sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Mato Grosso do Sul assumiu “luta anti-indígena” como política de Estado

 Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação   do CORREIO DA CIDADANIA

Na madrugada de 18 de novembro, o Brasil voltou a registrar novos e vergonhosos fatos relativos ao secular genocídio de povos indígenas, desta vez capitaneados pelo agronegócio e pela inoperância do governo federal. O cacique kaiowá guarani Nísio Gomes foi a vítima, executado covardemente dentro do acampamento Tekoha Guayviri, um dos 30 que os guarani mantêm mobilizados em beiras de estradas e portas de fazenda, à espera do sonhado retorno às terras originárias.

O mesmo processo de massacre ocorre com as tribos do Xingu que serão afetadas pela construção de Belo Monte, com quem a presidente Dilma se recusa a qualquer diálogo. Num contexto de radicalização da expansão capitalista no território brasileiro, com apoio e financiamento público, a causa indígena ganha contornos ainda mais dramáticos, uma vez que seus direitos são esmagados de forma escancarada.


Diante do quadro desesperador dos índios guarani, o Correio da Cidadania entrevistou o antropólogo Egon Heck, do Conselho IndigenistaMissionário no estado do Mato Grosso do Sul - local onde o racismo e a intolerância à diversidade se tornaram políticas de Estado, com aparelhamento do judiciário, cooptação da mídia, sempre a serviço do poder econômico, e uso simultâneo e mal disfarçado de forças de segurança públicas e privadas contra os indígenas.


Além de denunciar o mencionado processo de genocídio deliberado dos povos indígenas, Egon cobra ações efetivas do governo federal, único ente capaz de fazer a lei chegar onde a pistola e o dinheiro ainda são os determinantes dos rumos da vida. Com um agronegócio ávido por terras e pelas riquezas do Aqüífero Guarani (cada vez mais contaminado), ele afirma que estamos chegando a uma situação-limite, na qual, de um lado, os povos indígenas buscam o retorno imediato às terras originárias e, do outro, o agronegócio põe em prática ofensiva para dizimar tais povos, passando por cima de todas as leis e direitos humanos que conhecemos.


A entrevista completa pode ser lida a seguir.


Correio da Cidadania: Como você poderia descrever a situação do povo guarani nos últimos meses no Mato Grosso do Sul, agora agravada com o assassinato do cacique Nísio e o desaparecimento de outros dois índios?

Egon Heck: O que a gente percebe é, na verdade, uma prática articulada pelo poder econômico e político no Mato Grosso do Sul, baseada fundamentalmente na produção exportadora e na monocultura da soja, além da agroindústria da cana, que está se agravando em níveis extremamente perigosos e absurdos, pois há em curso uma possibilidade mais ou menos próxima de definição das terras indígenas. E o MS é o estado que menos demarcou terras indígenas, que conseguiu impedir por mais tempo esse cumprimento constitucional, haja vista que 90% delas ainda terão de ser homologadas. E as restantes ainda estão em processos de regularização, na maioria dos casos, paralisados por ações judiciais.

Portanto, temos uma situação muito preocupante do ponto de vista da regularização das terras indígenas, um poder econômico e político muito articulado contra os direitos dos povos indígenas, com opções claras colocadas em prática em sua atuação contra os povos indígenas e os movimentos sociais.

No caso concreto, existe uma avaliação dos setores anti-indígenas de que não se deve mais esperar pela justiça. Qualquer movimentação dos índios deve ser rechaçada imediatamente, através de paramilitares, milícias armadas, pistoleiros dos fazendeiros e todo o poder econômico. Isso por um lado. Como dizem, a justiça demora muito, porque, se se entra com ação de reintegração de posse, esta poderá ser questionada, depois terá de ser acatada ou não pela justiça, e, se acatada, pode ter a execução demorada... Diante disso, eles parecem colocar em prática a estratégia dos caminhos do poder bruto, da violência e da força, passando ao largo de qualquer legalidade.

De outro lado, temos as comunidades indígenas que estão no limite mesmo de espera de promessas, enganações, prazos, que já foram inúmeros, mas nunca cumpridos em favor das comunidades indígenas. Recentemente, foi assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), uma tentativa extrema de obrigar o governo brasileiro a cumprir sua obrigação de demarcar as terras. Mas já era pra terem publicado os relatórios antropológicos das terras e ainda não o fizeram.

Assim, os índios se perguntam: “vamos aguardar o que, até quando, de que forma?”. Praticamente, como última alternativa, viabilizada pelos mais de 30 acampamentos indígenas no estado, resta a pressão sobre o governo federal pra demarcar as terras indígenas. E a única forma de pressão que tem surtido algum efeito em favor dos índios é o retorno às terras. E aí vemos armados os conflitos, em proporções que exigem uma atitude, pois poderão ceifar inúmeras vidas. De um lado, está o fim da paciência; de outro, está a firme decisão de impedir os índios de retornar às suas terras.

Correio da Cidadania: O que esta situação revela das políticas de governo, do poder judiciário, da sociedade e da mídia do estado do Mato Grosso do Sul e sua relação com os povos originários?

Egon Heck: Lamentavelmente, vivemos uma situação que vem historicamente se aprofundando, de negação de direitos ao diferente, à alteridade, principalmente aqui no MS, e isso vem se tornando evidente, vem sendo reforçado pelos meios de comunicação regionais.

Para se ter idéia, desde 2008, quando se assinou o TAC, vimos uma enorme campanha anti-indígena durante os anos que passaram, veiculada e financiada até pelo governo do estado. Repassava recursos aos municípios para ter assessorias jurídicas contra a demarcação de terras. Fez grandes campanhas de imprensa, em outdoors, veiculando intencionalmente mentiras muito óbvias, do tipo que o “estado seria inviabilizado se as terras fossem demarcadas”, “os povos estariam reivindicando 12 milhões de hectares das terras mais férteis do estado” (no cone sul do MS), “estariam inviabilizando 26 municípios”, “ocupando municípios”.  Um conhecido nosso dessas cidades disse expressamente que comprou armas para se defender porque o sindicato rural havia avisado de que os índios iam invadir tudo...

Por aí vemos o absurdo de tantas informações e mentiras no sentido de criar grande animosidade contra os índios, com vistas a impedir de ser efetivado seu direito sagrado a terra.

Essa realidade se acentuou muito nos últimos anos, creio que seja hoje uma das que mais geram violência aos povos indígenas, em função do não cumprimento da determinação constitucional, chegando a esse quadro lamentável de violências, mortes, ameaças, fome, desintegração social, tudo aquilo que se pode imaginar como conseqüência da negação de direitos básicos de sobrevivência de um povo ou comunidade. Um processo de negação da vida, genocida, como dizem claramente os estudiosos do tema.

Correio da Cidadania: E a polícia, pode ser acusada de atuar em perversa parceria com os latifundiários e os donos do poder econômico?

Egon Heck: As mais recentes demonstrações de violência têm mostrado características típicas de ações muito bem articuladas em nível estadual. Por exemplo: a repressão com balas de borracha.

Esta é uma prática comum nos meios urbanos, agora utilizada por milícias, organizadas no interior pra reprimir índios. Outra estratégia é dificultar ao máximo a identificação dos agressores, conseqüentemente garantindo sua impunidade. E há ainda a ocultação de cadáver, coisa que aconteceu três vezes desde 2009, com corpos deixados tanto do lado brasileiro quanto do lado paraguaio da fronteira.

Existem indícios de que os fazendeiros têm atuado com essas forças particulares, nas quais evidentemente existem presença e atuação de policiais aposentados etc.

Correio da Cidadania: E quanto ao governo federal, como avalia a sua postura, atualmente, diante deste episódio, após anos de lutas pela demarcação de terras já homologadas e inúmeras mortes de indígenas, sempre seguidas de impunidade?

Egon Heck: Eu tenho impressão de que o governo federal infelizmente só dá respostas com o mínimo de retorno nesses momentos extremos, em situações de grande violência e morte. Mas a questão indígena é responsabilidade total do governo federal, no sentido de garantir a vida e o acesso aos recursos e patrimônios da natureza.

Infelizmente, não se tem avançado no sentido, diversas vezes sugerido, de contar, ao menos num primeiro momento, com a ajuda da polícia e da Força Nacional de Segurança, equipes com preparação específica para atuar com grupos étnicos diferentes, de culturas diversas.

Infelizmente, a própria atuação da PF, em vários casos, tem deixado a desejar, talvez até pela falta de um preparo específico para atuar em tais áreas. E, por outro lado, notamos que, quanto mais próxima a PF está das áreas e regiões de conflito, mais suscetível ela fica a pressões do poder econômico e político regional. Portanto, as ações acabam não tendo a esperada imparcialidade, que seria o mais justo para se chegar a punições e prevenção a violências – ou seja, a atuação que deveria haver para oferecer segurança às comunidades indígenas.

Correio da Cidadania: Fica evidente que a PF está a serviço do poder econômico do latifúndio no estado.

Egon Heck: Na semana passada, saiu na mídia regional uma notícia da ação do Ministério Público Federal com relação ao assassinato dos senhores Rolindo Vera e Genivaldo Vera, informando que o inquérito da PF recomendava arquivamento, “por falta de provas objetivas” contra os implicados no assassinato. Claro que causou grande estranheza ao Ministério Público, pois existem muitas provas e indícios de vários nomes de participantes do crime.

O procurador Tiago da Luz, em entrevista, disse que viu “vários depoimentos dos índios, únicas testemunhas oculares, inclusive identificando nomes. Por que tais depoimentos não foram levados em conta pela Polícia Federal? Por acaso a palavra dos índios não vale nada?”.

Infelizmente, são esses os atores que têm ditado as regras. Precisamos de uma instância diferente, diversa, para tratar da segurança nas comunidades indígenas, com preparação prévia para se lidar com a cultura indígena, especificamente na agroecologia. Além de uma isenção maior em relação à realidade política e econômica local, porque, queira ou não, isso interfere concretamente contra os direitos indígenas.

Correio da Cidadania: E a FUNAI? Tem estado a serviço dos interesses e direitos indígenas ou vem sendo também varrida por essas mesmas pressões?

Egon Heck: A FUNAI é um pouco isso. Sofreu forte e recente sucateamento, está em processo de tentativa de recuperação, com atuação em favor dos povos indígenas através de contratações e concursos públicos, além de alguns funcionários mais comprometidos com a realidade dos povos indígenas.

Por outro lado, no entanto, sempre vemos a atuação ambígua e contraditória que no fundo marca a FUNAI. Às vezes tem gente, mas não tem recursos para colocar, de fato, 500 pessoas a serviço dos povos indígenas; às vezes tem que defender direitos constitucionais indígenas, mas não pode ofender os “direitos” econômicos e políticos hegemônicos. Quer dizer, tem de fazer de conta que defende o índio, pois não pode afetar o grande capital.

É dentro desse clima de contradições que a FUNAI tem tido na região atuações mais expressivas em favor dos índios, atitudes até corajosas de alguns funcionários - o que até tem feito com que, diante dos povos indígenas, a FUNAI regional tenha recuperado sua credibilidade.

