quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O GORDO E O MAGRO

Por ANTONIO CARLOS GOMES DE MATTOS


Eis uma coisa de que ninguém pode duvidar: Stan Laurel e Oliver Hardy formaram a maior dupla cômica do Cinema de todos os tempos. Seus filmes, conhecidos universalmente, continuam sendo vistos com agrado por sucessivas gerações de espectadores, e assim será eternamente.
O Gordo era impaciente e pomposo: o Magro, paciente e humilde. Ambos, incrivelmente estouvados, exasperavam as pessoas a quem estavam servindo. Eram verdadeiras crianças grandes, ingênuos, imaturos, embora não se considerassem assim, principalmente o Gordo. Oliver se achava muito esperto, como demonstravam os gestos floreados que fazia quando se preparava para desempenhar uma tarefa; entretanto, ao executá-la, positivava-se a sua estupidez.
Stan era maltratado por Oliver, mas nunca deixava de ajudá-lo quando ele pedia. E apesar da irritação contínua de Oliver com Stan, sempre que seu parceiro era ameaçado, Oliver vinha em seu auxílio. Apesar das aparências, havia uma amizade constante entre eles.
As trapalhadas nasciam sempre de um ato desmiolado praticado por um deles e, à medida que tentavam se desembaraçar do transtorno inicial, os dois iam se enredando cada vez mais na confusão. Outras vezes, as trapalhadas originavam-se de confrontações relativamente brandas que aos poucos chegavam a atos de verdadeira orgia destrutiva. No meio desta, quando o Gordo revidava uma agressão de terceiro, a câmera se voltava para o rosto do Magro, que acenava a cabeça, dando plena aquiescência com uma careta irresistivelmente cômica.
Um dos aspectos que distinguia Laurel e Hardy dos seus contemporâneos era a cortesia de seus personagens. Oliver tomava sempre a iniciativa em assuntos sociais, apresentando a si mesmo e a Stan para os estranhos com o seu costumeiro “Eu sou Mr. Hardy e este é meu amigo Mr. Laurel”, enquanto lembrava a Stan para tirar o seu chapéu. As mulheres, particularmente, recebiam as melhores gentilezas de Mr. Hardy.
Stan ajudava a desenvolver as histórias e inventou pelo menos dois maneirismos memoráveis: fazer beicinho de choro, soluçando profusamente ao primeiro sinal de encrenca e coçar os cabelos arrepiados, piscando os olhos como se estivesse compreendendo lentamente o que acabara de acontecer.
Oliver não fazia questão de dar sugestões na realização do filme, deixando tudo ao encargo do parceiro, mas criou também alguns maneirismos célebres, como, por exemplo, balançar a gravata tentando parecer amistoso ou a mania de fazer as coisas em primeiro lugar, com conseqüências desastrosas. Entretanto, o mais genial era o famoso camera-look. O Magro fazia uma tolice, o Gordo ficava irritado e fazia uma tolice ainda maior. Após a catástrofe, ele encarava fixamente a câmera, transmitindo todo o seu desespero à platéia por meio de um longo olhar de mártir.
Tais achados se incorporaram aos personagens que, apesar de seu óbvio contraste físico e psicológico, se completavam admiravelmente e eram interpretados pelos dois comediantes num perfeito entrosamento em cena.
Stan e Oliver começaram separadamente suas carreiras.
Stan Laurel (Arthur Stanley Jefferson) nasceu no dia 16 de junho de 1890 em Ulverston, Lancashire, Inglaterra, filho de Arthur Jefferson, conhecido como A.J., um proeminente autor, ator e empresário teatral e de Margaret (“Madge”) Metcalfe, também atriz. Stan sabia o que queria ser desde criança. Ainda menino, passava boa parte do seu tempo, memorizando as piadas e imitando os maneirismos dos comediantes, que representavam nos teatros de seu pai. Aos 16 anos – com o nome de Stan Jefferson – ele estreou num palco, sendo anunciado como “He of the Funny Ways”, e depois percorreu o país com a peça Sleeping Beauty, na qual fazia o papel de uma boneca.
Em 1910, Stan foi para os Estados Unidos pela primeira vez com a trupe de Fred Karno, na qual funcionava como substituto de Charles Chaplin. Sem terem obtido aumento de salário, Stan e um outro cômico retornaram à Inglaterra e interpretaram, como “The Barton Brothers”, um esquete intitulado The Rum’uns From Rome. Depois, Stan voltou para a companhia de Karno, numa segunda temporada na América. Agora, Chaplin havia se firmado como a grande sensação do espetáculo; quando Chaplin deixou a trupe, em novembro de 1913, para ingressar na Keystone Film Company, o grupo de Karno teve seus alicerces seriamente abalados e acabou se dissolvendo.
De 1914 a 1922, Stan trabalhou no vaudeville americano, em uma variedade de esquetes e com diversos parceiros. Mae Charlotte Dahlberg Cuthbert, uma dançarina australiana, tornou-se sua companheira no palco e na vida real, numa tempestuosa união que durou até 1925. Embora Mae não tivesse adotado legalmente o sobrenome de Stan, ela lhe deu um novo, quando encontrou uma ilustração de um general romano vestindo uma coroa de louros.
Em 1917, o recém-renomeado Stan Laurel fez seu primeiro filme, Nuts in May, para o produtor independente Adolph Ramish, dono do Hippodrome de Los Angeles. Ramish disse para Stan, “Na minha opinião você é mais engraçado do que Chaplin”, e ofereceu 75 dólares por semana para o jovem atuar em comédias de dois rolos. Embora somente um filme tivesse sido produzido, sua estréia no Hippodrome chamou a atenção de Carl Laemmle, que o levou para a Universal, onde criou o personagem Hickory Hiram; ao terminar o compromisso, voltou para os palcos.
No ano seguinte, retornou aos filmes, trabalhando como freelance para vários estúdios. Neste período, contracenou com Larry Semon na Vitagraph e fez uma série de comédias para o produtor e ex-cowboy Gilbert “Broncho Billy” Anderson, entre elas, The Lucky Dog / 1919 (na qual, por mera coincidência, aparecia Oliver Hardy no papel de um ladrão) e uma paródia do filme Sangue e Areia / Blood and Sand intitulada Lama e Areia / Blood and Sand (na qual Stan era Rhubarb Vaselino réplica cômica de Rudolph Valentino). Stan faria outras paródias muito engraçadas tais como Sem Luvas Brancas / The Soilers, Legião Estrangeira / Under Two Jags, A Bela e o Bicho / Dr. Prycle and Mr. Pride, Rupert of Hee How, etc.
Antes disso, em maio de 1918, Stan e Mae Laurel estavam se apresentando num teatro em Los Angeles, quando casal chamou a atenção de Alf Goulding, ex-ator do vaudeville australiano, que dirigia filmes para Hal Roach. O produtor estava desesperado à procura de um novo cômico e, atendendo à sugestão de Goulding, passou um telegrama para Stan, convidando-o para fazer um teste em seu estúdio. Stan fez cinco comédias de um rolo para Roach, mas só viria a trabalhar novamente para ele cinco anos mais tarde, quando assinou contrato de dois anos para uma nova série de comédias. Findo o prazo do contrato, Roach liberou-o e ele se comprometeu com o produtor independente Joe Rock a realizar comédias de dois rolos pelo prazo de cinco anos.
Foi Rock quem ajudou Stan a se livrar de Mae e o apresentou à sua primeira esposa legítima, Lois Neilson. Stan e Lois se casaram em 13 de agosto de 1926. Eles tiveram uma filha, Lois, e se divorciaram em 1934. O próximo amor de Stan foi uma viúva de Los Angeles, Virginia Ruth Rogers. O casamento acabou em 1938. Stan casou-se pela terceira vez com Vera Ivanova Shuvalova, conhecida como “Illiana”, uma cantora russa, cuja extravagância e temperamento volátil causaram muita encrenca no lar e com a polícia. Eles se divorciaram em 1940. Um ano depois, Stan casou-se novamente com Virginia Ruth, até que a curta reconciliação terminou em 1946. No mesmo ano, Stan contraiu matrimônio com Ida Kitaeva, cantora de ópera nascida na China com ascendência russa. O amor e a dedicação de Ida, trouxeram felicidade para Stan nas suas duas últimas décadas de vida.
Stan começou a trabalhar de novo no estúdio de Hal Roach em maio de 1925 como roteirista e diretor. Oliver Hardy trabalhou como ator em alguns filmes dirigidos por Stan Laurel e, certo dia, cruzaria novamente o seu caminho.
Oliver Hardy (Oliver Norvell Hardy) nasceu no dia 18 de janeiro de 1892 em Harlem, Geórgia, Estados Unidos, filho de um ferroviário, Oliver Hardy, e de Emily Norvell Tant.  O pai de Oliver morreu poucos meses depois do seu nascimento. Nesta ocasião, Mr. e Mrs. Hardy administravam o Turnell Butler Hotel em Madison. O jovem Norvell depois adotou o nome de Oliver como um tributo ao pai.
Oliver possuía uma bela voz e, aos oito anos de idade, chegou a figurar em espetáculos de menestréis. Percebendo que o interesse do filho pela música continuava, sua mãe permitiu que ele fosse freqüentar lições de canto no Conservatório de Música em Atlanta. Alguns meses depois, a mãe chegou em Atlanta e descobriu que o filho não comparecia às aulas. Ele havia arrumado um emprego para cantar em slides ilustrados num cinema, ganhando 50 centavos por dia. Sua mãe tentou lhe incutir alguma noção de disciplina, matriculando-o no Georgia Military College.
Oliver só pensou em se tornar ator por volta de 1910, quando, aos dezoito anos, ele abriu o primeiro cinema em Milledgeville, no interior da Geórgia. Espantado com a interpretação nas comédias que exibia, decidiu que não poderia ser pior do que aqueles camaradas. Então, em 1913, rumou para o florescente centro de produção de filmes em Jacksonville, Florida.
