes, de uma demanda reprimida e do aumento do valor da assinatura básica (mais de R$ 40, atualmente), que passou a sustentar o negócio. As obrigações de universalização impuseram a necessidade de investimentos por parte das empresas e geraram uma ampliação significativa do serviço nos anos pós-privatização, mas a fraca atuação da Agência Nacional de Telecomunicações e um problema na própria conceituação de universalização fazem que ainda vivamos um serviço limitado.
Em mais de 10 anos da privatização das telecomunicações no Brasil, apenas 43% das residências têm telefone fixo, como mostram dados do IBGE.2 Ainda que se possa afirmar que a infraestrutura esteja presente em praticamente todas as localidades brasileiras, grande parte da população não utiliza o serviço. Isso porque a Lei Geral de Telecomunicações entende universalização como a possibilidade de o cidadão contratar o serviço, mas não considera que o valor da assinatura fixa constitui uma barreira econômica que impede o acesso de muitos. É como se alguém considerasse o serviço de saúde universalizado em determinada localidade simplesmente por haver um hospital privado na região.
Além disso, para muitos o telefone celular passou a substituir a linha fixa. Porém, a despeito do razoável grau de competição e do enorme número de linhas ativas, a desigualdade no acesso ao serviço móvel é uma realidade. Em 2009, apesar de o Brasil fechar o ano com cerca de 174 milhões de linhas ativas, o IBGE mostrou que o número de adultos com telefone móvel para uso pessoal fica em pouco mais de 60%.3 Entre os usuários do serviço, cerca de 80% das linhas são pré-pagas com R$ 8 de média mensal de ativação de créditos em 2010, segundo a Anatel.Na prática, muitos utilizam suas linhas apenas para o recebimento de chamadas, não tendo condições para efetivamente fruir o serviço. A União Internacional de Telecomunicações confirma isso ao mostrar que o Brasil está em 121º no ranking mundial de preços do serviço. Só 37 dos países pesquisados têm serviço mais caro.
 
Dificuldades de expansão da banda larga

Todo esse balanço é essencial para se compreender as barreiras de expansão do serviço de banda larga no Brasil, prestado em regime privado. Hoje, apenas 27% das residências têm acesso a internet, sendo 22% com banda larga.4 O acesso é desigual entre as cinco regiões brasileiras, entre áreas urbanas e rurais, entre municípios mais e menos populosos e entre diferentes classes sociais. Mesmo em municípios que possuem acesso à banda larga, há grandes áreas sem oferta do serviço. As operadoras de telefonia fixa são responsáveis por 65% das conexões de banda larga, e a expansão do serviço claramente depende delas, por sua penetração. Não é à toa que o Programa Nacional de Banda Larga brasileiro se ampara nessas empresas para buscar a expansão.
O problema principal do PNBL é que ele não reconhece a necessidade de o Estado atuar para impor metas de universalização e controle de preços sobre o setor privado. Os acordos assinados pelo governo federal com as empresas de telecomunicações no final de junho estabelecem que até 2014 as empresas devem oferecer em todos os municípios um serviço de banda larga (móvel ou fixo) com velocidade de 1 Mbps por R$ 35 mensais. As letras miúdas revelam os limites do pacote: há uma inaceitável franquia de download que restringe completamente o uso da internet e impede a utilização plena do serviço. O plano permite a venda casada da banda larga fixa com o serviço de telefonia, praticamente dobrando o preço final. Além disso, não há nenhuma garantia de atendimento dentro dos municípios atendidos (o serviço acabará concentrado nas áreas rentáveis), e a velocidade estabelecida está fora do que já hoje é considerado banda larga. Apenas para se ter uma ideia, o Plano Nacional de Banda Larga dos EUA prevê universalização da internet com velocidade mínima de 4 Mbps, com 75% da população com velocidade de 100 Mbps em 2020.
O plano brasileiro não estabelece a universalização nem como meta (fala-se em massificação, tomando a telefonia celular como referência), não prevê controle de preços (fora o pacote popular, os preços são livres) e não garante continuidade. Ele se ampara na tentativa de gerar competição no setor e na definição de um pacote popular com condições limitadas e diferenciadas. A internet, que deveria ser tratada como um direito de todos os cidadãos, torna-se mercadoria com qualidade diferenciada de acordo com o preço.
 
Qual o caminho?

Obviamente não há uma fórmula mágica para se garantir um serviço barato, de qualidade, para todos, mas a experiência histórica mostra caminhos. Estimular a competição é importante, mas não garante nenhum dos objetivos listados acima. Para garanti-los, é preciso retomar o papel do Estado como organizador do setor. Aliás, o artigo 21 da Constituição Federal é claro em dizer que compete à União “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações”. É preciso então reconhecer a banda larga como um serviço público, em coerência com o texto constitucional, e combinar investimentos diretos com forte regulação sobre o setor.
Concretamente, nas regras atuais da Lei Geral das Telecomunicações, isso significa definir o regime público para prestação do serviço. Formalmente, para essa definição, basta um decreto da Presidência da República. Contudo, é preciso aprofundar o debate sobre o que isso implicaria em termos de novas regras e modelagem do sistema. As exigências deveriam ser diferenciadas de acordo com a capacidade técnica e financeira de cada empresa. Além disso, devem ser levadas em conta as diferenças nas áreas de prestação de serviço e o poder de mercado de cada ator, definindo-se um plano geral de outorgas que aponte para a universalização do serviço.
Seria preciso também definir a diferença nas obrigações das empresas que prestam o serviço junto com a TV a cabo e como a transição seria trabalhada na banda larga móvel de forma convergente e coerente com essa nova modelagem. A Telebrás, como empresa pública, poderia combinar a oferta de capacidade de tráfego no atacado com atendimento direto a áreas remotas e a áreas bastante lucrativas, para ajudar seu equilíbrio financeiro. Poderia ainda assumir o papel de fonte indutora de pesquisa e desenvolvimento tecnológico nacional.
O desafio de universalizar uma banda larga barata, rápida e com qualidade impõe-se como necessário ao efetivo desenvolvimento econômico e social do país e à garantia de direitos básicos. Fazê-lo possível é tarefa urgente e implica assegurar ao Estado os poderes de exigir da iniciativa privada as obrigações voltadas à dimensão de interesse público na prestação do serviço. Sem isso, o Plano Nacional de Banda Larga é um passo absolutamente insuficiente.
Braúlio Araújo e João Brant
Integrantes dis Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social


Veridiana Alimonti
Advogada do Idec ( Instituto Brasileiro de defesa do Consumidor)


Ilustração: Allan Sieber
1 José Eduardo Pereira Filho, “A Embratel: da era da intervenção ao tempo da competição”, Revista de Sociologia Política, n.18, p.33-47, 2002; e Marcos Dantas. A lógica do capital informação. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.
2 P esquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009.
3 I dem.
4 TIC Domicílios 2010, Comitê Gestor da Internet.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O ponto fraco do ensino forte

Por que as escolas tradicionais - as primeiras colocadas nos exames nacionais de avaliação - podem causar danos aos alunos.
Foram os piores anos da minha vida.” A frase ainda é dita com sofrimento pela estudante carioca Chanel de Andrade Rodrigues, de 18 anos. Ela está no 1o ano da faculdade de artes, mas não esquece o período em que estudou no Santo Agostinho, do Rio de Janeiro, um dos colégios mais tradicionais e bem-conceituados do país. Do 7º ano do ensino fundamental ao 1º ano do ensino médio, passou seus dias perdida entre aulas que não acompanhava, um enorme volume de conteúdos para memorizar, provas difíceis, notas baixas e um séquito de professores particulares a cada final de ano letivo. Na escola, não gostava de sair para o recreio e não comia nada. Em casa, compensava a ansiedade comendo demais. Na escola anterior, menos rígida, onde tirava boas notas, costumava nadar e fazer aulas de dança. No Santo Agostinho, evitava as aulas de educação física. Chanel entrou em depressão e engordou 20 quilos.

A mãe tentou convencê-la a fazer terapia, mas ela se recusava. “Eu só queria ser invisível”, afirma. “Odiava a competitividade que estava sempre no ar.” Só depois que Chanel foi reprovada, no 1o ano, sua mãe decidiu trocá-la de escola. (Procurado por ÉPOCA, o Santo Agostinho não respondeu aos pedidos de entrevista.) O caso de Chanel é apenas um entre centenas que revelam uma realidade incômoda: o custo emocional alto – muitas vezes altíssimo – do modelo de eficiência adotado naquelas escolas que exigem alto desempenho dos alunos e garantem todo ano boas colocações nos melhores vestibulares.

Consideradas as melhores do país, quase sempre campeãs nas provas nacionais de avaliação, as escolas de ensino tradicional representam, na mente de muitos pais, uma esperança de sucesso para a vida dos filhos num mercado de trabalho competitivo. Apesar de seus resultados inquestionáveis e da procura crescente por escolas desse tipo, esse modelo agora começa a ser mais e mais questionado por seus efeitos colaterais.