Correio da Cidadania: Como avaliar, ademais, esta evolução dos acontecimentos, tendo em vista a tão comemorada demarcação contínua de Raposa Serra do Sol? Esta demarcação colaborou, de algum modo, no que toca um maior reconhecimento e respeito aos direitos dos índios brasileiros? As 19 condicionantes impostas pelo STF têm resultado em reveses?

Egon Heck: De fato, e é incontestável, a demarcação contínua das terras de Raposa Serra do Sol tem sido uma vitória para os wapichana, macuxi, ingarikó, patamona e taurepang. Porém, o preço para os povos indígenas, especialmente no MS, tem sido muito alto, ou seja, onde existe poder econômico e político,  faz-se uma leitura das condicionantes que inviabiliza qualquer outra demarcação de Terra Indígena. A questão da temporalidade é uma delas. Só teria direito às terras tradicionais os índios que em 1988 estivessem nas terras. Acontece que, evidentemente, o processo de expulsão violenta, seja pela ocupação econômica da região, seja pelos próprios órgãos oficiais da época, como o SPI e a FUNAI, que antes se prestavam a tirá-los da terra e colocá-los em áreas de confinamento, é simplesmente desconsiderado.

Em todos os momentos, dizem que os índios não estavam lá em 1988 e, portanto, não têm direito às suas terras tradicionais. O que é um absurdo, pois, dentro da própria leitura das condicionantes no Supremo, fica claro que os índios deveriam estar nas terras até em 1988, tendo também direito a elas em caso de expulsão anterior. Essa tem sido uma das teclas em que se tem batido. A outra condicionante usada é a da não ampliação das terras indígenas. Usam também a afirmação, falsa, de que as demarcações não são válidas para antigos aldeamentos, quando na verdade esse processo guarani só teve um aldeamento, no século 18, por parte dos jesuítas...

Enfim, procuram-se todos os meios de distorcer as próprias leis em favor do poder econômico e político regional.

Correio da Cidadania: Pode-se dizer que essa demarcação representou o início da imposição de retrocessos?

Egon Heck: Ela dificultou, digamos. Ou deu munição aos interesses contrários para tentar fazer aquilo que já vinham fazendo, mas munidos de argumentos jurídicos. Com isso, tentam barrar todo e qualquer processo de identificação e demarcação de terras.

Temos quase 20 processos de demarcação em andamento, quase todos parados por ações judiciais. Outros, em processo praticamente conclusivo, como no caso da terra dos nhanderu marangatu, homologada pelo presidente Lula, mas cassada liminarmente pelo ministro Nelson Jobim, em 2005. Dizia-se que logo no retorno das atividades do Supremo essa ação seria julgada. Passaram seis anos e a ação não foi julgada. E temos vários outros exemplos.

Podemos ver claramente que existe uma justiça ágil quando se trata de interesses contrários aos indígenas, e uma justiça extremamente morosa quando se trata de garantir os direitos indígenas.

Correio da Cidadania: O que você teria a responder aos argumentos que vêem nas demarcações de terras indígenas, especialmente se feitas de forma contínua, uma ameaça de internacionalização de nosso território, a partir de uma suposta susceptibilidade dos povos indígenas à ingerência externa?

Egon Heck: Responderia que teríamos que nacionalizar nosso país outra vez, já que ele foi entregue ao capital multinacional, às grandes corporações, que fazem o que querem.

Com os indígenas, as terras ficam ainda mais protegidas, pois, sendo terras da União, podem contar com dupla defesa. Além do mais, poderíamos conservar condições mais dignas de sobrevivência, onde ainda não se destruiu totalmente o meio ambiente e os recursos naturais, garantindo ao país as reservas necessárias ao equilíbrio ambiental.

Aqui no MS temos terras totalmente devastadas em relação à mata originária. Alguns municípios têm menos de 10% da mata original. Alguns deles, apesar de toda a pressão e confinamento sobre as terras indígenas, têm um pouco mais de árvores, com maior diversidade de vida preservada.

Creio que os povos indígenas, junto com os movimentos sociais e populares, têm muito a contribuir com um projeto realmente nacional, no lugar de um projeto de multinacionais. Um projeto que, principalmente, tenha como prioridade a vida, não um desenvolvimento desigual que beneficia somente pequenos grupos.

Correio da Cidadania: Qual a capacidade dos guarani de continuar resistindo, em meio a cerco tão violento dos pistoleiros e paramilitares, e quais as expectativas indígenas após essa nova onda de crimes contra suas lideranças, com grande repercussão internacional? Tempos mais sombrios continuam se anunciando?

Egon Heck: Entendemos que os guarani só atravessaram esses mais de 500 anos de turbulências, agressões, extermínios, doenças e tudo mais porque têm uma raiz de sabedoria milenar muito forte, sustentada principalmente em sua forte relação com o sobrenatural, com a espiritualidade, e ao mesmo tempo com a terra, sua mãe, espaço de vida e cura. E isso também lhes permitiu desenvolver uma estratégia de sobrevivência em meio a toda a adversidade. Apesar dessa violência toda, vemos um protagonismo dos guarani, no sentido de se mobilizar contra a violência, muito grande.

Também vemos uma grande mobilização, nacional e internacional, oferecendo recursos e solidariedade, o que é um dos fatores que podem contribuir muito, já que a solidariedade internacional tem um peso muito grande hoje em dia em relação aos direitos humanos e de minorias.

Tanto os movimentos de resistência quanto de solidariedade dão sinais muito fortes de que vão atravessar, não sem sofrimento, dor e sangue, esse difícil momento de recuperação da terra.

Correio da Cidadania: Que tipo de impacto poderá ter a aprovação do Código Florestal em discussão em Brasília sobre a situação dos povos indígenas, a seu ver? Os conflitos de interesses entre os povos indígenas e o capital poderão, por exemplo, acirrar-se, vulnerabilizando ainda mais as riquezas do Aqüífero Guarani?


Egon Heck: Creio que sim, que a aprovação dessa proposta de Código Florestal tende a acentuar os conflitos com os guarani pela questão da água e da agricultura, sem dúvida. O que mais causa devastação, além de toda a carga pesada dos agrotóxicos, é a instalação maciça de indústria da cana, através de vários projetos de usina, o que terá conseqüências muito fortes aos guarani. Em algumas usinas, como a de Rio Brilhante, já se usam as águas do aqüífero pra lavar a cana. Com isso, fragilizam a proteção da vida dos guarani que utilizem água dos rios, poluindo essa água, inviabilizando seu uso por parte dos guarani, afetando matas virgens... A indústria da cana é altamente rentável aos empresários e, infelizmente, utiliza a mão-de-obra indígena, que, por sua vez, tem sido cada vez mais dispensada com o processo de mecanização de tais usinas na região. Isso cria um novo problema social, pois grandes contingentes de indígenas que trabalhavam no corte da cana são dispensados e condenados à miséria.

O que colocamos como perspectivas, que os guarani esperam do governo, da sociedade, do mundo, não é apenas o reconhecimento formal do direito à vida e das legislações, inclusive a constituição, mas ações efetivas de construção de projetos que respeitem a diversidade de vida, de produção, de sociabilidade. E, principalmente, quanto àqueles que tanto mal fizeram à mãe terra, que tanta destruição causaram, que o governo federal assuma com determinação e clareza seu papel. Que não fique só na demarcação de terras, mas possibilite de fato a recuperação de sua economia, subsistência, seus meios de vida, promovendo uma recuperação básica do meio ambiente, rios e matas, que de alguma forma terão de ser recompostos. Que ajude a se começar uma virada histórica nessa situação de violência e miséria a que os índios foram submetidos, com convivência, paz e respeito na diversidade. É isso que esperamos. Os guarani e todo mundo. É um momento crucial, de encruzilhada, de busca de caminhos e alternativas.

Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Silas Malafaia e a maldade humana

Marcelo Carneiro da Cunha no SUL21

É duro ter que viver no mesmo planeta de um Silas Malafaia, caros leitores. Quero dizer, é duro viver nesse planeta, ponto. A Terra inclui palmeiras e sabiás, que gorjeiam como lá, mas também inclui música nativista, reggae, Los Hermanos e brócolis. Ah, e o teatro do Zé Celso Martinez.
Ela inclui malária, febre amarela, beri beri, mosquito borrachudo e alarme de automóvel, sempre no meio da noite. Ela inclui paixões não correspondidas, táxis Corsa Sedan, Sala de Redação e a República Islâmica do Irã. Ela também inclui auroras boreais, banhos nas termas ao ar livre e cheio de estrelas no Chile, sagu da minha avó, a Jessica Alba e os Beatles.
Tudo isso no âmbito da normalidade dos gostos e desgostos, caros sulvinteumenses. Tudo isso nas nossas preferências genéticas ou adquiridas. Tudo isso a partir do que é termos um planeta e seres humanos o habitando, seres que se constroem e são construídos e com os quais lidamos, amando, gostando, não achando lá grande coisa, ou não suportando, mas suportando.
E aí vem o Silas Malafaia, quebrar esse delicado equilíbrio. Os Silas Malafaia desse mundo são, e não são desse mundo. Como a Paquetá de Macedo, eles começam nesse mundo e não sabem onde acabar. Eles podem ser muitas coisas, e quase nenhuma delas muito saudáveis para quem pretende que o mundo seja mediado pelo que existe de humano na humanidade. E, pior, eles têm O Livro.
Um livro é a diferença entre mais um maluco ignorante, intolerante e intolerável, e um sujeito capaz de produzir grandes e enormes problemas. E, caros leitores, esse aí tem um livro.
Um livro é o que justifica e legitima. Preferencialmente, o livro deve vir diretamente de Deus em uma de suas múltiplas e convenientes formas. Isso não é assim tão necessário. O livro de Mao fez essa função, assim como o do Kadafi, e todos eles têm em comum serem um grande ponto de encontro de todas as respostas para todas as perguntas jamais feitas, ou não. E, melhor, eles são interpretáveis.
Já que os Malafaia jamais conseguiriam escrever coisa com coisa, eles se tornam intérpretes e daí vê o seu poder. Eles explicam o inexplicável. Quer coisa mais importante, ou melhor?
Livros tem enormes vantagens. A Xuxa por exemplo, explicou: “Os duendes existem. Tem até livro a respeito”. Se tem livro, então existe. Os Malafaias em geral, e esse em particular, existem por isso.
E nesse mundo de muitas carências e com televisão, a união de um Malafaia, um livro e um monte de desesperados produz um fenômeno assustador, que é o poder político. No segundo turno da eleição presidencial, Dilma foi chantageada por esses sujeitos, e o Serra se aliou a eles. A consequência é o retrocesso da sociedade, que vê dificultado o caminho da melhoria pelo obstáculo de um fanático, cercado de fanáticos, munidos de um livro e uma televisão. Cada vez que um político de verdade cede diante dessas chantagens, morre bem mais do que um filhotinho de foca na Antártica.
E é esse o mundo em que estamos.
Uma matéria recente do NY Times analisa o fenômeno Malafaia. Sendo um jornal americano, eles conhecem de perto essa realidade, que faz parte da formação da sociedade norte-americana, que a exportou ao Brasil. Lá, esse pentecostalismo associado a uma sociedade puritana, com uma fortíssima extrema-direita, já ameaça transformar um país über bem-sucedido em várias frentes, em um sistema disfuncional.
Aqui?
Malafaia não passa de um terno de gosto duvidoso, munido de um livro, um avião, uma tevê, cercado de desesperados por todos os lados. Ou nem tão desesperados. Ele é da Assembléia de Deus, à qual pertence Marina Silva, lembrem.
Mas ele parece adorar o poder auto-atribuído, e aparentemente real que construiu. E aí está o problema. Nossos governantes eleitos serão chantageados, se aliarão por afinidade ou conveniência, ou resistirão, enfrentando esse pessoal para finalmente descobrirmos com quantos paus se faz uma canoa televangelista, e o que é preciso para ela afundar?
Me choca e entristece ver essa mensagem de ódio e intolerância tomar forma e ocupar espaços, sempre com a embalagem de amor divino por todos os lados. Me preocupa pelo futuro, gostaria de saber se vamos neutralizar essa maluquice ou seremos ainda vítimas dela. Hoje, ele ataca as minorias, as historicamente mais frágeis. É inaceitável para pessoas que acreditem em justiça e igualdade. Cabe a nós defendermos vigorosamente a quem quer que ele ataque, dando um sinal claro de que ele pode vender, pode enriquecer, pode se achar o que quiser. Mas nunca deixará de ser o que é, um tolo com uma fatiota e um microfone. E do lado de cá estamos nós, sem livro na mão, mas com o sentido da justiça e da humanidade, dispostos ao que for preciso para que o lado de cá, o do bem, vença.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Reforma Agrária parada: governo federal assentou apenas 6 mil famílias em 2011