Neste mesmo ano, Olivier casou-se com Madelyn Saloshin, uma pianista alguns anos mais velha do que ele, que o ajudou a conseguir seu primeiro emprego na indústria do cinema. Eles se divorciaram em novembro de 1920 e, no ano seguinte, Oliver se casou com Myrtle Lee Reeves, atriz de cinema que, segundo consta, ele conhecia desde a infância. O matrimônio foi muito turbulento, perturbado pelo alcoolismo de Myrtle, sua internação em sanatórios e fugas freqüentes destas instituições. Eles quase se divorciaram em 1929 e de novo em 1932, mas Oliver continuou esperando uma reconciliação permanente, até que não agüentou mais e obteve a separação definitiva em 1937. Durante alguns anos ele esteve sempre acompanhado por uma atraente divorciada, Viola Morse, que tinha um filho; quando Oliver terminou seu relacionamento, ela tomou algumas pílulas para dormir e sofreu um desastre de automóvel. Viola se recuperou, mas o fato foi muito explorado pela imprensa. Oliver encontrou sua felicidade derradeira, quando se casou com Virginia Lucille Jones, uma continuista que ele conheceu na filmagem de Paixonite Aguda / The Flying Deuces / 1939. Os anos que passou na companhia de Lucille, foram os melhores de sua vida.
Oliver começou sua carreira cinematográfica na firma Lubin no filme Outwitting Dad / 1914, fazendo em seguida inúmeras comédias na Vim Company e em outros estúdios com May Hotely, Bobbie Burns / Walter Stull (série Pokes and Jabbs), Billy Ruge (série Plump and Runt), Billy West, Bobby Ray, Billy Armstrong, Jimmy Aubrey e Larry Semon. Nessa época, era conhecido como “Babe” Hardy e, em fevereiro de 1926, acabou membro da equipe fixa de Hal Roach, onde atuou com Charlie Chase, Buck Jones, Theda Bara, Pola Negri, Mabel Normand, Glenn Tryon, Our Gang, etc.
Em julho do mesmo ano, um capricho do destino ajudou a reunir Laurel e Hardy. Quem contou esta história foi Stan Laurel, numa entrevista concedia à revista Films in Review alguns anos depois. “Tudo começou quando eu estava dirigindo um filme (obs. Get’em Young) no qual Hardy ia aparecer. Numa sexta-feira, três dias antes de começar a filmagem, Hardy estava cozinhando uma perna de carneiro na sua casa. Quando foi tirar a perna de carneiro do forno ela escapou da sua mão e a banha caiu sobre o seu braço, causando-lhe uma queimadura em terceiro grau. Ele teve que ser hospitalizado e não pôde aparecer no filme. Tentamos encontrar um substituto, mas ninguém estava disponível. Mr. Roach então me pediu para interpretar o papel previsto para Hardy. Roach gostou muito do espetáculo e  pediu para eu me incluir como ator no seu próximo filme. A esta altura, Hardy já estava curado e eu atuei com ele neste filme. Foi a primeira vez em que aparecemos juntos. Fizemos várias outras comédias, não como uma dupla, mas estavamos nos mesmos filmes. Finalmente, Roach achou que deveria chamá-las de Laurel e Hardy Comedies, pois estávamos começando a ficar conhecidos como uma dupla. De modo que nossa parceria foi devido a uma perna de carneiro”.
Sete anos depois de The Lucky Dog, Laurel e Hardy finalmente voltaram a aparecer num mesmo filme, 45 Minutes from Hollywood / 1926 – porém os dois não são vistos juntos em nenhuma cena.
Em Duck Soup / 1927, eles surgem como uma dupla durante todo o filme e já se esboçam alguns traços básicos dos personagens “Stan e Ollie”. Entretanto, parece que tudo não passou de um mero acidente, porque, nos filmes seguintes, Laurel e Hardy voltaram a ser apenas dois cômicos em vez de uma dupla.
Detetives Pensam? / Do Detectives Think? /1927 apresentou os dois comediantes usando pela primeira vez as roupas amarrotadas-mas-dignas e os chapéus-coco, que se tornariam o traje padrão da dupla, a sua marca registrada.
Os filmes de Laurel e Hardy foram produzidos assim: Stan e Oliver costumavam se desviar do script; Stan orientava os atores, técnicos e o diretor; eles normalmente faziam apenas uma tomada e filmavam em seqüência sempre que possível, porque nunca sabiam como as improvisações iriam mudar a história.
Stan e Hal Roach achavam que a história tinha uma importância fundamental. “Você tem que começar com uma história na qual todos acreditam”, esta era a crença de Stan na construção de uma comédia. Oliver declarou: “Fizemos muitas coisas malucas, mas nos nossos filmes, mas éramos sempre verdadeiros”. Stan e Ollie eram personagens humanos e reais e tinham que ser colocados em situações plausíveis.
Stan ajudava a desenvolver a história desde a concepção do filme. Ele havia sido contratado como roteirista no começo de 1925 e continuou exercendo esta função até mesmo depois que Roach lhe pediu para atuar em frente às câmeras novamente. Por volta de 1929, Stan era basicamente o roteirista-chefe; ele aproveitava as sugestões dos gagmen, adicionava algumas idéias próprias e as introduzia no script final.
No estúdio de Roach as pessoas tinham talento e um maravilhoso senso de humor. Por isso ele foi apelidado de “The Lot of Fun”, porque além de ser um estúdio de comédia, era muito divertido trabalhar ali. Não havia pressão para que os filmes fossem feitos às pressas e cada um podia falar o que lhe vinha na mente. Era um estúdio individual e informal.
Stan e Oliver usavam uma maquilagem leve, que lhes dava uma aparência inocente; Stan fazia com que seus olhos parecessem menores, delineando o interior de suas pálpebras. Os dois usavam colarinhos engomados, para dar aos personagens um aspecto de dignidade e Stan um chapéu-coco diferente daquele usado por Oliver.  O  chapéu coco de Stan era igual ao usado pelas crianças irlandesas, apropriado para o seu personagem infantil. Seus sapatos não tinham salto, o que fazia com que ele parecesse mais baixo e mais vulnerável. Stan e Oliver tinham dublês para as cenas de maior esforço físico ou perigosas. Na década de 30, o dublê de Stan, era Hamilton Kinsey e o dublê de Olivier, Cy Slocum. Mais tarde, os dois foram dublados respectivamente por Chet Brandenburg e Charlie Philips.
Richard F. Jones, supervisor da produção do estúdio de Hal Roach em meados dos anos 20, responsabilizou-se pelo treinamento de Stan Laurel como diretor. Jones deixou o estúdio em 1927, sendo substituído por Leo Mc Carey. McCarey foi quem primeiro notou o contraste engraçado que havia entre o homem gordo e o magro e decidiu que Stan e Oliver deviam atuar juntos; porém o conceito principal dos dois personagens – estupidez combinada com uma inocência invencível – partiu de Stan. McCarey e os gagmen adotaram este conceito e inventaram infinitas variações em cima dele.
Outra contribuição importante de McCarey foi a de reduzir a velocidade do ritmo dos filmes, decisão adequada para a lentidão do pensamento dos personagens da dupla. O ritmo é muito lento comparado com o das outras comédias curtas da época (inclusive outras comédias produzidas por Roach); isto permite que o espectador conheça a fundo os personagens. Há uma preponderância de planos afastados, que nos permite ver a pantomima dos dois cômicos na sua totalidade As tomadas são longas, para que a performance da dupla não seja interrompida. Os close-ups são limitados quase que aos planos de reação após um gag, para que o público tenha tempo de rir antes do próximo lance de comicidade.
Uma das mais brilhantes criações de McCarey foi o tit-for-tat, ou seja, “o processo de destruição recíproca”, cuidadosamente construído em Navegando em Seco / Two Tars / 1928 e levado às últimas conseqüências em Negócio de Arromba / Big Business / 1929, que estão entre as melhores comédias da dupla na fase silenciosa. Em Navegando em Seco, Laurel e Hardy, como marujos, saem para passear com as namoradas. No trânsito engarrafado, entram em choque com o motorista que vinha em sua retaguarda, iniciando-se um verdadeiro redemoinho de furor, com a fantástica destruição de toda uma fileira de carros na estrada. Em Negócio de Arromba, eles vão vender uma árvore de Natal para o irritadiço James Finlayson. Este bate a porta furiosamente e a árvore fica presa. Stan e Ollie tocam a campainha de novo. Stan puxa a árvore. Fin bate a porta, prendendo desta vez o casaco de Stan. Stan liberta o casaco e tenta ainda convencer o nervoso freguês a comprar a árvore. Fin bate a porta e prende a árvore novamente. A campainha toca e Fin joga a árvore longe. Stan tem uma grande idéia: talvez Finlayson queira comprá-la para o próximo ano. A resposta de Fin é violenta: ele pega uma tesoura de grama e corta a árvore em pedaços. Indignado, Ollie corta alguns fios dos ralos cabelos de Fin. Este quebra o relógio de Ollie. Ollie arranca a campainha da casa. Fin rasga a camisa de Ollie. Em seguida, Fin sai para a rua e destrói a mercadoria dos vendedores. A orgia se intensifica e enquanto Stan e Ollie começam a demolir a casa de Fin, este faz o mesmo com o carro dos dois. Esta escalada de vinganças, soberbamente orquestrada, é o momento supremo de uma verdadeira retaliação coletiva.
Quando McCarey deixou o estúdio de Roach em dezembro de 1928, Stan ficou encarregado de supervisionar os diretores. Pelo que tudo indica, a maioria deles – Clyde Bruckman, Lewis R. Foster, James W. Horne, George Marshall, James Parrott, Charles Rogers, etc. – foram escolhidos por sua maleabilidade. Nenhum tinha uma presença especialmente dominante. Stan era o verdadeiro diretor dos filmes. McCarey parece que exerceu maior controle do que os outros, mas ele só dirigiu oficialmente três comédias da dupla e filmou retakes, sem receber crédito, em algumas outras. Mesmo assim, seu trabalho parece ter sido sempre uma colaboração com Stan.