O ensino tradicional surgiu na Europa do século XVIII como um modelo em que os alunos são ensinados e avaliados de forma padronizada. Ele se inspira na ideia de que a mente das crianças é uma tabula rasa, um espaço em branco sobre o qual os diversos conteúdos – gramática, matemática, ciências, história etc. – devem ser inscritos seguindo um método rigoroso de exposição e avaliação. Mais do que qualquer outra aptidão, valoriza o acúmulo de conhecimento: quanto mais fatos e fórmulas o aluno aprende, mais bem avaliado ele é.

Há, ainda, uma forte pressão por desempenho nas provas e um grande volume de conteúdo a estudar. As escolas tradicionais também costumam ser mais rígidas em regras de comportamento, como respeito ao horário, frequência às aulas, uso de uniforme e atitude no recreio. Apesar de ter incorporado conceitos pedagógicos mais modernos, a essência do modelo tradicional de ensino permanece a mesma – e a educação tradicional está em alta no mundo, com filas de espera para matrículas e salas abarrotadas de alunos.

A grande procura por uma vaga numa dessas escolas se explica pelo desempenho acima da média de seus alunos. No Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que classifica as escolas públicas e particulares a partir das notas tiradas numa prova feita pelos alunos, é decisivo para a família na hora de escolher onde matricular seus filhos. Há anos, os colégios mais tradicionais e rígidos ocupam o topo da lista. “É comum hoje em dia pais e mães compararem as posições das instituições em que seus filhos estudam. Se os resultados das escolas não são bons, bate o sentimento de que se está fazendo algo errado”, afirma Quézia Bombonato, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia.

Em Vinhedo, no interior de São Paulo, uma escola aberta em 2001 mostra essa tendência. O Colégio de Vinhedo, que busca alunos de classe média alta, reproduz uma escola tradicional europeia. Os alunos usam uniformes formais, os professores vestem ternos e tailleurs. A própria decoração da escola parece de outro tempo – embora, dentro da sala de aula, haja lousas interativas, câmeras e laptops para cada aluno. Há ênfase no conteúdo e na disciplina. “Nossa ideia é resgatar valores que são esquecidos”, diz o diretor, Eduardo Cumone. “Também temos uma carga horária maior, para que haja melhores resultados.” A proposta da escola encontra eco nos pais. A procura triplicou nos últimos cinco anos. Em 2001, havia uma única turma por série; em 2012, haverá duas ou três.

Os rankings de avaliação também puxam a educação para o lado mais rígido em outros países. “Nos Estados Unidos, está havendo um retorno à tradição, amparado na crença de que pontos na competição internacional são importantes”, diz o psicólogo americano Howard Gardner, criador da Teoria das Inteligências Múltiplas, que propõe vários tipos de inteligência além daquela medida por testes de Q.I. Na Europa, acontece o mesmo. O Reino Unido é um bom exemplo. No fim de 2010, a Secretaria de Educação anunciou uma reforma no ensino que inclui o “retorno aos valores tradicionais”: mais conteúdo, mais disciplina – e até a obrigatoriedade de roupas s mais formais na rede pública, com aventais para as meninas e terno e gravata para os meninos. No anúncio, o secretário Michael Gove mostrou sua preocupação com a queda do país nos rankings mundiais de educação. “Vamos voltar ao topo”, disse.

O ensino tradicional ganhou ainda mais adeptos recentemente com o lançamento do livro Grito de guerra da mãe tigre. Nele, a advogada sino-americana Amy Chua relata sua experiência na criação de duas filhas com rigidez e exigências que beiravam o absurdo. Ambas eram proibidas de ficar abaixo do 1o lugar na classe e tinham de realizar atividades extracurriculares dificílimas escolhidas pela mãe – uma se tornou exímia violinista e a outra pianista. Pela defesa desses padrões quase marciais de ensino, Amy chegou a ser ameaçada de morte na internet. Mas seu livro entrou rapidamente na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos. Isso expõe o medo de toda a nação de se ver rebaixada nas listas internacionais de melhores alunos.

Para quem consegue seguir em frente e encarar tantas exigências, o ensino tradicional pode dar certo. Giulianna Freitas, de 12 anos, cursa o 7o ano do colégio Dante Alighieri, um dos mais antigos e tradicionais de São Paulo. Está lá desde os 3 anos. Ela diz que adora. Afirma tirar de letra as regras rígidas da escola, entre elas uniforme impecável e as restrições ao contato afetivo entre meninas e meninos. “Não me vejo em outro colégio”, diz. Sua mãe, a dentista Ana Claudia Garcia de Freitas, afirma ter escolhido o Dante pelos ótimos laboratórios e pelas bibliotecas. E também por ter sido sua escola – e a de sua mãe. “É uma tradição na família.”

Mas os educadores têm visto com ceticismo cada vez maior o sucesso desse modelo. Eles alertam sobre vários problemas que decorrem da estratégia convencional, baseada na combinação de competitividade e pressão por notas. A primeira limitação é a seleção natural que põe em prática. Esses colégios selecionam os alunos na hora da matrícula – com os famosos “vestibulinhos” – e, depois disso, acabam selecionando, pelo grau de dificuldade em acompanhar o ritmo, aqueles que ficam. “Valorizamos o conteúdo e somos inflexíveis em nossa filosofia de foco no professor, cultura clássica e disciplina”, diz Maria Elisa Penna Forte, supervisora do colégio carioca São Bento, que só aceita meninos e foi quatro vezes campeão nacional do Enem. “Os pais querem que os filhos se saiam bem aqui, mas, em muitos casos, isso não acontece. Aí o melhor é mudar de escola.”

A pressão por boas notas pode causar estresse e doenças emocionais. E não garante sucesso no futuro

São escolas que, naturalmente, funcionam para os melhores. E os melhores, por motivos óbvios, não são todos. Nem sequer são a maioria. “No caso das escolas tradicionais e seus vestibulinhos, não são os pais que escolhem a escola. É a escola que acaba escolhendo os alunos que quer”, diz Victor Paro, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Para ele, essa situação põe em xeque a própria qualidade desse tipo de ensino. Essas instituições têm as melhores médias de desempenho por terem a melhor pedagogia ou porque os alunos que passam pelo funil são os mais inteligentes, portanto serão os melhores, independentemente do método de ensino? “Certamente, elas têm valor. Mas é fato que, para entrar, os alunos já têm de ser bons”, diz Paro.

Uma das grandes dificuldades dos pais é aceitar que a maioria dos filhos não se enquadra ou não tem condição de acompanhar o grau de exigência das escolas mais competitivas. Alguns pais acreditam que tirar o filho da escola mais conceituada é sinal de fracasso. Insistem nela – e isso acaba pesando ainda mais sobre os ombros do estudante. “A criança sofre porque não tem o perfil para aquele tipo de colégio”, diz Fábio Barbirato, chefe do setor de Neuropsiquiatria da Infância e da Adolescência da Santa Casa, no Rio de Janeiro. “Os pais precisam conhecer o perfil de seus filhos.”

A política de seleção dos melhores não pode servir para educar a média das crianças, uma exigência social. Não há nada a opor a uma política de seleção rigorosa. Mas um país que precisa oferecer educação de qualidade para todos precisa se preocupar com aqueles que não passam por esse funil – a ampla maioria.

O ambiente de alta pressão tem ainda um custo emocional para aqueles que não se adaptam. Em geral, aumenta o nervosismo da criança, que fica exposta a um grau elevado de exigência antes de ter amadurecido. Os sintomas são noites maldormidas ou mesmo crises nervosas antes de algumas provas. Em alguns casos, o peso da cobrança pode gerar traumas. O médico Barbirato tem promovido uma cruzada contra os transtornos de ansiedade causados pela vida escolar. Diz que, diariamente, na clínica e em seu consultório particular, atende crianças em sofrimento decorrente da pressão dos estudos. Para Jorge Harada, chefe da área de Saúde Escolar da Sociedade Brasileira de Pediatria, o estresse dessas escolas desencadeia um processo orgânico que pode levar à perda da imunidade e causar até anemia. “Vivemos numa sociedade competitiva, mas a escola não pode ser uma fábrica de pessoas em série. É preciso respeitar as singularidades de cada um”, diz.

Nos Estados Unidos, a mãe de uma adolescente que recebeu diagnóstico de estresse agudo não se conformou em reclamar com a escola sobre o ritmo puxado das aulas e lições de casa. A advogada Vicki Abeles, depois de perceber que o drama de sua filha era vivido também em outras famílias, fez um documentário sobre o que chamou de massacre do ensino competitivo, imposto em quase todas as redes de escolas públicas americanas graças a incentivos do governo. O documentário, que ouviu dezenas de alunos e famílias que desenvolveram doenças emocionais por causa da alta pressão, virou sensação. Já arrecadou mais de R$ 10 milhões (custou R$ 800 mil), sem exibições em cinemas, apenas em escolas ou auditórios. “Quero que minhas filhas cresçam saudáveis e criativas. Não acredito no ensino que educa para tirar boas notas em rankings”, afirma Vicki (leia a entrevista na página 95).