Por Lúcia Rodrigues
Da Caros Amigos


“A estrutura fundiária do Brasil continua a mesma do período colonial”. A afirmação de Gilmar Mauro, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, não é mera retórica. Está calcada em estudos que comprovam que pouco se avançou em termos de distribuição da terra desde os tempos da Coroa Portuguesa.

O coeficiente de Gini, índice utilizado em pesquisas científicas para medir o grau de desigualdade social, revela que a concentração de terra no país até aumentou, se os dados analisados forem os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 1950, os números do IBGE apontavam 0,840 de concentração. Cinco décadas e meia depois, em 2006, esse índice subiu para 0,854. Quanto mais o índice se aproxima de um, maior o grau de concentração da terra.

Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) são levemente mais generosos. Por eles, se verifica que houve uma ligeira queda na concentração fundiária, que passou de 0,836, em 1967, para 0,820, em 2010. Os indicadores nos dois casos demonstram que a distribuição continua longe, de atender à demanda dos que pleiteiam acesso à terra neste país.

Hoje, 1% dos grandes latifundiários domina mais de 40% das terras brasileiras. Não bastasse a altíssima concentração fundiária nas mãos de poucos, ainda há outro agravante. A esmagadora maioria dessas propriedades é improdutiva.

Dos 217,4 milhões de hectares registrados pelo Incra como grandes propriedades, 136,8 milhões são identificados como improdutivos. Não cumprem, portanto, a função social preconizada pela Constituição Federal de 1988.

Mas o total de hectares de latifúndios improdutivos no Brasil é muito superior à área reconhecida pelo órgão governamental. O próprio Incra assume isso. A legislação existente dificulta que inúmeras propriedades improdutivas sejam catalogadas como tal.

Os índices de produtividade da terra estabelecidos em lei, com base no Censo Agropecuário de 1975, contribuem para isso. Totalmente defasados, se ancoram em um modelo de agricultura que não faz mais parte da realidade. O grau de mecanização adotado hoje, por exemplo, permite que se produza uma maior quantidade de produtos em um menor espaço de terra.

“É uma defasagem absurda, são praticamente 40 anos (de desatualização). Nesse período, a produtividade média do Brasil cresceu demais. Por isso, muitas fazendas improdutivas acabam sendo classificadas como produtivas. E não podemos desapropriá-las”, ressalta o presidente do Incra, Celso Lacerda.

A crítica de Lacerda é procedente, muito embora caiba ao Executivo alterar o índice de produtividade da terra. Para corrigir esse indicador, o governo teria de publicar uma portaria que envolvesse os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. Uma canetada do governo resolveria esse problema.

Elite não quer

“A reforma agrária sempre foi vista como uma ameaça. A elite e os governos, inclusive o de Lula, não apoiaram a reforma agrária. O que predominou foi uma política fundiária da elite”, alfineta Dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás e presidente de honra da CPT, a Comissão Pastoral da Terra, entidade ligada à igreja católica, que apoia os trabalhadores sem terra.

O religioso também não poupa o Judiciário. “Além das alianças políticas que foram prioritárias no governo Lula e no da presidente Dilma, há a questão do Judiciário, que tomou partido pelo latifúndio e pelo agronegócio. Isso é patente. Dizem que há juízes latifundiários”, afirma indignado.

“O governo não tem interesse em mexer com os grandes latifundiários. Não faz a reforma agrária, porque precisa desse modelo agroexportador para garantir superávit. É um grande equívoco não democratizar a terra. Nenhum governo, inclusive os do PT, teve a coragem de enfrentar os latifundiários”, enfatiza o secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney. O sindicalista, que também é filiado ao Partido dos Trabalhadores, critica o corte no orçamento da União para a reforma agrária com o contigenciamento promovido pela presidente Dilma Rousseff.

Para o geógrafo e professor da USP, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, o problema da reforma agrária é que ela saiu da pauta do governo. “A facção do PT que está no poder e é hegemônica não quer a reforma agrária. Não acredita nela. E, por isso, não vê nenhuma necessidade em realizá-la.”

O docente contesta os números divulgados pelo Executivo de famílias assentadas no país. “É infinitamente menor. O governo infla os números. A maioria não é referente à reforma agrária, mas de regularização fundiária.”

Dados oficiais apontam que durante os oito anos de mandato, Lula assentou 624.993 famílias. Ariovaldo considera que na contabilização da reforma agrária deve entrar apenas as desapropriações realizadas em que novas famílias foram assentadas. Os números desmembrados pelo docente revelam que, efetivamente, foram assentadas 151.968 famílias durante os oito anos de governo do ex-presidente Lula.

“Não é que os números do Incra estejam errados, mas o Instituto soma reforma agrária (assentamentos de novas famílias), com regularização fundiária (titulação de terra), com reordenamento fundiário (políticas públicas em assentamentos antigos). Se não bastasse, acrescenta também as famílias atingidas por barragens que foram reassentadas. Por isso, os números são elevados. Mas não correspondem a verdadeira reforma agrária”, afirma Ariovaldo.

O assunto é polêmico mesmo entre acadêmicos. Bernardo Mançano Fernandes, geógrafo e professor da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo Júlio de Mesquita Filho) de Presidente Prudente, contesta a análise e considera que o governo realizou outro tipo de reforma agrária. “Pode não ser a reforma agrária que o movimento queria, mas o governo fez a reforma agrária. Só que foi a da regularização fundiária na Amazônia.” Ele afirma que 70% da reforma agrária realizada pelo governo Lula foi baseada na regularização fundiária.

Bernardo pondera, no entanto, que não houve nenhum interesse dos governos Fernando Henrique e Lula e, atualmente, do governo Dilma de promoverem grandes desapropriações. “O compromisso deles é com o modelo de desenvolvimento capitalista, com o agronegócio. Não é para atender às reivindicações dos movimentos”, destaca.

O presidente do Incra deixa claro que o governo não pretende modificar a metodologia dos números da reforma agrária. “Não é uma metodologia do governo Lula. O Incra usa há mais de 20 anos. Se soma os assentamentos em terras públicas da União ou dos Estados, com assentamentos de famílias em lotes vagos de antigos assentamentos, com assentamentos em terras desapropriadas. Não existe fraude nos números. É uma questão de mera contabilidade. Essa contabilidade é transparente. Os movimentos não aceitam essa metodologia. Respeitamos, mas vamos continuar contabilizando dessa forma.”

Celso Lacerda ressalta que o grande mérito do governo Lula foi o de ter investido na infraestrutura dos assentamentos. “O que o Fernando Henrique fez em termos de distribuição de terra é muito similar ao que o presidente Lula realizou. A grande diferença é que Lula investiu muito mais em infraestrutura básica nos assentamentos. FHC distribuiu terra e parou por aí.”

De acordo com o presidente do Incra, o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva investiu pesadamente no acesso à água em assentamentos da região Nordeste e em energia elétrica e estradas, nos da região Norte. Ele destaca que a regularização fundiária não pode ser desconsiderada como uma política de reforma agrária, embora afirme que esses números não entram no cálculo do Incra.

“As famílias assentadas em terras públicas da Amazônia Legal são formadas por ribeirinhos e comunidades tradicionais que não tinham segurança jurídica. Promover essa regularização não deixa de ser uma política de assentamento.”

Latifundiários ganham

A regularização fundiária das terras públicas promovida pelo governo na Amazônia Legal é duramente criticada pelo professor Ariovaldo. Para o docente, essa regularização privilegiou basicamente os grileiros latifundiários que atuam na região.

Ele destaca duas medidas provisórias editadas no segundo mandato do presidente Lula: a 422, de 2008, e a 458, de 2009, como o passaporte para a legalização da grilagem. “Essas duas medidas ferem a Constituição. Tem ação no Supremo questionando a constitucionalidade”, adverte. A Procuradoria Geral da República (PGR) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal contra a medida provisória 458.

Ao contrário do que considera o presidente do Incra, o professor da USP afirma que 67,8 milhões de hectares que pertencem ao Órgão na Amazônia Legal, região que compreende os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, de Rondônia e Roraima e parte dos Estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, estão nas mãos de latifundiários grileiros.

A grilagem de terras é uma prática corriqueira no país. Um dos exemplos mais emblemáticos é o da Cutrale, a maior empresa de suco de laranja do mundo, que está instalada em uma fazenda que pertence à União, em Iaras, na região de Bauru, interior do Estado de São Paulo.

“Antes de comprar a área, a Cutrale foi avisada de que a terra pertencia à União. Mesmo assim fez a transação. O dono do cartório de Lençóis Paulista pegou o título de uma área e registrou como se fosse da Cutrale. A elite econômica acredita que as leis não serão cumpridas e aposta nisso”, explica o professor da USP.

“A Cutrale sabe que está em uma terra pública” frisa o presidente do Incra. O Órgão acionou a justiça para retirar a empresa da área. “O juiz já reconheceu que as terras são da União. Mas o judiciário acatou o argumento da Cutrale de que o Incra não era legítimo para mover a ação. A interpretação é de que cabia a Advocacia Geral da União, a AGU, entrar com a ação. E a AGU está entrando com a ação novamente.”

Celso Lacerda está confiante de que a Cutrale perderá a ação movida pela União. “Pode levar mais alguns anos, mas vai perder. No mérito, já perdeu. A Cutrale tem poderio econômico e vai se utilizar de artifícios jurídicos para protelar a saída. Mas a empresa sabe que está ocupando terras públicas federais.”

A grilagem de terras não acontece só de forma direta. Há quem se beneficie dela indiretamente. É o caso da empreiteira Norberto Odebrecht. “A Odebrecht compra cana de área grilada”, revela o professor Bernardo Mançano. A construtora é dona da ETH, que atua na área de produção de etanol no país.