Nos meados de 1927, livre de suas obrigações para com a Pathé Exchange, sua antiga distribuidora, Hal Roach fez uma parceria com a MGM. O acordo funcionou bem para ambas as partes. A MGM precisava de curtas-metragens para todos os seus cinemas e Roach obteve alguns cinemas de que tanto necessitava para todos os seus curtas-metragens. O estúdio de Roach manteve a sua autonomia, continuando a fazer comédias sem pressa, dando primazia à qualidade. A única diferença agora era que os filmes de Roach seriam distribuídos e divulgados mais efetivamente e Roach obteria mais dinheiro de seus novos parceiros para as suas produções.
O cinema falado estava chegando e, sempre alerta para a mudança, Roach acertou com a Victor Talking Machine a sincronização de certos filmes e instalação de equipamento de som no estúdio. Um desses foi Amor de Cabra ou Cabra Farrista / Angora Love / 1929, o último filme silencioso da dupla. Em 25 de março de 1929, Stan e Oliver entraram no estúdio recém-renovado para o som e começaram a rodar seu primeiro filme falado, Vizinhas Camaradas / Unaccustomed as we Are. Suas vozes foram gravadas com perfeição e pareceram mais engraçadas do que se imaginava. O sotaque inglês de Stan dava um toque de hilaridade adicional às suas palavras. Stan e Oliver planejavam fazer seus filmes falados da mesma maneira que faziam os mudos, ou seja, dando primazia à pantomima, falando somente o necessário para motivar o que estavam fazendo; mas, com o correr do tempo, eles foram se acostumando a falar mais do que haviam pretendido.
No período sonoro, entre os curtas-metragens, há vários  filmes dignos de destaque, mas Delicias de um Automobilista / Perfect Day / 1929, Ajudante Desastrado / Helpmates / 1932 e Caixa de Música / The Music Box / 1932, devem ser obrigatoriamente lembrados pela extraordinária simplicidade e concisão de seu argumento e mise-en-scène e pelo rigor e perfeição dos gags.
Em Delícias de um Automobilista, Stan e Ollie saem para um piquenique com as esposas e o tio, que tem o pé enfaixado. Sempre que tudo parece pronto para a partida, ocorre um incidente – inclusive com o pé do tio, é lógico. Depois de várias frustrações e no meio de reiterados acenos e “adeuses” dos vizinhos, o carro finalmente se movimenta para, logo adiante, submergir na lama.
Em Ajudante Desastrado, Ollie recebe um telegrama informando-lhe de que a esposa vai chegar de viagem, e pede a Stan para ajudá-lo a limpar a casa, que estava na maior bagunça depois de uma farra. Na limpeza, sucedem-se as trapalhadas e, no desenlace, após a explosão, só fica uma cadeira, onde o Gordo, sentado, acata pacientemente a tragédia.
Em Caixa de Música, clássico premiado com o Oscar da Academia, os dois vão entregar uma pianola e se deparam com uma enorme escadaria. O filme descreve a aventura sisifiana dos dois até alcançarem o destinatário, magnificamente interpretado por Billy Gilbert com sotaque alemão e o nome de personagem de comédia mais saboroso de todos os tempos: professor Theodore Von Schwarzenhoffen, M.D., A.D., D.D.S., F.L.D., F.F.F. und F.
Por volta de 1930, Laurel e Hardy eram mais populares do que muitos astros dos filmes de longa-metragem. Os títulos de seus filmes curtos apareciam nas marquises dos cinemas antes do título do filme de longa-metragem. Hal Roach sem dúvida sentiu que a dupla tinha poder de atração para fazer sucesso nesse tipo de produção, que daria mais renda para o estúdio do que os curtas-metragens. Entretanto, foi com relutância que ele finalmente colocou Stan e Olivier no seu primeiro filme de longa-metragem. Nem Stan nem Oliver estavam particularmente ansiosos para entrar no campo dos features. Quando Dorothy Spensley entrevistou a dupla para revista Photoplay, ela escreveu: “Eles não desejam fazer filmes de longa-metragem a não ser que encontrem uma história infalível. Eles viram muitas duplas cômicas fracassarem nos filmes especiais de sete rolos”. Porém, quando o artigo foi publicado, Laurel e Hardy já estavam fazendo o seu primeiro longa-metragem, Perdão para Dois / Pardon Us / 1931.
O fato foi o seguinte: Perdão para Dois havia sido planejado como uma comédia de dois rolos. Roach pediu aos executivos da MGM para usar os cenários da prisão de O Presídio / The Big House, um drama recente com Wallace Beery, e eles concordaram. Quando a história do filme estava sendo escrita, a MGM subitamente revogou a permissão. Roach resolveu construir os cenários por conta própria, e eles ficaram tão caros, que a solução foi fazer um filme de longa-metragem, para recuperar as despesas.
Em novembro de 1931, Henry Ginsberg, foi nomeado o novo gerente geral do estúdio para controlar os custos da empresa, pois os credores de Roach, principalmente o Bank of America, estavam sem saber se o produtor teria condições de pagar vários empréstimos recentes. Para Stan a chegada de Ginsberg significou o primeiro constrangimento sério do seu controle sobre os filmes.
Apesar disso, Roach continuou fazendo filmes de grande sucesso e Fra Diavolo / The Devil’s Brother / 1933 e Filhos do Deserto / Sons of the Desert / 1933 se impuzeram entre os favoritos do público. No primeiro, Olivero Hardy e Stanlio Laurelio, assaltados por bandidos, decidem assumir a identidade do famoso salteador de estradas Fra Diavolo e tentam esvaziar os bolsos do próprio, que depois os utiliza para roubar uma rica aristocrata. No desfecho, os três são presos e condenados à morte; mas, no momento de execução, Stanlio assoa o nariz com um lenço vermelho e atrai dois touros bravios, instaurando-se o pânico. Fra Diavolo foge, e os dois desastrados caem em cima de um touro, que sai em disparada. O segundo filme, retomando o tema das dificuldades conjugais usado em muitas comédias, e aliando-o com a sátira às irmandades secretas, sobressai pelo retorno às telas de Charlie Chase e por ter emprestado o título ao fã-clube internacional, fundado para perpetuar a memória de Laurel e Hardy.
Roach sempre discutiu com Stan com relação às histórias que deveriam filmar, mas a partir de Era Uma Vez Dois Valentes / Babes in Toyland / 1934 e nos próximos anos, a associação entre os dois foi conturbada por divergências cada vez maiores. A velha atmosfera descontraida que reinava no estúdio estava mudando dramaticamente, na medida em que Roach concentrava sua energia na produção de filmes de prestígio. Era muito natural aquele clima de despreocupação, quando estavam fazendo filmes de 60 mil dólares, mas os filmes de 150 a 200 mil dólares deviam ser tratados com mais seriedade.
Em 5 de abril de 1940, o contrato da dupla expirou e Stan e Oliver terminaram sua associação com Hal Roach. Imediatamente, Stan, Oliver e o advogado Benjamin William Shipman fundaram a Laurel and Hardy Feature Productions, e em 23 de abril de 1941, a 20thCentury-Fox celebrou um contrato com a nova produtora.  Stan e Oliver fariam um longa-metragem para a Fox; posteriormente, a dupla teria uma opção para fazer mais nove filmes nos nove anos seguintes. Eles teriam liberdade de trabalhar para outras companhias e a se apresentar no teatro ou no rádio.
Stan ficou animado como o contrato da Fox. Ele pensou que desfrutaria de todos os recursos de um grande estúdio sob seu comando. Entretanto, não havia na Fox espaço para os métodos criativos, que tinham sido possíveis numa pequena unidade independente do estúdio de Roach. Na equipe de Roach havia um punhado de técnicos que conheciam todos as sutilezas e segredos da comédia cinematográfica; o que não havia na Fox.  Stan se sentiu algemado; contratado apenas como ator, ele não podia influenciar a direção nem era consultado sobre os scripts. O resultado foi decepcionante, salvando-se apenas o charme natural da dupla.
Após terem feito seis filmes na Fox entre 1941 e 1944 e dois outros para a MGM, Laurel e Hardy, resolveram se afastar das telas. Na década restante de sua carreira, Hardy participou como coadjuvante em Estranha Caravana / The Fighting Kentuckyan / 1949 ao lado de John Wayne e Nada Além de um Desejo / Riding High / 1950 com Bing Crosby  (em face de problemas contratuais na época, Hardy já tinha feito sozinho Zenobia / Zenobia / 1939 com Harry Langdon).  Finalmente, como dupla, eles abriram uma exceção infeliz, aceitando o convite para filmar uma comédia na França, A Ilha da Bagunça / Atoll K / 1950, sobre a qual é melhor não comentar.
A última aparição  pública de Laurel e Hardy ocorreu inesperadamente em 1 de dezembro de 1954, quando foram homenageados no programa de televisão ao vivo da NBC, This is Your Life. Stan e Oliver estavam entre as personalidades mais populares na TV no começo dos anos 50, por causa da exibição de seus filmes na tela pequena. No início de 1955, eles concordaram em fazer uma série de “especiais” de uma hora em cores (intitulada provisoriamente Laurel and Hardy’s Fabulous Fables) para Hal Roach Jr. ; mas, em virtude de problemas de saúde dos dois comediantes, o projeto foi abandonado.
Em 14 de setembro de 1956, Oliver sofreu um ataque do coração. Seu corpo ficou completamente paralizado; ele não conseguia falar e mal podia comer. Após um mês internado no St. Joseph’s Hospital em Burbank, Hardy voltou para casa. Porém em agosto, ele sofreu mais dois ataques e entrou em coma. As 7:25 da manhã, do dia 7 de agosto de 1957, seu coração parou de bater.
