segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Amorim e os EUA


Aos olhos do serviço diplomático dos Estados Unidos, em especial durante a era Bush, a posição independente do Ministério das Relações Exteriores, capitaneado por Celso Amorim, hoje ministro da Defesa, parecia uma constante provocação. Nos telegramas vazados pelo WikiLeaks, o MRE é acusado de dificultar as relações bilaterais por suas “inclinações antiamericanas”, definidas por um ministro “nacionalista” e um secretário-geral “antiamericano virulento” (Samuel Pinheiro Guimarães), e secundado por um “acadêmico esquerdista” (Marco Aurélio Garcia), conselheiro de política externa do presidente Lula.
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“Manter a relação político-militar com o Brasil requer atenção permanente e, talvez, mais esforço do que qualquer outra relação bilateral no hemisfério”, desabafava o embaixador John Danilovich, em novembro de 2004.
Foi ele que, numa reunião em março de 2005, tentou convencer Amorim da ameaça “cada vez maior” que a Venezuela representava à região. A resposta “clara” e “seca” do chanceler desapontou o americano: “Nós não vemos Chávez como uma ameaça. Não queremos fazer nada que prejudique nossa relação com ele”. E cortou o assunto.

Comércio: os EUA contavam com o apoio dos militares na licitação dos caças. Foto: Ben Stansall/AFP

O sucessor de Danilovich, Clifford Sobel, teve mais sorte. O ex-ministro da Defesa Nelson Jobim era interlocutor contumaz do embaixador, a ponto de confidenciar sua irritação com o MRE, em especial com Pinheiro Guimarães. Tornou-se peça vital em uma estratégia diplomática americana que explorava a divisão dentro do governo em proveito próprio, como revelam os telegramas.
Em fevereiro de 2009, já com Obama na Presidência dos Estados Unidos, Sobel enviou uma série de três informes, sugerindo formas de contornar o triunvirato “esquerdista” da política externa brasileira. O jeito, afirma, seria fazer aliança com o setor privado, que tem “habilidade para conseguir aprovar iniciativas junto ao governo” e tentar uma aproximação direta com Lula e outros ministros que poderiam defender a causa americana.
Uma “estratégia testada”, afirma Sobel, citando entre outros exemplos o caso da transferência para o Brasil dos 30 agentes da DEA, a agência americana de combate às drogas, expulsos da Bolívia por Evo Morales no fim de 2008. “Apesar da recusa do MRE de conceder vistos aos agentes, conseguimos realizar a transferência com a ajuda da Polícia Federal, da Presidência da República e de nossas excelentes relações com o ministro da Justiça (Tarso Genro)”, gaba-se.
O segundo telegrama foca os minguados recursos humanos e financeiros do Itamaraty, apresentando-os como oportunidade para os Estados Unidos. Muitos cargos diplomáticos estavam sendo preenchidos por “trainees e terceiros-secretários” por falta de pessoal para as novas embaixadas brasileiras, observa o embaixador americano, acrescentando que seria “crucial influenciar essa nova geração”.
“Os franceses instituíram um programa de intercâmbio diplomático com o Itamaraty em 2008, semelhante ao nosso Transatlantic Diplomatic Fellowship, e agora têm um diplomata trabalhando no Departamento Europeu do Itamaraty. Uma proposta similar seria válida para conseguir um posto que nos permita observar de dentro esse ministério-chave e mostrar como os Estados Unidos executam sua política externa”, sugere.
No terceiro telegrama, Sobel afirma que, embora o MRE continuasse a ser o líder incontestável da política externa brasileira, o crescimento internacional tendia a erodir seu controle. Apesar da falta de hábito das instituições brasileiras em lidar diretamente com governos estrangeiros, alguns ministérios como o do Meio Ambiente e, principalmente, o da Defesa estabeleceram relações diretas com a embaixada norte-americana em Brasília, relata.
Um telegrama enviado em 31 de março de 2009, depois da visita do presidente Obama ao Brasil, dá um exemplo prático da eficiência dessa estratégia. Pedindo sigilo absoluto de fonte, o embaixador conta que Jobim pretendia contribuir com o combate ao narcotráfico na região, possivelmente através do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) criado pela União Sul-Americana de Nações (Unasul). “Ele disse que o CDS poderia ser o canal perfeito para conseguir o engajamento dos militares dos outros países sem passar pelo MRE”, escreve, acrescentando que o então ministro da Defesa estaria disposto a envolver os militares no combate ao tráfico nas fronteiras brasileiras. “O plano de Jobim sinaliza um grande passo, uma vez que o assunto é altamente sensível internamente, no governo, e para o público brasileiro”, comenta.
Também durante as tratativas frustradas de compra dos caças, Jobim e os líderes militares agiram longe do Itamaraty, como mostram os cerca de 50 telegramas sobre o tema. Em um deles, Sobel relata a visita da comitiva presidencial à França e comenta, com ironia, as reportagens da imprensa brasileira que afirmam o apoio de Lula, Amorim e Jobim à aquisição dos caças Rafale: “Talvez isso seja mais um marriage blanc do que amour veritable”, diz. E explica: “Nos encontros privados com o embaixador, Jobim minimizou a relação com a França e manifestou um claro desejo de ter acesso à tecnologia americana. O obstáculo é o Ministério das Relações Exteriores”.
Sobel também se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para pedir “conselhos” sobre as chances de os caças da Boeing vencerem a concorrência de quase 10 bilhões de reais. Ficou entusiasmado com o resultado: “Os apoiadores mais fortes do Super Hornet (o F-18 americano) são as lideranças militares, em particular o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito”, relata em telegrama de janeiro de 2009.
O embaixador também obteve “uma cópia não oficial” de uma Requisição de Informações da Aeronáutica (passada eletronicamente para Washington), que “permite planejar os próximos passos para os Estados Unidos vencerem a negociação”. Além de garantir que o preço não seria o principal critério da escolha, o documento informa que a Embraer, “principal beneficiária de qualquer transferência de tecnologia”, consideraria “desejável a oportunidade de estabelecer uma parceria com a Boeing”, principalmente se houvesse “a intenção de oferecer uma cooperação adicional na área da aviação comercial”.
À luz dos telegramas do WikiLeaks, o relatório apresentado em janeiro de 2010 pela FAB ao ministro Jobim, colocando a aeronave sueca como melhor opção, exatamente por causa dos custos, traz novas indagações. O Rafale francês foi classificado em terceiro lugar, atrás dos caças americanos, esse sim apontado como o de melhor tecnologia. Mas não era o preço que importava, não é?

Indigentes: Quantos atingirão essa condição nos Estados Unidos?



Kelly Thomas, de 37 anos, faleceu a 10 de julho, cinco dias após ser golpeado com bengalas elétricas, lanternas, correntes de couro e pontapés por seis agentes de uma patrulha policial na localidade de Fullerton, Califórnia.


Depois desse incidente, Thomas foi enviado a um hospital próximo, mas chegou em estado de coma. Seu rosto revelava múltiplas manchas roxas, arranhões e cortes menores.

Thomas integrava um crescente exército de pessoas nos Estados Unidos que muitos identificam indistintamente como Homeless, sem lar ou deslocados num sistema que degrada diariamente os seres humanos.

Há muitos anos, em 1986, em Nova York, na Rua 42, entre a Primeira e a Segunda Avenidas, leste de Manhattan, sobrevivia à intempérie com o rosto ulcerado pelas frias temperaturas, próximo à sede da ONU, um homem de idade avançada. Vivia da caridade pública.

Esse homem era a imagem pública e a denúncia ante o mundo que ia à ONU de um problema persistente no país que se autoproclamava defensor dos direitos humanos.

Talvez sem sabê-lo, integrava as fileiras de um exército de cerca de 40 mil pessoas que como ele não tinham onde viver nessa metrópole. Túneis, pontes, metrôs e sinistros albergues eram sua moradia, no melhor dos casos.

Quase trinta anos depois a presença dos homeless ou sem lar nos Estados Unidos aumentou. A crise econômica, o desemprego, as drogas, a discriminação, os veteranos de guerra sem ajuda e outros empurram milhões de estadunidenses a esta situação.

Diz-se que no mundo há mais de 500 milhões de homeless. Aí se chega facilmente e muitas vezes não se pode sair, assinalam organizações sociais.

Fontes do Departamento de Moradia e Desenvolvimento Urbano estadunidense assinalam que é difícil saber o número de pessoas no país que vivem essa situação.

Há vários anos, em 2004, alguns cálculos sobre o número de estadunidenses sem teto estabeleciam que eram entre 600 mil e 3,5 milhões, segundo dados da National Coalition for the Homeless (Coalizão Nacional para os SemTeto).

Agora é difícil calcular a quantidade exata pela natureza mesma dos sem moradias. Algumas pessoas passam por esta situação de maneira temporária, algo agravado pelo desemprego próximo aos dois dígitos que hoje mina a economia estadunidense.

Para outras pessoas, em especial quem padece da dependência às drogas ou transtornos mentais, a falta de lar é um problema crônico.