O Incra move ações no país para a retomada de terras públicas da União que ultrapassam 10 milhões de hectares. De acordo com o presidente do Órgão, são todos grandes latifundiários. Celso não soube informar, no entanto, quem são esses invasores e se tratam de pessoas jurídicas ou físicas. “A maioria está no Centro- Oeste, no Mato Grosso, mas tem também no Tocantins e no Pará. Conseguimos identificar 10 milhões de hectares, mas com certeza tem muito mais terra.”

O processo de grilagem de terras é realizado de várias formas. A de colocar um grilo na gaveta, com a documentação, para envelhecer a papelada, está em desuso, embora ainda tenham grileiros que se utilizam dessa técnica. “Não precisa mais colocar o grilo na gaveta. Agora é só colocar no micro-ondas. Só não pode errar no tempo”, explica o docente da Universidade de São Paulo.

Mas o cartório de registro de imóveis é peça fundamental nessa engrenagem de desrespeito à lei. “Comprasse o título de um posseiro com usucapião de 10 hectares, por exemplo, e no momento de lavrar a escritura, se aumenta para 10 mil hectares. Isso está acontecendo bastante no oeste da Bahia, mas ocorre no Brasil inteiro”, revela Ariovaldo.

Segundo o professor da USP, há no país mais de 300 milhões de hectares de terras devolutas, áreas que nunca foram tituladas. “O latifundiário cercou, não tem documento, mas como ninguém pergunta se tem documentação, ele vai ficando. Ninguém vai achar que é um grileiro. O Incra que deveria perguntar. Não pergunta, porque o cadastro é declaratório.”

O professor Bernardo, da Unesp de Presidente Prudente, ressalta que as terras públicas da região Sul e Sudeste estão nas mãos do agronegócio. “O governo não quer enfrentar o agronegócio, porque o agronegócio se apresenta como o modelo de desenvolvimento do país. E o governo não quer ir contra esse desenvolvimento.”

Segundo ele, o governo não quer confrontar o capital. “Se a Cutrale está em terras griladas, o governo vai fechar os olhos.” Ainda de acordo com o professor da Unesp, cabe aos sem terra pressionar o governo para a execução da reforma agrária. “Se o movimento pressiona e ocupa terras, o governo negocia. O Lula e a Dilma têm essa característica.”

Ele acredita que a Cutrale deixará as terras da União se o Movimento Sem Terra pressionar. “Se o movimento ocupar uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Ela sai. A Fazenda São Bento, no Pontal do Paranapanema, foi ocupada 24 vezes. O fazendeiro dizia que não saía, mas saiu. O Movimento não pode parar de ocupar”, enfatiza Bernardo.

A luta continua

As ocupações de terras pelos movimentos, em particular pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, expoente da luta no campo por reforma agrária, são analisadas de maneira antagônica pelos dois professores.

Enquanto Bernardo acredita que houve um esvaziamento das ações do MST em função da concessão do Bolsa Família, pelo governo federal, para famílias carentes (base dos sem terra) e pelo crescimento no nível de emprego, Ariovaldo Umbelino considera que o MST arriou a bandeira das ocupações. “O número de ocupações de terra caiu brutalmente entre 2003 e 2010. Falo isso com base em estudos. Eles não lutam mais pela terra. O Movimento deixou de fazer pressão política. A maioria das ações no Agosto (Vermelho) foi de ocupações de órgãos públicos. Arriaram a bandeira. Isso não significa abandono, pode reacender a luta novamente.”

Gilmar Mauro, da direção nacional do MST, refuta a afirmação de que o Movimento, que lidera, tenha arriado a bandeira da luta pela reforma agrária. “Não é verdade que o MST arriou a bandeira. É simplismo demais. Quem fala isso está longe da luta social. É fácil ser socialista atuando em casa ou no escritório, com R$ 15 mil, R$ 20 mil. Difícil é ser um lutador social. Não estou querendo justificar nada, mas as táticas não se decidem em escritórios. Há momentos de maior e menor intensidade. Estamos vivendo um período de menor intensidade. Mas isso não é para sempre. A luta pela terra continua ativa e continuará até que se faça a reforma agrária”, desabafa.

O dirigente sem terra considera que as mudanças na economia brasileira contribuíram para uma redução no número de famílias que buscam terra. “O acesso ao emprego aumentou. As políticas compensatórias (Bolsa Família) também. Mas não é verdade que as ocupações diminuíram. Mantemos o mesmo nível do governo Fernando Henrique, 60 mil famílias acampadas em todo o país.”

“Eu analiso o número de ocupações de terra e o número de novas famílias acampadas. O número de novas famílias demonstra se tem ou não trabalho político para trazer gente nova para os campamentos. E não tem. Hoje são os posseiros que fazem a luta”, devolve Ariovaldo.

Mas as divergências entre líder sem terra e professor param por aí. Ambos consideram que as ocupações são fundamentais para pressionar a reforma agrária a sair do papel. Ariovaldo não concorda que seja só falta de vontade política da presidente Dilma, para se fazer a reforma agrária, mas uma opção política de governo. Segundo dados repassados pelo Incra, o órgão assentou este ano até outubro, 6.072 famílias.

Gilmar Mauro critica o orçamento da União enviado pela presidente Dilma ao Congresso. “Destina 47,8% para pagamento de juros e serviços da dívida, 3,5% para educação, 3,9% para saúde e 0,22% para a reforma agrária. O que prova que a reforma agrária não é uma prioridade em nosso país.”

“A reforma agrária não faz parte da pauta do governo Dilma, não faz parte da política do PT”, critica o professor Bernardo, que coordena há 13 anos na Unesp, o DataLuta, um banco de dados na sobre estrutura fundiária e ocupações.

“Se fosse só o agronegócio barrando a reforma agrária, estava bom. O problema é que eles (membros do governo) não acreditam na reforma agrária. Foram formados em um tipo de concepção de desenvolvimento do capitalismo de que quanto maior o tipo de atividade agrícola, melhor”, cutuca Ariovaldo.

Mas não é só o governo federal que não prioriza a reforma agrária. O Instituto de Terras do Estado de São Paulo, o Itesp, órgão do governo estadual assentou, este ano, 27 famílias no Estado. Entre 2007 e 2010, os números também são pífios. Nos quatro anos foram assentadas 258 famílias. A assessoria de imprensa do Itesp informa que há aproximadamente 3.200 famílias sem terra acampadas no Estado. A maior parte delas distribuídas nas regiões Oeste (1.198) e Noroeste (1.282).

Crise mobiliza

O Incra reconhece que há entre 180 mil e 190 mil famílias acampadas em todo o país. De acordo com o presidente do órgão, Celso Lacerda, esses números podem crescer rapidamente se alguma crise atingir o país.

“Depende do cenário econômico. Se a crise internacional chegar ao país, o nível de emprego cai e os primeiros desempregados são os mais pobres. Essas pessoas certamente vão engrossar os acampamentos sem terra.” O professor Bernardo reforça a tese. “Se tivermos uma crise, aumenta o número de ocupações e de famílias acampadas.”

O volume de dinheiro necessário para se promover a reforma agrária é levantado por Celso como um grande entrave. “Como o preceito constitucional determina que tem de se pagar o justo valor de mercado, não tem dinheiro que chegue. Vamos ter de conviver com a política de reforma agrária como vem sendo feita.”

Entre os maiores latifundiários do país estão dois bancos, o do Brasil e o Bradesco. Estudo do professor Ariovaldo Umbelino, com base em dados do Incra de 2003, identifica na mão de quem estão os sete maiores latifúndios do país.

Em primeiro lugar aparece o empreendimento de Moacyr Eloy Crocetta Batista Cia Ltda, com 246.467 mil hectares, localizados na Boca do Acre, no Amazonas. Na segunda colocação está a Panacre, com 195.309 mil hectares, em Tarauacá, no Acre. Fechando o pódium, em terceiro lugar, aparece Jonas Akila Morioka, com 175.142 mil, em Portel, no Pará. Na quarta posição surge o Banco do Brasil, com 164.974 mil hectares espalhados por vários Estados brasileiros. A Magesa ocupa a quinta posição com 132.878 hectares, localizados em vários municípios do Pará. Na sexta
colocação, outro banco. O Bradesco é dono de 131.347 mil hectares de terras espalhadas em vários Estados da federação. Fechando o ranking dos maiores latifúndios aparece a Cia Melhoramentos do Oeste da Bahia com 121.411 mil hectares de terras localizadas em Formosa do Rio Preto, na Bahia.

“A legislação brasileira permite que uma só pessoa seja dona do país inteiro. Não há limite para a propriedade no Brasil. Os ruralistas conseguiram derrubar, na Constituição de 1988, os limites fixados no Estatuto da Terra, da ditadura militar, que já eram enormes”, ressalta o professor Ariovaldo. Ele destaca que existem no país 196 imóveis com mais de 100 mil hectares. Uma propriedade é considerada grande, acima de dois mil hectares. Esses 196 imóveis correspondem a 11,6% da área total cadastrada pelo Incra.

Outro problema a ser enfrentado, de acordo com o docente da USP, é a burocracia da legislação para se provar que a propriedade é improdutiva. Para ter a terra considerada produtiva, o latifundiário precisa demonstrar que produz, além de respeitar as legislações trabalhista e ambiental. Isso em tese, porque na prática a história é outra.

Ariovaldo afirma que até hoje apenas uma única fazenda foi desapropriada no país por manter trabalhadores em condições análogas a de escravos. “Foi em Marabá (no Pará). Tive o prazer de orientar o mestrado sobre essa fazenda, que hoje é um assentamento do MST.”

O respeito ao meio ambiente também é letra morta entre latifundiários. “A alteração no Código Florestal é a clara demonstração de que os ruralistas não respeitam a legislação ambiental e querem mudar a lei para não serem punidos”, conclui o docente.

o que me traduz são minhas açoes não o que sou....

