terça-feira, 27 de março de 2012

As mulheres e o narcotráfico: entre uma guerra delirante e a impunidade

Há centenas de milhares de mulheres - sem nome, sem idade, sem rosto - que por circunstâncias da vida ou por decisão própria somam-se às filas do narcotráfico


Gabriela Oliveros e Marcela Salas
Desinformémonos

Cidade do México. Carregam cartuchos, o mesmo que carregar bebês. Disparam, e amam também. Transportam drogas, às vezes em suas roupas, às vezes em seus corpos, às vezes em seus filhos. Lidam com sangue, com ossos. Explodem granadas, e algumas vezes são explodidas. São as mulheres do narcotráfico, as quais, no vai e vem da compra e venda de substâncias ilícitas, oscilam entre os limites da vítima ou do agressor. Seu papel se manteve velado durante décadas, mas, diante do crescimento do clima de violência que flagela o país, adquirem cada vez mais visibilidade. 
As mulheres também estão desaparecidas, raptadas com fins de exploração sexual pelas mesmas redes, torturadas e assassinadas. E, por outro lado e no mesmo âmbito, estão as mulheres jornalistas que mostram com valentia os bastidores das máfias, as defensoras de direitos humanos, as mulheres que combatem. Todo um mundo feminino que denuncia, se rebela e se defende.

No mundo do narco 
Digna rainha das rainhas 
diante da lei, não se inclina 
caminha com pés de gato 
domina a corda solta
entre a mais bela rosa 
mais perigoso o espinho 

Sandra Ávila Beltrán - Foto: Desinformémonos
Esse é um trecho da música “A rainha das rainhas”, que o grupo Os Tigres do Norte dedicou a Sandra Ávila Beltrán, mulher ligada ao narcotráfico cujo nome se soma ao de outras – todas elas com a característica em comum de serem mulheres bonitas – que estão relacionadas com o mundo do contrabando de drogas como Zayda Peña, Liliana Lozano, Alicia Machado, Dolly Cifuentes, Laura Zúñiga. 
No entanto, além da beleza e da fama, há centenas de milhares de mulheres – sem nome, sem idade, sem rosto – que por circunstâncias da vida ou por decisão própria unem-se às filas do narcotráfico. 
Recentemente a Central de Organizações Camponesas e Populares informou que existem cerca de 200 mil mulheres mexicanas que trabalham de forma direta ou indireta para quadrilhas de narcotráfico, e que sete em cada dez mulheres no norte do país estão ligadas ou são beneficiadas pelo dinheiro do narcotráfico. 
Dados da DEA mostram que há 10 mil mulheres encarceradas por crimes relacionados à fabricação, venda e distribuição de drogas, e que a porcentagem de detidas por esta causa aumentou 400% desde 2007. 
A participação feminina no negócio das drogas não é inédita, mas os papeis que ocupam dentro das organizações criminosas está mudando. Liliana Carbajal Larios, especialista em mulheres e segurança nacional, destaca os três principais papeis desempenhados atualmente nas fileiras do narcotráfico: articulação e mediação, administração e distribuição de recursos e agentes de reestruturação e coesão no núcleo familiar, quando morre o chefe da família. 
Elas, no entanto, têm o custo de muitas outras tarefas. Entre elas, Carbajal Larios destaca “as mulheres troféu, que desempenham o papel de ‘acompanhantes’ dos narcotraficantes, as ‘burreras’ ou ‘mulas’ que transportam drogas de uma fronteira para outra, carregando bebês mortos que também estão carregados com drogas, ou fazendo-se enxertos de cocaína e outras substâncias no busto; as ‘buchonas’, que são mulheres que estão em pontos estratégicos e informam os grupos de narcotraficantes quando policiais ou militares estão para prendê-los, e que não podem ser julgadas devido à impossibilidade de comprovar sua participação no negócio”. 
As mulheres também estão consumidoras, cuja atuação é indireta, e as mães, irmãs, filhas e esposas de narcotraficantes, que não participam ativamente, mas tampouco podem sair dessa situação – apesar de viverem na mais pródiga opulência – são focos de sequestros e ajustes de contas. 
Outras mulheres desempenham papeis que antes estavam destinados apenas aos homens, como as varejistas, diretamente relacionadas com a venda de substâncias ilegais em pequena escala, ou as mulheres mercenárias, que “se preparam para assassinar a sangue frio, veem como decapitar e logo reproduzem, o que tem ocasionado também que aumentem os assassinatos sangrentos de mulheres cometidos por mulheres”, pontua Liliana Carbajal. 
Em 2011, por exemplo, “Monterreu começou o ano com a notícia da “ruiva da ponte Gonzalitos’, uma mulher que apareceu enforcada em 31 de dezembro na zona de Linhares”, explica San Juana Martínez, jornalista especializada em violência de gênero, direitos humanos e narcotráfico. 
A jornalista assinala que, somente em Nuevo León, seu estado natal, os crimes contra mulheres aumentaram 689% de 2005 a 2011, com três feminicídios em 2005 e 211 em 2011. 
“Há mulheres desaparecidas que se enquadram como vítimas do tráfico ou de exploração sexual. Também ocorrem casos de os “arrastões do prazer”, onde os narcotraficantes recolhem as meninas que eles gostam e às vezes as devolvem, mas em outras ocasiões não”, explica Martínez e assinala que o “México é uma terra de feminicídios, produto do redemoinho da barbárie do narcotráfico que já não faz distinções de nenhuma classe”. 

Mulheres que combatem o narcotráfico 

Em meio ao aumento generalizado da violência, registra-se um aumento da presença feminina em forças policiais. Não somente há mais mulheres policiais, mas também agora elas querem ocupar chefias e altos postos, cargos em que anteriormente não podiam se posicionar. Esse fenômeno, no entanto, “não deve necessariamente ser considerado como um triunfo de gênero”, adverte a doutora em Sociologia Olivia Tena Guerrero, coordenadora do Programa de Investigação Feminista da UNAM.
Em alguns casos, destaca Olivia Tena, as mulheres conseguiram alcançar altos postos “somente porque os homens os recusaram”. Esse é o caso de Marisol Valles García, jovem de 20 anos que foi nomeada por alguns meios de comunicação “a mulher mais valente do México” depois de aceitar a chefia da polícia do violento município de Praxedis Guerrero, em Chihuahua. O cargo que ocupou ninguém mais quis, pois seu sucessor, Manuel Castro, havia sido sequestrado, torturado e decapitado. Dois meses depois de assumir o cargo – e de logo receber numerosas ameaças – Marisol foi tirada do posto por ausentar-se de seus trabalhos e solicitou asilo nos Estados Unidos. 
Apesar dos avanços no reconhecimento do direito que as mulheres têm de se empregar no que elas decidirem, as causas que levam muitas às instituições policiais não são precisamente a vontade de ajudar “os demais a servir a sociedade”. “Muitas delas”, reconhece Tena Guerrero, “aproximam-se desse trabalho porque se dão conta que – apesar do perigo que implica – podem ganhar mais sem ter muitos estudos, e porque buscam a obtenção de um poder que antes não conheciam”. 
A também diretora de um projeto de empoderamento de mulheres policiais na Cidade do México acrescenta que, por causa do aumento da violência e criminalidade, que se originam de não haver modificações da estratégia de combate ao crime organizado no momento oportuno, “a função das mulheres policiais é mais repressora que preventiva”. 
Seja qual for seu papel no narcotráfico, é claro que as mulheres têm adquirido paulatinamente poder e têm deixado de desempenhar tão somente papeis auxiliares ou de acompanhamento. “Escutamos e lemos histórias diariamente”, disse a jornalista Sanjuana Martínez, autora do livro “A fronteira do narcotráfico”. “Às vezes são difundidas e muitas outras ficam no esquecimento, mas é preciso ter em conta a situação em que estamos imersas como gênero. Devemos nos cuidar entre nós, fazer redes e nos protegermos, essa é a única maneira de nos defendermos diante dessa guerra delirante”, adverte a repórter de La Jornada.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Da utopia à revolta, da indignação à revolução

por Miguel Urbano Rodrigues

Este início do século XXI será recordado como uma das épocas mais trágicas e belas da História da Humanidade.