Segundo a Coalizão, nos Estados Unidos existe abundante material que documenta episódios de perseguição a desabrigados por parte de servidores públicos, bem como incidentes vinculados a abusos cometidos pela polícia, de acordo com dados confidenciais.

Outro setor afetado são as vítimas de maltrato. Um estudo realizado pela Ford Foundation sustenta que 50 por cento das mulheres sem teto vivem na rua para escapar de parceiros violentos.

Por outra parte, o efeito da crise hipotecária e financeira que golpeia os estadunidenses também contribui a que muitas famílias, integradas por jovens, se convertam em assíduas dos centros de atenção aos sem teto, apesar de não refletirem o estereótipo dos que estão nesta condição.

Já não se trata de homens solteiros, drogaditos, doentes mentais ou veteranos de guerra. O problema torna-se cada ano mais crônico na medida em que se torna mais curto o ciclo das crises econômicas.

Na atualidade, 10 por cento das pessoas que engrossaram o número dos homeless são famílias: homens e mulheres com bons empregos e crianças em idade escolar, que simplesmente não puderam continuar pagando suas hipotecas.

81 por cento dos desabrigados são mulheres de 25 anos com filhos menores de cinco.

Sem se revelar abrangente, um relatório do Departamento de Moradia e Desenvolvimento Urbano estadunidense, apesar de não se aprofundar nas causas deste desastre, sustenta que enquanto o aumento médio de pessoas sem teto é de 10 por cento, há regiões onde aumentou a mais de 56 por cento em um ano.

Ainda que o governo do presidente Barack Obama tenha destinado 1,5 bilhão de dólares para combater a crise residencial, é provável que sejam afetados como conseqüência dos "ajustes" impostos pelos republicanos aos programas sociais para elevação do teto da dívida e redução do déficit.

Há vários anos, o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, anunciou um amplo plano para tentar acabar com os homeless em Manhattan antes de 2010, pois só nas ruas da chamada "Grande Maçã" perambulam mais de 40 mil pessoas sem lar, das quais mais de 16 mil eram crianças.

O quadro é deprimente e reflete outro exemplo para enfeitar a vitrine que Washington trata de ocultar ao mundo.

Da Redação América do Norte da Prensa Latina.

Assentamentos: as dificuldades quase 20 anos depois

A região da Campanha é uma das regiões do Estado que mais abriga assentamentos de trabalhadores rurais.
 
fotos: Francisco Bosco 
Maritza Costa Coitinho no JORNAL MINUANO
MELHORIAS: já foram registradas, mas ainda há muito o que mudar
 

A expressão "assentamento", segundo o site oficial do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), é utilizada para identificar não apenas uma área de terra no âmbito dos processos de Reforma Agrária, destinada à produção agropecuária e ou extrativista, mas também um espaço heterogêneo de grupos sociais constituídos por famílias camponesas, que ganham a terra depois de desapropriada ou adquirida pelos governos federal e ou estadual, com o fim de cumprir as disposições constitucionais e legais relativas à Reforma Agrária. As cidades de Bagé, Candiota, Hulha Negra e Aceguá somam 55 assentamentos, incluindo os federais (criados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), conjuntos (Incra e governo estadual), estaduais (governo estadual) e municipais. O primeiro assentamento desta região foi o PA Fazenda São Francisco, em Candiota, criado em 10 de junho de 1992. O local também é chamado de 8 de agosto, em homenagem à data em que os assentados chegaram na área pela primeira vez.
No total, já são 1 755 famílias assentadas na região, conforme a assessoria de imprensa do Incra. Quando o instituto adquire uma área, procede à seleção de famílias entre aquelas cadastradas como candidatas. Quando um lote é abandonado ou retomado, o Incra também seleciona nova família, através dos Editais de Lotes Vagos.
A Cooperativa Regional dos Agricultores Assentados (Cooperal), que agrega assentados de Candiota, Hulha Negra e Aceguá, é uma das experiências consideradas de maior sucesso pelo Incra. Com 1,6 mil associados, a Cooperal possui, atualmente, 626 produtores de leite que produzem 600 mil litros do produto por mês, comercializados para a indústria de lácteos. Assim, esses assentados cumprem uma das determinações exigidas, que é o compromisso de promover uma agroecologia cooperada. A ideia é estimular as famílias a organizar a agroindústria de forma cooperativada, garantindo uma renda mensal aos associados, assegurando preços aos produtos e viabilizando a comercialização da produção.
Na Cooperal, dirigida pelo assentado Dirceu Zanatto, 35 anos, há 13 assentado, já tem 18 anos e garante renda mensal próxima de um salário mínimo para cada participante. "A produção de leite é financeiramente mais segura. Os assentados têm muitas dificuldades e as cooperativas são uma das soluções", avalia. Entre as dificuldades, estão o clima instável, que já trouxe prejuízos de 90% na produção, e a falta de infraestrutura, como água potável, que falta em cerca de 95% dos assentamentos, e estradas. A luz também falta constantemente. "Já chegamos a ficar seis dias sem luz, o que prejudicou a produção", conta ele.
Zanatto, que vive no assentamento Madrugada com a mulher e quatro filhas, diz que, perto do que foi no início, as dificuldades de hoje são mínimas. "Foi tudo muito sofrido, não tínhamos nem luz. Ficamos seis meses sem nada e, aos poucos, foi tudo se ajeitando. Sofríamos muita rejeição da sociedade. Hoje, já nos aceitam mais", comenta ele, falando sobre o preconceito. Outras lembranças ruins, como as crianças estudando embaixo de lonas, também vieram à tona.
Sobre a rejeição inicial, ele diz que hoje está mais tranqüilo. "Somos muito organizados e, hoje, as pessoas nos olham com outros olhos", acrescenta. Perguntado sobre a postura de assentados que vendem ou arrendam suas terras, ele diz que, como em todas as classes, há pessoas que não fazem o trabalho sério. "Mas não é bem assim. A verdade é que muitos vão embora por não se adaptarem ao trabalho e acabam vendendo a terra bem barata só para poder sair", defende ele.
A maioria dos assentados da região vem das Missões. É o caso de Marli Caetano da Silva, que veio de Herval Seco e está assentada há 13 anos. Ela diz que não dá para viver só da renda da comercialização do leite e que, para complementar, o marido vende verduras. "Nossa vida é muito difícil, não temos acesso à saúde e tudo é muito longe. Quando alguém passa mal, tem que procurar um carro para levar", diz ela, mostrando uma cicatriz no joelho, conseqüência de um tombo e que poderia, certamente, ser muito menor se o atendimento fosse mais rápido e eficiente. Marli reclama também que é difícil a conclusão do estudo dos filhos. Dos sete, dois foram até a sexta série e um terceiro concluiu o Ensino Fundamental. Os mais novos, que ainda moram com ela, enfrentam a insistência da mãe para concluir os estudos. "Quero que eles possam ter uma vida melhor", comenta.
 
fotos: Francisco Bosco
TRANSPORTE: muitos se locomovem de carroça
 
 
FRANCISCO BOSCO
REBANHO: produção do leite garante sustento
 
     
FRANCISCO BOSCO
COLETA LEITEIRA: trabalho diário
 
 
FRANCISCO BOSCO
ZANATTO: coordena cooperativa
 
     
FRANCISCO BOSCO
MARLI: elenca dificuldades

domingo, 14 de agosto de 2011

Mészáros: "É necessária a erradicação do capitalismo"

por Ana Maria Amorim
Mészáros, foto de Amanda Dutra 
De passagem pelo Brasil, o filósofo húngaro István Mészáros teve em sua agenda a conferência plenária "Crise estrutural necessita de mudança estrutural", no Salão Nobre da Reitoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 13 de Junho. Começava com Mészáros, portanto, o II Encontro de São Lázaro, que comemora os 70 anos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. O Salão Nobre da Reitoria foi tomado por uma maioria jovem que recebeu Mészáros com entusiasmo e sonoras palmas.

Mészáros começa sua fala deixando claro que nada do que está propondo pode ser visto como uma "utopia não realizável" e que, para transformarmos este tão-chamado impossível em realidade é primordial que a crise do capitalismo seja avaliada adequadamente. "Sem uma avaliação da crise econômica e social de nossos dias, que já não pode ser negada pelos defensores da ordem capitalista, ainda que eles rejeitem a necessidade de uma mudança maior, a probabilidade de sucesso a esse respeito é insignificante", diz o filósofo.

Natureza da crise

Para Mészáros, a crise que o mundo enfrenta é uma "crise estrutural profunda e cada vez mais grave, que necessita da adoção de remédios estruturais abrangentes, a fim de alcançar uma solução sustentável". Apesar de comumente a crise ser apresentada como 'atual', Mészáros discorda que ela tenha se originado em 2007, com a explosão da bolha habitacional dos Estados Unidos. A crise teria começado há mais de quatro décadas e, em 1971, ele já escrevia no prefácio de "Teoria da Alienação em Marx" que as revoltas de maio de 68 e seus desdobramentos "salientavam dramaticamente a intensificação da crise estrutural global do capital".