Minha maior angustia enquanto coordenador Adjunto e Pedagógico da 13CRE de Bage-RS, era saber até que ponto nossas lutas enquanto categoria e no momento enquanto governo poderiam se ajustar e se transformarem na mesma luta utópica que sempre defendemos.
No princípio estava dando certo, com propostas de revitalizar os gremios estundantis, os conselhos escolares, ouvir os diretores e todos aqueles que gerenciam as comunidades escolares(pais,alunos,professores e funcionários)...
Estava correndo bem, quando de repente, em agosto surge a famigerada implantação de um "novo" modelo para o ensino médio do estado, baseado em fatos reais, de evasão e repetencia, mas copiado de um modelo proposto pela UNESCO, de 2005, que preconizava um ensino médio politécnico, atendendo os interesses da Lei 9394/96, que todos sabemos, foi tirada da gaveta pelo governo da época(FHC) e que nenhum governo estadual tinha tido a ousadia de implentá-lo.
A implementação desse modelo exige que as escolas, como um todo, tanto na parte pedagógica quanto na infraestrura detenha condições de exercê-lo.
A intenção é fantástica, um modelo embora antigo, mas que nesse momento social de avanços tecnológicos seria importante sua implementação.
Baseado em teorias e práticas de autores consagrados a proposta, do ponto de vista teórico é muito interessante e realmente viria para atender as necessidades da sociedade.
Só que, parece que foi esquecido que temos hoje um magistério estremamente competente, mas que a anos luta para se defender, e tentar auferir ganhos em seus rendimentos tão vilipendiados ao longo dos últimos 30 anos.
A proposta, não sabemos se foi exigida pelo Banco Mundial, como diz o CPERS, ou se foi deliberada pela assessoria pedagógica da SEDUC, veio de forma abrupta, rápida, "construida" ligeiramente, sem um embasamento prático de como executá-la levando-se em conta as precariedades humanas e físicas das escolas.
Evidentemente que foi rejeitada pela grande maioria dos educadores, pais, alunos e funcionários das escolas.
Mas, a SEDUC, embora sem domínio da prática do projeto, determinou às CREs que fizessem o convencimento às escolas.
A SEDUC determinou um calendário de conferências, escolares,municipais,regionais e interregionais, com ápice numa conferência estadual, onde a maioria dos professores pudessem referendar a proposta que seria levada ao Conselho Estadual de Educação para ser implementada no ano de 2012.
Tudo "encima do laço"...
As CREs se esmeraram, fizeram cronogramas e foram a luta "sem saber muito bem o que defendiam", pois nem mesmo a SEDUC sabia...
O resultado já era esperado: ampla rejeição da proposta por razões anteriormente ditas.
Fizemos o que pudemos em defender a proposta, até sofremos uma "gozação" de professores de uma cidade que nos apelidou de "santo defensor das causas impossíveis", tamanha era a rejeição à proposta de reformulação do Ensino Médio.
E o pior de tudo é que não tinhamos respostas....
Somente diziamos que se não houver concurso público, melhorias na infra estrutura das escolas, o projeto não sairia do papel.
Mas como ter concurso público se o PISO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO não está sendo pago??
Qual edital será legal se quando for informado o salário do professor vier abaixo do PISO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO?
E se o edital vier com valores atuais, será fora da lei, qualquer um contestará...
Então o Concurso não sairá eese ano nem no ano que vem...
Sendo assim, a proposta de reformulação do Ensino Médio não será implementada ano que vem...
O que fizemos então????
Palhaçada???
Confesso que não entendo o que está sendo feito com nossa categoria...será ingenuidade da SEDUC, ou será que nos usaram(CRE) para bancar as ferramentas de" ensaio de convencimento" duma proposta que não aconteceria????
Na dúvida e sem atribuir culpa a nigúem resolvemos  renuncir nosso cargo de coordenador adjunto e nos voltarmos a base, aqueles que permanecem, aqueles que lutam e como eu sempre estiveram na vanguarda do sindicalismo, sem trocar essa caminhada por um cargo ou por privilégios advindos dele.
Alguns ja me disseram que botei fora "minha carreira" política para ficar do lado de um bando de agitadores ideológicos que não me trarão benefício algum.
"eu olhos-os com os olhos lassos, há nos meus olhos ironias e cansaços, eu cruzo os braços e não vou por ai", no dizer de José do Rego, aquilo por luto é muito mais importante que um simples cargo efêmero, passageiro; minha ambição hoje é me tornar um sujeito melhor, consciente, participativo e coletivo...sempre consciente que minha evolução humana e espiritual encontra-se no compartilhar com os outros tentando sempre deixar de me importar com meu "umbigo" que foi importante numa determinada época mas que deve ser esquecido e superado.

TODOS A LUTA CAMARADAS....na certeza de que isso nos orgulha e...é o certo a fazer!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Prefeitura de Fortaleza realizará conferência sobre Gramsci

Prefeitura de Fortaleza realizará conferência sobre Gramsci


No dia 2 de dezembro, a Prefeitura de Fortaleza promoverá uma conferência em homenagem aos 120 anos de nascimento de Antonio Gramsci, no Auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. O evento será transmitido ao vivo pelo site da prefeitura, a partir das 19h, e faz parte do Projeto “Tópicos Utópicos”, que está na sua 6a edição.

O convidado para esta conferência é o filósofo marxista e professor de teoria política da UFRJ, Carlos Nelson Coutinho. Com o tema "Do Cárcere ao século XXI: 120 anos de Gramsci", Coutinho, que é o tradutor de uma das edições brasileiras dos “Cadernos do Cárcere”, irá debater a atualidade do pensamento de Gramsci, abordando temas como: hegemonia, consciência de classe, o estado e a sociedade civil.

Durante o evento acontecerá ainda o lançamento do livro “De Rousseau a Gramsci”, de autoria do professor Coutinho.  
Tópico Utópicos
O projeto tem como objetivo a realização de ciclos de conferência com a participação de intelectuais, brasileiros e estrangeiros, que são referência no pensamento crítico contemporâneo. Ele é realizado através da parceria entre a Comissão de Participação Popular da Prefeitura de Fortaleza, a Secretaria de Cultura (Secultfor), a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Editora Boitempo e a Escola Nacional Florestan Fernandes.

Entre os convidados das edições anteriores estão nomes de peso como o sociólogo e cientista político Emir Sader, o filósofo Domenico Losurdo, o sociólogo Michael Löwy e o historiador britânico paquistanês Tariq Ali.
Serviço
Conferencista:
Carlos Nelson Coutinho
Data: 02 de dezembro de 2011
Hora: 19 horas
Local: Auditório da Faculdade de Direito da UFC (Rua Meton de Alencar, s/n, Centro)
Transmissão ao vivo pelo site: www.fortaleza.ce.gov.br
Informações: 3452-2110


O agrobanditismo: a hora de a onça beber água


A morte do cacique guarani, Nísio Gomes, me fez lembrar a do líder sindical, Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia (AC). Ambas executadas pelo agrobanditismo, que agora atua com milícia armada paramilitar


José Ribamar Bessa Freire*,
do blog Taqui pra Ti


Dois crimes cometidos por pistoleiros – um há mais de trinta anos, no Acre, fronteira com a Bolívia, o outro, na semana passada, em Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai – têm em comum o fato de ambos estarem relacionados à luta pela terra e despertarem em nós uma insaciável sede de justiça, confundida, às vezes, com desejo de vingança. De qualquer forma, não podemos calar diante da morte de dois homens bons.
Um deles é o cacique guarani, Nísio Gomes, assassinado recentemente por pistoleiros que invadiram o acampamento indígena na terra Guaiviry (MS). O outro, Wilson Pinheiro, o Wilsão, alvejado com três tiros nas costas, em 1980, no momento em que assistia o noticiário da TV, na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia (AC), do qual era presidente. A morte do cacique me fez lembrar a do líder sindical, ambas executadas pelo agrobanditismo, que agora atua com milícia armada paramilitar.
É que o sentimento de impotência é similar nos dois casos. Suas mortes nos deixam uivando por justiça e aumentam ainda mais nossa descrença em relação ao Poder Judiciário, de cuja vontade e capacidade sinceramente desconfiamos. A omissão da investigação policial e dos tribunais funciona como um incentivo para se fazer justiça com as próprias mãos, o que não é uma forma correta de aplicar a lei. No caso do Wilsão, se buscou estratégias alternativas de mobilização popular, mas deu no que deu.

A água da onça

Ninguém me contou, eu vi e ouvi. Fui a Brasiléia (AC), dia 27 de julho de 1980, para o comício de protesto contra o assassinato do Wilsão. Subi no caminhão que servia de palanque, onde estava sua camisa ensangüentada. Era de noite. O silêncio se fez tão eloqüente que se podia ouvir o barulho dos insetos batendo na única lâmpada colocada em frente à sede do sindicato – uma modesta casa de madeira. Discursos inflamados, escutados atentamente por mais de 4 mil pessoas durante quase cinco horas, desfilavam um rosário de denúncias de mortes, de ameaças e de tentativas de assassinatos.
O diretor do Sindicato de Brasiléia, o “Paulista”, estipulou um prazo de dois dias para a polícia prender o criminoso: “Nós não queremos fazer justiça com as próprias mãos, mas se as autoridades não encontrarem os criminosos, vamos ser obrigados a agir”.  Foi nesse contexto que Lula, então presidente do PT, fechou o evento. Era quase meia-noite. Entre outras coisas, ele afirmou:  - Chegou a hora de a onça beber água.
 Um grupo de trinta trabalhadores rurais saiu direto do comício para armar uma emboscada, onde foi morto o capataz da fazenda Nova Promissão, Nilo Sérgio de Oliveira, autor do assassinato de Wilson. A onça bebeu água. Lula e Jacó Bittar foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional, acusados de incitação ao crime. Responderam a processo na Justiça Militar.  
E no caso do cacique guarani, como é que a onça vai beber água? Os alunos indígenas dos cursos de História e Ciências Sociais da UEMS, moradores da aldeia Amambaí, respondem indiretamente a pergunta, numa carta sobre o acontecimento escrita por sugestão de sua professora, a antropóloga Aline Crespe.
A carta relata que mais de 40 pistoleiros invadiram o acampamento indígena. Deram o primeiro tiro na garganta do cacique, seu corpo começou a tremer. Atiraram depois no peito e na perna. O neto pequeno viu o avô no chão e correu para abraçá-lo. Um pistoleiro começou a bater com uma arma no rosto de Nísio e, no final, chutaram seu corpo para ver se ele estava morto e ainda deram mais um tiro. Ergueram o corpo e jogaram na caçamba da caminhonete, seqüestrando o cadáver.
A brutalidade da execução e a conduta com o corpo são a assinatura do agrobanditismo ‘político’ que marca as disputas de terra. Diz a carta:“Nós estamos aqui reunidos para pedir união e justiça neste momento. Afinal, o que é o índio para a sociedade brasileira? E onde estão nossos direitos, os direitos humanos, a própria Constituição? E nós estamos aí sujeitos a essa violência. Os índios vivem com medo, medo de morrer. Mas isso não aquieta a luta pela demarcação das terras indígenas. Porque Ñandejara está do lado do bom e com certeza quem faz a justiça final é ele. Se a justiça da terra não funcionar a justiça de Deus vai funcionar”.

O que é notícia

/Chamados de “teólogos da floresta” pela antropóloga Helene Clastres, os guarani clamam pela justiça terrena, e confiam na justiça divina. A onça deles é Ñandejara - Nosso Senhor. De qualquer forma, eles estão exigindo que as instituições funcionem e que a justiça seja feita. A nossa capacidade de indignação deve ser canalizada para apoiar o clamor dos índios.
Um manifesto pedindo a punição dos assassinos de Nisio circulou nessa sexta-feira no Museu do Indio, durante o lançamento do livro Povos Indígenas no Brasil 2006-2010 produzido pelo Instituto Sociambiental (ISA). O livro será lançado em Manaus na próxima quarta-feira, dia 30.
No livro, com quase 800 páginas, vem o resumo de 810 matérias extraídas de 175 fontes no período de 2006 a 2010, entre os quais jornais de circulação nacional e jornais locais de quase todos os estados brasileiros. Traz fotos, iconografias, mapas, documentos, depoimentos, 166 artigos assinados por especialistas, enfim, um painel panorâmico do que aconteceu com os diferentes povos indígenas nesses últimos cinco anos, no campo da luta pela terra, educação, saúde, línguas, cultura.   
É interessante observar que grande parte das notícias publicadas pelos jornais sobre o tema é o resultado de um movimento feito pelos índios em direção à mídia. São poucas as matérias pautadas pelos próprios jornais, por iniciativa das empresas de comunicação, em que seus repórteres são enviados às aldeias indígenas em busca de informação.
Nos manuais que circulavam nos cursos de jornalismo era comum se definir notícia por aquilo que um fato tinha de inusitado, de inesperado. “Se um cachorro morde um homem, isso não é notícia, notícia é quando um homem morde um cachorro”, era assim que nos ensinavam os velhos manuais.
Seguindo esse modelo, o assassinato de um índio não é notícia, afinal desde 1500 se vem matando índios nesse país. Só em 2010 ocorreram 60 assassinatos de índios, 34 dos quais em Mato Grosso do Sul. Mas isso não é notícia. Notícia seria se os pistoleiros fizessem com o filho de um desembargador ou de um rico empresário aquilo que fizeram com o cacique guarani. Notícia, pelo seu ineditismo, seria se os assassinos dos indios fossem julgados e punidos. Notícia, só quando a onça bebe água.