Mas as actuais gerações, quando comentam os efeitos da crise mundial que hoje atinge a quase totalidade dos povos e meditam sobre a onda de barbárie que varre o planeta, são empurradas para conclusões pessimistas. O que captam do tempo histórico em movimento é sobretudo o lado mais sombrio.

O homem realizou nas últimas décadas conquistas prodigiosas, inimagináveis em vida dos nossos avós. Já viajou até à Lua, lança sondas a planetas distantes milhões de quilómetros da Terra, sonha com a fundação de cidades terrestres no Espaço, rompe a cada dia as fronteiras do saber, prolongou a esperança de vida.

Foi entretanto breve o tempo das ilusões quando em l945 se calaram os canhões após o esmagamento da Alemanha nazi. A esperança de que a Humanidade iria entrar numa era de paz com as guerras banidas para sempre era utópica. Desde então morreram mais de 50 milhões de pessoas em guerras criminosas e em fomes cíclicas.

A desigualdade social aumentou, aprofundou-se o fosso entre os países desenvolvidos e os mais pobres. Meio milhar de multibilionários acumulou fortunas colossais, algumas (como as de Carlos Slim e Bill Gates) superiores a metade do PIB português. Gigantescas transnacionais impõem a sua vontade aos governos de Estados da África, da Ásia e da América Latina.

A violência assume hoje carácter endémico em amplas regiões do planeta. Um imperialismo colectivo hegemonizado pelos EUA promove agressões para se apossar dos recursos naturais de povos do antigo Terceiro Mundo. Isso aconteceu no Iraque, na Líbia, no Afeganistão.

Neste ultima país os EUA cometem crimes que trazem à memória os das SS hitlerianas.

A guerra afegã está perdida. No corpo de oficiais instalou-se uma mentalidade de matizes fascizantes. Mas o Presidente Obama promulga a lei de autorização da Segurança Nacional que permite a prisão de qualquer cidadão suspeito de contactos com "terroristas".

E a escalada da violência prossegue. O governo neofascista de Israel tenta arrastar o seu grande aliado para uma agressão ao Irão. Obama hesita. Mas apenas por estar consciente de que o envolvimento numa nova guerra na Ásia antes de Novembro poderia prejudicar decisivamente a sua reeleição.

Uma grande parte da humanidade, desinformada, não consegue desmontar os mecanismos da mentira.

PORTUGAL 

A crise, nascida nos EUA, é uma crise do capitalismo.

Longe de estar superada, agrava-se porque é estrutural e não cíclica.

Alastrou pelo mundo e, como era inevitável, contaminou a União Europeia. As receitas para a enfrentar são aqui diferentes das utilizadas nos Estados Unidos porque o dólar é ainda quase a moeda universal e o Banco Central Europeu não tem a possibilidade de emitir sem controlo biliões de euros numa estratégia financeira de combate à crise. Mas aqui, como do outro lado do Atlântico, o objectivo do poder foi acudir aos responsáveis e evitar a falência da grande banca e de gigantescas transnacionais. A factura dos crimes da Finança é cobrada às vítimas, isto é, aos trabalhadores.

País periférico, subdesenvolvido, semi colonizado, Portugal está há muito desgovernado por forças políticas que se submetem docilmente às medidas impostas pelo imperialismo e as aplaudem.

As sanguessugas do capital, actuando em nome da Comissão Europeia e do FMI, proclamam que o povo trabalhador deve sacrificar-se, apertar o cinto, cumprir todas as exigências da chamada troika para recuperar a confiança dos "mercados".

Telelixo.Um sistema mediático perverso e corrupto entra no jogo. Emite críticas irrelevantes ao funcionamento da engrenagem, simulando urna independência inexistente.

O coro dos epígonos, perante o avolumar da indignação dos trabalhadores, teme que ela assuma proporções torrenciais, e repete que felizmente somos um povo de "brandos costumes", diferente do grego, um povo que compreende a necessidade da "austeridade", consciente de que somente dela pode nascer a superação da crise.

Incutir um sentimento de fatalismo nas massas é objetivo permanente no massacre mediático. Arrogantes, os sacerdotes do capital proclamam que não há alternativa à sua política.

Que fazer? 

É pelos caminhos da luta que ela pode ser encontrada.

É necessário combater com firmeza a alienação que atinge uma grande parcela da população. Combater a ideia falsa de que vivemos uma situação democrática, porque o regime parlamentar foi legitimado pelo voto popular é uma exigência histórica, tal como a desmontagem das campanhas que condenam as greves como anti-patrióticas e as manifestações de protesto como iniciativas românticas.

Ajudar milhões de portugueses a compreender como foi possível que 37 anos após uma Revolução tão bela e profunda como a de Abril de 74 o país, de tombo em tombo, voltasse a ser dominado pela classe que o oprimia na época do fascismo tornou-se uma tarefa revolucionária.

Como foi possível o refluxo? A relação de forças que permitiu as grandes conquistas revolucionárias durante os governos do general Vasco Gonçalves não se alterou de um dia para o outro.

A base social do Partido Socialista não deve ser confundida com a do PSD e do CDS. Mas ajudar a compreender que a direcção do PS, colectivamente, tem actuado conscientemente ao serviço da direita é muito importante. Na quase glorificação de Sócrates no Congresso daquele partido o PS projectou bem a sua imagem. O secretário-geral tinha conduzido o país à beira do abismo com a sua política neoliberal de vassalagem ao capital, mas foi ali aclamado como herói e salvador.

Renovaram-lhe a confiança e ele afundou mais o país. Depois ocorreu o esperado. O funcionamento dos mecanismos da ditadura da burguesia de fachada democrática colocou a aliança PSD-CDS de novo ao governo.

Uma parcela ponderável do povo acreditou que votava por uma mudança. Na realidade, limitou-se a accionar o rodízio da alternância no governo de partidos que competem na tarefa de servirem os interesses do capital do qual são instrumentos submissos.

Hoje, cabe perguntar: como pode ter chegado a Primeiro-ministro uma criatura como Passos Coelho? As suas palavras e actos suscitam diariamente torrentes de comentários e interpretações dos analistas de serviço nos media. O homem é um ser de uma indigência mental tão transparente que até intelectuais da direita como Pacheco Pereira reconhecem o óbvio.

O povo acompanha, angustiado, as cenas da farsa dramática. Há dois anos que a sua resposta à política que está a destruir o país não pára de crescer. Mas é ainda muito insuficiente. As grandes manifestações de protesto e as greves (a geral e as sectoriais) somente podem abalar o sistema se a luta adquirir um carácter permanente e diversificado, nas fábricas, nos portos, nos transportes, nas escolas, na Administração, em múltiplos locais de trabalho, nas ruas.

E evidente que as condições subjectivas não são em Portugal as da Grécia cujos trabalhadores, caluniados, se batem hoje pela Humanidade.

Que fazer? – insisto.

0 esforço do PCP na luta contra o imobilismo e a alienação como contribuição indispensável para o reforço da consciência de classe e o nível ideológico da classe trabalhadora assume hoje – repito – carácter de tarefa revolucionária.

A burguesia tudo faz para estimular o pessimismo. O governo e o patronato sabem que a convicção de que não há alternativa para a "austeridade" os favorece. Proclamam que a luta de massas somente agravaria a crise.

A atitude positiva deve ser a oposta, a optimista, a que fortalece o espírito de luta. Não se combate o desemprego, a pobreza, a supressão de conquistas sociais, cedendo ao medo.