Por ser uma crise estrutural, e não apenas conjuntural, esta crise não pode ser solucionada no foco que a gera sem que não haja uma mudança desta estrutura que a criou. Mészáros reforça a diferença entre as crises conjunturais e estruturais, diferenciando-as pela impossibilidade destas realimentarem o sistema, se remodelarem a partir de uma nova forma ainda nas bases do sistema capitalista. Isto, contudo, não significa que as crises conjunturais possam se apresentar até mesmo de forma mais violenta que as crises estruturais. "O caráter não-explosivo de uma crise estrutural prolongada, em contraste com as grandes tempestades, nas palavras de Marx, através das quais crises conjunturais periódicas podem elas mesmas se liberar e solucionar, pode conduzir a estratégias fundamentalmente mal concebidas, como resultado da interpretação errônea da ausência de tempestades, como se tal ausência fosse uma evidência impressionante da estabilidade indefinida do 'capitalismo organizado' e da 'integração da classe trabalhadora'", diz Mészáros.

O que esta crise (que não é nova) teria como características que a definem como estrutural? Mészáros aponta quatro aspectos principais: o caráter universal (ou seja, não é reservada a um ramo da produção, ou estritamente financeira, por exemplo); o escopo verdadeiramente global (não envolve apenas um número limitado de países); escala de tempo extensa e contínua ("se preferir, permanente", adiciona Mészáros, enfatizando que não se trata de mais uma crise cíclica do capital) e, por fim, modo de desdobramento gradual ("em contraste com as erupções e colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado", diz o filósofo). Assim é construído o cenário que qualificaria esta crise como estrutural, com a impossibilidade de solução das "tempestades" dentro da atual estrutura.

Capitalismo destrutivo

Outro ponto levantado por Mészáros – e recebido com manifestações de apoio pela platéia – foi delinear os "limites absolutos" do capitalismo. Um desses limites passa pelo papel do trabalho na sociedade, que é visto como uma necessidade, tanto para os indivíduos que produzem quando para a sociedade como um todo. Uma situação onde o trabalho seja visto como um problema, ou pior, como uma falha, tem em si um limite a ser resolvido. O capitalismo, para Mészáros, "com seu desemprego perigosamente crescente" (ainda que a questão não seja meramente numérica), apresenta no trabalho um dos seus limites.

Mészáros chama ainda a atenção para outros males dessa estrutura. A primeira questão apresentada pelo filósofo estaria no foco que o capital vem apontado, os "setores parasíticos da economia". Para ilustrar o que seria isso, Mészáros aponta para o aventurismo especulativo que a economia tem vivenciado (e que, quando peca em seus resultados, é apontado como um fracasso individual, pertencente a um determinado grupo, quando, para o filósofo, deveria ter o sistema como grande culpado, visto que ele deveria responder por aquilo que produz para se oxigenar) e a uma "fraudulência institucionalizada".

As guerras e o seu complexo aparato industrial militar aparecem como um desperdício autoritário ao qual o capital submete a sociedade. Este ponto é analisado por Mészáros como uma "operação criminosamente destrutiva e devastadora de uma indústria de armas permanente, juntamente com as guerras necessariamente a elas associadas". Esta produção sistemática de conflitos e estímulo a uma produção militar resultaria no outro limite destrutivo no capitalismo, apesar de não ser apenas resultado deste, que seria a destruição ecológica: "o dinamismo monopolista militarmente embasado teve até mesmo que assumir a forma de duas devastadoras guerras mundiais, bem como da aniquilação total da humanidade implícita em uma potencial terceira guerra mundial, além da perigosa destruição atual da natureza que se tornou evidente na segunda metade do século XX".

Criar o futuro

"Existe e deve existir esperança", diz o filósofo. Apesar do retrato de destruição apresentado por Mészáros e vivenciado cotidianamente dentro da própria estrutura capitalista da sociedade, faz-se o esforço de pensar o futuro, não apenas como um desejo sonhador, mas sim como uma tarefa necessária para mudar o sistema.

As soluções para os problemas apontados pelo capital já foram apresentadas em momentos históricos anteriores. Mészáros resgata as soluções apresentadas para o capitalismo. Relembrando o liberal John Stuart Mill, Mészáros aponta como inconcebível que o capitalismo chegue a "um estado estacionário da economia", como defendia Mill, pois faz parte da lógica capitalista a incessante expansão do capital e da sua acumulação. Retomando o ponto do limite da ecologia, fica mais visível o caráter ilusório de um freio para o capital, visto que em 2012 será realizado o Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que pretende engajar as nações em um projeto sustentável de crescimento. As tentativas de criar projeções para as taxas de emissão de carbono [NR] , por exemplo, sempre presente nas pautas ecológicas, seriam, para Mészáros, a evidência da incompatibilidade entre o capital e o freio, ainda, entre o capital e o não-avanço destrutivo na natureza.

Mészáros ainda aponta como soluções já tentadas na história: a saída social democrata, socialismo evolutivo, o Estado de Bem Estar Social e a promessa da fase mais elevada do socialismo. "O denominador comum de todas essas tentativas fracassadas – a despeito de suas diferenças principais – é que todas elas tentaram atingir seus objetivos dentro da base estrutural da ordem sociometabólica estabelecida". Pensar a mudança sem erradicar o capital, portanto, seria deixar latente a possibilidade do capital voltar, ser "restaurado". A mudança, para Mészáros, precisa ser estrutural e radical, como ele bem especificou para a plateia, extirpando o capital pela raiz.

O rombo estadunidense na economia, com um débito alarmante de US$ 14 milhões de milhões, é, para o filósofo, a marca de um desperdício. Ao ver a inquietude dos capitalistas com a China e seus "três milhões de milhões [de dólares] em caixa", o capitalismo já pensa um "melhor uso" para esse montante. "E qual é o melhor uso? Por de volta no buraco que fizeram nos Estados Unidos?", questiona Mészáros. Como foi gerado e como se pode assegurar que um rombo desta proporção não se repita na história são perguntas entrelaçadas ao caráter estrutural da crise e, em conseqüência disto, da resposta necessariamente estrutural que ela requer. Crise esta que tropeça em suas intermináveis guerras, devastação da natureza e contínua produção destrutiva.
15/Junho/2011
[NR] Um falso problema apregoado por aqueles que têm interesse em instilar o medo a fim de vender a "solução", tal como o sr. Al Gore e quejandos. Ver A impostura global .

O original encontra-se em http://www.brasildefato.com.br/node/6589


Esta notícia encontra-se em http://resistir.info/ .

Contribuição da América Latina para uma geosociedade


Por todas as partes no mundo cresce a resistência ao sistema de dominação do capital globalizado pelas grandes corporações multilaterais  sobre as nações, as pessoas concretas e sobre a natureza.

Por Leonardo Boff* na REVISTA FÓRUM

Está surgindo, bem ou mal,  um design ecologicamente orientado por práticas e projetos que já ensaiam o novo. A base é sempre a economia solidária, o respeito aos ciclos da natureza, a sinergia com a Mãe Terra, a economia a serviço da vida e não do lucro e uma política sustentada pela hospitalidade, pela tolerância, pela colaboração e pela solidariedade entre os mais diferentes povos, demovendo destarte as bases para o fundamentalismo religioso e político e do terrorismo que assistimos nos EUA e agora na Noruega.

Entre muitos projetos existentes na América Latina como a economia solidária, a agricultura orgânica familiar, as energias  alternativas limpas, a Via Campesina, o Movimento Zapatista e outros queremos destacar dois pela relevância universal que representam: o primeiro é o “Bem Viver” e o segundo a “Democracia Comunitária e da Terra”, como expressão de um novo tipo de socialismo.

O “Bem Viver” está presente ao longo de todo o continente Abya Yala (nome indígena para o Continente sulamericano), do extremo norte até o extremo sul, sob muitos nomes dos quais dois são as mais conhecidos:suma qamaña (da cultura aymara) e suma kawsay(da cultura quéchua). Ambas significam: “o processo de vida em plenitude”. Esta resulta da vida pessoal e social em harmonia e equilibrio material e espiritual. Primeiramente é um saber viver e em seguida um saber conviver: com os outros, com a comunidade, com a Divindade, com a Mãe Terra, com suas energias presentes nas montanhas, nas águas, nas florestas, no sol, na lua, no  fogo e em cada ser. Procura-se uma economia não da acumulação de riqueza mas da produção do suficiente e do decente para todos, respeitando os ciclos da Pacha Mama e as necessidades das gerações futuras.

Esse “Bem Viver” não tem nada a ver com o nosso “Viver Melhor” ou “Qualidade de Vida”. O nosso Viver Melhor supõe acumular meios materiais, para poder consumir mais dentro da dinâmica de um progresso ilimitado cujo motor é a competição e a relação meramente de uso da natureza, sem respeitar seu valor intrínseco e sem se reconhecer parte dela.  Para que alguns possam viver melhor, milhões têm que viver mal.