Nona greve de professores madrilenhos contra cortes na educação

  
Imagen activaMadri, 29 nov (Prensa Latina) Os professores madrilenhos iniciaram hoje sua nona greve em dois meses contra cortes na educação decretados pela presidenta regional, Esperança Aguirre, do direitista Partido Popular (PP).

  Ao protesto pela defesa do ensino público estão convocados os docentes dos colégios de instrução primária e secundária, segundo os sindicatos do setor.

Trata-se da nona jornada de greve desde o início do ano letivo, no último 20 de setembro, e da terceira medida de força no que vai deste mês, depois do encerramento de atividades protagonizado pelos professores nos dias 3 e 17 de novembro.

O principal alvo da paralisação de atividades é a prefeita da Comunidade de Madri, que decretou um corte de 80 milhões de euros no ensino público e foi acusada de beneficiar a educação privada.

Aguirre quer que os professores deem 20 horas letivas ao invés das 18 estabelecidas, o que provocará, denunciam os sindicatos, a perda de três mil empregos, a eliminação de aulas de apoio ou de algumas matérias e cursos diante da falta de professores.

No início de setembro as associações sindicais anunciaram um calendário de mobilizações contra o corte orçamental na educação aplicada pelas administrações de várias comunidades autônomas da Espanha, em sua maioria governadas pelo PP.

De acordo com os professores, os cortes chegam aos dois bilhões de euros e deixarão sem emprego cerca de 15 mil professores interinos, além de repercutir negativamente na qualidade de ensino.

Sob a pressão para reduzir custos, está sendo ordenado aos pedagogos que passem mais horas nas classes, o que significa que milhares de professores de apoio serão despedidos, sustentam as centrais operárias.

A crise econômica não pode ser usada para transferirem recursos do Estado para a iniciativa privada, advertiram em um manifesto os sindicatos e associações de pais convocantes de uma multitudinária manifestação realizada nesta capital no dia 22 de outubro passado.

Exigiram que se retire de imediato a penalização à educação pública e, em lugar de decapitar programas e reduzir planilhas, se busquem fórmulas para aumentar o investimento e cortem as enormes despesas suntuários das administrações.

O desemprego desta terça-feira conta com o respaldo dos cinco sindicatos mais representativos do ensino público e é o primeiro depois das eleições gerais do 20 de novembro último, nas quais ganhou o PP.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Brasil celebra Dia Internacional de Solidariedade à Palestina



Nesta terça-feira (29) é celebrado o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Serão realizados eventos em vários estados e municípios brasileiros para marcar a data. As comemorações em São Paulo acontecem nesta segunda-feira (28) em ato na Assembleia Legislativa do Estado. No Rio de Janeiro e em Florianópolis, a homenagem ao povo palestino será realizada na terça-feira (29). A capital Federal realizará um ato com o mesmo fim no dia 1º de dezembro.


O dia foi criado pela ONU em 1977. Os estados de São Paulo, Mato Grosso, Ceará, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia, além das cidades de Florianópolis (SC), Porto Alegre (RS), Campinas (SP), São Borja (RS), Santa Maria (RS), Quarai (RS), Acegua (RS), Pelotas (RS) e Marília (SP), instituíram, por meio de lei, o Dia de Solidariedade.

Histórico

Em 1977, a Assembléia Geral do ONU pediu que fossem celebrados todos os anos no dia 29 de Novembro (resolução 32/40 B) O Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Com efeito, foi nesse dia que, no ano de 1947, que a Assembléia Geral aprovou a resolução sobre a divisão da Palestina [resolução 181 (II)].

No dia 3 de Dezembro de 2001, a Assembléia tomou nota das medidas adotadas pelos Estados Membros para celebrar o dia e pediu-lhes que continuassem a dar a essa manifestação a maior publicidade possível (resolução 56/34). Reafirmando que as Nações Unidas têm uma responsabilidade permanente no que se refere à questão da Palestina, até que se resolva satisfatoriamente, no respeito pela legitimidade internacional, a Assembléia autorizou, no dia 3 de Dezembro de 2001, o Comitê para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino a continuar a promover o exercício de tais direitos, a adaptar o seu programa de trabalho em função dos acontecimentos e a insistir na necessidade de mobilizar a ajuda e o apoio ao povo palestino (resolução 56/33).

Foi solicitado ao Comitê que continuasse a cooperar com as organizações da sociedade civil palestina e outras, a fim de mobilizar o apoio da comunidade internacional a favor da realização, por parte do povo palestino, dos seus direitos inalienáveis e de uma solução pacífica para a questão da Palestina, e que envolvesse mais organizações da sociedade civil no seu trabalho.

Em 1947 a ONU era integrada por 57 países e o ambiente político era completamente dominado pelos EUA, que fizeram pressão sobre as pequenas nações. Com 25 votos a favor, 13 contra e 17 abstenções e, sem o consentimento dos legítimos donos da terra — o povo palestino, foi decidida a divisão da Palestina. A resolução de nº 181 determinou a divisão da Palestina em dois Estados: o Palestino e o Israelense. Na partilha do território, 56% da área caberiam aos israelense que, na fundação de seu Estado, ocuparam 78% do espaço e se valeram da força para promover a expulsão dos palestinos de seus lares e terras — que se refugiaram em acampamentos na Cisjordânia, Gaza, Líbano, Jordânia e Síria. Em 1967, Israel ocupou o restante do território que a divisão da ONU destinara à construção do Estado Palestino.

A efetivação do Estado Palestino independente, com Capital Jerusalém e o retorno dos refugiados (Resolução 194 da ONU) são questões cruciais à construção de uma paz verdadeira no Oriente Médio, que precisa ser justa e respeitada para ser duradoura.


Agenda

São Paulo – SP
Ato Público e Sessão Solene
Dia: 28 de novembro de 2011 (segunda-feira)
Hora: 20 horas
Local: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo
Av. Pedro Álvares Cabral, 201, São Paulo – SP

Rio de Janeiro
Ato Público na Cinelândia: Fora Sionismo da Palestina e Tire as garras da Síria
Dia: 29 de novembro
Horário: 17 horas
Organização: Comitê de Solidariedade à Luta do Povo Palestino do RJ e Comunidade Síria

Florianópolis – SC
Sessão Solene
Dia: 29 de novembro de 2011 (terça-feira)
Hora: 19 horas
Local: Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina
Palácio Barriga Verde - Rua Doutor Jorge Luz Fontes, 310, Centro - Florianópolis – SC

Santa Maria - RS:
Sessão Solene
Dia: 29 de novembro de 2011 – terça-feira
Hora: 19 horas
Local: Câmara de Vereadores
Rua Vale Machado, 1415 Santa Maria - RS

Brasília:
Sessão Solene em comemoração ao “Dia do Povo Palestino”
Dia: 1º de dezembro de 2011 (quinta-feira)
Hora: 19 horas
Local: Câmara Legislativa do Distrito Federal
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PRAÇA MUNICIPAL – DF

Da Redação do VERMELHO

Sete teses sobre Walter Benjamin e a teoria crítica

271111_wbBlog da Boitempo - [Michael Löwy]

I – Walter Benjamin pertence à teoria crítica em sentido amplo, isto é, à corrente de pensamento inspirada em Marx que, a partir ou em torno da Escola de Frankfurt, pôs em questão não só o poder da burguesia, mas também os fundamentos da racionalidade e da civilização ocidental. Amigo íntimo de Theodor Adorno e Max Horkheimer, ele sem dúvida influenciou seus escritos e, sobretudo, a obra capital que é a Dialética do esclarecimento, em que se encontram muitas de suas ideias e, às vezes, “citações” sem referência à fonte. Ele, por sua vez, foi sensível aos principais temas da Escola de Frankfurt, mas distingue-se dela por alguns traços que lhe são particulares e constituem sua contribuição específica à teoria crítica.

Benjamin nunca conseguiu um cargo em universidades: a reprovação de sua tese – sobre o drama barroco alemão – condenou-o a uma existência precária de ensaísta, “homem de letras” e jornalista free-lancer, que, é claro, decaiu consideravelmente nos anos de exílio em Paris (1933-40). Exemplo ideal típico da freischwebende Intelligenz de que falava Mannheim: ele era um Aussenseiter em sentido estrito, um outsider, um marginal. Essa situação talvez tenha contribuído para a acuidade subversiva de seu olhar.

II – Benjamin foi, nesse grupo de pensadores, o primeiro a questionar a ideologia do progresso, filosofia “incoerente, imprecisa, sem rigor”, que só percebe no processo histórico “o ritmo mais ou menos rápido com que homens e épocas avançam no caminho do progresso” (“A vida dos estudantes”, 1915). Ele também foi mais longe do que os outros na tentativa de livrar o marxismo de uma vez por todas da influência das doutrinas burguesas “progressistas”; assim, em Passagens, ele se propunha o seguinte objetivo: “Também se pode considerar como alvo metodologicamente visado neste trabalho a possibilidade de um materialismo histórico que tenha anulado em si mesmo a ideia de progresso. É justamente se opondo aos hábitos do pensamento burguês que o materialismo histórico encontra forças”. Benjamin estava convencido de que as ilusões “progressistas”, especialmente a convicção de “nadar na corrente da história”, e uma visão acrítica da técnica e do sistema produtivo existentes contribuíram para a derrota do movimento operário alemão diante do fascismo. Entre essas ilusões nefastas, ele incluía o espanto de que o fascismo pudesse existir em nossa época, numa Europa moderna, produto de dois séculos de “processo de civilização” (no sentido dado por Norbert Elias), como se o Terceiro Reich não fosse precisamente uma manifestação patológica dessa mesma modernidade civilizada.