A luta do povo português é inseparável da luta de outros povos que mundo afora que são, como o nosso, vítimas de políticas similares do imperialismo ou ainda mais cruéis e desumanas.

É útil desmascarar a monstruosidade das agressões a países da Ásia e da África e lembrar que nas condições mais adversas os povos do Iraque, do Afeganistão, da Palestina, da Líbia, entre outros, resistem e se batem contra a barbárie imperialista.

É preciso lembrar que a luta dos povos é planetária. A nossa globalização não é a deles. Enquanto a maré desce em algumas zonas da Terra, sobe noutras.

É preciso lembrar que o povo cubano, hostilizado pela mais poderosa potência do mundo, alvo de uma guerra não declarada, defende há meio século a sua revolução com coragem espartana.

É preciso lembrar que na América Latina os povos da Venezuela bolivariana, da Bolívia e do Equador apontam ao Continente o caminho da luta contra o capitalismo predador com o apoio maciço dos trabalhadores e da massa dos excluídos.

É útil lembrar que foram as grandes revoluções que contribuíram decisivamente para o progresso da Humanidade.

A burguesia francesa apunhalou em 1792 a Revolução por ela concebida e dirigida. Uma lenda negra foi forjada para a satanizar e lhe colar a imagem de um tempo de horrores e violência. Mas, transcorridos mais de dois séculos, é impossível negar que a Revolução Francesa ficou a assinalar uma viragem maravilhosa na caminhada da Humanidade para o futuro.

É preciso, é útil lembrar que o mesmo ocorreu com a Revolução Russa de Outubro de 1917. O imperialismo festejou como vitoria memorável a reimplantação do capitalismo na pátria de Lenine. Mas não há calúnia nem falsificação da Historia que possa apagar a realidade: as grandes conquistas sociais dos trabalhadores europeus no século XX surgiram como herança indirecta da Revolução Russa, a mais progressista da Historia. Foi o medo do socialismo e do comunismo que forçou a burguesia na Europa a conformar-se com conquistas que, como a jornada de 8 horas, as férias pagas, o 13º salário, tudo faz hoje, desaparecida a URSS, para suprimir.

Em Portugal é preciso e possível recusar o pessimismo, que leva a baixar os braços, à inércia, é indispensável reassumir a esperança que empurra para o combate e a vitória.

Em 1383 e em 1640, quando o país estava de rastos e tudo parecia afundar-se, o povo português desafiou o impossível aparente e venceu.

É preciso recordar que, após quase meio século de fascismo, o povo português foi sujeito de uma grande revolução que na Europa Ocidental realizou conquistas sociais mais profundas do que qualquer outra desde a Comuna de Paris.

Vivemos um tempo de pesadelo. No fluxo e refluxo da Historia, os opressores do povo estão novamente encastelados no poder. Mas é útil lembrar que as sementes de Abril sobreviveram à contra-revolução. E elas voltarão a germinar nos campos e nas cidades, lançadas pelos trabalhadores em marcha pelas grandes alamedas em lutas vitoriosas.

Transformar no quotidiano em realidade a palavra de ordem "a luta continua" é, mais do que um dever, uma exigência da História. 


O original encontra-se em http://www.odiario.info/?p=2415 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

O holocausto dos negros

 
A escravidão, o holocausto dos negros. 16675.jpegMuito se fala sobre o holocausto, muito se escreveu sobre os atos chocantes de maldade, barbaridade, crueldade contra vários grupos de pessoas desde os Estados Bálticos, até Europa Oriental e Central e Alemanha. Mas por quê a Escravidão não ocupa um lugar igual nos anais da depravação humana?

23 de março foi um dia de lembrança, um dia de homenagem aos homens, mulheres e crianças que foram arrancadas de suas casas, suas famílias e entes queridos. Onde estava este dia na mídia internacional? Esquecido.

A humanidade se lembra, justamente, das atrocidades do passado, garantindo que ficam nas páginas mais negras da história e fazendo com que as gerações futuras obrigatoriamente se apercebem quão baixo o ser humano pode afundar-se, garantindo que nunca maus esses terríveis atos de crueldade podem acontecer novamente. Muito foi dito e escrito sobre o holocausto judeu, mas sobre o holocausto africano - Escravidão?A escravidão, o holocausto dos negros. 16676.jpeg

Embora não haja registros exatos, foram feitas tentativas para documentar o número médio de escravos arrancados da África e levados para as Américas pelos ingleses, portugueses, espanhois, holandeses, franceses e dinamarqueses. O número oficial é 10 a 11 milhões. Mas vamos pesquisar mais ...
 


Estimativas credíveis (1) postulam 54 milhões como a cifra de pessoas transportadas contra a sua vontade entre 1666 e 1800. Se levarmos em consideração que o comércio quadruplicou entre 1810 e 1860, e apenas nos EUA, então o valor total seria algo em torno de 200 milhões de pessoas traficadas. Acrescente a isso o efeito sobre as famílias e vemos que este episódio mais terrível de nossa história coletiva é, em termos comparativos, praticamente ignorado.

Forçados a ficar deitados, cabeça contra pé, presos aos seus lugares, sem quaisquer estruturas de higiene ou saneamento, eles chegaram ao destino até seis meses depois num mar de excremento. Ou mortos. E este foi apenas o começo de um pesadelo que em muitos casos viram os escravos tratados como animais, ou pior, obrigados a dormir em condições insalubres e apertadas.

A escravidão, o holocausto dos negros. 16677.jpegAs punições incluíram serem fechadps por trás de uma porta pesada, sem espaço para se movimentar durante até três dias, com insetos e escorpiões rastejando por todo o corpo; ser privado de comida e água; ser espancado; ser chicoteado; ser "saqueado" - colocado dentro de um saco, amarrada no pescoço e sendo arrastado ao redor do perímetro da fazenda atrás de um cavalo; ser preso com um anel ao redor do pescoço ou tornozelo; ser atirado para uma masmorra; orelhas cortadas; ossos quebrados; amputação de membros; olhos arrancados; ser enforcado; castração; ser queimado; ser assado. Por quê? Por comer um pedaço de cana de açúcar, por exemplo.

Hoje, 2012, 400.000 pessoas por ano continuam a ser vítimas de escravidão, é por isso que esta coluna raramente é escrita no "Dia da ONU", porque eu considero que todos os dias sejam dias de luta contra a escravidão. Na Mauritânia, um escravo negro pode ser comprado por 11 euros e no Sudão, por 64 Euros. Na Índia, Paquistão, Nepal e Bangladesh, o comércio de escravos continua a processar 25 milhões de euros por ano.

27 milhões de pessoas vivem hoje em condições de escravidão. E não é só em longínquos países como Bangladesh, Sudão ou Mauritânia. De acordo com estatísticas elaboradas por pesquisadores nos Estados Unidos da América (2), "A Agência Central de Inteligência (CIA) estima que 50.000 pessoas são traficadas para, ou transitado através, dos EUA anualmente como escravas sexuais, domésticas, trabalhadores na indústria têxtil, ou escravos agrícolas";A escravidão, o holocausto dos negros. 16678.jpeg
"Entre 100.000 e 300.000 crianças nos EUA estão em risco de tráfico para exploração sexual a cada ano "... 2,8 milhões de crianças nos EUA vivem nas ruas e um terço delas são atraídas para a prostituição dentro de 48 horas depois de sair de casa. Casos de escravidão foram relatados em 90 cidades nos EUA.

Então, não vamos varrer a escravidão por baixo do tapete, não vamos perpetuar a noção de que isso aconteceu no passado e não continua no presente. Continua, sim e os meios de comunicação internacionais devem assumir a causa, que é uma imensa mancha sobre a identidade coletiva da humanidade.

(1) http://academic.udayton.edu/race/02rights/slave04.htm
(2) http://www.gchope.org/human-slavery-statistics.html

Timothy Bancroft-Hinchey
Pravda.Ru

domingo, 25 de março de 2012

Homenagem aos Trabalhadores em Educação do RS e do Brasil....