Stan havia tido um enfarte em 25 de abril de 1955, mas se recuperou e viveu até 1965, quando faleceu também de um ataque do coração, às 1:45 da tarde do dia 23 de fevereiro, tendo recebido, em 1960, um Oscar especial da Academia por seu “pioneirismo criativo no campo da comédia cinemtográfica”.
Muito antes disso, porém, Mr. Laurel e Mr. Hardy já haviam conquistado a imortalidade.
FILMOGRAFIA
A filmografia de Laurel e Hardy é das mais complexas por causa de fontes errôneas, contraditórias ou incompletas. Não existe relação completa de todos os filmes nos quais trabalharam separados, em geral como coadjuvantes de outros comediantes de maior renome na época. Há também muita dificuldade de se identificar os títulos em português com os originais, encontrando-se um título do lançamento e outros de reprises, sem falar nos das versões estrangeiras, reuniões de duas comédias e os da televisão. Vou relacionar apenas os títulos dos filmes da dupla (os quais pesquisei juntamente com Gil de Azevedo Araújo), mas sem as fichas técnicas, que poderão ser encontradas no importante livro de Randy Skretvedt, Laurel and Hardy – The Magic Between the Movies (Past Times, 1996), do qual extraímos muitas informações. Outra fonte que recomendamos, é The Laurel and Hardy Encyclopedia de Glenn Mitchell (Reynolds & Hearn, 2008). 1926 – 45 Minutes to Hollywood. 1927 – Duck Soup; Slipping Wives; O NAMORADO / Love’em and Weep; Why Girls Love Sailors; OS RESERVISTAS / With Love and Hisses; VELHOS E VELHACOS / Suggar Daddies; CUIDADO COM OS MARUJOS / Sailors, Beware! ; DETETIVES PENSAM? / Do Detectives Think? ; VELHOS E VELHACOS / Sugar Daddies; The Second Hundred Years; Now I’ll Tell One. Call of The Cuckoos; Hats Off; The Battle of the Century. 1928 – Leave’em Laughing; NA IDADE DA PEDRA ou OS ELEFANTES VOADORES ou UM AMOR NA PRÉ-HISTÓRIA / Flying Elephants; The Finishing Touch; DA SOPA Á SOBREMESA ou UMA SITUAÇÃO EMBARAÇOSA / From Soup to Nuts; You’re Darn Tootin’; Their Purple Moment; Should Married Men Go Home? ; Early to Bed; NAVEGANDO EM SECO ou DOIS MARUJOS / Two Tars; HABEAS CORPUS / Habeas Corpus; We Faw Down. 1929 – LIBERDADE / Liberty; NOVAMENTE ERRADO / Wrong Again; That’s My Wife; NEGÓCIO DE ARROMBA / Big Business; VIZINHAS CAMARADAS / Unaccustomed As We Are; LEITO RESERVADO / Berth Marks; SURURU NO PARQUE ou A CANOA VIROU / Men O’War; DELÍCIAS DE UM AUTOMOBILISTA / A Perfect Day; COMPANHEIROS DE QUARTO / They Go Boom; O CALOTEIRO / Bacon Grabbers; XADRÊS PARA DOIS / Hoosegow; HOLLYWOOD REVIEW / Hollywood Review of 1929; AMOR DE CABRA ou CABRA FARRISTA / Angora Love. 1930 – GATOS ESCALDADOS / Night Owls; NOITES DE FARRA / Blotto; TAIS PAIS, TAIS FILHOS ou GAROTOS DA FUZARCA / Brats; FRIO SIBERIANO / Below Zero; AMOR DE ZÍNGARO / The Rogue Song; A ARTE DE INSTALAR ANTENAS / Hog Wild; AVENTURAS DE LAUREL E HARDY / The Laurel-Hardy Murder Case; OUTRA ENCRENCA ou PROPRIETÁRIO À FORÇA / Another Fine Mess. 1931 – TIRA-BOTA / Be Big; PREFEITO IMPERFEITO / Chickens Come Home; The Stolen Jools; EM ESTADO GRAVE ou HÓSPEDES INDESEJÁVEIS ou INQUILINOS INDESEJÁVEIS ou INQUILINOS DO BARULHO / Laughing Gravy; RAPTO À MEIA-NOITE ou NOSSA ESPOSA / Our Wife; PERDÃO PARA DOIS / Pardon Us; FALE A VERDADE / Come Clean; SEJAMOS CAMARADAS / Save the Ladies; FORMAÇÃO DE CULPA ou CORPO DE DELITO / One Good Turn; BEAU GÊNIO ou DOIS RECRUTAS NO DESERTO / Beau Hunks; A FARRA DE PRAXE / On the Loose. 1932 – AJUDANTE DESASTRADO / Helpmates; LUTANDO PELA VIDA ou MARUJO NÃO LEVA DESAFORO / Any Old Port; CAIXA DE MÚSICA ou ENTREGA A DOMICÍLIO / The Music Box; SOMOS DE CIRCO ou RIFA-SE UM CHIMPANZÉ / The Chimp; ESTADO GRAVE  ou  TRÂNSITO ATÔMICO / County Hospital; SUMAM-SE ou PASSA FORA / Scram; PROCURA-SE UM AVÔ ou ACABARAM-SE AS ENCRENCAS / Pack up Your Troubles; O PRIMEIRO ENGANO ou  SUA PRIMEIRA FALTA / Their First Mistake;  BARQUEIRO DE VOGA  ou  PEIXE FRESCO  ou  PESCANDO EM SECO / Towed in a Hole. 1933 – DOIS A DOIS ou LAR E DOCE / Twice Two; EU E COMPANHIA ou DOIS AMIGALHÕES / Me and My Pal; FRA DIAVOLO / Fra Diavolo; A PATRULHA DA MEIA-NOITE / The Midnight Patrol; BICHO CARPINTEIRO ou ATERRISAGEM FORÇADA / Busy Bodies; QUE POSE! / Wild Poses; TRABALHO SUJO / Dirty Work; FILHOS DO DESERTO / Sons of the Desert. 1934 – O XODÓ DE OLIVIO VIII ou O NOIVO MISTERIOSO / Oliver the Eighth; FESTA DE HOLLYWOOD / Hollywood Party; VOCÊS ME PAGAM ou A MALA E O LOUCO / Going Bye-Bye; O POÇO DE PIFÃO ou  ÁGUAS MEDICINAIS  / Them Thar Hills; ERA UMA VEZ DOIS VALENTES / Babes in Toyland; O MORTO-VIVO / The Live Ghost. 1935 -.DENTE POR DENTE / Tit for Tat; The Fixer Uppers; DE PURO SANGUE / Thicker Than Water; MOSQUETEIROS DA ÍNDIA / Bonnie Scotland. 1936 – A PRINCESA BOÊMIA / The Bohemian Girl; CAMINHO ERRADO / On The Wrong Trek; SOSSEGA LEÃO ou FAMÍLIA COMPLICADA / Our Relations. 1937 -DOIS CAIPIRAS LADINOS / Way Out West; MANIA DE HOLLYWOOD / Pick a Star. 1938 – QUEIJO SUIÇO / Swiss Miss; A CEIA DOS VETERANOS / Blockheads. 1939 – PAIXONITE AGUDA / The Flying Deuces. 1940 – DOIS PALERMAS EM OXFORD / A Chump at Oxford; MARUJOS IMPROVISADOS / Saps at Sea. 1941 – BUCHA PARA CANHÃO / Great Guns. 1942 – DOIS FANTASMAS VIVOS / A Haunting We Will Go. 1943 – SALVE-SE QUEM PUDER / Air Raid Wardens: Three On a Test Tube; LADRÃO QUE ROUBA LADRÃO / Jitterbugs; MESTRES DE BAILE / The Dancing Masters. 1944 – A BOMBA / The Big Noise. 1945 – COZINHEIROS DO REI / Nothing But Treouble; TOUREIROS / The Bullfighters. 1952 – A ILHA DA BAGUNÇA / Atoll K.
Títulos em português não identificados com os originais: Milionários de Alto Bordo; Maridos Caseiros; Domingo de Sol, Maridos Bilontras, A Eterna Quebradeira, Dois Gelados, Maridos em Apuros, Fora de Perigo, Leitos Reservados.
Versões identificadas com títulos em português: POLITIQUICES / Politiquerias (versão espanhola de Chickens Come Home); OS CAVEIRINHAS / Los Calaveras (versão espanhola da reunião de Be Big e Laughing Gravy); CANTANDO NA CHUVA / La Vida Nocturna (versão espanhola de Blotto); RADIOMANIA / Radio-Mania (versão espanhola de Hog Wild); PIRATAS DE MEIA CARA / Ladrones (versão espanhola de Night Owls).
Versões identificadas sem títulos em português: Tiembla y Titubea (versão espanhola de Below Zero), Noche de Duendes (versão espanhola da reunião de The Laurel-Hardy Murder Case e Berth Marks), De Bote en Bote (versão espanhola de Another Fine Mess); Une Nuit Extravagante (versão francesa de Blotto); Les Bons Petis Diables (versão francesa de Brats); La Maison de la Peur ou Feu Mon Oncle (versão francesa da reunião de The Laurel-Hardy Murder Case e Berth Marks), Sous le Verrous (versão francesa de Pardon Us); Les Carottiers (versão francesa da reunião de Be Big e Laughing Gravy), Les Deux Legionnaires (versão francesa da reunião de Beau Hunks e Helpmates), Glückliche Kindheit (versão alemã de Brats); Der Spuk um Mitternacht (versão alemã da reunião de The Laurel-Hardy Murder Case e Berth Marks); Hinter Schloss und Riegel (versão alemã de Pardon Us); Ladroni (versão de Night Owls); Muraglie (versão italiana de Pardon Us).
Na televisão, num pacote de comédias distribuído pela “DIF” – Distribuidora Internacional de Filmes Ltda., aparecem novos títulos em português da dupla: ÁGUA QUE PASSARINHO NÃO BEBE / Them Thar Hills; APENAS UM LIGEIRO ENGANO / Wrong Again; APRESENTO-LHE MINHA ESPOSA / That’s My Wife; BI DOIS / Twice Two; BOLA DE NEVEB / Below Zero; O CAPITÃO E SEU MARUJO / Towed in a Hole: CHAVE DO PROBLEMA B/ Scram; A CIGANA ME ENGANOU / Alpine Antics (condensação de Swiss Miss); CONFUSÃO EM PROFUSÃO / Another Fine Mess; DE PERNAS PRO AR / Going Bye-Bye; DESCANSO ATRIBULADO / They Go Boom; DESTRUIDFOR DE LAR / Unaccustomed As We Are; NOITE DE PAZ / The Laurel-Hardy Murder Case; NO TEMPO EM QUE ATÉ ELEFANTES VOAVAM / Flying Elephants; OLHO POR OLHO / Tit for Tat; ORQUESTRA MALUCA / You’re Darn Tootin’; PATRULHEIROS EM ALERTA / The Midnight Patrol; PROCURA-SE UM MARIDO / Oliver the Eighth; RIFIFI ÀS AVESSAS / The Night Owls; SILÊNCIO HOSPITAL / County Hospital; TREM DO BARULHO / Bert marks; TRIÂNGULO AMOROSO / Sugar daddies; UMA BOA AÇÃO NEM SEMPRE DÁ BOM RESULTADO / One Good Turn; UMA LUTA SEM IGUAL / Any Old Port; UMA MACACA EM MUITOS GALHOS / The Chimp; DOIS BIRUTAS NA LEGIÃO ESTRANGEIRA / Beau Hunks; DOIS BOÊMIOS DO BARULHO / Blotto; DOIS CANÁRIOS NA GAIOLA / Hoose-Gow; DOIS CUCOS PARA UM RELÓGIO / Thicker Than Water; DOIS DETETIVES DA PESADA / Do Detectives Think?; DOIS INQUILINOS DO BARULHO / Laughing Gravy; DOIS MARCENEIROS FORA DO ESQUADRO / Busy Bodies; DOIS MÚSICOS DESAFINADOS / The Music Box; DUAS BABÁS PARA UM BEBÊ / Their First Mistake; FILHO DE PEIXE PEIXINHO É / Brats; O GORDO HERDEIRO / Early to Bed; LIBERDADE E SEUS PERIGOS / Liberty; O LIMPA-CHAMINÉS / Dirty Worj; MARINHEIRO DE ÁGUA DOCE / Men O’ War; MARUJOS TRAPALHÕES / Two Tars; UM CASAMENTO SEM CONSENTIMENTO / Our Wife;  UM DIA PERFEITO / Perfect Day; UM DUELO DE AMOR / The Fixer Uppers; UM FANTASMA MUITO VIVO / Live Ghost; UM MARIDO DISTRAIDO / Hog Wild; UM MOMENTO DE GLÓRIA / Their Purple Moment; UM PAR DESIGUAL / Be Big; UM PREFEITO PERFEITO / Chickens Come Home; UM QUEBRA-CABEÇA PARA UM CABEÇA-DURA / Me and My Pal; A VIDA MILITAR É BOA / With Love and Hisses; DOIS TRAPALHÕES BEM INTENCIONADOS / Pack Up Your Troubles; REBELIÃO DO RISO / Pardon Us.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