III – Se a maioria dos pensadores da teoria crítica partilhava o objetivo de Adorno de pôr a crítica romântica conservadora da civilização burguesa a serviço dos objetivos emancipadores das Luzes, Benjamin talvez tenha sido aquele que mostrou mais interesse pela apropriação crítica dos temas e das ideias do romantismo anticapitalista. Em Passagens, ele se refere a Korsch para destacar a dívida de Marx, via Hegel, com os românticos alemães e franceses, mesmo os mais contrarrevolucionários. Ele não hesitou em usar argumentos de Johannes von Baader, Bachofen ou Nietzsche para derrubar os mitos da civilização capitalista. Encontramos nele, como em todos os românticos revolucionários, uma surpreendente dialética entre o passado mais longínquo e o futuro emancipado; daí seu interesse pela tese de Bachofen – que inspirou tanto Engels quanto o geógrafo anarquista Elisée Réclus – sobre a existência de uma sociedade sem classes, sem poderes autoritários e sem patriarcado na aurora da história.
Essa sensibilidade permitiu que Benjamin compreendesse melhor que seus amigos da Escola de Frankfurt o significado e o alcance de um movimento romântico libertário como o surrealismo, ao qual ele atribuiu, num artigo de 1929, a missão de captar a força do inebriamento (Rausch) para a causa da revolução. Marcuse também se deu conta da importância do surrealismo como tentativa de associar arte e revolução, mas isso aconteceu quarenta anos depois.

IV – Mais do que os outros pensadores da teoria crítica, Benjamin soube mobilizar de forma produtiva os temas do messianismo judeu para o combate revolucionário dos oprimidos. Os temas messiânicos estão presentes em certos textos de Adorno (especialmente em Minima Moralia) ou Horkheimer, mas foi em Benjamin e, em particular, em suas teses “Sobre o conceito de história” que o messianismo se tornou um vetor central de refundação do materialismo histórico – para poupá-lo do destino de autômato que teve nas mãos do marxismo vulgar (social-democrata ou stalinista). Em Benjamin existe uma espécie de correspondência (no sentido baudelairiano da palavra) entre a irrupção messiânica e a revolução como interrupção da continuidade histórica – a continuidade da dominação.
No messianismo como Benjamin o entende (ou melhor, inventa), a questão não é alcançar a salvação de um indivíduo excepcional, de um profeta enviado pelos deuses: o “Messias” é coletivo, já que a cada geração foi dada “uma fraca força messiânica”, que deve ser exercida da melhor maneira possível.

V – De todos os autores da teoria crítica, Benjamin foi o mais apegado à luta de classes como princípio de compreensão da história e transformação do mundo. Como escreveu nas teses de 1940, a luta de classes “está sempre presente para o historiador formado pelo pensamento de Marx”. De fato, ela está sempre presente em seus textos, como elo essencial entre o passado, o presente e o futuro, e como lugar da unidade dialética entre teoria e prática. Para Benjamin, a história não aparece como um processo de desenvolvimento das forças produtivas, mas como um combate até a morte entre opressores e oprimidos. Rejeitando a visão evolucionista do marxismo vulgar, que percebe o movimento da história como uma acumulação de “conquistas”, ele insiste nas vitórias catastróficas das classes reinantes.
Ao contrário da maioria dos outros membros da Escola da Frankfurt, Benjamin apostou – até seu último suspiro – nas classes oprimidas como força emancipadora da humanidade. Profundamente pessimista, mas nunca resignado, considera a “última classe subjugada” – o proletariado – aquela que, “em nome das gerações vencidas, leva a cabo a obra de libertação” (Tese XII). Apesar de não compartilhar o otimismo míope dos partidos do movimento operário sobre sua “base de massa”, ele vê nas classes dominadas a única força capaz de derrubar o sistema de dominação.

VI – De todos os pensadores da teoria crítica, Benjamin era talvez o mais obstinadamente fiel à ideia marxiana de revolução. Na verdade, contrariando Marx, ele a definiu não como “locomotiva da história”, mas como interrupção de seu curso catastrófico, como ação salvadora de uma humanidade que puxa o freio de emergência. Mas a revolução social permanece o horizonte de sua reflexão, o ponto de fuga messiânico de sua filosofia da história, a pedra angular de sua reinterpretação do materialismo histórico.
Apesar das derrotas do passado – desde a revolta dos escravos liderada por Espártaco na Roma antiga até o levante do Spartakusbund de Rosa Luxemburgo, em janeiro de 1919 – “a revolução como Marx a concebeu”, o “salto dialético”, ainda é possível (Tese XIV). Sua dialética consiste em realizar, graças a “um salto de tigre no passado”, uma irrupção no presente, no “tempo de hoje” (Jetztzeit).

VII – O pensamento de Benjamin está profundamente enraizado na tradição romântica alemã e na cultura judaica da Europa Central e responde a uma conjuntura histórica precisa, a da época das guerras e das revoluções que vai de 1914 a 1940. E, no entanto, os temas principais de sua reflexão e, em particular, suas teses “Sobre o conceito de história” são de uma universalidade admirável: eles nos fornecem ferramentas para compreender realidades culturais, fenômenos históricos, movimentos sociais em outros contextos, outros períodos e outros continentes. Mas, em última análise, isso vale também para toda a teoria crítica.
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Michael Löwy, sociólogo, é nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, e vive em Paris desde 1969. Diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Homenageado, em 1994, com a medalha de prata do CNRS em Ciências Sociais, é autor de Walter Benjamin: aviso de incêndio (Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann ou a dialética da totalidade (Boitempo, 2009) e organizador de Revoluções (2009),  dentre outras publicações. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.
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Em Walter Benjamin: aviso de incêndio, Michael Löwy faz uma aprofundada análise das teses “Sobre o conceito de história”. O livro integra a Coleção Marxismo e Literatura, coordenada por Leandro Konder, e ganhará versão eletrônica (ebook) em breve.
Traduzido do francês por Mariana Echalar.

domingo, 27 de novembro de 2011

A rede do poder corporativo mundial


Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente um grande poder econômico, político e cultural, e outra caracteristica desse poder corporativo, é o quanto ele é desconhecido
por Ladislau Dowbor no LEMONDE-BRASIL

(Exemplo de apenas algumas conexões financeiras internacionais. Em vermelho, grupos europeus, em azul norte-americanos, outros países em verde. A dominância dos dois primeiros é evidente, e muito ligada à crise financeira atual. Somente uma pequena parte dos links é aqui mostrada. Fonte Vitali, Glattfelder e Fattiston, http://j-node.blogspot.com/2011/10/network-of-global-corporate-control.html)
“There is a big difference between suspecting the existence of a fact
and in empirically demonstrating it”¹