Novo Tempo - Ivan Lins
No novo tempo, apesar dos castigos
Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer
No novo tempo, apesar dos perigos
Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta
Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver
Pra que nossa esperança seja mais que a vingança
Seja sempre um caminho que se deixa de herança
No novo tempo, apesar dos castigos
De toda fadiga, de toda injustiça, estamos na briga
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer
No novo tempo, apesar dos perigos
De todos os pecados, de todos enganos, estamos marcados
Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver
No novo tempo, apesar dos castigos
Estamos em cena, estamos nas ruas, quebrando as algemas
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer
No novo tempo, apesar dos perigos
A gente se encontra cantando na praça, fazendo pirraça

Fonte: Sergio Weber, Professor Estadual

As provas do roubo de bebês durante a ditadura argentina


O arrazoado das Avós da Praça de Maio no julgamento do roubo de bebês durante a ditadura argentina, que será apresentado segunda-feira (26), mostrará as provas reunidas na busca dos netos sequestrados. Em reportagem especial, o jornal Página/12 apresenta parte dessas provas compostas por documentos, papeis oriundos da burocracia, memorandos secretos, análises de DNA, cartas de familiares, testemunhos de sobreviventes e confissões de repressores perante juízes.O artigo é de Victoria Ginzberg y Alejandra Dandan.


Buenos Aires - Victoria Montenegro, Catalina de Sanctis Ovando, Francisco Madariaga, Macarena Gelman, Simón Riquelo, Alejandro Pedro Sandoval, Leonardo Fosatti, Juan Cabandié, Claudia Poblete, os irmãos Antole Boris e Victoria Eva Julien Grisonas e outras 95 crianças sequestradas durante a última ditadura que recuperaram sua identidade são a prova mais forte e palpável do plano de apropriação de crianças. Mas as análises de DNA, suas histórias (à medida do possível) recuperadas não são a única coisa que demonstra a existência daquela prática de terrorismo de Estado que os executores tornaram sistemática e aperfeiçoaram. Há documentos, papeis oriundos da burocracia, memorandos secretos e cartas de familiares. E há palavras, testemunhos de sobreviventes e confissões de repressores perante juízes, e de apropriadores frente aos filhos que supunham seus aliados.

Estas evidências recolhidas durante anos de investigação foram finalizadas no processo contra oito repressores que nesta semana entra em sua etapa final. Depois das marchas que as organizações dos direitos humanos, agremiações políticas, estudantis e sociais estão fazendo hoje, na data do golpe militar de 24 de março de 1976, na segunda-feira os advogados das Avós da Praça de Maio começarão seu arrazoado e darão conta de todos esses fatos, que permitirão sustentar a acusação contra Jorge Rafael Videla, Reinaldo Benito Bignone, Santiago Omar Riveros, Jorge Acosta, Antonio Vañek, Jorge Azic, Rubén Franco e o médico Jorge Luis Magnacco.

Palavras
Há numerosas declarações judiciais em que testemunhos ou imputados mencionaram a existência de ordens provenientes da cúpula militar, para apropriarem-se dos filhos de desaparecidos. Todas coincidem com um objetivo definido: que as crianças fossem criadas em locais “cristãos e ocidentais”. Os testemunhos do médico militar Julio César Caserotto, o fundador do CELS (Centro de Estudos Legais e Sociais), Emílio Mignone, a sobrevivente Lila Pastoriza e Jorge Eduardo Noguer, um ex-militar da marinha, cuja filha e neta foram sequestradas são alguns exemplos.

“Na maternidade do Hospital do Campo de Maio, durante o chamado Processo de Reorganização Nacional havia ordens verbais e escritas dos superiores para que ali se desse assistência às parturientes trazidas pelo pessoal da inteligência. As ordens escritas eram intituladas ‘Plano de Operações Normais para o Pessoal da Inteligência’ e estavam assinadas pelo diretor do hospital (Ramón Posse)”, revelou, em 1998, o médico militar Julio César Caserotto, que desempenhou entre 1977 e 1983, a função de chefe de serviço de obstetrícia do Hospital Militar do Campo de Maio. Quando se perguntou pelo destino dessas mulheres e das crianças, respondeu que obedecia “ao despacho do diretor do hospital e dizia que a paciente estava em condições de receber alta” e que ele se desresponsabilizava da questão, mas que no outro dia nem a partiriente nem o recém nascido estavam no lugar.

Em outra declaração, Caserotto recordou pontualmente quando se lhe transmitiram essas ordens. Disse que “um dia, pela manhã, quando se preparava para pegar no trabalho, ficou muito alvoroçado. Que viu uma mulher que estava internada na sala geral, logo após o trabalho de parto, sendo vigiada por um soldado armado. Que essa situação alterava a ordem normal da sala, já que outras mulheres também se encontravam internadas”. Recordou que depois, numa reunião, Posse lhe ordenou: “a partir de agora, internam-se todas as detidas grávidas no setor de Epidemiologia”, assim os inconvenientes seriam evitados, e não se devia registrar o ingresso dessas mulheres nem os nascimentos. Ali estava presente também o capitão Norberto Bianco, médico militar que se encarregava das grávidas sequestradas em centros clandestinos distintos e que se apropriou do filho de Norma Tato e de Jorge Casariego, que em 1977 estiveram detidos no El Campito e permanecem desaparecidos.

O fundador da CELS, Emilio Mignone, recordou num processo judicial em 1998 que, em 1978, junto com Augusto Conte foram encontrar Mario Amadeo para critica-lo por ter aceito a designação, como expert na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, com o aval de Videla. Pediram-lhe que se inteirasse sobre a circunstância de desaparecimento de pessoas e que recebesse as Avós da Praça de Maio. Essa reunião se concretizou e depois de escutar as mulheres que denunciavam o desaparecimento de suas filhas grávidas e o sequestro de seus netos, Amadeo entrevistou o secretário Legal e Técnico da Presidência, o coronel auditor Carlos Cerdá e questionou-lhe sobre os menores, frente ao que Cerdá respondeu-lhe que “aprovou-se, no nível da Junta Militar, uma doutrina por meio da qual os filhos dos subversivos não devem ser educados com ódio das instituições militares” e que “por isso os pequenos eram entregues para adoção”.

Jorge Eduardo Noguer foi membro da Armada entre 1947 e 1967, quando se aposentou como tenente de fragata. Em 3 de junho de 1976 desapareceram sua filha María Fernanda Noguer e sua neta Lucía Villagra, em Acassuso. Seu irmão, o coronel José María Noguer, era intendente de San Isidro e tinha sido companheiro de promoção de Riveros, comandante dos Institutos Militares do Campo de Maio. Em consequência, Jorge Noguer o entrevistou para tentar localizar a sua filha e a sua neta. Riveros designou Hermann Tetzlaff (apropriador de Victoria Montenegro) para que o ajudasse a reconstituir a operação por meio da qual as tinham levado.

Noguer recordou que Tezlaff era o representante da Escola de Comunicações no grupo de Inteligência, chefe da zona de San Isidro, Boulogne e Tigre, e que trabalhava conjuntamente com o Batalhão de Inteligência do Campo de Maio. Ele assegurou que Tezlaff e sua mulher, María del Carmen Eduartes, contaram-lhes várias vezes que não podiam ter filhos. Disseram inclusive que, numa ocasião, em junho ou julho de 76, o repressor passou a procurar por sua casa e o levou a “uma casa situada na rua Thames ou Dardo Rocha, a meia quadra da Panamericana, na qual, na noite anterior se tinha efetuado um procedimento do Exército, onde lhe disse que ‘tínhamos os arrebentado e em que os pais guerrilheiros morreram’, ‘quando entramos, nos encontramos com cinco pequenos com os olhos gigantes, abertos e fiquei com um’”.