Apesar da expectativa dos pais, o ensino tradicional, também não garante sucesso na carreira. “Mesmo no caso de crianças que suportam a pressão das escolas tradicionais, não existe certeza de que serão adultos bem-sucedidos”, diz Quezia Bombonato. “Muitas vezes são alunos com capacidade de absorção de conteúdos e boa memória, mas cujos dons específicos não são devidamente explorados.” Segundo Quezia, o processo completo de aprendizado de um jovem é formado de muitas variáveis. Se o que ele aprende não faz sentido para a vida, isso poderá ser percebido num futuro mais distante, quando ele estiver frente a frente com suas decisões profissionais. “As pressões que ele sofreu nos bancos escolares podem se transformar em problemas de percepção ou relacionamento na vida adulta, comprometendo o sucesso de suas realizações”, diz ela.

Diante dos efeitos colaterais da pressão educacional, muitos pais se voltam para as escolas com propostas alternativas. Elas não têm uma fórmula única e vêm se desenvolvendo desde os anos 1960, com propostas pedagógicas modernas. Esses métodos de ensino começaram a ganhar relevância nos anos 1970, quando novas teorias sobre como as crianças aprendem começaram a ser usadas pelas escolas. No geral, elas priorizam o estímulo aos talentos pessoais, as artes, o contato com a natureza e o lado emocional dos alunos. O método mais difundido no Brasil é o construtivista, inspirado nas ideias do psicólogo suíço Jean Piaget, segundo o qual as crianças aprendem em conjunto e sempre usando a realidade de cada um como referência. A linha montessoriana, proposta pela pedagoga italiana Maria Montessori, foi uma das primeiras a inserir questões afetivas na educação. Na pedagogia Waldorf, do filósofo alemão Rudolf Steiner, o aprendizado anda de mãos dadas com atividades corporais e artesanais. Com resultados não tão satisfat ios em avaliações nacionais, muitas dessas escolas se reorganizaram para melhorar sua competitividade. Hoje, tentam combinar o melhor dos dois mundos, incorporando parte da disciplina e da exigência de bom desempenho das escolas tradicionais.

Para alguns pais, só o ensino de alto desempenho garante um futuro de sucesso para os filhos

Essas alternativas também podem ser um caminho para o sucesso na vida real. Os americanos Larry Page e Sergei Brin, fundadores do Google, estudaram em escola montessoriana. Eles afirmam que a escola é um dos principais fatores de seu êxito empreendedor. Lá, segundo eles, aprenderam a trabalhar sozinhos, com ideias próprias. Dizem que a educação montessoriana lhes deu liberdade para perseguir seus sonhos e paixões. Outros inovadores da era digital, como Jeff Bezos, fundador da loja virtual Amazon, e Jimmy Wales, criador da Wikipédia, também vieram de escolas montessorianas.

Um dos apelos dessas linhas alternativas é oferecer um ensino que pretende despertar mais iniciativa e a criatividade das crianças. Isso pode ser salutar mesmo para os alunos que, aparentemente, se dão bem no esquema das escolas competitivas. Foi o que percebeu a empresária carioca Tatiana Queiroz, mãe de Artur, de 15 anos, e Olívia, de 12. “Eles tiravam boas notas, mas faziam tudo no automático. Sentia que não estavam motivados. O conteúdo era muita memorização e pouca análise”, diz. Quando os filhos entraram no ensino fundamental, Tatiana optou pelo tradicional Colégio Santo Inácio, pelos bons resultados nos rankings e pela disciplina que complementava os limites que ela estabelecia em casa. Com o tempo, sentiu falta de mais estímulo criativo para os filhos.

A maioria dos colégios tradicionais tem classes numerosas, e, por isso, o diálogo casa-escola fica difícil. Há dois anos, ela transferiu os dois filhos para um colégio alternativo. A coordenadora pedagógica do Santo Inácio, Ana Maria Loureiro, diz que a tradição dá segurança a quem procura a escola. Segundo ela, 70% dos alunos são filhos de ex-alunos. Um sinal de sucesso da instituição. “Mas estamos buscando a modernidade, especialmente no que diz respeito às novas tecnologias e à necessidade de formar professores antenados com a realidade”, afirma.

Diante das críticas, as escolas tradicionais tentam se renovar. Para conciliar educação de qualidade sem sofrer as consequências indesejadas, começam a buscar o caminho do meio. O colégio marista São José, no Rio, mantém suas aulas de religião, mas introduziu aulas especiais para ensinar os alunos a associar o mundo atual ao que é estudado. A ideia reforça a tendência de que mais importante do que decorar informação é saber analisá-la. No Dante, segundo seu diretor, Lauro Spaggiari, há a filosofia de que é preciso trabalhar apenas com o essencial do conteúdo e muita discussão, mas sem abrir mão do rigor na disciplina. “Não vivemos mais no tempo em que o professor era o único provedor da informação”, diz Spaggiari. “Sabemos que, em tempos de internet, a informação está ao alcance de todos. Nosso papel principal é ensinar ao aluno o que fazer com ela.”

Mesmo que essas escolas consigam se atualizar, ainda assim não serão o modelo ideal para todas as crianças. A família da auxiliar administrativa Fernanda Sato descobriu de forma inusitada que não há um único caminho para a educação dos filhos. Há cinco anos, mudou-se para um bairro em São Paulo onde os filhos, Gustavo e Leonardo, na época com 10 e 7 anos, iriam a pé para o novo colégio, de estilo tradicional e dirigido por freiras. Por quatro anos, o plano funcionou. No fim de 2010, os meninos procuraram os pais com um pedido: queriam mudar de escola. Para complicar, cada um pediu um colégio. Leonardo, o mais novo, não gostava do método tradicional. “Ele não reagia bem às cobranças dos professores e começou a perder o interesse pelos estudos”, diz Fernanda. Gustavo, fã da área de exatas, pediu para estudar num colégio ainda mais rigoroso, com carga horária pesada, muita competição e voltado para o vestibular. “Penso em ser engenheiro e queria uma escola que me preparasse melhor”, afirma. Hoje, a logística da família ficou mais complicada, mas Fernanda não se arrepende. “Descobri que cada filho é de um jeito.”

Martha Mendonça, da revista Época, edição de 1º de agosto de 2011

http://www.cpers.com.br/index.php?&menu=1&cd_noticia=2945
Por Siden Francesch, Professor Estadual e Diretor no 14 Núcleo.

Vinte anos depois, Web luta para manter espírito livre original


Aplicativos produzidos por corporações vão, aos poucos, restringindo o uso da World Wide Web | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch no Sul21

Nascida para ser veículo da livre circulação de informações entre as pessoas, a World Wide Web (WWW) chega aos 20 anos lutando para escapar da prisão. O perigo, porém, não está exatamente na censura direta, e sim na força crescente de intermediários – que, se não sofrerem controle, podem condicionar o uso da internet aos próprios interesses.
No dia 6 de agosto de 1991, a internet tornou-se viável. Criada pelo cientista de computação Tim Berners-Lee, a World Wide Web recebeu nesta data sua primeira menção pública, quando um breve sumário do projeto foi publicado no alt.hypertext, um fórum de discussão da rede Usenet. Não foi a invenção da internet, que já existia em forma embrionária desde o final dos anos 60. Mas foi passo fundamental para que ela fosse além de alguns poucos (e gigantescos) computadores universitários e governamentais.
Marcelo Zuffo, professor do Laboratório de Sistemas Integráveis da USP, diz que o sistema WWW foi o grande passo para que a internet saísse do círculo acadêmico e fosse incorporada por toda a sociedade. “Isso mudou tudo. Revolucionou a economia, a sociedade, acelerou a interação informacional, gerando essa impressão de que as distâncias diminuíram”, enumera.
Web fez com que Internet se tornasse visível
O sistema de hipertextos interligados que constitui a Web foi criado para ser uma ferramenta de troca de informações de todos os tipos. O WWW passou a permitir o acesso, por meio de browsers (navegadores), a conteúdo armazenado nos mais diferentes servidores ao redor do mundo, sempre partindo do próprio interesse dos usuários, sem restrições técnicas ou contratuais. A partir daí veio tudo que hoje conhecemos como internet – tanto que os dois conceitos, na cabeça de muitas pessoas, se misturam.
“A Web viabilizou e popularizou a internet”, resume Sérgio Amadeu, professor do Centro de Engenharia Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da UFABC. Ele explica que conceitos hoje amplamente disseminados, como o comércio eletrônico e a criação de sites pessoais, só se tornaram possíveis a partir da WWW. “A internet passou a ser visível, as pessoas foram convidadas a entrar”, diz Amadeu.
No dia 6 de agosto de 1991, Tim Berners-Lee oficializou World Wide Web, que viabilizou a internet | Foto: Divulgação

Isso foi possível, segundo ele, pelo espírito aberto que guiou a criação da World Wide Web. “Ela surge baseada na adoção de padrões abertos e na universalidade de uso”, explica. A construção de Berners-Lee, diz Sérgio Amadeu, parte da ideia que a Web seja acessível a qualquer software que aceite os protocolos necessários. “Inovações tecnológicas como o YouTube e os sistemas BitTorrent (processo de compartilhamento de arquivos) surgiram motivadas pela ampla liberdade da rede, e são inconcebíveis sem isso”.
O professor Eduardo Pellanda, da Faculdade de Comunicação da PUCRS, lembra que já estão surgindo aparelhos como o Chromebook, que permitem armazenamento em rede de todos os dados e aplicativos. “Fica tudo na nuvem”, diz Pellanda. “Se essa ideia se consolidar, morre o Windows, morre o Mac. A Web se torna uma janela, uma porta de entrada para todas as atividades digitais”.