Todos temos acompanhado, décadas a fio, as notícias sobre grandes empresas comprando-se umas as outras, formando grupos cada vez maiores, em princípio para se tornarem mais competitivas no ambiente cada vez mais agressivo do mercado. Mas o processo, naturalmente, tem limites. Em geral, nas principais cadeias produtivas, a corrida termina quando sobram poucas empresas, que em vez de guerrear, descobrem que é mais conveniente se articularem e trabalharem juntas, para o bem delas e dos seus acionistas. Não necessariamente, como é óbvio, para o bem da sociedade.
Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente um grande poder econômico, político e cultural. Econômico através do imenso fluxo de recursos – maior do que o PIB de numerosos países – político através da apropriação de grande parte dos aparelhos de Estado, e cultural pelo fato da mídia de massa mundial criar, através de pesadíssimas campanhas publicitárias – financiadas pelas empresas, que incluem os custos nos preços de venda – uma cultura de consumo e dinâmicas comportamentais que lhes interessa, e que gera boa parte do desastre planetário que enfrentamos.
Uma característica básica do poder corporativo, é o quanto é pouco conhecido. As Nações Unidas tinham um departamento, UNCTC (United Nations Center for Transnational Corporations), que publicava nos anos 1990 um excelente relatório anual sobre as corporações transnacionais. Com a formação da Organização Mundial do Comércio, simplesmente fecharam o UNCTC e descontinuaram as publicações. Assim o que é provavelmente o principal núcleo organizado de poder do planeta deixou simplesmente de ser estudado, a não ser por pesquisas pontuais dispersas pelas instituições acadêmicas, e fragmentadas por países.
O documento mais significativo que hoje temos sobre as corporações é o excelente documentário A Corporação (The Corporation), estudo científico de primeira linha, que em duas horas e doze capítulos mostra como funcionam, como se organizam, e que impactos geram. Outro documentário excelente, Trabalho Interno (Inside Job), que levou o Oscar de 2011, mostra como funciona o segmento financeiro do poder corporativo, mas limitado essencialmente a mostrar como se gerou a presente crise financeira. Temos também o clássico do setor, Quando as Corporações Regem o Mundo (When Corporations Rule the World) de David Korten. Trabalhos deste tipo nos permitem entender a lógica, geram a base do conhecimento disponível.
Mas nos faz imensa falta a pesquisa sistemática sobre como as corporações funcionam, como se tomam as decisões, quem as toma, com que legitimidade. O fato é que ignoramos quase tudo do principal vetor de poder mundial que são as corporações.
 É natural e saudável que tenhamos todos uma grande preocupação em não inventarmos conspirações diabólicas, maquinações maldosas. Mas ao vermos como nos principais setores as atividades se reduziram no topo a poucas empresas extremamente poderosas, começamos a entender que se trata sim de poder político. Agindo no espaço planetário, e na ausência de governo mundial, manejam grande poder sem nenhum controle significativo.
A pesquisa do ETH (Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica)  vem pela primeira vez nesta escala iluminar a área com dados concretos. A metodologia é muito interessante. Selecionaram 43 mil corporações no banco de dados Orbis 2007 de 30 milhões de empresas, e passaram a estudar como se relacionam: o peso econômico de cada entidade, a sua rede de conexões, os fluxos financeiros, e em que empresas têm participações que permitem controle indireto. Em termos estatísticos, resulta um sistema em forma de bow-tie ¸ou “gravata borboleta”, onde temos um grupo de corporações no “nó”, e ramificações para um lado que apontam para corporações que o “nó” controla, e ramificações para outro que apontam para as empresas que têm participações no “nó’.
A inovação, é que a pesquisa aqui apresentada realizou este trabalho para o conjunto das principais corporações do planeta, e expandiu a metodologia de forma a ir traçando o mapa de controles do conjunto, incluindo a escada de poder que às vezes corporações menores detêm, ao controlarem um pequeno grupo de empresas que por sua vez controla uma série de outras empresas e assim por diante. O que temos aqui, é exatamente o que o título da pesquisa apresenta, “a rede do controle corporativo global”.
Em termos ideológicos, o estudo está acima de qualquer suspeita. Antes de tudo, é importante mencionar que o ETH de Zurich faz parte da nata da pesquisa tecnológica no planeta, em geral colocado em segundo lugar depois do MIT dos Estados Unidos. Os pesquisadores do ETH detêm 31 prêmios Nobel, a começar por Albert Einstein. A equipe que trabalhou no artigo entende tudo de mapeamento de redes e da arquitetura de poder que resulta. Stefano Battiston, um dos autores, assina pesquisas com J. Stiglitz, ex-economista chefe do Banco Mundial. O presente artigo, com 10 páginas, é curto para uma pesquisa deste porte, mas é acompanhado de 26 páginas de metodologia, de maneira a deixar transparentes todos os procedimentos. E em nenhum momento tiram conclusões políticas apressadas: limitam-se a expor de maneira muito sistemática o mapa do poder que resulta, e apontam as implicações. 
 A pesquisa é de difícil leitura para não leigos, pela matemática envolvida. Pela importância que representa para a compreensão de como se organiza o poder corporativo do planeta, resolvemos expor da maneira mais clara possível os principais aportes, ao mesmo tempo que disponibilizamos abaixo o link do artigo completo. 
O que resulta da pesquisa é claro: “A estrutura da rede de controle das corporações transnacionais impacta a competição de mercado mundial e a estabilidade financeira. Até agora, apenas pequenas amostras nacionais foram estudadas e não havia metodologia apropriada para avaliar globalmente o controle. Apresentamos a primeira pesquisa da arquitetura da rede internacional de propriedade, junto com a computação do controle que possui cada ator global. Descobrimos que as corporações transnacionais formam uma gigantesca estrutura em forma de gravata borboleta (bow-tie), e que uma grande parte do controle flui para um núcleo (core) pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras. Este núcleo pode ser visto como uma “super-entidade” (super-entity) o que levanta questões importantes tanto para pesquisadores como para os que traçam políticas.”(1/36)
Para demostrar como este travamento acontece, os autores analisam a estrutura mundial do controle corporativo. O controle é aqui definido como participação dos atores econômicos nas ações, correspondendo “às oportunidades de ver os seus interesses predominarem na estratégia de negócios da empresa”. Ao desenhar o conjunto da teia de participações, chega-se à noção de controle em rede. Esta noção define o montante total de valor econômico sobre a qual um agente tem influência.
O modelo analisa o rendimento operacional e o valor econômico das corporações, detalha as tomadas mútuas de participação em ações (mutual cross-shareholdings) identificando as unidades mais fortemente conectadas dentro da rede. “Este tipo de estruturas, até hoje observado apenas em pequenas amostras, tem explicações tais como estratégias de proteção contra tomadas de controle (anti-takeover strategies), redução de custos de transação, compartilhamento de riscos, aumento de confiança e de grupos de interesse. Qual que seja a sua origem, no entanto, fragiliza a competição de mercado... Como resultado, cerca de ¾ da propriedade das firmas no núcleo ficam nas mãos de firmas do próprio núcleo. Em outras palavras, trata-se de um grupo fortemente estruturado (tightly-nit) de corporações que cumulativamente detêm a maior parte das participações umas nas outras”. (5)
Este mapeamento leva por sua vez à análise da concentração do controle. A primeira vista, sendo firmas abertas com ações no mercado, imagina-se um grau relativamente distribuído também do poder de controle. O estudo buscou “quão concentrado é este controle, e quem são os que detêm maior controle no topo”. Isto é uma inovação relativamente aos numerosos estudos anteriores que mediram a concentração de riqueza e de renda. Segundo os autores, não há estimativas quantitativas anteriores sobre o controle. O cálculo consistiu em identificar qual a fração de atores no topo que detém mais de 80% do controle de toda a rede. Os resultados são fortes: “Encontramos que apenas 737 dos principais atores (top-holders) acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as ETNs... Isto significa que o controle em rede (network control) é distribuído de maneira muito mais desigual do que a riqueza. Em particular, os atores no topo detêm um controle dez vezes maior do que o que poderia se esperar baseado na sua riqueza.”(6)
Combinando o poder de controle dos atores no topo (top ranked actors) com as suas interconexões, “encontramos que, apesar de sua pequena dimensão, o núcleo detém coletivamente uma ampla fração do controle total da rede. No detalhe, quase 4/10 do controle sobre o valor econômico das ETNs do mundo, através de uma teia complicada de relações de propriedade, está nas mãos de um grupo de 147 ETNs do núcleo, que detém quase pleno controle sobre si mesmo. Os atores do topo dentro do núcleo podem assim ser considerados como uma “super-entidade” na rede global das corporações. Um fato adicional relevante neste ponto é que ¾ do núcleo são intermediários financeiros.”
Os números em si são muito impressionantes, e estão gerando impacto no mundo científico, e vão repercutir inevitavelmente no mundo político. Os dados não só confirmam como agravam as afirmações dos movimentos de protesto que se referem ao 1% que brinca com os recursos dos outros 99% O New Scientist reproduz o comentário de um dos pesquisadores, Glattfelder, que resume a questão: “Com efeito, menos de 1% das empresas consegue controlar 40% de toda a rede”. E a maioria são instituições financeiras, entre as quais Barclays Bank, JPMorgan Chase&Co, Goldman Sachs e semelhantes. 
Algumas implicações são bastante evidentes. Assim, ainda que na avaliação do New Scientist as empresas se comprem umas as outras por razões de negócios e não para dominar o mundo, não ver a conexão entre esta concentração de poder econômico e o poder político constitui evidente prova de miopia. Quando numerosos países, a partir dos anos Reagan e Thatcher, reduziram os impostos sobre os ricos, lançando as bases da trágica desigualdade planetária atual, não há dúvidas quanto ao poder político por trás das iniciativas. A lei recentemente passada nos Estados Unidos que libera totalmente o financiamento de campanhas eleitorais por corporações tem implicações igualmente evidentes. O desmantelamento das leis que obrigavam as instituições financeiras a fornecer informações e que regulavam as suas atividades passa a ter origens claras. 
Outra conclusão importante refere-se à fragilidade sistêmica que geramos na economia mundial. Quando há milhões de empresas, há concorrência real, ninguém consegue “fazer” o mercado, ditar os preços, e muito menos ditar o uso dos recursos públicos. Esses desequilíbrios se ajustam com inúmeras alterações pontuais, assegurando uma certa resiliência sistêmica. Com a escalada atual do poder corporativo, as oscilações adquirem outra dimensão. Por exemplo, com os derivativos em crise, boa parte dos capitais especulativos se reorientou para commodities, levando a fortes aumentos de preços, frequentemente atribuídos de maneira simplista ao aumendo da demanda da China por matérias primas. A evolução recente dos preços de petróleo, em particular, está diretamente conectada a estas estruturas de poder. 
Os autores trazem também implicações para o controle dos trustes, já que estas políticas operam apenas no plano nacional: “Instituições antitruste ao redor do mundo acompanham de perto estruturas complexas de propriedade dentro das suas fronteiras nacionais. O fato de series de dados internacionais bem como métodos de estudo de redes amplas terem se tornado acessíveis apenas recentemente, pode explicar como esta descoberta não tenha sido notada durante tanto tempo”(7) Em termos claros, estas corporações atuam no mundo, enquanto as instâncias reguladoras estão fragmentadas em 194 países, sem contar a colaboração dos paraisos fiscais.
Outra implicação é a instabilidade financeira sistêmica gerada. Estamos acostumados a dizer que os grandes grupos financeiros são demasiado grandes para quebrar. Ao ver como estão interconectados, a imagem muda, é o sistema que é grande e poderoso demais para que não sejamos todos obrigados a manter os seus privilégios. “Trabalhos recentes têm mostrado que quando uma rede financeira é muito densamente conectada fica sujeita ao risco sistêmico. Com efeito, enquanto em bons tempos a rede parece robusta, em tempos ruins as empresas entram em desespero simultaneamente. Esta característica de ‘dois gumes’ foi constatada durante o recente caos financeiro” (7).
Ponto chave, os autores apontam para o efeito de poder do sistema financeiro sobre as outras áreas corporativas. “De acordo com alguns argumentos teóricos, em geral, as instituições financeiras não investem em participações acionárias para exercer controle. No entanto, há também evidência empírica do oposto. Os nossos resultados mostram que, globalmente, os atores do topo estão no mínimo em posição de exercer considerável controle, seja formalmente (por exemplo votando em reuniões de acionistas ou de conselhos de administração) ou através de negociações informais”. (8)
Finalmente, os autores abordam a questão óbvia do clube dos super-ricos:  “Do ponto de vista empírico, uma estrutura em “gravata borboleta” com um núcleo muito pequeno e influente constitui uma nova observação no estudo de redes complexas. Supomos que possa estar presente em outros tipos de redes onde mecanismos de “ricos-ficam-mais-ricos” (rich-get-richer) funcionam... O fato do núcleo estar tão densamente conectado poderia ser visto como uma generalização do fenômeno de clube dos ricos (rich-club phenomenon).” (8) A presença esmagadora dos grupos europeus e americanos neste universo sem dúvida também ajuda nas articulações e acentua os desequilíbrios. 
Conclusões gerais a se tirar? Não faltam na internet comentários de que o fato de serem poucos não significa grande coisa. Na minha análise, é óbvio que se trata sim de um clube de ricos, e de muito ricos, que se apropriam de recursos produzidos pela sociedade em proporções inteiramente desproporcionais relativamente ao que produzem. Trata-se também de pessoas que controlam a aplicação de gigantescos recursos, muito mais do que a sua capacidade de gestão e de aplicação racional. Um efeito mais amplo é a tendência de uma dominação geral dos sistemas especulativos sobre os sistemas produtivos. As empresas efetivamente produtoras de bens e serviços úteis à sociedade teriam todo interesse em contribuir para um sistema mais inteligente de alocação de recursos, pois são em boa parte vítimas indiretas do processo. Neste sentido, a pesquisa do ETH aponta para uma deformação estrutural do sistema, e que terá em algum momento de ser enfrentada.
E quanto ao que tanto preocupa as pessoas, a conspiração? A grande realidade que sobressai da pesquisa, é que nenhuma conspiração é necessária. Ao estarem articulados em rede, e com um número tão diminuto de pessoas no topo, não há nada que não se resolva no campo de golfe no fim de semana. Esta rede de contatos pessoais é de enorme relevância. Mas sobretudo os interesses são comuns, e não é necessária nenhuma conspiração para que os defendam solidariamente, como na batalha já mencionada para se reduzir os impostos que pagam os muito ricos, ou para se evitar taxação sobre transações financeiras, ou ainda para evitar o controle dos paraísos fiscais.
O caos financeiro planetário, em última instância, tem uma base muito articulada (tight-nit) de poucos atores. No pânico mundial gerado pela crise, debatem-se as políticas de austeridade, as dívidas públicas, a irresponsabilidade dos governos, deixando na sombra o ator principal, as instituições de intermediação financeira. No inicio do pânico da crise financeira, em 2008, a publicação do FMI Finance & Development estampou na capa em letras garrafais a pergunta “Who’s in charge?”, insinuando que ninguém está coordenando nada. Para o bem ou pra o mal, a pergunta está respondida. 

Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia economômica - um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).

1 - "Há uma grande diferença entre suspeitar a existância de um fato, e demonstrá-lo empiricamente” – Vitali, Glattfelder e Battiston - http://bit.ly/pWslEs
2 - S. Vitali, J.B Glattfelder e S. Battiston – The Network, of Global Corporate Control -  Chair of Systems Design, ETH Zurich – corresponding author sbattiston@ethz.ch . O texto completo foi disponibilizado em arXiv em pré-publicação, e publicado pelo PloS One em 26 de outubro de 2011: http://bit.ly/smmhvg .  A ampla discussão internacional gerada, com respostas dos autores da pesquisa, pode ser acompanhada em http://bit.ly/pWslEs
3 - Link para a resenha do New Scientist traduzida para o português no
site Inovação Tecnológica: http://bit.ly/sUsMjN e link para a resenha em inglês no site New Scientist: http://bit.ly/omulCA 4 - O aumento do risco sistêmico nos grandes sistemas integrados é estudado por Stiglitz em Risk and Global Economic Architecture, 2010,  http://www.nber.org/papers/w15718.pdf