“Se eu encontrar dez justos na cidade não a destruirei”

Waldemar Rossi   no CORREIO DA CIDADANIA

A frase acima faz parte do primeiro livro bíblico e mostra um momento na História daquele povo em que a corrupção corria solta, em que todos os valores humanos tinham sido jogados na lata do lixo. Os escritores fizeram essa narração nos tempos da escravidão na Babilônia, pretendendo mostrar a decadência do império babilônico – cuja derrota se deu algumas décadas mais tarde. Não se trata de querer “catequizar” ninguém. O que se pretende com o título e com este artigo é chamar a atenção para o grau de degradação por que passa a nação brasileira, hoje, quase três milênios depois da narração do fato hipotético.

Cinqüenta anos atrás, imaginar que a degradação do povo brasileiro pudesse chegar ao fundo do poço era inadmissível. Mas está acontecendo. Como de hábito na História dos povos, tudo é fruto da corrupção dos poderes que, marcada pela impunidade e alardeada pelos meios de comunicação – que a praticam em larga escala –, vai impregnando o conjunto da população. Corrupção dos políticos já era bem conhecida. Mas, entre a população havia muito de dignidade e de respeito à vida alheia. Uso e abuso da droga eram ainda bem pequenos; assassinatos geravam revoltas e indignação, e de massacres não se tinham conhecimento, embora esses sempre fizessem parte da nossa criminosa história de colonização e escravatura. Nos meios urbanos do início do século XX havia mais respeito à vida alheia e preservação da honradez.

Mas os interesses do capital são perversos e amorais. E esses valores estão prevalecendo como nunca havia acontecido. Seu único valor é o lucro. Para atingi-lo tudo é válido, desde a destruição de valores humanos, até mesmo destruição de todo tipo de vida, incluída a vida humana. Quanto maior a decadência moral maior a facilidade para a dominação ideológica e a exploração econômica - seu objetivo último e supremo.

Como seu deus é a riqueza, o capitalista usa de todos os recursos para dela se apropriar. Organiza e promove golpes militares, implanta ditaduras; prende, tortura e assassina seus opositores; invade terras dizimando nações indígenas, seus habitantes milenares; massacram trabalhadores rurais (posseiros, quilombolas, ribeirinhos, pequenos proprietários); derrubam matas imensas, extinguindo milhares de espécies animais e vegetais; contaminam águas de lagoas, de rios, subterrâneas e marítimas; provocam acidentes ambientais destruidores de toda espécie de vida.

E os mandantes desses crimes restam impunes e, mais que isto, incentivados e subsidiados por governantes inescrupulosos e corrompidos pelo poder econômico. A justiça se tornou vesga e profundamente manchada de sangue do seu povo. Centenas de juízes e ministros se tornam piores que Pilatos, porque não têm como lavar suas mãos impregnadas do sangue dos inocentes. Neste triste Brasil, a cada dia surgem notícias de assassinatos de trabalhadores, de indígenas e até daqueles(as) que, marcados pelos valores da justiça, decidem fazer frente a tanto banditismo oficial.

É deprimente acompanhar o noticiário e deparar, a cada dia, a revelação de mais um grupo de corruptos dos altos escalões, federais, estaduais e municipais. Assim como já se tornou corriqueiro saber que obras públicas nas três instâncias de governo são superfaturadas ou contratadas em desrespeito às leis e ao direito. Provocam sorrisos irônicos dos cidadãos os desmentidos por parte dos acusados, que não mostram o menor escrúpulo pelos crimes praticados. Sabem que serão preservados de punições maiores, sabem que as cadeias não foram feitas para eles e sim para os pequenos infratores ou mesmo para muitos inocentes.

Felizmente, podemos dizer que há mais de dez justos neste país, não entre os que estão no poder - salvo raríssimas exceções. O que nos alimenta novas esperanças é perceber que a cada ano maior número de pessoas se dá conta do descalabro reinante, vai perdendo antigas ilusões quanto ao sistema e até mesmo quanto a organizações ultrapassadas. São pessoas que, despertando do marasmo e do torpor, vão se indignando e ousando engrossar as colunas - ainda débeis, mas crescentes - do movimento social, se juntando às pessoas que teimam em resistir à degradação oficial.

Sem dúvidas se trata de um fenômeno mundial. De várias partes do mundo surgem notícias que resgatam as esperanças, que alimentam a vontade popular de promover alguma revolução política, econômica e cultural. Em muitos países a evolução é maior que no Brasil.

Mas aqui também a vergonha não desmoronou totalmente e o brio vem promovendo reações positivas. Professores e alunos lutam por mudanças estruturais nas escolas e universidades em vários estados do país; trabalhadores promovem paralisações da produção exigindo melhores condições de trabalho, de salário e de vida; campanhas pela moralização da política vêm ganhando espaços nas cidades; denúncias da corrupção são cada vez mais freqüentes; debates das questões políticas, ambientais, de segurança e econômicas se multiplicam aos poucos, gerando pequenas mobilizações. São luzes tênues ainda, mas sinais inequívocos de que as coisas estão em processo de mudanças. “Debaixo do céu há momento para tudo... Tempo para destruir e tempo para construir;... tempo para rasgar e tempo para costurar;... tempo para chorar e tempo para rir.” (Ec. 3, 1-8).

Está chegando a hora, tempo de o povo rasgar o que está podre e costurar a sociedade da justiça social e da solidariedade entre os homens e mulheres de boa vontade. Perder a esperança, jamais! Não vacilar, mas perseverar com muita confiança e convicção no poder criativo do povo esclarecido e organizado.


Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

O que está em jogo

Devíamos, desde já, começar a preparar o cenário B, uma saída deste euro, a sós ou juntamente com outros países, com o argumento, que os fatos comprovam, de que, com ele, as desigualdades entre países não cessarão de aumentar. A auditoria da dívida será um sinal da seriedade dos nossos propósitos.