O “Bem Viver” não se identifica simplesmente com o nosso “Bem Comum”, pensado  somente em função dos seres humanos em sociedade, num antropo-e-sociocentrismo inconsciente. O “Bem Viver” abarca tudo o que existe, a natureza com seus diferentes seres, todos os humanos, a busca do equilíbrio entre todos também com os espíritos, com os sábios (avôs e avós falecidos), com Deus, para que todos possam conviver harmonicamente. Não se pode pensar o “Bem Viver” sem a comunidade, a mais ampliada possível, humana, natural, terrenal e cósmica. A “minga” que é o trabalho comunitário, expressa bem este espírito de cooperação.

Essa categoria do “Bem Viver” e do “Viver Bem” entrou nas constituições do Equador e da Bolívia. A grande tarefa do Estado é poder criar as condições deste “Bem Viver” para todos os seres e não só para os humanos. Esta perspectiva, nascida na periferia do mundo, com toda sua carga utópica, se dirige a todos, pois  é uma tentativa de resposta à crise atual. Ela poderá garantir o futuro da vida, da humanidade e da Terra.

A outra contribuição latinoamericana para um outro mundo possível é a “Democracia Comunitária e da Terra”. Trata-se de um tipo de vida social, existente nas culturas da Abya Yala, reprimida pela colonização mas que agora, com o movimento indígena resgatando sua identidade, está atraindo o olhar dos analistas. É uma forma de participação que vai além da democracia clássica representativa e participativa, de cunho europeu. Ela as inclui, mas aporta um elemento novo: a comunidade como um todo; esta participa na elaboração dos projetos, de sua discussão, da construção do consenso e de sua implementação. Ela pressupõe já uma vida comunitária estabelecida na população.

Ela se distingue do outro tipo de democracia por incluir toda a comunidade, a natureza e a Mãe Terra. Reconhecem-se os direitos da natureza, dos animais, das florestas, das águas, como aparece nas constitições novas do Equador e da Bolívia. Faz-se uma ampliação da personalidade jurídica aos demais seres, especialmente à Mãe Terra. Pelo fato de serem  vivos, possuem um valor intrínseco e são portadores de dignidade e direitos e por isso são merecedores de respeito.

A democracia será então sócio-terrenal-planetária, a democracia da Terra. Há os que dizem: tudo isso é utopia. E de fato é. Mas uma utopia necessária. Quando tivermos superado a crise da Terra (se a superarmos) o caminho da Humanidade seria este: globalmente nos organizarmos ao redor do “Bem Viver” e de uma “Democracia da Terra”, da “Biocivilização”(Sachs). Já existem sinais antecipadores deste futuro.

* Leonardo Boff é teólogo e escritor.

Fonte: Envolverde

O Dia dos (dois) Pais de João Vitor



Rafael (e), João Vitor e Lucimar comemoram neste domingo o primeiro Dia dos Pais da família | Foto: Arquivo Pessoal

Rachel Duarte no Sul21

Nascido em 14 de junho de 2010, João Vitor teve um segundo nascimento no dia 8 de outubro do mesmo ano, quando trocou a casa de adoção por sua nova família. Há dez meses, o bebê de cabelos crespos e sorriso fácil vive com o primeiro casal gay de Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre, a adotar uma criança: o consultor Rafael Gerhardt, 36 anos, e o bancário Lucimar Quadros da Silva, 46. Neste domingo (14), os três irão comemorar o primeiro Dia dos Pais. Rejeitado pela mãe biológica e por outros três casais heterossexuais, João Vitor hoje tem um lar, dois pais e muito amor.
Desde que se conheceram, em 1995, Rafael e Lucimar cultivam muitos amigos, o carinho e o respeito das suas famílias e partilham solidariedade. Ex-proprietários de um bar em Gravataí, eles realizavam festas para arrecadar fundos e ajudar entidades assistenciais. “Foi aí que começamos a nos aproximar de crianças e despertar para a vontade de ter um filho”, conta Lucimar.
Pelas relações de amizade que fizeram com clientes que eram funcionárias do Foro de Gravataí, Rafael e Lucimar conheceram a casa de passagem Restaurar, local em que conheceriam o futuro filho João Vitor. “Na primeira vez em que fomos lá, não deixaram a gente entrar nem conhecer as crianças. Queríamos ajudar e fazer uma festinha lá. Mas eram as regras, nos disseram”, explica Lucimar.
O primeiro passo até a adoção foi o alistamento no Programa Apadrinhamento Afetivo. Após um ano de espera, nenhuma criança apareceu. Por conselho de uma assistente social do programa, optaram em ir direto para a fila de espera da adoção, já que o tempo normal de espera era de cinco anos.  Em 2007, eles deram entrada no procedimento jurídico e, então, surgiu dúvida: adotar individualmente ou como casal?

Moradores de Gravataí, Rafael e Lucimar se dividem nos cuidados com o filho João Vitor | Foto: Rachel Duarte/Sul21

Adoção homoafetiva

Com o auxílio de uma advogada, Rafael e Lucimar levaram quatro meses até saber que poderiam ser pais adotivos. A ajuda e dedicação dos amigos foram fundamentais. “O Rafael ia toda semana no Foro. Ele sabia mais do processo que a advogada”, conta Lucimar. O medo era não conseguirem adotar, o que havia ocorrido com um casal de lésbicas que eles conheciam.
O telefonema veio depois de três anos e meio. O tempo de espera é considerado razoável para a adoção, até porque o casal em questão é livre de discriminação. “Não limitamos nem cor, nem sexo e poderiam ser crianças de zero a cinco anos de idade. Como a maioria dos casais não quer negros ou crianças, prefere bebês brancos, a gente foi chamado antes dos cinco anos”, diz Lucimar.
Tanto esperavam pela notícia que Lucimar lembra a hora exata em que foi oficializar a adoção. “Nos ligaram para avisar que tinha um bebê para adoção. Eu saí mais cedo do trabalho e chegamos lá às 17h15″, recorda. “Ele quase infartou”, revela o companheiro Rafael.

Na certidão de nascimento, Rafael e Lucimar aparecem como pais de João Vitor | Foto: Reprodução/Sul21

João Vitor frequenta a escola e tem aulas de natação todas as semanas | Foto: Arquivo Pessoal

O “nascimento” de João Vitor

Depois de três casais desistirem do pequeno bebê de quatro meses de pele parda e cabelos crespos, Rafael e Lucimar ao chegarem na sala para conhecê-lo tiveram uma surpresa. “Ele segurou na minha camiseta e depois segurou também na camiseta do Lucio”, conta Rafael. O gesto da criança emocionou as escrivãs e demais funcionárias do Foro. Sozinhos com o bebê, os dois começaram a trocar fraldas e a cuidar do menino, sem saber que a equipe jurídica tratava da adoção em tempo recorde. “Normalmente temos três visitas para ir conhecendo a criança, até termos certeza e a criança também acostumar. Mas saímos às 21 horas do Foro com o João Vitor naquele mesmo dia”, lembra Lucimar.
A chegada em casa, em uma véspera de feriado, foi um desafio como para qualquer outro casal de pais em primeira viagem. “Nós não tínhamos experiência. Pedimos ajuda para uma amiga que tinha criado um filho já. O guri começou a chorar e eu a suar. Me deu um desatino”, recorda Lucimar. “Quando eu vi, estavam o João Vitor e o Lucio chorando”, brinca Rafael.
A adoção foi surpresa para familiares e amigos. Ninguém sabia que eles estavam na fila de espera da adoção e quando conheceram o novo integrante da família, todos se emocionaram. “Chegamos na porta da casa da vizinha no primeiro dia que trouxemos o João Vitor para casa, e ela se emocionou perguntando quem era. Falamos que era nosso filho e ela começou a chorar. Eu disse: ‘chora depois, primeiro me dá algo para eu dar para esse guri”, diz Rafael.

A vida em família

A festa de um ano de João Vitor, no dia 14 de junho, teve tudo o que qualquer criança tem direito. O álbum de fotos revela o amor da família constituída. Com bons empregos, Rafael e Lucimar conseguem proporcionar comida, roupa, brinquedos, escolhinha e aulas de natação para o filho. Mas o mais visível na família Quadros da Silva é o amor incondicional.
Ambos trocam fraldas, fazem comida, levam ou buscam na escolhinha. A qualquer sinal de perigo nas aventuras de João Vitor, dispara nos dois o sinal de alerta. “Cuidado”, “aí não”, diziam durante conversa com o Sul21. Musicas e brincadeiras também fizeram parte da entrevista, já que João Vitor é um menino com bastante energia.