Aplicativos trazem restrições ao uso

Antes associado ao computador pessoal ou desktop, o acesso à internet está pulverizado em um grande número de aparelhos, que utilizam a rede em aplicativos (ou apps). A tendência, segundo dados da agência de consultoria financeira Morgan Stanley, é que os dispositivos móveis de acesso à internet ultrapassem os desktops entre 2013 e 2014. Esses aparelhos e aplicativos permitem navegar na Web de qualquer lugar, com grande mobilidade, mas podem estar compensando a liberdade que oferecem com outros tipos de restrição.

“Há um perigo, já que o acesso à informação fica sempre sujeito a algumas regras”, admite Eduardo Pellanda, da PUCRS. Segundo ele, existem dois problemas básicos. Primeiro, a necessidade de preenchimento de formulários faz com que informações fiquem à disposição de quem oferece os mecanismos de acesso à Web. Por outro lado, são poucos grupos controlando o acesso de uma quantidade imensa de pessoas – o que prejudica a regulamentação e a fiscalização independente. “Fala-se em passar esse poder (de fiscalização) para a ONU”, lembra Pellanda, dizendo acreditar que seria uma solução “perfeita” para a situação.

Sérgio Amadeu, por sua vez, teme que empresas como a Apple e o Facebook estejam trabalhando na formação de “ilhas digitais”, ainda que em sentidos diferentes. “Para usar o Facebook, é necessário aceitar o contrato de serviço e as regras para conexão”, exemplifica. “Isso cria uma restrição, na medida em que o conteúdo só existe para quem aceitar as imposições do Facebook. Já a Apple e o iPhone vão contra a ideia de acesso livre à Web, já que os aplicativos só fazem o que o hardware permite. Ou seja, as pessoas só podem navegar dentro das regras que a Apple impõe”, critica.

Ainda que admita essas dificuldades, Marcelo Zuffo analisa a questão sob outra perspectiva. “O browser ainda é muito importante. Um aplicativo pouco mais é do que um browser empacotado”, afirma o professor da USP. Segundo ele, há uma “confusão momentânea”, que deve ser clareada com o passar do tempo. “Essa dinâmica comercial (dos aplicativos) corresponde apenas à primeira fase de um longo processo. Não sabemos nem mesmo se ainda existirá a Apple ou o Facebook no ano que vem”, diz Zuffo. “Mesmo os conglomerados que exploram a internet são bastante instáveis, os critérios de valoração variam muito. Ainda tem muito pano para manga nessa história”, acentua.
Sérgio Amadeu: "Talvez estejamos vivendo uma batalha derradeira pelo futuro da internet" | Foto: wilson Dias/ABr

“Batalha derradeira” pela internet

Eduardo Pellanda descreve o momento que se desenha como uma “era pós-PC”. A tendência, segundo ele, é de uma internet distribuída de forma cada vez mais generalizada, com o uso de diversos dispositivos e o barateamento das conexões e aparelhos. “Antes tudo isso parecia meio futurista, mas hoje em dia já está consolidado”, diz o professor da Faculdade de Comunicação da PUCRS.
Marcelo Zuffo, da USP, prevê para os próximos anos o crescimento contínuo do uso da Web em dispositivos cada vez menores (“a internet mudando para as coisas”, descreve) e a ampliação das tecnologias tridimensionais (3D). Mas coloca um desafio extra para a World Wide Web: achar caminhos para ir ainda mais longe. “Dos atuais 7 bilhões de habitantes da Terra, pelo menos 1 bilhão jamais teve qualquer tipo de contato com a internet”, afirma. “São pessoas que moram em rincões, que nunca puderam desfrutar de nenhum dos benefícios da Web. Como lidar com essa situação? Quais as estratégias para que a internet consiga melhorar a situação de vida dessas pessoas?”, questiona.
“Talvez estejamos vivendo uma batalha derradeira pelo futuro da internet”, acentua Sérgio Amadeu. O professor da UFABC acredita que existe o risco das corporações aprisionarem a internet do ponto de vista técnico, subvertendo seu espírito livre em nome dos próprios interesses. Uma crítica que também se aplica às empresas responsáveis pelas conexões físicas, como as operadoras de telefonia, que podem estabelecer filtros ao fluxo de informações e quebrar o princípio de neutralidade da rede. Caso isso ocorra, a facilidade de acesso aos sites não será a mesma – quem pagar mais terá carregamento mais rápido, o que ativistas sociais veem como uma restrição próxima da censura.

A crise européia e o "calote" da mídia

Por Paulo Kliass, no sítio Carta Maior:via BLOG DO MIRO

A profunda crise por que passa a chamada zona do euro pode ser analisada sob diversas perspectivas. Mas chama a atenção um aspecto particular: a baixa sincronia existente entre os elementos político-institucional e econômico-financeiro no processo de construção da União Européia (UE).

O bloco de países mais industrializados que tomaram tal iniciativa, liderados pela França e Alemanha, desde o início perceberam a necessidade de ampliar o espaço geográfico e econômico do mercado comum. E assim foram integrados, na década de 80, a Grécia, a Espanha e Portugal.



Nesse momento, ganha importância o estabelecimento de um conjunto de regras do que se chama genericamente de instrumentos de “política regional”. O objetivo era o promover a redução das diferenças entre os países e entre as regiões. Com isso, buscava-se uma equalização das condições para o crescimento e o desenvolvimento.

Para tanto foram constituídos fundos de natureza financeira, com maior parcela de contribuição proveniente dos países com maior dinamismo econômico. Aproveitando-se de um período de recursos orçamentários abundantes proporcionados pela atividade econômica promissora, os valores puderam ser direcionados para os países recém ingressantes, bem como para as regiões menos desenvolvidas dos países que iniciaram o processo da unificação.

Por outro lado, à medida que avançava a união monetária e econômica, os órgãos centrais europeus passaram a fixar regras de conduta fiscal e econômica para as nações integrantes da zona do euro. Como os países deixavam de operar com suas próprias moedas nacionais e passavam a utilizar o euro como referência monetária, entrava em cena a necessidade de estabelecer controles sobre variáveis importantes em termos macroeconômicos, tais como o nível de endividamento público e as condições do equilíbrio fiscal. Afinal, os gastos eram definidos pelos governos/parlamentos de cada nação soberana, mas as contas poderiam ser todas creditadas à UE, que passou a deter o poder de emissão da moeda supranacional. A situação era inusitada e desafiadora: países sem moeda nacional e uma nova moeda sem que houvesse um país responsável por sua emissão!

Como se vê, trata-se de uma difícil obra de arquitetura político-institucional e de engenharia econômico-financeira. A solução encontrada foi a definição de limites de índices para as variáveis acima mencionadas. Assim, os países que quisessem usufruir dos benefícios da participação na UE não poderiam apresentar uma dívida pública superior a 60% de seu PIB, e seu déficit público não poderia ser mais elevado do que 3% do PIB. Ou seja, era o estabelecimento de condições explícitas de responsabilidade fiscal para os governos da zona euro. Aqui vale um registro importante: apesar de ter constituído seu BCE e emitir a sua moeda, a UE ainda não possui um organismo semelhante a um Tesouro, que possa emitir títulos da dívida pública européia.

Ocorre que a determinação de tais índices para acompanhamento da situação fiscal continha algum elemento de arbitrariedade e era efetuada olhando para o passado. Assim, à medida que a conjuntura evoluía a partir da década de 90 e da entrada no novo milênio, a realidade econômica acabou por atropelar tais convenções. As dívidas públicas de alguns países da UE se aproximavam do limite e, aos poucos, começavam a ultrapassar os 60%. O mesmo ocorreu com a questão fiscal, onde os déficits dos Estados membros começaram a superar o próprio limite de 3%. A esse quadro deve-se adicionar a tendência de redução do ritmo do crescimento econômico dos países da região e o posterior aprofundamento do quadro recessivo, com as conseqüências negativas como o desemprego e a queda da capacidade arrecadadora dos países em razão da diminuição da atividade econômica geral.

Em situações como essa, normalmente o Estado é chamado a gastar mais na área social e mesmo na infra-estrutura, até como forma de estimular a superação da crise no futuro. E isso implica elevação no endividamento público e maior nível de gastos orçamentários em relação às receitas. Ou seja, maior déficit fiscal.

Ocorre que o financiamento das necessidades dos tesouros nacionais é feito com base no aporte de recursos do setor privado e das instituições financeiras. É o conhecido mecanismo de lançamento de títulos da dívida pública no mercado financeiro. Como, a partir de 2008, o cenário geral da economia internacional passou a ser o da mais completa incerteza e insegurança, ao menor ruído os agentes especulativos se movimentam para elevar seus ganhos e/ou reduzir suas perdas.