O verniz estalou. O aprofundamento da crise europeia tornou possível uma nova radicalidade e uma nova transparência. Até há pouco, eram consideradas radicais as posições daqueles que se opunham à intervenção e às receitas da troika por razões de soberania, de democracia e por suspeitarem que a crise era o pretexto para a direita aplicar em Portugal a “política de choque” das privatizações, incluindo as da saúde e da educação. Propunham a desobediência ao memorando em face do desastre grego ou pediam uma auditoria da dívida para retirar dela parcelas de endividamento ilegítimas ou mesmo ilegais. Eram consideradas radicais porque punham em causa a sobrevivência do euro, porque desacreditavam ainda mais o nosso país no contexto europeu e internacional, porque, se fossem aplicadas, produziriam um desastre social, precisamente o que se pretendia evitar com o memorando.

O aprofundamento da crise está a dar azo a uma nova radicalidade que, paradoxalmente, e ao contrário da radicalidade anterior, parte da estrita obediência à lógica que preside à troika e ao memorando. Comentadores
do Financial Times e políticos dos países do Norte da Europa defendem o fim do euro, porque afinal o “euro é o problema”, propõem um euro para os países mais desenvolvidos e um outro para os menos desenvolvidos, defendem que a saída do euro por parte da Grécia (ou de outros países, subentende-se) pode não ser uma má ideia desde que controlada, e defendem, finalmente, a permanência do euro na condição de os países endividados se renderem totalmente ao controle financeiro da Alemanha
(federalização sem democracia). Ou seja, a radicalidade tem hoje duas faces e isto talvez nos permita uma nova transparência quanto ao que está em jogo ou nos convém.

A transparência do que se omite é tão importante quanto a do que se diz. Em ambos os casos ocorre porque os interesses subjacentes estão... à superfície. A transparência do que se omite. Primeiro, não é possível voltar à “normalidade” no atual quadro institucional europeu. Neste quadro, a União Europeia caminha inevitavelmente para a desagregação. Depois da Itália, seguir-se-ão a Espanha e a França. Segundo, as políticas de austeridade, para além de injustas socialmente, são não só ineficazes como contraproducentes. Ninguém pode pagar as suas dívidas produzindo menos e, por isso, estas medidas terão de ser seguidas por outras ainda mais gravosas, até que o povo (não tenhamos medo da palavra), o povo fustigado, sofrido, desesperado diga: “Basta!” Terceiro, os mercados financeiros, dominados como estão pela especulação, nunca recompensarão os portugueses pelos sacrifícios feitos, já que não reconhecer a suficiência destes é o que alimenta o lucro do investimento especulativo. Sem domar as dinâmicas especulativas e esperando que o mundo faça o que pode e deve começar a ser feito a nível apenas europeu, o desastre social ocorre tanto pela via da obediência como pela via da desobediência aos mercados.

A transparência do que nos convém. Falo dos portugueses, mas o meu “nós” envolve os 99% dos cidadãos e todos os imigrantes do Sul da Europa e envolve todos os europeus para quem uma Europa de nacionalismos é uma Europa em guerra e para quem a democracia é um bem tão exigente que só faz sentido se, ele próprio, for distribuído democraticamente. Qualquer solução que vise minimizar o desastre que se aproxima deve ser uma solução europeia, ou seja, uma solução que deve ser articulada com, pelo menos, alguns países do euro.

São duas as soluções possíveis. A primeira, que é o cenário A, consiste em fazer pressão, articuladamente com os outros países “em dificuldade”, no sentido de se alterar a curto prazo quadro institucional da UE de modo a que se torne possível mutualizar a dívida, federalizando a democracia. Isto implica, entre outras coisas, dar poderes ao Parlamento Europeu, fazer a Comissão responder perante ele e eleger diretamente a presidência. Implica também uma política industrial europeia e a busca de equilíbrios comerciais no interior da Europa. Por exemplo, a Alemanha, que tanto exporta para a Europa, deverá importar mais da Europa, abandonando o mercantilismo da sua procura incessante de excedentes? Para tal ser possível é preciso uma política aduaneira e de preferências comerciais intraeuropeias, assim como uma refundação da Organização Mundial do Comércio, aliás já hoje um cadáver adiado, no sentido de começar a construir o modelo de cooperação internacional do futuro: acordos globais e regionais que, cada vez mais e sempre na medida do possível, façam
com que os lugares de consumo coincidam com os lugares de produção.

Implica também uma regulação financeira prudente a nível europeu que passa por um mandato pósneoliberal para o Banco Central Europeu (mais poderes de intervenção com base em mais controlo democrático nas
estrutura e no funcionamento). Esta solução contrapõe-se frontalmente à solução autoritária proposta pela Alemanha, que consiste em submeter todos os países à tutela alemã, como contrapartida dos eurobonds ou de outro mecanismo de europeização da dívida. Esta rendição ao imperialismo alemão significaria que, na Europa, só tem direito à democracia quem tem dinheiro.

O cenário A é exigente e exigiria que, desde já, e apesar dos limites do atual mandato, o BCE assumisse um papel muito mais ativo para assegurar o tempo de transição. A prudência recomenda, no entanto, que a hipótese de tal cenário falhar seja prevista e considerada seriamente.

Devíamos por isso, desde já, começar a preparar o cenário B, uma saída deste euro, a sós ou juntamente com outros países, com o argumento, que os fatos comprovam, de que, com ele, as desigualdades entre países não cessarão de aumentar. A auditoria da dívida será um sinal da seriedade dos nossos propósitos. Os custos sociais da solução B não são mais altos quanto os custos do falhanço da solução A e permitem, pelo menos, ver uma luz ao fim do túnel.
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Pokrajina St.2 - Landscape No.2


Os ladrões Sergej e Polde roubam uma valiosa pintura chamada "Landscape No.2". Coincidentemente, Sergej também acaba colocando no pacote um documento secreto datado de antes do final da Segunda Guerra. Um homem conhecido como Instrutor é destacado para recuperar a pintura e o documento roubados, mas isso irá desencadear uma diabólica trama do passado.
Direção: Vinko Moderndorfer
Duração: 91 minutos
Ano de Lançamento: 2008
País de Origem: Eslovenia
Créditos: CULTURA INSANA
Elenco:
Marko Mandic, Slobodan Custic, Barbara Cerar, Maja Martina Merljak, Janez Hocevar, Jaka Lah, Janez Skof (2), Peter Musevski, Slavko Cerjak, Stefka Drolc, Natasa Ninkovic, Alenka Cilensek, Domen Sneberger, Magdalena Kropiunig, Jana Zupancic

download
Legenda:

Greve de coerência



JUREMIR MACHADO DA SILVA
 
A greve do magistério do Rio Grande do Sul é um caso de escola para se analisar as contradições da política. Ou dos políticos? Tenho certeza de que se estivesse sobrando muito dinheiro o governador Tarso Genro pagaria o Piso na hora. O problema é que só quatro estados brasileiros (Minas Gerais, Pará, Bahia e Rio Grande do Sul) não o pagam. E a Bahia garante que paga, sim. Como é que conseguem? Outro ponto é o tempo para preparação de aulas garantido pela nova lei: 17 estados não o respeitam. Mas, quanto ao salário, só três ou quatro. No "Esfera Pública", na Rádio Guaíba, o senador petista Paulo Paim botou o governo numa saia justa. Lembrou que durante a sua campanha, em 2010, fartou-se, assim como seus companheiros de partido, de atacar a governadora Yeda Crusius por não querer pagar o Piso. Como mudar de discurso agora? Como passar do duro "Yeda não paga porque quer" para o mole "Tarso não paga porque não pode?"

Sou testemunha de que Tarso Genro não prometeu pagar o Piso imediatamente. No mesmo "Esfera Pública", durante a campanha eleitoral, comprometeu-se a fazê-lo ao longo do seu mandato. Mas isso não poderia ser no apagar das luzes ou a conta ficaria para o governo seguinte, que poderá ser o dele mesmo ou de outro. A contradição volta: por que os petistas cobravam pagamento imediato de Yeda e querem pagar a médio ou longo prazo? A única explicação é a tradicional: uma coisa é ser oposição, outra é ser situação. Como diz o sábio, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O problema do governador Tarso Genro com os professores, sobre o Piso, é o que o seu partido disse antes, como opositor, sobre o mesmo assunto. Situação agravada pelo fato de que a maioria esmagadora dos estados brasileiros paga o Piso. Por fim, esperava-se que o Cpers fosse correia de transmissão do governo e desse mole nessa questão. Alguns criticavam o Cpers por antecipação. A surpresa está aí. Sem dó nem fidelidade.

Em linguagem dura, o Rio Grande do Sul está fora da lei. Paulo Paim foi mais longe: como aceitar que o seu office boy no Senado ganhe o dobro do Piso de um professor? A política está atolada em contradições. Cada partido tem o seu mensalão. Atacados, todos criticam o financiamento privado de campanha. Assim: dado que existe a necessidade de pedir dinheiro às empresas privadas, que fazem negócios com o Estado, é inevitável um troca-troca. Nalguns casos, empresas dão propinas para ter licitações aprovadas. Em outros, devolvem parte do orçamento superfaturado. Coro: só o financiamento público resolve.

Não será uma maneira de aproveitar o pepino para fazer uma boa limonada? Não ter mais de correr atrás de dinheiro para campanha? A impressão é de que toda afirmação de um político é estratégica: fortalecer seu interesse ou o do seu partido. O governo do Rio Grande do Sul parece só ter uma medida a tomar para acabar com a greve do magistério e sair da contradição: apresentar um cronograma de pagamento do Piso. E aprender uma lição: é preciso tomar cuidado com o que se diz. O último problema é que essa lei do Piso foi concebida por Tarso Genro. Se não pagar agora, vai ter custo nas eleições de 2012.