O ex-militar que seguia procurando a sua filha e a sua neta ficou impressionado com a crueldade do relatado. Poucos dias depois desse episódio, um sábado pela tarde, apareceu Tetzlaff na sua casa, acompanhado de sua esposa, Eduartes, com uma menina que Tetzlaff apresentou como sua filha, uma babá e a sua sogra. Noguer decidiu ir se encontrar com Riveros para lhe perguntar se não havia a possibilidade de que a sua neta tivesse sido entregue a outra família, como a de Tetzlaff e Eduartes. Rivero lhe disse que com sua neta não tinha ocorrido isso, mas deixou transparecer que “essas eram as normas para evitar que os filhos dos esquerdistas caíssem em lares que não sejam bem constituídos ideologicamente, com o objetivo e encaminha-los”. Noguer, finalmente, fez contato com Videla, que o encaminhou ao ministro do Interior Albano Harquindeguy, que por meio de uma lista ratificou o desaparecimento de sua filha e de sua neta e lhe disse que estavam em mãos do chefe da armada, Emilio Eduardo Massera. Em janeiro de 1977 recuperou a sua neta. Sua filha, Maria Eduarda Noguer, continua desaparecida.

Os testemunhos dos sobreviventes, neste caso na sua maioria mulheres sequestradas que acompanhavam nas celas as suas amigas grávidas e que chegaram até a assistir alguns partos, são também evidências fundamentais desse plano. Sara Solarz de Osatinsky, que esteve presa na ESMA, declarou que “durante muito tempo altos chefes militares da marinha vinham visitar o setor em que ficavam as grávidas, entre outros Vañek, e viam Chamorro, e também Vildoza. Estou quase certa de que foi nesses dias, mas as visitas para contar o que era a ‘maternidade’, a que chamavam ‘a pequena Sardá’, eram permanentes”.

A ESMA contou com uma equipe de médicos e enfermeiros que tinham como função controlar o estado dos sequestrados para garantir uma maior quantidade de tempo de tortura e interrogatórios. E, além disso, faziam controles ginecológicos e partos clandestinos. A “justificação” para roubarem as crianças era a mesma, tanto na armada como no exército. Lila Pastoriza narrou: “Encontrei-me com uma menina que me disse que tinha os seios cheios de leite e perguntei a (Luis) D’Imperio (que atendia pelo nome de Abdala, encarregado do Serviço de Inteligência Naval, grupo de operativos da ESMA) e ele me disse: “Nós consideramos que os filhos não tem culpa de ter os pais que têm, os subversivos, esses terroristas” (...) “acreditamos que as mães devem ter seus partos, mas os pequenos nós os entregamos a outras famílias, que possam educa-los de outra maneira”.

Um legado esclarecedor
O neto Alejandro Sandoval Fontana contou que Alicia Beatriz Arteach, sua apropriadora, disse-lhe que um oficial da Polícia de sobrenome Correa era quem o tinha entregue e que o havia dado a ela e a Víctor Rei (ex-chefe da polícia) a possibilidade de escolher entre ele e uma menina recém-nascida. Alejandro contou que quando perguntou por Correa, Arteach lhe respondeu que tinha se tornado alcoolista, que tinha se degradado, que vivia brigando e que não tinha ficado bem com o que tinha se passado no Campo de Maio.

Correa é o comandante principal da polícia, Darío Alberto Correa e estava encarregado das grávidas sequestradas na prisão militar de processados Campo de Maio, que embora se encontrasse na guarnição mencionada, dependia do Primeiro Corpo do Exército, com assento em Palermo. Os papeis do arquivo pessoal de Correa, já falecido, trazem interessante documentação: ele mesmo relatou, numa atuação administrativa do ano de 1987, sua participação na repressão. Numa história clínica que aparece sob o título “Atividades cumpridas no meio castrense”, datada de 29 de julho de 1987, em Catamarca, Correa admitiu, entre outras coisas, que teve sob sua responsabilidade “a atenção de parturientes detidas, seus filhos e a entrega posterior deles a pessoas selecionadas pelas autoridades responsáveis, inclusive o traslado posterior das mães a lugares secretos para sua entrega aos responsáveis pela sua eliminação final”.

O caso de Correa, explicarão durante o arrazoado os advogados das Avós da Praça de Maio, prova a existência de mecanismos aceitos para a apropriação dos filhos das mulheres desaparecidas. Em primeiro lugar, fica clara a coordenação entre distintas zonas dentro do Exército. Também prova a existência de um complexo procedimento dirigido a partir da hierarquia com distintas cadeias de comando e papeis definidos, onde as pessoas que receberiam (se apropriariam) das crianças eram selecionadas previamente por autoridades responsáveis. E, finalmente, prova que existia um procedimento estabelecido para assassinar as mães.

Papeis
Outro documento que evidencia o plano para se apropriarem dos filhos dos desaparecidos é o memorando redigido em 1982 por Elliot Abrams, funcionário do Departamento de Estado dos EUA, depois de entrevistar o embaixador argentino em Washington Lucio Garcia del Solar. O documento foi aberto pelo governo dos Estados Unidos em 2002 e publicado pelo jornal Pagina12.

Nesse documento, Abrams contou : “perguntei ao embaixador sobre o tema das crianças nascidas das prisioneiras ou os arrancados de suas famílias durante a guerra suja. Mesmo que os desaparecidos estivessem mortos, essas crianças estavam vivas e num certo sentido isso era o problema humanitário mais grave. O embaixador concordava no geral e eu já tinha dito a ele que tinha falado a respeito com o ministro de Relações Exteriores e com o presidente. Não tinham rechaçado seu ponto de vista, mas registraram o problema de, por exemplo, tirarem-lhes as crianças e entregam-nas a pais adotivos”. Este memorando tem a data de 3 de dezembro de 1982, quando a presidência de fato era exercida por Reinaldo Benito Bignone.

O documento reflete o conhecimento pleno de Bignone da apropriação de crianças. Mais ainda, observam os advogados das Avós da Praça de Maio, deixa claro que o ditador sabia do destino desses meninos e meninas. Abrams foi convocado a declarar em juízo oral, como testemunho, o trâmite do processo por meio de uma videoconferência. Nessa oportunidade, disse: “Pensávamos que era um plano porque havia muita gente que encarceravam ou assassinavam e nos parecia que o governo militar tinha decidido que algumas (crianças) fossem entregues a outras famílias” e esclareceu que essa não era a sua opinião pessoal, mas a do governo dos Estados Unidos.

Pessoas de Bem
Com as declarações de alguns jovens que recuperaram sua identidade, reforçou-se a ideia de que o objetivo de que as crianças fossem entregues a familiares que cumprissem certos requisitos foi levada a cabo e de que, para tanto, existiam certos mecanismos burocráticos mais ou menos formais, de acordo com os casos.

A apropriadora de Alejandro Sandoval Fontana contou-lhe que citaram a ela e a Rei “no Regimento de Patrícios, o Maldonadito, e fizeram-lhe uma revista”. Disseram-lhe que quem ficasse com o menino “tinha de ter a força ou o amigo da força, tinha de ter casa própria, de ser católico”.

Isso coincide com a informação que Catalina De Sanctis Ovando, que pôde reconstruir parte do processo de sua subtração a partir de uma carta que encontrou no domicílio de seus apropriadores (e que depois foi sequestrada numa invasão de seu domicílio) e do que eles mesmos – Carlos Hidalgo Garzón e Francisca Morillo – disseram-lhe.