É o que tem ocorrido ao longo dos últimos meses com os integrantes da UE. Com base no argumento de que as dívidas assumidas por países como Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e Itália são impagáveis tal como elas foram acordadas no passado, os principais representantes do capital financeiro atuam para exigir dos Estados e dos responsáveis pela UE o cumprimento das regras. E, nesse mecanismo de chantagem, terminam por aprofundar ainda mais o quadro de insegurança econômica.

Na verdade, como têm grande poder de fogo, terminam por encostar os governantes na parede e exigem garantias de que eles – bancos – não serão prejudicados, ao contrário do que tem ocorrido com a grande maioria da população de tais países. Caso contrário, ameaçam com a criação do caos e de provocar a quebra das economias nacionais. E, além disso tudo, paira a ameaça de colocar em xeque o próprio processo de construção européia.

Mas o fato é que a UE constituiu-se em um ator de grande relevância no cenário internacional, inclusive do ponto de vista econômico. Em termos populacionais, reúne um total superior a 500 milhões de habitantes, com todas as conseqüências em termos de mercado consumidor. Fica atrás apenas da China e da Índia, e apresenta um quadro de menor desigualdade social e econômica. Por outro lado, do ponto de vista de renda, constitui um Produto Interno Bruto que já superou o PIB norte-americano.

O grande receio é que a demora em solucionar a crise atual, com medidas que sejam consistentes no médio e longo prazos, possa contaminar toda a região do euro, com a continuidade dos ataques especulativos nas praças financeiras. Dada a dimensão das dificuldades dos países na berlinda, começa a se formar um consenso de que será realmente necessária uma renegociação das dívidas públicas atualmente existentes. Ao contrário da qualificação depreciativa de “calote” dada pela grande imprensa, trata-se de repactuação de tais estoques entre os Tesouros devedores e os credores.

Estes compõem um mosaico variado, indo desde bancos privados, diversos tipos de fundos públicos e privados, além de bancos centrais de países como França e Alemanha, por exemplo. Aliás, esse foi o sinal oferecido pela reunião de emergência da cúpula européia, quando o acordo entre França e Alemanha apontou para o uso do Fundo Europeu para Estabilidade Financeira na solução da crise grega. E a indicação de que os bancos seriam chamados a participar das eventuais perdas patrimoniais que venham a ocorrer.

De toda maneira, o que ficou demonstrado é que as sugestões de ajustes da ortodoxia não resolveram os problemas dos países que assim procederam nos últimos anos. Pressionar Irlanda e Grécia a seguirem estritamente a já surrada cartilha de privatização de empresas públicas, cortes orçamentários em áreas sociais e infra-estrutura, combinado a demissão de funcionários públicos e endurecimento das regras de previdência, dificilmente vai solucionar os problemas de tais países. A intenção, na verdade, mais uma vez é propiciar a formação de superávits primários para repassar recursos para a esfera financeira, em detrimento do conjunto da sociedade.

Sai Jobim, entra Amorim. Dilma ganhou!

Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador: via blog do Miro

O Jobim pode ser arrogante. O Jobim pode ser oportunista. O Jobim pode ser uma espécie de Fouché brasileiro, na sua capacidade de servir a tucanos e petistas ao sabor das conveniências.

O Jobim, além de tudo, maltrata um dos nobres sobrenomes brasileiros. Jobim é nome de maestro, nome de poeta. Não deveria ser nome de minsitro fanfarrão.



Jobim pode ser tudo isso: arrogante, oportunista e fanfarrão. E muito mais. Mas uma coisa ele não é: bobo.

Ninguém acredita que um homem experiente, que já passou pelos 3 poderes da República, teria sido “infeliz” em seguidas declarações “desastradas”.

O que move Jobim?

Augusto da Fonseca, no “Festival de Besteiras da Imprensa”, testa uma hipótese: Jobim quer comandar a oposição. Por isso, Dilma teria tolerado tantas bobagens ditas pelo fanfarrão. Tudo o que ele quer é ser demitido, pra sair como vítima de uma presidenta que “maltrata” aliados (?!). A hipótese de Augusto é que Jobim esteja preparando o terreno para voltar ao leito original: um peemedebista a serviço do demo-tucanismo, a serviço de Serra.

Pode ser…. Mas, pergunto eu ao Augusto, por que Jobim teria resolvido agir agora? A eleição de 2014 não está longe demais? Parece cedo para fazer o papel do melindrado que salta para o barco do tucanismo.

Vou testar outra hipótese: Jobim era o principal articulador da concorrência para compra dos aviões da FAB. No governo Lula, tudo apontava para os “Rafalle” – aviões franceses. Jobim era o fiador dessa escolha, a maior concorrência para compra de aviões militares no mundo. Não era pouca coisa. Não era pouco dinheiro em jogo.

No governo Dilma, os concorrentes do Rafalle (suecos e norte-americanos) parecem ter voltado ao páreo. Jobim, teria sido colocado de escanteio na negociação? A súbita verborragia do (ex) ministro – que (com um nao de atraso) resolveu declarar voto em Serra, além de atacar o núcleo da coordenação política do governo Dilma - parece indicar que há algo no ar além dos aviões franceses…

Seja como for, a saída de Jobim deixa uma gostosa avenida aberta para o verdadeiro partido de oposição, a velha mídia brasileira. Sem Jobim, o “caosaéreo” já pode voltar às manchetes. Também surge uma chance de prolongar a tal “crise entre os aliados do governo”. Jobim fora do governo, fora de um ministério poderoso, é chance para muita fofoca, para muita intriga a mostrar que a aliança com o PMDB “não vai bem”.

A velha mídia vai deitar e rolar.

E daí?

E daí, nada.

Na minha modestíssima opinião, Dilma ganha muito ao se livrar de Palocci e Jobim. Os dois eram parte da face mais “atucanada” desse governo - que começou titubeante em muitas áreas.

Ainda mais porque já se confirma: Celso Amorim será o novo ministro da Defesa. Sai o Jobim que se apequena diante de embaixadores estrangeiros, entra o Amorim que comandou a política externa independente sob Lula.

Além dessa ótima notícia, surgem aos poucos outros sinais positivos no governo:

- Dilma mostra que vai defender a economia brasileira da guerra cambial; não se renderá à lógica idiota dos comentaristas liberais; o governo vai intervir (e já começou a intervir) para defender indústrias e empregos;

- Dilma faz a autocrítica por se afastar de sua base original; mostrou isso ao se unir de surpresa a sindicalistas que estavam no Palácio – Dilma pediu desculpas por não ter incluído as centrais no debate sobre a nova política industrial.

Livre dos atucanados, firme na defesa da indústria (e dos empregos), e caindo na real sobre quem são os verdadeiros aliados: essa é a Dilma de agosto.

O que parece “crise” (nas manchetes da velha mídia e nas “reportagens” do JN de Ali Kamel) pode ser o começo de nova fase de governo. Dilma se fortalece – na opinião pública – ao se livrar de “aliados” como Jobim, Palocci e “a turma do PR” . E vai-se fortalecer mais se fizer movimentos para reorganizar sua base de apoio original (na sociedade).

Dilma precisará dessa força para enfrentar as “crises fabricadas”, os ataques da velha mídia e as turbulências da economia mundial.

Forte, e com a economia em ordem apesar dos sacolejos no mundo, Dilma poderá olhar para Jobim e tirar a conclusão lógica: essa é uma ausência que preenche uma lacuna!

Lei Maria da Penha: desafio é ampliar rede de apoio às mulheres


A cearense Maria da Penha, que ficou paraplégica em virtude dos ataques do marido, dá nome à lei de proteção às mulheres vítimas de violência, que completa cinco anos neste domingo (7) | Foto: Valter Campanato/ABr

Rachel Duarte no Sul21

Popularizada no Brasil após cinco anos de sua instalação, a Lei Maria da Penha ainda não é suficiente para garantir a prevenção de casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres. A legislação sancionada no dia 7 de agosto de 2006, agiliza o atendimento de mulheres vítimas de violência e o processo contra os agressores, mas a rede de proteção ainda é deficiente. No Rio Grande do Sul, estima-se que 80% dos processos não têm continuidade.


De acordo com o juiz Vara da Violência Doméstica de Porto Alegre, Roberto Lorea, no primeiro semestre deste ano o Ministério Público gaúcho encaminhou 750 denúncias de agressões contra mulheres. “Temos 20 mil processos tramitando”, revela o juiz. O tempo de 120 dias que leva para a primeira audiência faz com que muitas mulheres repensem sua decisão e desistam do processo.  “Elas têm que ser sujeito e não objeto do processo e da lei. Em alguns casos, a prisão preventiva salva vidas. Em muitos outros elas não querem processar ninguém, mas abrem o processo porque é só o que podem fazer além de ir à delegacia registrar ocorrência”, afirma.  Para Lorea, o que falta são serviços para amparar as mulheres agredidas.
Titular da Delegacia da Mulher de Porto Alegre, Nadine Farias Anflor critica a falta de Centros de Referência para as Mulheres no Estado, que poderiam oferecer atendimento psicológico, jurídico e de saúde.“A mulher vai à delegacia, porque não tem outro lugar para ir. Onde a mulher pode ir? Não há um atendimento universalizado ou um serviço de referência. A referência ainda é a delegacia”, diz.
A delegada concorda que é necessário ampliar as redes de atendimento para evitar que as mulheres precisem ir até as delegacias. “A rede ainda é muito pessoal para resolver os casos. Um serviço liga para o outro e vamos atendendo. Temos que ter resolutividade em todas as partes do processo, para que todas possam ser amparadas de forma igualitária”, explica.
Mesmo assim, Nadine avalia que os cinco anos de Lei Maria da Penha criaram uma cultura segundo a qual as mulheres procuram se defender da violência doméstica. “Existe um fenômeno antes e outro depois da Lei Maria da Penha. Antes, elas procuravam depois de ter apanhado várias vezes. Hoje mudou. Elas acreditam na lei e na rede e buscam logo que sofrem a violência”, afirma.