JUREMIR MACHADO DA SILVA é jornalista, escritor e professor

* Artigo publicado no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre (RS), em 22.11.11

'Governo poderia ser um pouco mais ousado na crise', diz Pochmann

Em entrevista à Carta Maior, presidente do Ipea, Marcio Pochmann, defende que país use fundo soberano para comprar ações de multinacionais e que, para salvar PIB, Banco Central acelere corte do juro. Para ele, economias ricas tornaram-se 'ocas' e, com piora da situação global, arrocho fiscal ficou exagerado e deveria diminuir. Juro real no Brasil deveria ser de 2%, afirma.


BRASÍLIA – Marcio Pochmann tem a voz mansa, baixa e o costume de abotoar a camisa social no pescoço sem usar gravata que fazem pensar que se está diante de um padre. Há quatro de seus 49 anos à frente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o gaúcho é uma hipótese na cabeça do autor de sua nomeação, o ex-presidente Lula, para disputar a prefeitura de Campinas, onde se doutorou em Ciência Econômica em 1993.

Em 18 anos de doutor, Pochmann viu o apogeu do neoliberalismo liderado pelo sistema financeiro e, hoje, assiste à (palavra dele) decadência do mundo rico. Pela primeira vez desde a crise de 1929, quem puxa a economia global são os países em desenvolvimento. O Brasil está na nova locomotiva. Mas, diz Pochmann, deveria ser mais ousado, para encurtar mais a mais depressa a diferença que separa o país do velho “primeiro mundo”.

Por que não aproveita que algumas ações em bolsas mundo afora custam pouco e vira acionista de multinacionais? Participar da tomada de decisões que repercurtem no país é sempre benéfico. Por que não acelera o corte da taxa de juro do Banco Central e reduz o pagamento de juros da dívida pública? Se protegeria melhor dos efeitos de um cenário externo para lá de desalentador.

Nesta entrevista à Carta Maior, além de defender ousadia, Pochmann diz que há uma disputa no governo sobre o tipo de crescimento do país (primário exportador versus tecnológico-industrial), analisa a mudança geográfica no dinamismo econômico global, defende juro real de 2%, faz um balanço do primeiro ano de Dilma Rousseff e aponta os principais desafios do país para 2012. A seguir, a íntegra da entrevista.

Um estudo recente do Ipea diz que desde a crise de 2008 os países em desenvolvimento contribuem mais para o crescimento mundial do que os ricos. Essa é uma situação que veio para ficar ou tem prazo de validade?

Marcio Pochmann: A economia europeia, os Estados Unidos e mesmo o Japão estão se transformando cada vez mais em economias ocas, devido ao deslocamento do seu setor produtivo para outras áreas geográficas do mundo, especialmente a Ásia. É a primeira vez, desde a crise de 1929, que o dinamismo econômico vem sendo protagonizado por países não desenvolvidos. As medidas tomadas pelos países ricos em 2008 foram muito importantes para evitar uma depressão e resolveram, de certa forma, a solvabilidade do setor financeiro. Mas não foram suficientes para dinamizar a economia porque o setor produtivo estava muito comprometido. O que não se verificou nos BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul]. Brasil, China e a Índia tomaram medidas que fortaleceram o mercado interno e saíram muito mais fortes. E não tenho dúvida de que continuarão se fortalecendo. A não ser que tenhamos um conflito. Historicamente, o deslocamento do centro dinâmico sempre foi acompanhado ou sucedido de conflitos armados. Até quando Estados Unidos e Europa aceitarão tranquilamente seu esvaziamento econômico, o crescimento do desemprego, a desigualdade de renda?

O senhor acredita em hipótese real de o mundo passar por uma guerra?


Pochmann: Espero que não. Os países desenvolvidos estão diante da seguinte escolha: a decadência ou o declínio. Decadência é a desorganização, a ruptura política. Um dos sinais de decadência é o que ocorreu recentemente nos Estados Unidos na disputa política dos pela ampliação do limite de endividamento. O governo Obama tinha sido autorizado três vezes e de repente não foi. Isso é um constrangimento inimaginável. Decadência é a incapacidade de construir maiorias políticas. É o que estamos vendo na Europa. Crise política aberta, quase uma volta ao colonialismo, a impossibilidade de ter decisões nacionais. A Grécia foi fortemente afetada pelos países da União Europeia porque quis se submeter ao vaticínio popular. Declínio seria aceitar que o padrão de vida do país não vai mais crescer como vinha crescendo. E essa acomodação pode ser feita em termos civilizados. Claro que a decadência dos países ricos contamina os BRICS também, mas o cenário que está aberto para nós não é de decadência nem de declínio, é de crescimento. Não sabemos, no caso brasileiro, para aonde vai esse crescimento. Eu costumo lembrar que o crescimento é possível no vaco ou na fama [dois acrônimos que o entrevistado explicará]. Fama é muita fazenda, muita mineração, muita maquiladora, quer dizer, o Brasil vai crescer como cresceu nos quatro séculos passados, como produtor e exportador de produtos primários.

O senhor acha que o Brasil hoje sofre esse problema? Há uma qualidade insuficiente do crescimento? Cresce errado?

Pochmann: Já te respondo. A outra alternativa é o Brasil do vaco, do valor agregado e do conhecimento. Acredito que a novidade do Brasil nessa primeira década do século XXI é a construção de maioria política que tem clareza que o país não pode mais continuar com voo de galinha. O voo de galinha nos fez mal nos anos 80 e 90 e levou a uma regressão econômica e social. Em 1980, o Brasil era a oitava economia do mundo, no ano 2000 era a 13ª, até o México nos superou. No meu modo de ver, há uma maioria em torno de que o Brasil não pode mais repetir os anos 80 e 90. Isso nos deu a possibilidade de construir políticas de compromisso com o crescimento. O que não está claro, é objeto de disputa dentro do governo, é um governo muito amplo, é: qual crescimento? Quando olhamos a taxa de juros e a taxa de câmbio, isso aí é aplauso para o país da fama. Agora, quando você olha o Brasil Maior, uma tentativa de organizar uma política industrial, o Brasil Sem Miséria, a ênfase na educação, a elevação dos gastos na educação, a expansão das bolsas para o exterior, a constituição da Embrapi [Empresa Brasileira de Pesquisa Industrial], essas ações são para o Brasil do vaco.

E quem está ganhado essa disputa dentro do governo, na sua avaliação?

Pochmann: Não temos um balanço, porque o que aconteceu nesse período de expansão não se deu apenas por determinações endógenas, nacionais. Claro que são elas as mais importantes, no entanto, o Brasil se reposiciona no mundo frente a uma perda de influência dos Estados Unidos e um crescimento da China. Em 2000, as exportações brasileiras para a China representavam 2% das nossas. Hoje, se aproximam dos 20%. Os Estados Unidos eram 25%, agora são menos de 15%. Essa inversão, da forma com que foi feita, trouxe impactos do ponto de vista produtivo. Com os Estados Unidos, nossa pauta de exportação era mais rica do que é com a China. Hoje, 50% das exportações são produtos primários para a China. Não é porque a China impõe, foi a maneira que o Brasil encontrou, dentro dos seus constrangimentos, de exportar mais. Nós podemos alterar isso, não dependemos da China.

Aproveitando que senhor falou em balanço. Estamos terminando o primeiro ano do governo Dilma. Do ponto de vista macroeconômico, o que se destaca na sua opinião? Qual é o balanço?


Pochmann: Em primeiro lugar, a busca de uma convergência na condução da política macroeconômica. É uma avaliação da presidenta em relação ao conflito entre a política monetária e fiscal que ocorreu nos dois governos do presidente Lula. Eu percebo uma convergência. Não houve um vencedor, as duas partes reconsideraram, digamos assim. Vejo um ano vitorioso nessa condução, que não contou com o apoio do mercado financeiro, especialmente no período mais recente, em que se alterou a trajetória da taxa de juros. Um segundo aspecto é uma busca de maior racionalidade na gestão do governo. Isso se iniciou com um corte orçamentário, buscando ampliar a eficiência a partir de um orçamento menor e maior interlocução entre os ministérios. Isso não é ainda perceptível e generalizado, mas é possível observar em algumas ações. A principal delas é a integração do governo para reduzir a miséria.

Não houve nenhum ponto negativo?

Pochmann: Numa avaliação ex-post, isso é mais fácil fazer, as medidas tomadas no início do ano se mostraram muito fortes, diante do aprofundamento da crise internacional. No início do ano, era quase um consenso que o Brasil não poderia continuar crescendo ao ritmo de 7,5%, tendo em vista deficiências de investimento. Precisava desacelerar. No entanto, essa medida tomada internamente se associou a um quadro internacional de agravamento e por isso levou a uma mudança nas expecativas de investimentos internos. E isso acelerou a queda da atividade. As medidas do início do ano eram para fazer com que saíssemos de 7,5% para 4,5%, 5% de crescimento. Só que, com a combinação de resultados negativos da crise, a desaceleração foi mais rápida. Se não houvesse alteração no comportamento do juro, se o governo não toma medidas necessárias, acho inclusive que poderia avança algumas mais, nós poderíamos correr o risco de ter um PIB crescendo 2%, 3% este ano e talvez uma estagnação no ano que vem.

O que seria avançar mais?


Pochmann: Do ponto de vista da política fiscal.

Como?


Pochmann: Uma revisão do superávit fiscal para baixo. E na política monetária, poderíamos ter uma desaceleração mais acentuada da taxa de juros.

Até quando o Brasil terá de conviver com superávit primário? Qual seria um patamar razoável de estabilização da dívida a partir do qual o Brasil não precisaria mais fazer superávit primário?


Pochmann: O tamanho da nossa dívida relativamente ao PIB não é um problema, especialmente quando olhamos países ricos muito mais fragilizados. Uma das nossas dificuldades é o perfil da dívida. Um esforço de alongamento dos títulos certamente nos ajudaria muito mais do que o tamanho da dívida. Eu acredito que o superávit fiscal passa a perder importância na medida em que o país tenha um crescimento acima de 5%.