A carta foi enviada por Morillo a Hidalgo Garzón, oficial de Inteligência do Exército, a seu destino militar em Tucumã e está datada de 7 de abril de 1977. Na carta, Morillo informa a Hidalgo Garzón: “Do Liceu falei com o coronel e ele me disse que parece que se fez o chamado do nada, disse-me que fora ao Liceu depois da Semana Santa para atender à solicitação: atendeu-me muito amavelmente e se lembrou em seguida; vê-se que tem ciência do que se trata, veremos o que está acontecendo” (...) “Veio a assistente de movimento, ficou encantada com o departamento. Conversamos muito e ele me explicou que ela há 7 anos trabalha no movimento e nunca viu crianças com problemas de saúde ou má formação serem entregues, que as crianças são muito saudáveis e chamava a atenção dela o quanto os partos eram normais. Depois conto em detalhe sobre a conversa”.

O “Movimento” a que se faz referência na carta é o Movimento Familiar Cristão, que interveio em alguns casos como intermediário entre as Forças Armadas e as famílias apropriadoras. Numa convesa com o marido de Catalina, Hidalgo Garzón confessou ter visto a mãe de Catalina detida no Campo de Maio e ter chamado no dia seguinte à subtração para perguntar se haviam “voado o pacote”, em referência ao assassinato de Miryam Ovando, ao joga-la ao mar nos chamados “voos da morte”. A apropriadora argumentou, além disso, que eles queriam “adotar” a menina, mas que “um superior ordenou-lhes que tinham de registrá-la como filha legítima”.

“Esses fatos – dirão os advogados das Avós – permitem-nos concluir que existiram mecanismos burocráticos precisos para a entrega dos bebês a seus apropriadores, nos quais cumpriam requisitos também precisos, nos quais interviam distintas instituições além das militares, como o Movimento Familiar Cristão, também religiosos, e nos quais havia controle hierárquico dentro da mesma estrutura militar”.

“Mesmo que esteja bastante claro que a ditadura desenvolveu sua atividade de repressão e extermínio na mais absoluta clandestinidade – de que a apropriação não foi exceção – e que procurou a sua impunidade instando a destruição dos mais diversos registros e evidências, chegando tanto à destruição de documentos como a de espaços físicos (é o caso do CCD El Campito, no Campo de Maio), mesmo assim, ficaram muitos rastros da política que a ditadura definiu a respeito das crianças”, vai se escutar durante o arrazoado preparado pelos advogados María Inés Bedia, Florencia Sotelo, Colleen Torre, Gerrmán Kexel, Emanuel Lovelli, Agustín Chit, Mariano Gaitán, Luciano Hazan e Alan Iud.

Não será portanto possível encontrar um papel escrito pelos repressores com os detalhes do plano de apropriação de crianças. Mas estes 35 anos de busca de netos permitiram a coleta de provas mais do que suficientes que estabelecem que as apropriações de crianças não foram “excessos” ou casos isolados, como argumentavam as cúpulas militares, quando diante da inapelável evidência de uma análise genética positiva.

“Quem se perguntar se a ditadura militar teve por objetivo satisfazer aos desejos egoístas de paternidade de alguns oficiais, suboficiais ou famílias vinculados eles estão errando o ponto de partida – explicam os advogados das Avós. O objetivo da ditadura era erradicar as possibilidades de construção de um país distinto, onde o povo fosse protagonista das decisões políticas e decidisse soberanamente o seu destino, e para isso perseguiu com os mais perversos e cruéis métodos militantes políticos, sindicais, estudantis que impulsionavam a politização da sociedade e buscavam modificar o status quo. Foi na execução dessa tarefa infame que as Forças Armadas abordaram o “problema” dos filhos daqueles que fizeram desaparecidos. E, muito precocemente, tomaram a decisão de que essas crianças não seriam devolvidas as suas famílias”.

Tradução: Katarina Peixoto

Clara Zetkin, lutadora pela libertação da mulher trabalhadora

José Levino no AVERDADE

 
No aniversário dos 75 anos, Clara Zetkin recebeu um presente singular. Uma saudação do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, que se dirigia “à intrépida porta-voz da revolução proletária, à amiga e companheira das massas trabalhadoras da URSS e lutadora pela libertação da mulher trabalhadora”, dizendo: “Companheira de armas de Engels, lutastes incansavelmente contra o oportunismo na Segunda Internacional e com toda a força da vossa grande inteligência e de vossa paixão revolucionária vós vos erguestes contra as opiniões de Bernstein, contra o revisionismo. Nos dias em que deflagrou a guerra mundial, quando os chefes da Segunda Internacional se deixaram vergonhosamente atrelar ao carro do imperialismo, vós, na companhia de Lênin, na companhia de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, levantastes bem alto a bandeira do internacionalismo proletário. Estivestes conosco também nos dias de Outubro e nos dias da guerra civil quando a contrarrevolução mundial tentava sufocar o primeiro Estado Proletário do Mundo. Abnegada amiga da URSS, encontrai-vos sempre no posto de combate quando o inimigo ameaça o país dos Sovietes. O Comitê Central do Partido Comunista (b) da URSS manifesta os seus votos de felicidade e a firme certeza de que lutareis ainda por muitos anos, nas primeiras fileiras da Internacional Comunista”.

Mestra da Revolução Proletária

A grande revolucionaria se emociona ao receber tamanha homenagem. Sua vida se desenrola como um filme na tela das lembranças. Ela nascera Clara Eissner no dia 5 de julho de 1857, num período de efervescência, na Alemanha. Apenas nove anos haviam se passado das jornadas de 1848.
Aderiu ao marxismo ao terminar o Magistério, quando se integrou a um círculo de estudos organizado por revolucionários russos. Ela se casou com um dos membros desse grupo, Ossip Zetkin, de quem herdou o sobrenome.
Priorizou, no movimento socialista, a organização do Movimento Feminino Internacional. Defendia a igualdade de direitos, mas se diferenciava do feminismo burguês, pois ligava a luta das mulheres com o combate do proletariado ao sistema capitalista.
Na década de 80, para escapar à repressão contra os socialistas, viveu 10 anos no exílio, sendo acolhida na Suiça e na França. Participou ativamente do Congresso da Segunda Internacional, em Paris, no ano de 1889, ocasião em que conheceu Engels (Leia A Verdade, nº). Voltando para a Alemanha após o Congresso, encontra o Partido Socialdemocrata (SPD) em crise, com a formação de três tendências: uma à direita, liderada por dirigentes como Eduardo Bernstein, George Vollmar e Eduardo Davi; uma, ao centro, com August Bebel e Karl Kaustki e a terceira, à esquerda, que tinha à frente Rosa Luxemburgo, Karl Liebchnet e Franz Mehring, aos quais se junta Clara.

Inspiradora do Dia Internacional da Mulher 

Foi Clara Zetkin que propôs a celebração do Dia Internacional da Mulher, no 8 de março, aprovada no II Congresso das Mulheres Socialistas em 1910. No ano seguinte, um milhão de mulheres foram às ruas no seu Dia, na Europa e nos Estados Unidos.
Em 1915, já deflagrada a Primeira Guerra Mundial, organizou em Berna (Suíça), um congresso internacional de mulheres contra a guerra, contrariando o seu próprio partido, que traíra o Movimento Proletário Internacional, aprovando os créditos de guerra no Parlamento. No Congresso, Clara proclamou que “Não se concebe um Movimento de Massas pela Paz sem a participação das mulheres proletárias; a paz só estará assegurada quando uma esmagadora maioria das mulheres trabalhadoras de todo o mundo aderirem à luta pela causa da paz, pela causa da liberdade e da felicidade da Humanidade, sob a palavra de ordem de “Guerra à Guerra”.
Por sua combatividade em favor da paz, Clara foi presa até o término da guerra. Junto com Rosa Luxemburgo, Karl Liebchnet, Franz Mehring e demais companheiros da Esquerda, rompeu com o SPD e fundou a Liga Espartaquista, que depois se tornaria o Partido Comunista Alemão.
Foi eleita para o Parlamento Alemão (Reichstag), pelo PCA, e sua atuação parlamentar foi sempre vibrante, de denúncias da opressão, de apoio ao movimento comunista internacional. Em 1932, fez o discurso de abertura da sessão parlamentar e um veemente pronunciamento contra o nazismo em ascensão. Com a vitória de Hitler, em 1933, mudou-se para a Rússia, onde morreu pouco tempo depois.