Centros de referência, geração de empregos e independência

Pela Lei Maria da Penha, as mulheres deveriam contar com uma gama de serviços de proteção. De acordo com a lei, as violências física, sexual, patrimonial, moral e psicológica estão sujeitas à penalização.
Pela política nacional de enfrentamento da violência contra a mulher, os centros de referência deveriam contar com equipes de mulheres habilitadas para encaminhar os casos judicialmente, atender as vítimas com psicólogas e assistentes sociais, além de articular a rede mais próxima da vítima. No Rio Grande do Sul, funcionam 19 centros, sendo um estadual que funciona em Porto Alegre e acaba atendendo também a demanda da capital. “Falta a prefeitura se posicionar e investir nesta área”, cobra o juiz Roberto Lorea.
No Centro de Referência da Mulher do Estado, uma enxuta equipe dá conta de quase 600 atendimentos este ano. As vítimas chegam por conta própria, por recomendação das delegacias ou pelo serviço de escuta telefônica. “A Escuta Lilás é diferenciada. Levamos muito tempo ouvindo as mulheres para saber o que tem por trás daquela ligação”, diz a assistente social Marília Menezes.
Bruno Alencastro/Sul21
Temos que dar atendimento em saúde e gerar trabalho para as mulheres
Ela recorda um caso delicado que gerava constrangimento à vítima e que, não fosse o tempo de escuta e a investigação das atendentes, a mulher não revelaria e não teria atendimento. “Atendemos um caso em que a mulher era submetida à violência sexual recorrente e, quando não aceitava, o homem se masturbava e ejaculava em cima dela. Uma senhora com quase 60 anos. Ela chegou só querendo saber os direitos da separação, mas quando tu vais tratar com a psicóloga, descobres que tem mais coisas”, conta.
Segundo a advogada do CRM, Rudineia de Souza, os casos de lesão corporal normalmente estão associados ao uso de drogas pelo agressor. “Não acreditamos que este é o fator gerador da violência, mas influencia na agressão”, avalia. As complicações encontram-se nos casos de violência psicológica, pois atuam mais no campo subjetivo e levam muitas mulheres a um complexo de culpa. “Elas se sentem parte daquilo, por permitirem sofrer naquela relação e não conseguem ver como sair”, explica.
A secretária estadual de Política para as Mulheres, Márcia Santana, afirma que a prioridade do governo é qualificar o Centro de Referência da Mulher e fortalecer a rede estadual. Segundo ela, a secretaria trabalha para apurar um diagnóstico dos serviços disponíveis. “Não podemos ter apenas atendimento especializado, como delegacias e centros de referência. Temos que dar atendimento em saúde e gerar trabalho para as mulheres, pois muitas não deixam os maridos por serem dependentes financeiramente”, afirma.
Ela considera que a lei gerou mudanças importantes na sociedade e no empoderamento das mulheres, mas aponta um caminho fundamental para mudar a cultura machista que ainda prejudica o atendimento. “A educação não sexista é prioritária para a construção de uma nova cultura que forme os homens e mulheres que queremos no Brasil. Não mais esta cultura que separa gênero e classes, e sim, uma cultura de paz, de igualdade. Nosso principal desafio agora é a mobilização e sensibilização social”, completa.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Viva!

Viva!

Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é "muito" pra ser insignificante.

Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.

Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas quando nunca pensei me decepcionar,
mas também decepcionei alguém.

Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.

Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
"quebrei a cara muitas vezes"!

Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo).

Mas vivi, e ainda vivo!
Não passo pela vida…
E você também não deveria passar!

Charles Chaplin 
 
Créditos: Iara Aragonez

Após protestos, estudantes forçam mudanças na educação chilena

Gonzalo Zapata
Protestos estudantis no Chile pedem ensino gratuito e estatal: "a educação do Chile está morta" | Foto: Gonzalo Zapata

Igor Natusch no Sul21

O documento “Políticas e propostas de ação para o desenvolvimento da educação chilena” é a nova tentativa do governo do Chile em colocar fim a um impasse que se arrasta há mais de dois meses. Apresentado no final da noite desta segunda-feira (1º), o texto governamental surge como resposta às propostas feitas por estudantes secundaristas e universitários do país, que promovem intensos protestos exigindo o fim do atual modelo de ensino e a adoção de um sistema educacional gratuito e controlado pelo Estado.
Entre as propostas do governo de Sebastián Piñera, está “incorporar como garantia constitucional o direito a uma educação de qualidade”, além de propor a desmunicipalização da educação estatal, gerando um novo modelo baseado em órgãos públicos. O atual modelo não sofre mudanças radicais, mas há referências ao aumento dos financiamentos escolares e à reestruturação das taxas aplicadas ao crédito estudantil. No Chile, mesmo as escolas públicas cobram mensalidades, uma vez que são geridas, na prática, por instituições privadas.
Horas antes da entrega da resposta do governo, ministros e assessores presidenciais buscavam passar uma imagem de otimismo. O ministro da Educação, Felipe Bulnes, garantia ter discutido diretamente com Sebastián Piñera os últimos detalhes do documento. “Nossa esperança é de conseguir regularizar a situação imediatamente”, disse ele, acentuando sua expectativa de que não houvesse “intransigência” por parte dos grupos estudantis. Além disso, pediu pela retomada imediata das aulas, interrompidas pelos protestos de alunos e professores no que pode resultar na perda completa do ano letivo.
Gonzalo Zapata
Camila Vallejo (d): "documento precisa ser revisado e discutido com todos os estudantes" | Foto: Gonzalo Zapata

Estudantes responderão na sexta-feira

A reação dos órgãos estudantis foi cautelosa. Camila Vallejo, porta-voz da Confederação dos Estudantes do Chile (CONFECH), assegurou que “uma resposta conjunta de alcance nacional” será anunciada na próxima sexta. “É um documento que precisa ser revisado e discutido com todos os estudantes”, disse ela, evitando entrar em detalhes. Uma assembleia nacional extraordinária deve ser convocada, podendo ocorrer na quinta-feira.
Do lado dos professores, também há incerteza. Jaime Gajardo, presidente do Colégio de Professores do Chile, admitiu que “algumas pedras saem do caminho”, mas lamentou a forma como é abordada a questão do lucro nas instituições de ensino. “Não está bem abordado, não é enfrentado de forma direta”, assinalou.

Piñera: “protestos já cumpriram seu papel”

No domingo, o presidente chileno já havia acenado com “mudanças no nível constitucional” como forma de melhorar a educação do país. “As passeatas e protestos já cumpriram seu papel, a mensagem já está no coração da sociedade chilena. Temos que passar dos protestos para a ação”, declarou Piñera.
Os estudantes, no entanto, não atenderam o pedido de Sebastián Piñera e continuaram nas ruas durante todo o dia. Barricadas foram erguidas nos principais pontos da capital Santiago. A polícia interviu, com o uso de jatos d’água e bombas de gás lacrimogêneo. Pelo menos 15 pessoas foram detidas.
Anteriormente, o presidente do Chile já havia acenado com um plano chamado Grande Acordo Nacional para a Educação (GANE), que propunha um fundo de 4 bilhões de dólares para financiar bolsas de estudo. A proposta, porém, não agradou os estudantes e os protestos continuaram. Para a Confederação dos Estudantes, a proposta legalizava o lucro sobre a educação e consolidava o atual modelo, ao invés de modificá-lo.

Popularidade do presidente está em queda

Os protestos estudantis não apenas mobilizam multidões – cerca de 150 mil pessoas no maior deles, ao final de julho – como demonstram um engajamento político insuspeitado em uma geração tratada como alienada e desinteressada. As manifestações estão sendo coordenadas pela recém-criada CONFECH, que encontra sua principal porta-voz em Camila Vallejo, estudante de Geografia e presidente da Federação Estudantil da Universidade do Chile (Fech).
Eduardo Santillán / Presidencia de la República del Ecuador
Segundo opositores, Sebastián Piñera é "menos popular que Pinochet" | Foto: Eduardo Santillán / Presidencia de la República del Ecuador

Os protestos, que já duram dois meses, exigem maior repasse de recursos para o ensino público e a adoção de um modelo estatal e gratuito de educação. Além disso, os universitários querem a diminuição dos juros sob os créditos educativos. As aulas encontram-se paralisadas, já que os professores também tomam parte dos protestos contra o governo. Muitos manifestantes, adotando maquiagens e fantasias, afirmam que a educação chilena “está morta”, vitimada pela ganância das empresas que exploram o ensino no país.
A paralisação das aulas e a adesão de outros setores à greve, como a mineração, reforçaram a queda de popularidade do presidente Sebastián Piñera. O sindicato dos mineradores é o mais forte do país e não paralisava há 18 anos. Visto como um nome capaz de impulsionar a direita chilena, Piñera tornou-se o presidente mais impopular desde a redemocratização do país, alcançando apenas 30% de aprovação em pesquisas de julho deste ano. “Chegamos a um nível brutal: Pinochet era mais popular que Piñera”, disse o presidente do partido socialista, Osvaldo Andrade, referindo-se ao ditador que comandou o Chile por quase 18 anos.
Sob pressão, o antigo ministro chileno da Educação, Joaquín José Lavín, acabou sendo envolvido em uma troca ministerial. Na mudança, que aconteceu na metade de junho, Lavín acabou indo para a pasta de Planejamento social, sendo substituído pelo até então ministro da Justiça, Felipe Bulnes.