O senhor defendeu reduzir o superávit mas no plano do governo para trazer a taxa de juros para baixo, o superávit tem de ser robusto. Seria então um cálculo exagerado?


Pochmann: Isso é do ponto de vista do discurso, da retórica. Nós fizemos um corte de R$ 50 bilhões no orçamento no inicio do ano, enquanto que a elevação da taxa de juros nos levou a um aumento do gasto financeiro de R$ 35 bi. Cortou-se o gasto operacional de um lado, e de outro se elevou o gasto financeiro com a taxa de juros.

Esses R$ 35 bi são um gasto adicional considerando que recorte de tempo?

Pochmann: Era para o ano todo, se continuasse a trajetória de alta da taxa de juros. Mas vai ser menor, porque o juro está em queda.

Qual seria o nível adequado do juro real no Brasil? Essa é uma discussão que já se impõe, não?


Pochmann: É difícil justificar num país de estabilidade monetária, de contas fiscais relativamente equilibradas, uma taxa de juros real acima de 2% ao ano.

Por que 2% e não 1% ou 3%?

Pochmann: É algo arbitrário, evidentemente. Mas se olharmos um pouco o comportamento da taxa de lucro do setor produtivo brasileiro, as empresas que conseguem ter acima de 2% de lucro real... Na verdade, é um parâmetro. Para que todo setor produtivo possa ter uma rentabilidade superior ao que seria oferecido pela taxa de juros, 2% é um parâmetro razoável. Taxa de lucro acima disso já é muito bem satisfatório.

É um patamar que não desestimula a produção...

Pochmann: É claro que as grandes empresas têm taxas de lucros maiores, mas se você olhar os pequenos...

Esse é um debate que não existe hoje. No último relatório de inflação divulgado pelo Banco Central, o diretor discretamente colocou a questão. Acredita que não há debate porque o 'mercado' não quer? Ou falta o próprio governo colocá-lo?

Pochmann: Evidente que um segmento que convive um longo período com taxas de juros muito altas não tem interesse em uma rentabilidade menor, embora o setor financeiro tenha feito esforços de ampliação de suas taxas de lucros com atividades operacionais, está investindo em tecnologia, já tem clareza também que essse cenário de voo de galinha não pode ser reproduzido. Eu acredito que eles trabalham do ponto de vista interno, mas publicamente não é interessante dizer: “nós aceitamos taxas de juros de tanto”. Porque a taxa de juros não é o resultado de uma decisão técnica-econômica. Evidentemente que os setores que ganham com a taxa de juros pressionam de várias modalidades, assim como o setor produtivo também pressiona.

É uma decisão política...

Pochmann: Existe também uma correlação de forças, de interesse. Alguns criticam que o governo do presidente Lula e mesmo a Dilma poderiam ter reduzido a taxa de juros mais rapidamente... Se você tivesse uma redução dramática, quando o Brasil não podia crescer suficientemente depois de duas décadas de semiestagnação, o que poderia ocorrer? Aquele montão de dinheiro do sistema financeiro vai para onde? Comprar ativos? Aumentariam os preços, teria inflação. Outra alternativa seria esses recursos saírem do Brasil. A escolha do presidente Lula, continuada pela Dilma, foi fazer um movimento coordenado. Você reduz a taxa de juros para limitar os ganhos financeiros e, simultaneamente, cria condições para a transição da liquidez financeira para o setor produtivo. No segundo governo Lula, o governo assumiu o compromisso político com o setor produtivo de fazer o país crescer 5% ao ano. E, com o PAC, disse ao empresário que ele ia ter os elementos necessários para a produção ocorrer, energia, estradas. Esse foi um movimento coordenado.

O que o Brasil terá como grande desafio em 2012?

Pochmann: Antes de falar de desafios. O governo poderia ser um pouco mais ousado. Utilizar a crise como uma grande oportunidade para aquisição de empresas cujos preços estão muito baratos, dada a queda nas bolsas de valores. A Noruega, a China e a Índia já se aproveitaram em 2008, da própria crise, da queda nas bolsas, para adquirir empresas. O Brasil tem um fundo soberano que poderia ser utilizado ao menos uma parte para aquisição de empresas.

Qual por exemplo? Dar o nome acho complicado, mas vamos falar de setor.


Pochmann: Em primeiro lugar, ao contrário da China, da Índia, o setor produtivo brasileiro é muito internacionalizado, você tem quase todas as grandes empresas em operação no Brasil. Alguns dos setores em que somos deficitários poderiam perfeitamente ter uma política mais agressiva de compra de ações. Empresas de transporte, por exemplo. O Brasil é o quinto maior mercado de consumo automobilístico e não tem uma empresa nacional. Nem sei se é o caso de ter. A General Motors estava de joelhos... Os chineses compram empresas, por que você não pode comprar?

Acho que diriam que a China não é um sistema político como é o brasileiro..
.

Pochmann: Mas a Noruega não tem problema? A Índia não tem problema? Utilizaram os fundos soberanos...

Se tornaram controladores ou acionistas minoritários?

Pochmann: Você tem várias modalidades, acionistas, controladores. Veja uma dificuldade nossa. Quando o governo adota uma política de aumentar as exportações, com subsídios, não necessariamente as empresas transnacionais vão aumentar. A decisão de exportar não é tomada internamente, é na matriz. Você precisa ter empresa nacional.

Sim, e os desafios?

Pochmann: O que nós temos de desafio pela frente é preparar o governo para a transição demográfica que estamos vivendo. Transição de redução muito rápida do número de crianças por mulher, a taxa de fecundidade vem caindo muito drasticamente no Brasil, estamos num processo de envelhecimento, isso tem um impacto muito grande na condução da política pública na área social.

O senhor vai chegar até à reforma da Previdência?


Pochmann: O envelhecimento tem a ver, por exemplo, com a postura da saúde. Uma coisa é o gasto quando um país tem muitas crianças e adolescentes, outra coisa são os gastos com pessoas com mais idade, são mais caros, são mais pesquisas que você tem que ter. Daqui a 10 anos, 15 anos, começarão a sobrar escolas. Mas, ao mesmo tempo, temos uma exigência, tendo em vista a transição para a sociedade do conhecimento, de montarmos escolas para a vida toda. As grandes empresas já gastam 1% do PIB com universidades corporativas, para formação e capacitação dos seus trabalhadores ao longo do tempo. Um desafio aqui é montar uma universidade corporativa no setor público. Nós temos que qualificar melhor os servidores públicos, precisamos de um Estado mais eficiente, isso passa pela qualificação do quadro. A Previdência é um dos aspectos da demografia. Um outro desafio é montar uma indústria de defesa.

Por causa da inserção internacional cada vez maior e do pré-sal?


Pochmann: E das nossas fronteiras. O Brasil é segundo país do mundo com maior quantidade de fronteiras. São 15 mil km de fronteiras secas e 5,5 mil km de fronteira marítima. Não temos um sistema de defesa para isso. A nossa dificuldade está mesmo em setores em que nós somos relativamente avançados, como a indústria da aviação. Somos dependentes de tecnologia. Compramos equipamentos dos Estados Unidos que nos impedem de vender para países que eles não têm interesse que a gente venda.

O governo acabou de lançar um plano sobre isso.

Pochmann: Sim, mas isso é um desafio.

Botar de pé e ampliar.

Pochmann: Sim. Nós já fomos melhor nos anos 70 na indústria de defesa. Outro aspecto, e isso não depende só do Brasil, é construir uma moeda regional. O Brasil é muito pequeno para resistir às forças do dinamismo chinês. Se nós quisermos resistir em melhores condições, precisamos fazer aqui um grande arco com os países do sul do continente. Mais um desafio é elaborar um complexo de difusão tecnológica. O Brasil tem só 14% dos jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior. Houve um esforço enorme, dobrou o número de alunos matriculados nos últimos dez anos, parabéns, mas isso é muito pouco. O Brasil tinha que chegar a 70% dos seus jovens matriculados no ensino superior. Isso é um esforço gigantesco.

Como se faz isso?

Pochmann: É um projeto, é alocação de recursos. O pré-sal vai colocar recursos, estamos discutindo se é mais para um estado ou para outro, e não estamos discutindo o que fazer com esses recursos. Nós fizemos um estudo que mostrou que municípios e estados que recebem royalties de petróleo não são os que mais avançam socialmente. Essa discussão que está sendo feita agora tem seu interesse evidentemente, é uma disputa de receitas, mas ela é pobre porque não está possibilitando que nós tenhamos, com o uso desse recurso, um país superior. A China quer ter as 50 maiores universidades do mundo, nós queremos ter quantas? O futuro está no conhecimento, é o principal ativo de um país.

Quando o senhor assumiu, houve uma leitura de que o Ipea estava sendo aparelhado e deixaria de ser uma instituição pública para ser estatal. Acha que essa situação foi superada ou ainda há desconfianças?

Pochmann: O Ipea deixou de ser órgão de assessoria do Poder Executivo. Fez acordos de cooperação com a Câmara e o Senado, com o Poder Judiciário, ampliou seu raio de ação. Uma instituição manipulada não teria essa capacidade. O Ipea se transformou também numa instituição de assessoria da sociedade civil. Temos uma quantidade imensa de acordos de cooperação com universidades, instituições de pesquisa, entidades patronais, entidades de trabalhadores, organismos não governamentais, instituições internacionais. O Ipea se transformou no principal think tank brasileiro. E nunca foi tão produtivo. Tenho viajado muito o Brasil, e é impressionante como a produção do Ipea se tornou recorrente nas universidades, nos sindicatos, nas empresas.

O senhor vai ser candidato a prefeito de Campinas no ano que vem?

Pochmann: Acho que esse é um assunto para se resolver para o próximo ano. Fui surpreendido pela sugestão do presidente Lula, tem muita água para rolar ainda, estou bem aqui no Ipea, mas não deixa de ser uma oportunidade.