Construindo e disseminando o Socialismo

Apoiava incondicionalmente a Revolução Bolchevique de 1917, destacando que “O exemplo da Grande Revolução Socialista de Outubro, a vitória sobre a intervenção estrangeira nos anos da guerra civil e a construção socialista que se desenvolve vitoriosamente, testemunham o fato de que o proletariado já se acha maduro para construir uma sociedade nova, socialista, livre da exploração do homem pelo homem”.
Clara esteve várias vezes e por longos períodos na União Soviética, onde participava de inúmeras atividades, colaborando com a construção do Estado Soviético, e pesquisava as mudanças no comportamento das mulheres após a Revolução, especialmente no interior, nas áreas de influência muçulmana, festejando a retirada dos véus, testemunhando a alegria das mulheres ao praticarem este ato simbólico de sua libertação.
Amiga de Lênin, tinha com ele longas e frutíferas conversas, que registrou na obra Recordações de Lênin.Nadjeda Krupskaia, militante bolchevique e esposa do líder maior do povo soviético, assim se referiu a Clara: “Uma revolucionária marxista convicta, ativa e inflamada que dedicou toda a sua vida à luta pela causa da classe operária, à luta pela vitória do socialismo em todo o mundo”.
Clara Zetkin faleceu em Moscou, no dia 20 de junho de 1933, perto de completar 76 anos de idade. Foi levada para o túmulo pelos dirigentes soviéticos Stalin, Molotov, Voroshilov e Ordjonikdzik, o que demonstra a importância do seu apoio à consolidação do socialismo na URSS e à sua disseminação por todo o planeta.
A urna com as cinzas desse exemplo de mulher e revolucionária foi colocada no mausoléu de Lênin, no Kremlin, honraria merecida e feita somente a dois estrangeiros: Clara Zetkin e John Reed, o jornalista estadunidense comunista, que fez a cobertura da Revolução Bolchevique para a imprensa ocidental e escreveu a famosa obra “Dez Dias que Abalaram o Mundo”.

*José Levino é historiador

EUA-MISÉRIA 20,7% CRIANÇAS AMERICANAS SÃO POBRES

EUA: Cresce quantidade de crianças em situação de extrema miséria

Muitas crianças dos Estados Unidos se encontram hoje em situações extremas de pobreza, de abusos e outros problemas sociais, sem que se tenha colocado um fim a esses flagelos.

Recentemente, Michael Petit, presidente da organização governamental estadunidense de defensa dos direitos da infância, Every Child Matters, questionou por que a violência contra as crianças é muito mais forte nesta nação do que em qualquer outra do mundo industrializado. Petit colocou em evidência um dos muitos problemas que afetam a infância estadunidense.

Segundo estatísticas, nos últimos 10 anos estima-se que 20 mil crianças morreram em suas próprias casas devido à violência familiar, quase quatro vezes o número de soldados estadunidenses mortos no Iraque e no Afeganistão.

Violência contra crianças

De acordo com a BBC Mundo, a cada cinco horas uma criança morre nos EUA como consequência de abusos e negligência.

Dados conservadores do governo revelam que aproximadamente 770 menores perderam a vida por maus tratos em 2009, ainda que um informe do Congresso considere que o número pode chegar a cerca de 2,5 mil.

A BBC advertiu que os estadunidenses têm os piores registros de abusos do mundo.

Esta situação tende a ser agravada, pois enquanto a economia estadunidense tenta se recuperar, a pobreza infantil aumenta e os estados cortam bilhões em serviços para as crianças, o que pressiona a frágil rede de seguridade da nação.

Preconceito com latinos

Por outro lado, as minorias são as mais afetadas por este e outros problemas. Um informe mencionado pelo diário californiano A Opinião, indica que os alunos hispanoamericanos recebem mais castigos nas escolas que os estadunidenses brancos.

O texto detalha que os estudantes representantes de minorias sociais no ensino médio são suspensos e expulsos com mais freqüência que seus colegas brancos, por decisão de docentes e diretores.

Vulnerabilidade infantil

As crianças são o setor mais vulnerável da sociedade estadunidense. Cerca de 17 milhões sofrem com insegurança alimentar, segundo dados da Feeding America, uma organização que reúne 200 Bancos de alimentos e a organização beneficente de distribuição de comida mais importante do país.

CRIANÇAS POBRES 20,7% SÃO POBRES

Na principal economia do mundo, 20,7% das crianças são pobres, situação que afeta os hispanoamericanos em 33,1%, indicou recentemente um informe do Instituto Pan para o Mundo, um movimento religioso contra a fome.

Um estudo de 2009 sobre a insegurança alimentar afirma que 26,9% dos lares de hispanoamericanos enfrentam este problema, em especial aqueles nos quais há menores de idade.

Fome e desemprego

O escritório do Censo e o Departamento de Agricultura asseguram que, no território estadunidense, pelo menos 34,9% dos latinos menores de 18 anos tiveram fome, cifra superior aos 23,2% das crianças na população total do país.

Devido à atual crise econômica e o desemprego de cerca de 14 milhões de pessoas que afeta os Estados Unidos, 30% das famílias latinas recorreram a fundos de ajuda de alimentos para amenizar a fome.

Dados da Fundação Annie E. Casey garantem que a recente recessão eliminou muitos dos benefícios econômicos para as crianças nascidas no final dos anos 1990, enquanto se desenha como preocupante a quantidade de menores afetados pelas execuções hipotecárias, pelas quais foram embargadas suas casas e complicaram seu bem-estar.

Essa organização afirma que em 2010, 11% das crianças tinha ao menos o pai ou a mãe sem emprego. Os menores latinos são a população que mais aumenta nos EUA e, ao mesmo tempo, engrossam sua porção mais pobre.

Segundo Pew Hispanic Center, uma em cada quatro crianças vive sem acesso seguro a suficiente comida nutritiva: "Os menores afroamericanos enfrentam a pior crise desde os tempos da escravidão e, em diversas áreas, as crianças hispanoamericanas e indígenas se encontram em situação similar", pontuou.

Os menores latinos não sabem se comem hoje, nem se comerão amanhã: mais de um terço vive em condições de pobreza e de insegurança alimentar, assegura o informe The State of American’s Children (O Estado das Crianças Estadunidenses), 2011.

A partir de 2007, quando se intensificou a recessão econômica, se incorporaram mais de 800 mil pessoas ao programa de ajuda WIC — Supplemental Nutrition Program for Women, Infants and Children (Programa de Nutrição Suplementar para Mulheres, Lactantes e Crianças). 76 % dos destinatários de este programa são crianças e adolescentes.

A Fundação Annie E. Casey aborda outro problema extremo que repercute sobre a infância estadunidense: a pobreza infantil, pontua, cresceu 18% desde 2000 até 2009, saltando de 2.5 milhões para 14.7 milhões, com incidência notável nos estados do sul e as minorias.

Diferentes informes e estatísticas atestam que a população infantil nos EUA ocupa posições extremas, o que deveria envergonhar seus dirigentes e políticos.

Fonte: Prensa Latina via VOLTAIRE77
Tradução: Vanessa Silva

Argentina: Ditadura, democracia e sociedade civil


Em ato realizado em Buenos Aires para marcar passagem dos 36 anos do golpe militar de 1976, foi lido um documento elaborado por mais de vinte organizações sob o lema “Os grupos econômicos também formaram a ditadura, justiça e castigo já!”. Não é um detalhe. A cada dia , vai se conhecendo melhor a participação de empresas transnacionais e setores da sociedade civil em um dos esquemas repressivos mais brutais da história da América Latina. O artigo é de Amílcar Salas Oroño.