Richard Sennett: Por uma esquerda confiável


Uma leitura sobre o sentido moral em que ser de esquerda pode determinar o modo como se vive em sociedade. E a via para recasar o aspecto social com as concepções programáticas de partidos políticos cujas bases são da esquerda. Nos EUA, na Europa e em todo o mundo, sempre. Richard Sennett, escritor, sociólogo, pesquisador e professor da Universidade de Nova York retoma a defesa do cultivo da solidariedade como conceito político da esquerda, segundo o qual agir em conjunto seria e deve ser um fim em si mesmo. Para uma esquerda confiável, capaz de resistir e enfrentar a “Besta”.


Quando o sistema financeiro colapsou em 2008, eu pensei que tinha chegado a nossa hora. As ruas ficariam cheias de gente protestando contra a Besta Capitalista; o governo iria se mover para a esquerda, em resposta; as pessoas iriam repensar como queriam viver. Ainda assim, embora tenha havido tantos protestos no Wisconsin e, no exterior, na Espanha e na Grécia, muitos eleitores ainda vão se mover para a direita; o antigo regime financeiro foi restaurado. De certa forma isso não é surpreendente. Quando as coisas dão errado, as pessoas tanto querem mudar como aderir, por comodidade, ao que é familiar. Mas a esquerda não tem conseguido nem nos EUA nem em toda a Europa tornar-se uma voz confiável de reforma.

À medida que controla tanto o dinheiro como a mídia, a Besta pode, é claro, proteger-se. Nessa crise, os autores da Grande Recessão conseguiram se safar, ao culparem algumas pessoas em particular, ou políticos, em vez de admitir falhas estruturais no sistema. As classes dominantes não vencem invariavelmente: pelo Norte da África e no Oriente Médio, os oprimidos estão se levantando contra seus tiranos bizarros. Nem, mais perto de casa, seria correto culpar a letargia das massas; as pessoas são cheias de energia política, mesmo que contra imigrantes e estrangeiros.

O fato indigesto é que a esquerda incendiária cada vez importa menos no modo como as pessoas pensam a respeito de como viver junto. E se isso é há muito verdade nos Estados Unidos, onde a esquerda só ocupou uma pequena parte do discurso público, a decadência da esquerda agora marca o velho lar da Europa Ocidental, como na Suécia ou na Grã Bretanha. A palavra “progressista” parece não ser outra coisa que o despertar da “social democracia”. Embora Think tanks abundem nos EUA e na Europa e produzam propostas razoáveis e válidas de justiça social, as bizarrices da política parecem induzir um olhar fixo de indiferença dentre o grande público.

Como um sujeito de esquerda de velha geração, eu me preocupo com tudo isso. Seria lamentável que o futuro consistisse apenas em diferentes sombras de capitalismo. Dentre as anotações médicas e fúnebres, eu me perguntaria como a esquerda no poder se apequenou. Este é um problema, cheguei a pensar, mais social que ideológico, no fundo.

Você se torna confiável quando os outros o levam a sério mesmo que não concordem com você. Para ser levado a sério, você precisa saber quando se manter em silêncio e como escutar bem; assim você estende o respeito e o reconhecimento dos outros. A filósofa Anne Phillips insiste corretamente na importância da “presença” na política, com o que ela quer dizer alguém, um indivíduo ou grupo sentir que pode conduzir uma discussão em termos igualitários. Presença é algo que alguém de fora tem de obter por seu comportamento. Somar pontos não vai, sozinho, admiti-lo na vida de outras pessoas; vencer um argumento sobre eles não o inclui no seu pensamento a respeito de como viver. Quer dizer, a credibilidade habita mais o reino da receptividade que o da assertividade.

Se isso é correto, um certo tipo de política se segue. Uma política que iria se concentrar mais na sociedade civil que na política eleitoral – particularmente na política eleitoral em nível nacional. Uma comunidade organizada ou o ativismo das redes precisa ser honrado por si mesmo, não como abelhas trabalhadoras na colmeia da política nacional; é provável que essa comunidade organizada ou o ativismo das redes não tenham desenvolvido suas habilidades de bons ouvintes e de discussão que gera respeito. Nos EUA, na Dinamarca, na Finlândia e na Grã Bretanha, a direita tem colonizado redes políticas efetivas, construído comunidades viáveis e sustentáveis, mesmo que seus propósitos em nível nacional fracassem.

A direita conseguiu uma façanha genial: embora grandes montanhas de dinheiro estejam por trás de muitos de seus esforços organizativos, no fundamental as organizações de direita tem se comportado de maneira confiável quando fala em nome das pessoas comuns. Eu espero que a esquerda tome de volta esse território comunitário; mas fazer isso requer uma mudança de mentalidade de nossa parte.

A corrida política gira em torno da proposição segundo a qual se você tem um problema, nós temos a solução. Propor uma solução para os problemas de outras pessoas – particularmente se esses problemas se tornam questões complicadas, como o desemprego de longo prazo – pode não ganhar por si só presença e respeito. Nossa solução pode parecer correta em abstrato, mas é só o que ela é – longe dos traumas familiares e da desmoralização, por exemplo, que aflige o desempregado de longo prazo.

Uma linguagem confiável de mútuo engajamento deve, eu penso, transcender o discurso da resolução de problemas; tem de responder às experiências de ambiguidade, dificuldade e derrota.

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Eu pus tudo isso na cabeça ao ler um estudo recente do YouGov, uma instituição de pesquisa britânica. Esse estudo mostra as atitudes do público em relação aos políticos progressistas e dos progressistas nos Estados Unidos, na Grã Bretanha, na Alemanha e na Suécia. A pesquisa fornece um pano de fundo para um recente encontro em Oslo de dirigentes da esquerda europeia, políticos todos ameaçados pelas tendências de direita em seus países. Para Ed Miliband, o líder do Partido Trabalhista da Inglaterra, Jens Stoltenberg, primeiro-ministro da Noruega ou John Podesta, presidente executivo do Centro para o Progresso Americano, o estudo não pode ter sido uma leitura mais reconfortante.

A pesquisa da YouGov (disponível em policy-network.net) traça um quadro pessimista da confiança pública nos governos para resolver os problemas sociais. Essa confiança é fraca em todos os quatro países pesquisados e as pessoas duvidam especialmente de que a arrecadação de dinheiro possa fazer muita coisa. Os progressistas estão, é claro, mais simpáticos à taxação, em princípio, mas estão quase tão desconfiados de que governos maiores, por serem maiores, porão muito mais em prática. Esse achado é notícia quente, mas o estudo chegou a mim com um fato surpreendente: uma grande parcela de eleitores de centro disseram que estão dispostos a pagarem taxas mais altas se os políticos forem confiáveis – até 17% dos republicanos dos EUA topariam isso. A questão da credibilidade tem mais relação com o comportamento dos governantes do que com o conteúdo político.

Em todos os quatro países, o público em geral tem “em muito baixa conta a capacidade do governo de resistir aos interesses de alguns grupos”. Os números aqui são assustadores: só 15% nos Estados Unidos acham que os políticos resistirão a uma poderosa influência externa, enquanto na Inglaterra são 16% , 12% na Alemanha e 27% no país que um dia foi do padrão-ouro, a Suécia. Nem é complacente o público a respeito dos interesses externos; em todos esses países há massivas preocupações com as corporações “que só querem saber de lucros” (85% na Inglaterra acha que sim, enquanto 83% na Alemanha, 69% nos EUA e 60% na Suécia). O comportamento de Obama nos assuntos internos poderia servir como um emblema dessa combinação – sua retórica progressista casada com uma disposição de parecer dócil aos interesses poderosos.

A falta de confiança na esfera pública tem sido aguçada pela desigualdade arbitrária na vida cotidiana. Os pesquisadores da YouGov verificaram que uma maioria concordava que “quem você conhece é geralmente mais importante para conquistar algo na vida do que o trabalho duro e jogar segundo as regras?” (até 46% dos estadunidenses subscreve esta via, a despeito do histórico otimismo do país a respeito das iniciativas de ir em frente). As pessoas aplicam o medo da desigualdade arbitrária a si mesmos e a suas crianças quando discutem o valor de uma educação universitária; a maioria pensa que isso tem pouco valor no longo prazo (salvo os suecos, que tem um mercado de trabalho robusto). A maior parte desse medo vem da contração da renda da classe média em todo o Ocidente – o famoso “encolhimento” da classe média. Uma consequência desse encolhimento é o desejo de evitar riscos, cujas exigências por reformas estruturais parecem só agravar o quadro. Dentre os correspondentes de esquerda da YouGov, só 4% dos britânicos, 10% dos estadunidenses, 7% dos suecos e 11% dos alemães dizem que arriscariam a segurança de seus empregos na busca por “uma maior participação nas tomadas de decisão do meu empregador”.