Bilhetinhos de João Vitor para o Dia dos Pais. "Falaremos que ele é diferente porque tem dois pais. E isso não é ruim", diz Lucimar | Foto: Rachel Duarte/Sul21

Na escolinha, o casal enfrentou o primeiro problema relacionado ao preconceito. “A diretora perguntou quando a mãezinha iria vir conhecer a escola”, conta Rafael. Aceitos na escolinha, o casal já passou datas comemorativas, como Dia das Mães e Natal, de forma tranquila. “No Dia das Mães, foi a avó, e no Natal tiveram algumas reações sobre nossa foto em família, mas todos nos tratam igual”, conta Rafael. “Nos olham como dois homens e uma criança”, complementa Lucimar.
Em maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu os mesmos direitos civis da união estável para casais do mesmo sexo. A decisão sinaliza um período de mudanças na sociedade brasileira, e o casal de Gravataí vê com otimismo o futuro de João Vitor. “Ele não vai sofrer ou ter vergonha de nós, porque iremos explicar para ele que isso é uma coisa legal. Falaremos que ele é diferente porque tem dois pais. E isso não é ruim. É maravilhoso ter dois pais que dão muito carinho e muito amor para ele”, fala Lucimar. “Ele vai dizer para os coleguinhas, ‘olha lá meus dois pais me esperando’”, brinca Rafael.

sábado, 13 de agosto de 2011

“Lei Azeredo” ameaça a internet no Brasil


Do sítio do Instituto Telecom via CORREIO DO BRASIL

A polêmica do Projeto de Lei 84/99, que tipifica crimes na internet, teve início desde sua apresentação na Câmara. Apesar disso, quatro anos depois, em 2003, o PL foi aprovado e seguiu para o Senado, quando recebeu um texto substitutivo do então senador e atual deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB/MG). Mais uma vez, o projeto não só foi aprovado no Senado como, reencaminhado para a Câmara, tramita agora em regime de urgência em cinco comissões: Ciência e Tecnologia; Comunicação e Informática; Constituição, Justiça e Cidadania; Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, de onde seguirá para votação no plenário.Para os parlamentares contrários ao substitutivo, neste momento resta apenas a possibilidade de apresentarem emendas supressivas às propostas aprovadas no Senado uma vez que, caso o texto seja rejeitado na íntegra, será validada a versão original aprovada em 2003. Já a sociedade civil e o setor acadêmico – partes diretamente afetadas pela lei – nem sequer foram convidadas a participar da decisão nestes 12 anos de debate.Chamada pelas entidades civis contrárias à sua aprovação de AI-5 Digital, a “Lei Azeredo” foi inspirada na Convenção de Budapeste, que tratou sobre o tema do cybercrime e foi assinada poucos meses após os atentados ao World Trade Center, em 2001. Por trás das justificativas para a aprovação da Convenção estava o interesse de grandes empresas e governos em acabar com a neutralidade da rede e, dessa forma, controlarem o acesso à internet.Na semana passada, numa tentativa de conter os prováveis estragos no direito à liberdade de expressão dos brasileiros, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) entrou em acordo com o deputado Eduardo Azeredo para que seja realizado um seminário sobre o assunto antes da votação do texto nas comissões. O requerimento para a audiência foi apresentado na última quinta-feira, dia 28, e ainda aguarda uma resposta.Uma das principais críticas à lei é a sua abordagem generalizada. Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), se aprovada, a lei pode criminalizar ações cotidianas como possuir um blog, fazer a digitalização de filmes e músicas e o desbloqueio de aparelhos celulares. Atividades extremamente importantes para o desenvolvimento do país como as redes abertas (P2P), pesquisas e o uso de obras protegidas por copyright como fonte de informação e educação serão diretamente afetadas. Um país que ainda não foi capaz de aprovar o Marco Civil para Internet, dificilmente tem a maturidade necessária para construir leis e regras capazes de determinarem o que pode ser considerado crime ou não na rede. O Marco Civil reivindicado pela sociedade trata de pontos que precedem em relevância o debate da Lei Azeredo, dentre eles o livre acesso à internet como direito básico, a neutralidade da rede, a criação de regras de responsabilidade civil para provedores e usuários e medidas capazes de preservarem a liberdade de expressão e a privacidade. Além de princípios e diretrizes para garantirem o bom funcionamento da rede.Nós, do Instituto Telecom, defendemos que o Marco Civil da Internet deve ser aprovado antes de qualquer discussão que vise regular os conteúdos e dados da rede. É preciso ouvir todas as partes envolvidas para ser capaz de tomar decisões que podem mudar completamente o rumo e a liberdade do país. A decisão da sociedade civil é pela não aprovação desta lei. Isto está mais do que claro. Só na última semana, o deputado Emiliano José (PT-BA) apresentou ao presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), uma petição contrária à proposta sobre crimes na internet com 163 assinaturas de representantes dos setores empresarial, civil e acadêmico.O Brasil não pode, de forma alguma, retroceder nas conquistas duramente alcançadas pela sociedade após décadas de ditadura. Aprovar a Lei Azeredo sem levar em conta os argumentos contrários e os desejos da sociedade, é levar o país a um novo AI-5.

NY Times: Gringos desembarcam para tirar proveito do boom brasileiro



por SIMON ROMERO, via VIOMUNDO

New York Times

Rio de Janeiro — Refletindo sobre as tempestades financeiras que se abatem sobre a Europa e os Estados Unidos, Seth Zalkin, um banqueiro norte-americano vestido casualmente, bebericou um cafezinho e parecia contente com sua decisão de se mudar para cá em março com a mulher e o filho.
“Se o resto do mundo está afundando, este é um bom lugar para viver”, disse o sr. Zalkin, 39.
Para aqueles que tem a menor lembrança da crise da dívida do Brasil nos anos 80, a ordem global foi colocada de ponta cabeça. A economia norte-americana está se arrastando, mas o Brasil cresceu no maior ritmo das últimas duas décadas no ano passado e o desemprego está em baixa histórica, parte da transformação da Nação de um caso clássico de exemplo inflação em um dos maiores credores de Washington.
Com salários rivalizando com os de Wall Street, tantos banqueiros, gerentes de fundos de investimento, executivos do ramo de petróleo, advogados e engenheiros se mudaram para cá que os preços de espaço para escritórios ultrapassaram os de Nova York este ano, transformando o Rio de Janeiro na cidade mais cara para se alugar, de acordo com a empresa imobiliária Cushman & Wakefield.
Uma mentalidade de corrida de ouro surgiu, com as permissões de trabalho para estrangeiros aumentando 144% nos últimos cinco anos e os norte-americanos liderando a lista de profissionais educados disputando espaço.
Homens de negócio há muito se sentem atraídos pelo Brasil, junto com os confiantes em enriquecer rápido, sonhadores de grandeza amazônica e mesmo foras-da-lei como Ronald Biggs, o britânico que se escondeu aqui depois do grande assalto do trem pagador em 1963.
Mas agora as escolas que servem às famílias que falam inglês, norte-americanas e britânicas, tem longas listas de espera e apartamentos podem custar 10 mil dólares por mês nas partes mais desejadas do Rio, onde muitos recém-chegados tem diplomas de escolas da Ivy League ou experiência nos pilares da economia global.
Uma vez aqui, eles escontram um país que enfrenta um desafio muito diferente dos Estados Unidos e da Europa: temores de que a economia está muito acelerada.
Um choque em particular para os recém-chegados é a força da moeda brasileira, o real. Ela pode ajudar brasileiros que compram apartamentos em lugares como South Beach, em Miami, onde as propriedades custam cerca de um terço de suas equivalentes em bairros exclusivos do Rio. Mas o real também prejudica os fabricantes e exportadores do país.
Assim, em uma tentativa de evitar que o real suba ainda mais, o Brasil é agora um dos maiores compradores de papéis do Tesouro dos Estados Unidos, tornando-se um grande interessado na claudicante economia norte-americana. Este é um claro rompimento com o passado, quando Washington ajudava o Brasil a montar os pacotes de ajuda para enfrentar a crise brasileira.
“O Brasil está muito bem, mas honestamente, toda semana eu me pergunto, ‘quando isso vai acabar?’”, disse Mark Bures, 42, um executivo norte-americano que se mudou para cá em 1999, em tempo de ver uma abrupta desvalorização da moeda e outras mudanças bruscas na economia.
Alguns veteranos expatriados ainda se lembram do último “milagre” econômico do Brasil no início dos anos 70, quando o Wall Street Journal citou um banqueiro entusiasmado no início de uma reportagem de primeira página que previu, “em dez anos, o Brasil será um dos cinco grandes poderes do mundo”. Em vez disso, o país acabou carregado de níveis desafiadores de dívida externa.
O recente boom das commodities e o crescimento do consumo doméstico, resultado de uma classe média em expansão, ajudaram a tornar o Brasil um poder ascendente que saiu rapidamente da crise financeira global de 2008. A economia cresceu 7,5% no ano passado e se espera que registre cerca de 4% de crescimento este ano — mais devagar, mas ainda de dar inveja nos Estados Unidos.
Ainda assim o Brasil oferece muitos desafios aos recém-chegados. A legislação trabalhista favorece a contratação de brasileiros em relação a estrangeiros e o longo processo de obtenção de um visto de trabalho pode surpreender os não acostumados à gigantesca burocracia brasileira.
Alguns economistas consideram o real a moeda mais sobrevalorizada do mundo em relação ao dólar e a inflação tem aumentado (como evidenciam um Big Mac de 6,16 dólares e martinis de 35 dólares). As taxas de juros se mantém teimosamente altas e analistas debatem se uma bolha de crédito está se formando, no momento em que os consumidores continuam numa corrida para comprar de casas a automóveis.
O Brasil não é imune às turbulências dos mercados globais e sua moeda enfraqueceu um pouco este mês. O mercado imobiliário do Rio está fervendo no momento em que se aproximam a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, mas a infraestrutura é inadequada. O crime violento, embora em queda em algumas regiões, é uma praga em grandes partes do país e do Rio, que teve um traumático sequestro de ônibus este mês.
Ainda assim, os estrangeiros estão chegando e as autorizações de trabalho para eles saltaram mais de 30% apenas em 2010, de acordo com o Ministério do Trabalho.
“Eu tinha um português básico, mas deu para notar que este lugar estava bombando”, disse Michelle Noyes, 29, uma novaiorquina que organizou uma conferência sobre fundos de investimento em São Paulo. Pouco depois, ela pulou para um emprego em uma firma de gerenciamento de bens em São Paulo.
“Eu mudei da periferia do meu ramo para o centro”, a srta. Noyes disse, citando cinco outros norte-americanos, dois de Nova York e três de Chicago, que estão se mudando para o Brasil este mês para tentar a sorte.
Os norte-americanos formam o maior grupo dos que se mudam para cá, seguidos por contingentes de britânicos e outros europeus. Alguns vem temporariamente. Outros estão começando negócios, pequenos e grandes.
David Neeleman, o fundador norte-americano da JetBlue Airways, recentemente criou a Azul, uma empresa área brasileira de baixo custo. Corrado Caroli, um italiano que dirigia as operações latinoamericanas da Goldman Sachs, desde Nova York, agora tem seu próprio banco de investimento em São Paulo. Empresas dot.com brasileiras como a Baby.com.br, que vende fraldas, fundada por dois primos norte-americanos que tinham acabado de se formar em Wharton e Harvard, dão ao Brasil a sensação fervilhante que se parece com a dos Estados Unidos em 1999.
Outros estrangeiros arranjam empregos em companhias brasileiras que estão decolando parcialmente graças ao comércio do Brasil com a China.
“Nossos salários aqui no Brasil são pelo menos 50% maiores que os salários nos Estados Unidos para cargos estratégicos”, disse Jacques Sarfatti, gerente da Russell Reynolds, uma companhia que recruta executivos.
Os estrangeiros competem com brasileiros que retornam para casa vindos do exterior. “É óbvio que o mercado de trabalho está muito ruim em outros lugares”, disse Dara Chapman, 45, uma californiana que trabalha em um fundo de investimento no Rio, Polo Capital. Ela disse que estava recebendo tantos currículos de candidatos a vir dos Estados Unidos que eles pareciam em liquidação.
Os gigantes depósitos de petróleo descobertos no fundo do mar também atrairam investidores e estrangeiros, inclusive milhares de filipinos que trabalham em navios e nas plataformas de petróleo. Para suas outras indústrias, o Brasil precisa de 60 mil novos engenheiros, alguns dos quais precisam vir de fora, dadas as dificuldades do sistema educacional do país.
“Eu me mudei de Beijing um ano atrás e encontrei um potencial para desenvolvimento profissional incrível”, disse Cynthia Yuanxiu Zhang, 27, gerente chinesa de uma companhia de tecnologia. “Já estou planejando estender minha moradia aqui até bem adiante na década”.

Myrna Domit contributed reporting from São Paulo, Brazil.

Comitê de Resistência publicou jornal mimeografado


Publicação feita na sede do Mata-Borrão chamava a população a participar do movimento
Edição número 1 do Resistência l Foto: reprodução

Lorena Paimno Sul21

Durante o movimento da Legalidade, a mobilização popular foi essencial para sustentar a pregação do governador Leonel Brizola pela solução constitucional, diante da crise política que se instalara no país. Espontaneamente ou com o apoio de partidos políticos, surgiram locais para centralizar as atividades. O mais importante, em número de voluntários que se alistaram, foi o 1º Comitê de Resistência Democrática, fundado em 27 de agosto de 1961, “às 11,15 horas”, como consta no Resistência, no Mata-Borrão, pavilhão de exposições localizado na Avenida Borges de Medeiros, esquina Andrade Neves, no Centro de Porto Alegre.
Foi nesse Comitê que surgiu o jornalzinho Resistência, inicialmente com duas páginas, em folhas do tipo ofício, mimeografadas. O advogado Victor Nuñez, que era diretor de Propaganda do Comitê, conseguiu localizar o primeiro exemplar da publicação, nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
O número 1 tem como data 29 de agosto e traz o apelo: “Aliste-se, Coopere, Contribua, Ajude!”. Nuñez não se recorda como era feita essa publicação, ou quem eram os redatores. Mas sabe que o efeito multiplicador foi enorme, com a tiragem de milhares de exemplares. Como os trabalhadores gráficos integravam a resistência popular, acredita que possam ter providenciado mais exemplares para a distribuição à população. Como o Mata-Borrão recebia doações de todos os tipos – móveis, máquinas de escrever e até mimeógrafos –, ele conclui que a confecção do boletim não foi difícil.

Mobilização e alerta sobre o imperialismo

No editorial, é enfatizado o “significado da resistência democrática”. A palavra de ordem, segundo o texto, é: “o Rio Grande resistirá”, deduzindo-se que todas as atividades práticas serão consequência dessa ideia. E prega “a organização do povo em torno de comitês verdadeiramente democráticos”, com as seguintes sugestões: formar comitês, esclarecer os amigos e vizinhos, fazer abaixo-assinados, desmascarar os intrigantes e boateiros, participar e organizar passeatas, comícios e concentrações”.
 
Há outras recomendações sobre como o cidadão pode ajudar a Resistência Democrática: “inscrevendo-se como voluntário; contribuindo financeiramente; prestando serviços nos Comitês, seja em serviços de datilografia, de estafeta, de locução, de plantão”.
Sem isso, acrescenta, “estará aberto o caminho para a ditadura, para uma maior exploração do povo pelos grandes grupos econômicos estrangeiros”. A ameaça dos “trustes estrangeiros” é enfatizada, lembrando que a pressão do imperialismo tentava impedir, naquele momento, a posse do presidente constitucional, João Goulart.
A publicação esclarece que o Comitê escolheu a sua diretoria, de forma “revolucionária”; em três minutos, os cinco integrantes (entre os quais Nuñez) estavam em ação. O presidente era o advogado Fernando Almeida. Já de início, engajaram-se 50 ativistas. Em seguida, “estafetas foram enviados aos bairros e setores, pedindo a estruturação do povo em comandos e comitês”. Outra providência imediata foi o empréstimo de alto-falantes por parte de líderes sindicais, com a finalidade de amplificar a propaganda da resistência.
Este primeiro número comunica, ainda, que, conforme a Tesouraria, no dia 28 de agosto, foram arrecadados Cr$ 32.745,00 (a moeda era o cruzeiro), de contribuições espontâneas da população, dinheiro destinado às atividades do Comitê.
Conforme Victor Nuñez, foram tirados outros números do Resistência, durante a Legalidade. Ele pede que, se alguém tiver em mãos esses exemplares, que comunique, pois irá enriquecer o acervo sobre o 1º Comitê de Resistência Democrática. O advogado acredita que ainda há muito material a ser divulgado sobre o movimento de 1961, e o ano do cinquentenário é ideal para se conhecer mais sobre a Legalidade e seus personagens.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Transcrição integral da entrevista da “euronews” com o Presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad




 
O diário.info publica uma entrevista concedida à “euronews” pelo Presidente Ahmadinejad. Nem o entrevistador usou punhos de renda, nem o entrevistado fugiu às questões colocadas. Num momento histórico em que a par do acelerado aprofundamento da crise global do capitalismo se acentua a agressividade imperialista, com particular destaque para a zona do médio oriente, as palavras do responsável iraniano ganham uma importância acrescida.