Um estado corrupto, um sistema econômico indiferente aos bens sociais, uma sociedade na qual oportunidades iguais e realizações educacionais contam pouco, uma preocupação dominante com a perda de empregos: quatro crenças que combinam para produzirem sentimentos de terror – a mais paralisante e isolante das emoções. Em Oslo, no entanto, os dirigentes políticos e acadêmicos têm outra coisa em mente; eles falam da economia social de mercado, da socialdemocracia para além do estado nação, de empregos verdes e de crescimento econômico. Nada na agenda a respeito de organização comunitária: nem houve organizações de base convidadas. Na verdade, ninguém “desimportante” falou no evento.

Não há nada de novo em argumentar que deveríamos dar mais atenção à construção de uma política comunitária orientada na sociedade civil. No alvorecer do século vinte, a esquerda tinha se dividido em duas: uma esquerda política focada em eleições e lidando com governos e uma esquerda social envolvida em apoio à construção de moradias, cooperativas bancárias e outras associações voluntárias. Os dois lados se confrontaram em 1900, na Exposição Universal de Paris, numa série de debates dedicados à “Questão Social”; na ocasião, a esquerda política apresentou vários manifestos por reformas nos governos e pela organização de sindicatos, enquanto a esquerda social mostrou fotografias de ruas e edifícios em que trabalhadores organizados trabalhavam. A despeito do acordo de ambos os lados quanto aos males do capitalismo, eles discordavam quanto a como responder ao sistema: a esquerda política, representada pelas centrais sindicais alemãs, acusava seus oponentes de falta de disciplina e de força necessárias para a adesão aos movimentos de massa; a esquerda social defendia os trabalhadores dos assentamentos e moradias populares estadunidenses, argumentavam que só a cooperação cara a cara, não importa o quão informal ou bagunçada for, poderia resgatar imigrantes e outras pessoas do isolamento nas cidades. Um lado queria aderir à política; o outro via a política como algo que começa pelo engajamento, empatia e construção de confiança.

Esse conflito entre essas duas tendências durou, e o líder comunitário de Chicago, Saul Alinsky foi, penso, o seu mais agudo analista. Nos anos 60 e 70, ele contrastou a situação desconfortável dos dirigentes políticos de esquerda, que insistiam em definir as tomadas de decisão e em ter objetivos definidos, com o trabalho local que ele estava fazendo, cuja característica, ao agregar vizinhos para cooperarem junto, era de ser mais fluído e informal. A diferença repousa no objetivo mesmo do esforço radical. Em meio ao programa de reformas Great Society [ do governo Lyndon Johnson, para reduzir a pobreza e a injustiça racial nos EUA], Alinsky enfatizou que reunir as pessoas para participarem com outras de ações comunitárias era um projeto inerentemente radical por si só. Ele não praticou políticas de identidade do tipo das que dependem da solidariedade de classe, étnica ou racial; ele quis que grupos diversificados se conectassem e interagissem – uma política bagunçada e informal que ele assimilou em Chicago, a partir dos assentamentos liderados por Jane Addams, e do movimento Trabalhador Católico, fundado por Dorothy Day e Peter Maurin; dos “associanistas” da Inglaterra e de A.D. Gordon, em Israel.

Hoje, a direita colonizou e corrompeu o trabalho na sociedade civil de duas maneiras. Como no programa “sociedade grande” da Inglaterra, as iniciativas do terceiro setor e do setor informal foram usadas como peneira para tapar o sol do corte de gastos do governo; voluntários não pagos foram usados para tomarem o lugar de profissionais pagos em escolas, na política e no cuidado de idosos. Voluntários vão e vêm, sem que se acumule expertise. Pior, organizações civis são forçadas a competirem por financiamentos de doadores privados ou de governos. A economia de mercado invade e diminui a cooperação entre os grupos.

Os alemães e os suecos têm resgatado o terceiro setor tanto desses males, ao darem segurança e importância às demandas da sociedade, com financiamento público, enquanto asseguram que o “não lucrativo” significa exatamente isso. Instituições de caridade cristãs, judaicas e islâmicas, por exemplo, são encorajadas a trabalharem juntas. No interior das organizações os voluntários têm um verdadeiro treinamento e são exigidos deles compromissos de longo prazo. Assim o terceiro setor pode funcionar, mas nos EUA e na Inglaterra esse tipo de coisa parece uma zona turva para a ação da esquerda, já que as sombras do neoliberalismo são muito profundas.

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O ativismo não lucrativo não é uma panaceia para os males da sociedade, como a socióloga Nina Eliasoph deixa claro no seu livro fino Making Voluntários [Construindo Voluntários]. Ela traça o quadro dos “usos e abusos da esperança” em projetos locais de ativismo – que desmoronam, pensa, ao alimentarem falsas esperanças, desmoralizando-se frequentemente dentre os voluntários mais antenados. Ela recomenda às organizações que estabeleçam objetivos alcançáveis e modestos, e que tornem todos os participantes de alguma maneira experts no que estão fazendo. Isso é apenas o bom senso comum, mas ela também entende , assim como Addams e Alinsky, antes dela, que “administrar conflitos não é o mesmo que fazê-los desaparecer”. As organizações de base que são viáveis precisam manter as pessoas juntas mesmo que as conquistas levem tempo e estejam além de seu alcance; isso só pode ser feito fazendo da experiência da cooperação um fim em si mesmo.

Grupos como o dos Médicos Sem Fronteiras estão juntos há muito tempo, fazendo um trabalho muito frustrante, em larga medida porque as equipes que trabalham nas missões de campo se dedicam intensamente à manutenção do espírito de corpo. Eles fazem isso, do meu ponto de vista, fazendo da receptividade aos outros algo mais importante que a assertividade.

Algumas pessoas na esquerda desistiram do movimento sindical, o que é compreensível, mas eu penso que se trata de um grande erro. Embora muitos sindicatos tenham se tornado burocracias esclerosadas, obsessivas com privilégios de senhorio, nem todas são assim. O “novo movimento sindical” (que na verdade começou nos anos de 1880) soube ampliar a agenda e o apoio mútuos fornecidos pelos sindicatos, combinando o engajamento direto dos trabalhadores com ação de massa. O sindicato internacional dos trabalhadores na área de serviços, por exemplo, foi bem sucedido ao trazer as trabalhadoras e os imigrantes, mas não apenas ao engajamento numa luta sem fim do trabalho contra o capital, mas também fornecendo serviços sociais aos seus membros, encorajando a socialização informal e até promovendo as artes.

Eu venho pensando é numa mudança de temperamento da esquerda. Ao longo do século vinte a esquerda política teve mais influência que a esquerda social, com o lado político parecendo mais poderoso em suas soluções e políticas. Menosprezou-se a política social, enquanto terapia e engajamento social como um fim em si mesmo. Esse escárnio se provou autodestrutivo; políticos de esquerda mostraram-se mais adeptos de arguirem e se exibirem do que de se conectarem com outras pessoas.

Talvez a solidariedade seja o nó do problema. O desejo por solidariedade busca transcender as diferenças; a bagunça que é a vida cotidiana parece um impedimento à ação política. Enquanto isso, a esquerda social, dos velhos “novos sindicalistas” a organizadores comunitários como Alinsky, tem pretendido se engajar com a ambiguidade, diferença e incompletude. Eu não acredito que esse tipo de engajamento possa reduzir o caráter espontâneo da boa vontade. Engajar-se bem com os outros requer habilidades, seja a de escutar bem ou de cooperar com aqueles de quem se diverge.

Uma mudança de temperamento não significa a rejeição da política – como isso seria possível? Em princípio, renovar a sociedade civil de esquerda deveria restaurar a confiança no ativismo. A YouGov alerta, no entanto, que as pessoas estão céticas a como os políticos se comportam, quaisquer que sejam os seus programas. Retomar a confiança significa, paradoxalmente, reconhecer os limites da ação política e enfatizar a força inerente de agir na sociedade civil. A direita colonizou este território; a esquerda tem de toma-lo de volta. Na prática isso implica dispender mais energia e dinheiro em questões locais do que na política eleitoral nacional.

O Partido Democrata tem em larga medida considerados os votos da esquerda como garantidos; um localismo mais robusto poderia implicar uma grande pressão sobre os nossos dirigentes em nível nacional – assim como ocorreu com a direita. No que nos concerne, eu penso que esta é uma questão de pôr de volta o social no socialismo.

(*) Richard Sennett é professor na New York University e na The London School of Economics. Autor, entre outros livros, de A Corrosão do Caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo (publicado no Brasil pelaRecord). Página pessoal: www.richardsennett.com.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: http://agenceglobal.com/Article.asp?Id=2600