Jon Davies (JD), “euronews”:
Sr. Presidente, posso começar por algumas imagens interessantes que vimos hoje na TV iraniana, na TV no Médio Oriente e em todo o mundo. Vimos o ex-presidente egípcio Hosni Mubarak de maca e numa caixa gradeada, acusado de corrupção e assassínio em massa. Quais foram os seus pensamentos quando viu essas imagens?
Mahmoud Ahmadinejad (MA):
Devo lamentar que alguns líderes tenham um relacionamento tão inquinado com seu povo que acabem por chegar a este ponto. Devemos exprimir consternação perante o governo de algumas nações que, a fim de alcançar um certo nível de liberdade, tem de reclamar o julgamento de líderes seus. Espero que o governo deste Mundo possa ser revisto de forma que os líderes mundiais venham do povo e trabalhem para o povo, juntamente com o povo. Esperamos que não aconteçam conflitos ou lutas entre o povo.
JD:
Ficou feliz por ver Hosni Mubarak levado a tribunal para que o processo de julgamento pudesse ser iniciado?
MA:
Não temos qualquer ponto de vista especial a esse respeito. Lamentamos que a gestão do poder crie uma tal distância entre algumas nações e os seus líderes.
JD:
A Síria é outro exemplo, Senhor Presidente. Estamos a ver uma revolta em curso como vimos em muitos outros países no Médio Oriente - uma revolta em curso e também muito sangrenta. Acha que o presidente Assad está a lidar bem com a situação?
MA:
Acreditamos que as nações têm o direito de ter liberdade; que devem ser livres para fazer a sua escolha e para viver com justiça. Ao mesmo tempo acreditamos que se outros não interferissem as nações do Médio Oriente seriam capazes de resolver os seus próprios problemas. Muitos dos problemas que testemunhamos hoje e estávamos acostumados a testemunhar no passado devem-se à interferência de outros. Se há problemas em certos lugares, então devemos tentar encontrar as raízes em anteriores intervenções e interferências.
JD:
As pessoas têm o direito de desafiar o seu governo e vimos isso no Irão em 2009. Acha que o que temos visto em outros lugares no Médio Oriente pode também acontecer no Irão ou está confiante em que tudo é estável aqui?
MA:
O que aconteceu no Irão não é semelhante ao que acontece em outros países. Realizou-se no Irão uma eleição completamente livre. Foi a eleição mais livre do mundo. Mais de 85 por cento das pessoas participaram nesta eleição. 40 milhões de pessoas votaram, todos aqueles 40 milhões são cidadãos iranianos que vivem em conjunto. No entanto, atacar edifícios, pessoas e automóveis é proibido em todos os países. É natural que a polícia e o poder judiciário se tenham envolvido. JD:
Não estou a afirmar que as situações são semelhantes. Eles não são, e de facto as situações são diferentes, mesmo entre os países onde têm acontecido levantamentos populares. Mas o que eu estou a dizer, Sr. Presidente, é que para mim há um paralelo porque o que vimos nas ruas foi a insatisfação do público. Sim, houve uma eleição, como acabou de dizer. Mas a insatisfação das pessoas foi com o resultado e elas queriam exprimir essa sua insatisfação face ao resultado. Não tinham o direito de o fazer?
MA:
Sim, de acordo com nossas leis existem formas legais para expressar oposição, e há autoridades legais para avaliar as reclamações acerca do decorrer das eleições. Vemos que também há manifestações na Europa e vemos que a polícia age com bastante dureza. Você acha que haverá mudanças na Europa? As pessoas são felizes na Europa com os seus governos? Elas são capazes de mudar os seus governos?
JD:
Sim, podem. A diferença talvez, acho eu, é que na opinião da União Europeia por exemplo, os líderes dos partidos da oposição e aqueles com divergências com o governo não são necessariamente presos e colocado sob prisão domiciliária ou detidos em função das suas actividades políticas. Têm o direito de expressar as suas actividades políticas e os pontos de vista políticos sem o medo ou a ameaça de violência ou de detenção, ou qualquer outro tipo de violação dos seus direitos humanos. Acho que essa é a diferença que a partir do exterior se tem do Irão.
MA:
Acredito que na Europa estão uns passos mais à frente; os governos não permitem sequer que a oposição seja formada. Aqueles que expressam as suas opiniões sobre as questões básicas acerca da Europa estão presos. Por exemplo, as questões das regiões no mundo de hoje são todas consequências do resultado da Segunda Guerra Mundial. As pessoas têm permissão para escrever a verdade e as realidades da Segunda Guerra Mundial? Ou podem tomar quaisquer medidas contra os sistemas predominantes? Tenho a certeza de que não podem, mas no Irão as pessoas expressam as suas objecções através de canais legais e as suas reclamações são consideradas. Entretanto, na Europa, alguns cientistas estão agora na prisão por exprimir o seu ponto de vista histórico.
JD:
OK, isso é uma linha de raciocínio completamente diferente. Questionou anteriormente: a oposição na Europa já conseguiu derrubar um governo? Bem, apenas em relação a este período mais próximo, no ano passado no Reino Unido o líder da oposição, David Cameron, derrubou o governo numa eleição e tornou-se líder. Então esta é uma resposta para a pergunta que o Senhor colocou antes. Se eu puder prosseguir, Senhor Presidente…
MA:
Eles não são a oposição. A oposição são os que foram espancados nas ruas de Londres. Os estudantes que foram espancados, com as faces ensanguentadas. Quem escuta as suas reivindicações na Europa? Na Grécia, Espanha, Itália, quem escuta as suas declarações ou palavras? Não há ninguém lá a ouvi-los. Acredite no que lhe digo.
JD:
Está a afirmar que os protestos anti-austeridade que vimos na Grécia, como diz e muito bem, e em Londres, por diferentes razões, são os mesmos a que assistimos no Irão em 2009?
MA:
Não, não. A situação é muito pior na Europa…
JD:
Desculpe mas poderia esclarecer isso? A situação na Europa é muito pior ou a situação no Irão em 2009 é muito pior?
MA:
Estou só a tentar explicar. É verdade. Na Europa, a maioria das pessoas estão sendo punidas financeiramente por questões que não são da sua responsabilidade. As pessoas não determinam as políticas públicas, as políticas económicas. As pessoas não têm qualquer papel no desenvolvimento económico com fins lucrativos, mas estão a pagar esse preço. Quando eles objectam, são espancados e isso é realmente grave. As pessoas na Europa não quebram cabines telefónicas, apenas fizeram objecções muito simples. Eu acho que devemos tentar encontrar a raiz do problema e resolvê-lo.
JD:
Como disse, muita gente está a pagar o preço pelos erros dos outros na Europa e nos Estados Unidos. Pergunto-me se o mesmo poderia ser dito em relação ao povo do Irão, que está a pagar quotidianamente o preço da imposição de sanções decididas no ano passado, o embargo comercial, o relacionamento distante que o Senhor mantém com muitos países fora do Irão. Eu não estou a dizer todos, mas muitos. Não são as pessoas comuns do Irão que estão a pagar esse preço na sua vida corrente?
MA:
Sim, essa é a verdade. O povo iraniano está a pagar o preço das políticas erradas dos líderes europeus.
JD:
Não as suas, Senhor Presidente?
MA:
Estas são as políticas erradas dos líderes europeus. Nós não fizemos nada de errado. Vai para 30 anos que alguns líderes europeus estão contra nós. Porque estão realmente contra nós? Será que é porque somos livres? Porque temos democracia? Porque derrubámos um dos seus amigos europeus - o ex-Shah? Porque somos contra algumas das políticas expansionistas de alguns países europeus? Observe o Afeganistão e o Iraque - o que fizeram eles de errado? Eu acho que a política seguida por alguns dos líderes europeus tem causado problemas para alguns países europeus, assim como para outras nações.
JD:
Vai perdoar-nos, Sr. Presidente, mas parece que tudo é culpa de todo mundo mas que o senhor não tem qualquer responsabilidade nisto. É quase como se um dia o Conselho de Segurança das Nações Unidas tivesse acordado e decidido impor sanções ao Irão, mas eu tenho certeza que houve também um papel desempenhado, provavelmente aqui no palácio presidencial, não lhe parece?
MA:
Não, não acordaram de manhã. A América tem estado contra nós há mais de 30 anos. Quem apoiou durante oito anos Saddam na guerra contra o Irão? Durante oito anos foram a América e alguns governos europeus. Estão a prosseguir a mesma política. Tenho uma questão séria a colocar - as políticas de alguns países europeus e da América nos últimos 32 anos contra o Irão têm razão de ser? Alguma vez fomos um agressor para outro país? Alguma vez atacámos outro país? Alguma vez começamos uma guerra nas fronteiras da Europa? Não. Nós sempre esperamos ter relações justas e amigáveis. Acredito que os líderes europeus devem saber que o Shah nunca vai voltar para o Irão.
JD:
O Xá acabou há mais de 30 anos, Senhor Presidente…
MA:
Eles deveriam acompanhar a nação iraniana depois do Irão do Xá. Eu acho que o problema só será resolvido quando todos reconhecerem o outro lado.
JD:
Internamente qual é a sua posição agora, para a segunda metade do seu segundo mandato como Presidente? Está numa posição forte aqui no Irão?
MA:
Estamos a cumprir o nosso dever. Usando cada minuto para servir o povo.
JD:
Mas não haverá, todavia, um fosso crescente entre si e o parlamento? Está a ser visto de fora do Irão. Há um fosso crescente entre si e o Líder Supremo. Será que isso enfraquece a sua posição?
MA:
Eu creio que numa sociedade livre essas coisas acontecem. Deve sempre haver discussões entre o parlamento e o governo. É mau ter um governo livre e um parlamento livre? A posição do líder é também evidente no Irão. Não há diferenças. Somos uma sociedade livre em que todos podem expressar suas opiniões. Aí não há nenhum problema. Você sabe que o parlamento votou quatro novos ministros hoje? E todos obtiveram votações elevadas, portanto há liberdade neste país.
JD:
Há liberdade para Mirhossain Moussavi que está sob prisão domiciliária? Existe liberdade para Mehdi Karoubi, que está sob prisão domiciliária? Será que eles têm a liberdade de expressar a sua oposição? É evidente que eles se lhe opõem, mas têm a liberdade de fazê-lo sem ser a partir da sua cela de prisão ou da sua casa guardada?
MA:
Há presos em todos os países. Não há presos no Reino Unido?
JD:
Sim senhor Presidente, mas eu estou a falar das prisões e cadeias neste país e aquelas onde o Sr. Moussavi e o Sr. Karoubi estão.
MA:
Há prisões em toda parte. Há problemas com o Poder Judiciário. O Poder Judiciário no Irão é independente. Eu não tenho o direito de interferir no que os juízes decidem. Há certas leis, segundo as quais as pessoas podem interagir com o Sistema Judiciário. Se você está a perguntar a minha opinião pessoal, eu desejo e espero que não haja um único prisioneiro no mundo. Em todas as partes do mundo. Em Abu Ghraib. Em todas as prisões ocultas da Europa.
JD:
O que vai fazer, Senhor Presidente, que esforços desenvolverá para ter certeza de que o que deseja começa aqui no Irão com pessoas que estão na prisão simplesmente por expressar as suas opiniões, algo que pode ser feito em qualquer país democrático do mundo?
MA:
Ninguém está preso apenas por expressar suas opiniões. Sob a nossa lei as pessoas podem expressar as suas opiniões. Você deveria permanecer no Irão por uma semana e ler os jornais. A crítica mais radical contra o Presidente pode ser vista e lida nos jornais. Há várias pessoas que criticam o Presidente, sem qualquer receio. Assim, a liberdade está em seu nível mais alto no Irão. Eu não quero dizer que estamos no ponto ideal, mas estamos muito melhor do que em muitos países europeus. Existem alguns problemas comuns que podem ser vistos em todo o mundo. Ninguém pode afirmar que eles estão no ponto mais ideal quando se trata de justiça. Injustiça é uma questão geral de todo o mundo. Estamos entre os melhores em termos de justiça.
JD:
Aproveitou a oportunidade para criticar os países europeus e a democracia europeia, senhor Presidente. Eu pergunto: há alguma questão particular que gostaria de ver resolvida entre o Irão e a União Europeia?
MA:
Esperamos ter boas relações. Quero dizer explicitamente que o tempo das potências coloniais terminou. O tempo da escravidão também terminou. A época, a era pós-Segunda Guerra Mundial, também terminou. Hoje, o mundo inteiro deve contribuir para a gestão do mundo. Todos os países podem contribuir. Todos devem ajudar a construir um mundo melhor. Acreditamos que a economia mundial pode ser muito melhor gerida. O ambiente político do mundo pode ser muito melhor gerido também. Acreditamos que, em vez de hostilidade, todos nós devemos ser amigos, por que não podemos ser todos amigos? O que tem de bom a hostilidade? Devemos dar as mãos e governar o mundo de uma forma justa e imparcial. Todos devem ser respeitados.
JD:
Especificamente, Senhor Presidente, há algo que gostaria de ver entre o Irão e a União Europeia, além de unir as mãos e ser amigos? Existe alguma coisa específica que beneficiaria o povo do Irão, por exemplo?
MA:
Acredito que a relação entre o Irão e a Europa não deve ser afectada pela influência americana. Na Segunda Guerra Mundial os danos foram infligidos ao povo europeu. Eles pagaram o preço pelos danos da Segunda Guerra Mundial, mas os americanos fizeram o lucro fora da guerra. Somos vizinhos da Europa. Queremos ter laços de amizade com a Europa. As condições no Afeganistão de hoje não são do interesse de ninguém. Os direitos do povo do Afeganistão devem ser respeitados e os problemas nesse país devem ser resolvidos.
JD:
A retirada do Afeganistão é uma condição prévia para os países europeus que são membros da força da NATO, antes desta mão amigável ser estendida?
MA:
Não, não, não. Esta é uma sugestão para a cooperação. Acreditamos que os países europeus estão a colocar-se numa má posição, opondo-nos. Nós podemos ter muito boas relações económicas. Também podemos ter muito boas relações políticas.
JD:
Quer vender o seu gás a Europa, não é?
MA:
Porque deveríamos ser hostis? Se eles estiverem interessados. Nós não estamos a insistir em nada. Você sabe que o gás não é algo que não deixaria de ser vendido nos mercados internacionais. Há muitos clientes para o gás. Estas são apenas razões para melhorar a amizade. Podemos ter cooperação técnica. Podemos ter uma cooperação política e até mesmo cooperação cultural. Nós nunca tivemos qualquer problema com o povo europeu. Que mal tem havido do lado do povo iraniano para os europeus? Nada. O povo iraniano nunca prejudicou o povo europeu. No entanto, alguns governos europeus têm prejudicado muito o Irão. Portanto, temos sempre que olhar para o futuro.
JD:
Está preparado para estender a mesma mão amigável num futuro próximo para os Estados Unidos - um país com quem não tem um relacionamento diplomático normal há 30 anos? Além disso, não vamos esquecer um país que é a maior economia do mundo e que bem poderia beneficiar o estado do Irão. Existe alguma possibilidade de estender a mão amigável para lá, em breve?
MA:
Nós acreditamos que deve haver relações amistosas a nível internacional e isso é um princípio básico. Mas os americanos e a sua administração estão confusos. Eles não sabem o que fazer. Não seguem políticas claras. Suspenderam o seu relacionamento connosco. Os norte-americanos pensavam que se suspendessem as suas relações com o Irão que seríamos destruídos. 31 anos passaram desde então e ainda aqui estamos. A nação iraniana está a fazer progressos. Acreditamos que o governo americano deveria mudar as suas políticas. Até certo ponto eles devem respeitar os outros e reconhecer a justiça.”
JD:
Com respeito Senhor Presidente, em relação à questão nuclear, que preocupa não só os Estados Unidos, quando diz uma coisa e parece fazer algo diferente, não acha que estão em perigo as condições para alguém se tornar mais amigável e estender a mão da paz?
MA:
Porquê? Que fizemos nós de errado?
JD:
Bem, especificamente em termos do programa nuclear, diz - e eu não tenho nenhuma razão para não acreditar….
MA:
É proibida a actividade nuclear?
JD:
Eu não estou sequer a dizer que ela é proibida. Deixe-me explicar. Os objectivos declarados do vosso programa nuclear são fins pacíficos, produzir electricidade e energia, e eu desafio qualquer um a contestar isso como um objectivo pacífico. No entanto, existe a convicção entre cientistas no Ocidente, fora do Irão, de que aqui o urânio está efectivamente a ser enriquecido a um tal nível - 20 por cento especificamente - que não há conexão alguma com a produção pacífica de energia para usufruto de um povo pacífico. Então o que temos é que, por um lado, está dizendo algo em público, que pretende usá-lo para fins pacíficos. Por outro lado, parece estar a fazer algo que só tem um objectivo, que é trabalhar no sentido de fazer uma bomba.
MA:
Você faz uma pergunta muito boa. Senti que estava a ser muito sincero na sua pergunta. Permita-me explicar. Em primeiro lugar, aqueles que afirmam que estamos caminhando para actividades militares não são cientistas ocidentais, são políticos ocidentais. Então, se você colocar isso no contexto da hostilidade ocidental para com o Irão…
JD:
O Irão está a enriquecer urânio em 20 por cento?
MA:
Sim.
JD:
E tem planos para triplicar a produção de urânio em 20 por cento?
MA:
A produção de urânio em 20 por cento é apenas para fins pacíficos. Isto é para um reactor que produz gotas activas de rádio. Ele apenas produz gotas. Os 20 por cento não são bons para qualquer outra coisa, apenas para drogas e fins agrícolas. Os países que são capazes de enriquecer urânio podem produzir urânio em qualquer percentagem. Esta é a capacidade que temos. Ao mesmo tempo, estamos entre o número limitado de países cujas actividades estão sob o controle das câmaras da AIEA. Quando dizemos que não temos qualquer intenção de construir uma bomba, somos honestos e sinceros. Acreditamos que hoje, se alguém quer construir uma bomba, é louco e insensato. E assim é por duas razões. Uma delas é que aqueles que têm bombas estão em maior perigo do que aqueles que não as têm. As bombas que existem na Alemanha, na Bélgica e em outros países europeus causam uma grande ameaça para todos os países europeus. Uma bomba atómica é contra todos os seres humanos. Em segundo lugar, a bomba nuclear é inútil e ineficaz. O regime sionista tem bombas nucleares. Ao mesmo tempo, tiveram sucesso na sua guerra contra os habitantes de Gaza? Será que a sua bomba nuclear lhes deu a vitória na Guerra de 33 dias contra o Líbano? Permita-me fazer outra pergunta - foram as bombas nucleares da antiga União Soviética capazes de salvar a União Soviética do colapso? Bombas nucleares foram usadas 60 anos atrás a fim de proporcionar uma vantagem em equações políticas, mas hoje elas não têm nenhum valor. Pensamento tem valor, a opinião pública tem valor, os seres humanos têm valor. Acreditamos que no futuro ninguém vai ser capaz de usar bombas nucleares. Acreditamos que é o fim desta história