I
 
No principal ato realizado em Buenos Aires pela passagem dos 36 anos do golpe militar de 1976, foi lido um documento elaborado por mais de vinte organizações sob o lema “Os grupos econômicos também formaram a ditadura, justiça e castigo já!”. A referência aos grupos econômicos e, em um sentido mais amplo, à sociedade civil em geral não é um detalhe. Há vários anos, a informação sobre as atuações de certas empresas transnacionais no que diz respeito a um dos esquemas repressivos mais brutais da história da América Latina, em função da delação e conivência com as torturas e desaparições de seus trabalhadores, está disponível no arquivo da memória coletiva e dos tribunais penais. Mas, de um tempo para cá e, sobretudo, com o que cada dia vai se conhecendo melhor a respeito do esquema e plano sistemático de apropriação de bebês - e o que foi a participação de cidadãos comuns e instituições de diversos tipos -, vão se reorganizando algumas caracterizações a respeito do que foi a sociedade civil durante a ditadura. Não é um detalhe ver o envolvimento d ealguns setores sociais na ditadura.

II
 
Com o transcorrer das décadas, por diversos motivos, a Argentina se converteu em um exemplo de respeito à luta contra a impunidade; assim testemunham diferentes reconhecimentos em diferentes lugares do mundo: as mães e as Avós da Praça de Mayo, os HIJOS (Filhos e Filhas pela Identidade e a Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio, na sigla em espanhol) e um importante número de organizações de direitos humanos são uma referência de sentida legitimidade. Não só porque souberam encontrar as fórmulas apropriadas, como movimentos, para que os poderes públicos habilitem e disponham dos meios suficientes para iniciar as punições, com o dramatismo que o exercício de autoexposição supõe: como não acontece em quase nenhum país, hoje existem 273 pessoas que estão condenadas por delitos de lesa humanidade cometidos durante o Terrorismo de Estado – 43 com sentença firme; há 875 pessoas processadas; na Argentina neste momento há 15 juízos orais em andamento nos quais se julgam delitos cometidos contra 460 vítimas.

Esse mesmo exemplo das Mães, das Avós, dos HIJOS também ganhou outro território: o dos imaginários coletivos; já não existem lugar nem espaço social, no plano nada secundário das linguagens circulantes para a “teoria dos dois demônios” ou interpretações semelhantes.

III
 
O kirchnerismo foi fundamental com respeito a várias questões, mas, sobretudo frente à construção da memória histórica do país. Acabou com os entraves legais que impediam os processos e dispôs que as informações, os arquivos, os documentos fossem postos a disposição, além de reconhecer e pedir desculpas como Estado pela atuação repressiva. Mas tão importante como estas medidas, às quais seria preciso agregar uma série de gestos de suma relevância, talvez um aspecto fundamental tenha sido o de gerar as condições para que, nesses mesmos processos, as testemunhas se apresentassem.

A participação da sociedade não se dá exclusivamente nas manifestações públicas: em democracia também há uma infinita presença cidadã nas audiências, os testemunhos judiciais e âmbitos similares. São peregrinações, neste caso, muito dolorosas e por sua vez muito nobres. Movimentos de uma sociedade civil que luta, ainda, por diferenciar-se do que foi parte de si mesma em outros momentos da história.

(*) Instituto de Estudos da América Latina e Caribe (UBA)

Tradução: Libório Junior

(Elis Regina-Saudade do Brasil (1980)

Elis Regina-Saudade do Brasil (1980)
Release não informado
Créditos: Makingoff
Poster
Sinopse
Em 1980, Elis Regina apresentou no Canecão no Rio de Janeiro, o show Saudade do Brasil, do disco homônimo, lançado em Abril de 80. Trata-se de um show grandioso, com arranjos geniais do mestre César Camargo Mariano, com uma banda fantástica incluindo o grande guitarrista Natan Marques.
O show foi dirigido por Ademar Guerra, e o show mistura de forma sensacional um grupo de dançarinos e cantores de grande talento que faziam coreografias elaboradíssimas no decorrer do show, juntamente com a Elis cantando que em alguns momentos arrisca uns passos junto com a turma.
Trata-se de um show grandioso, com momentos áureos, como a versão de "Aquarela do Brasil" do genial Ary Barroso, misturada com cantos indígenas, criando um efeito glorioso. Além de um repertório fantástico, incluindo "Redescobrir" do genial Gonzaguinha, "Alô Alô Marciano" da sua amiga-irmã a grande Rita Lee, numa versão que a Rita pirou(um pouco mais) quando ouviu.
Enfim, um registro cinematográfico de um show histórico e grandioso, um show que nos traz profunda "Saudade do Brasil".
 
Quem não tiver acesso ao MKO solicite torrent pelo email do blog
Screenshots


Elenco
Informações sobre o filme
Informações sobre o release
Elis Regina
César Camargo Mariano
Nathan Marques
E grandes artistas
Gênero: Documentário/Musical
Diretor: Ademar Guerra
Duração: 54 minutos
Ano de Lançamento: 1980
País de Origem: Brasil
Idioma do Áudio: Português
Qualidade de Vídeo: TV Rip
Vídeo Codec: XVID
Vídeo Bitrate: 1234 Kbps
Áudio Codec: MPEG-1 Layer 3
Áudio Bitrate: 102 Kbps
Resolução: 352 x 272
Formato de Tela: Tela Cheia (4x3)
Tamanho: 516 MB Mb
Legendas: Sem Legenda
  

Democracia à venda nos EUA

Idelber Avelar  na Revista Fórum

A cada temporada eleitoral nos EUA, vários colunistas da mídia brasileira tecem comentários deslumbrados sobre as prévias partidárias e o espetáculo democrático. Mesmo daqueles que criticam a política externa ou a arrogância autocentrada dos EUA, é comum escutar elogios ao funcionamento interno da democracia estadunidense. Nas últimas eleições presidenciais, contei pelo menos dez ocorrências da expressão “uma democracia em funcionamento” nos grandes jornais, revistas ou portais brasileiros. Na verdade, se estudamos o sistema político dos EUA, especialmente sua história em décadas recentes, à luz de todos os atributos que poderíamos associar ao termo “democracia”, vemos que a definição não se sustenta. O movimento Ocupar Wall Street sabe disso e essa é, inclusive, a raiz principal da mobilização. Mas o mesmo jornalismo que alude ao caráter “vago” das reivindicações do OWS não tem, da democracia, uma compreensão menos vaga que “sistema em que os cidadãos comparecem às urnas e escolhem seus representantes” – o que pode parecer uma definição perfeitamente concreta, até que você comece a se perguntar quem qualifica as pessoas como cidadãos, o que significa exatamente escolher e quais são as condições de possibilidade desse ato de escolha. Que seja feito este tipo de pergunta, convenhamos, é esperar demais do nosso jornalismo.
Uma das indagações mais frequentes de quem acompanha de longe o sistema político dos EUA e nota a quase inexistência de diferenças significativas entre a política externa de democratas e republicanos é sobre o porquê de não existirem outras alternativas. Certamente, isso não se deve ao fato de que os eleitores estejam satisfeitos com as duas opções. Pesquisa recente revelou que 86% dos estadunidenses reprovam o Congresso do país em sua totalidade, ou seja, se manifestam insatisfeitos tanto com democratas como com republicanos. Se apenas míseros 14% aprovam a atividade legislativa de ambos os partidos representados no Congresso, por que não emerge um terceiro? (Há uma infinidade de “terceiros partidos” nos EUA, claro, mas nenhum com representação real no Legislativo e chances reais de acesso ao Executivo). Digamos que há, para isso, uma resposta longa e uma curta. A curta é a seguinte: porque é impossível. Não difícil, não improvável, mas impossível, a não ser que se destrua completamente o sistema político existente para a construção de outro. Vamos à resposta longa que fundamenta a curta.
Dois pilares principais sustentam o atual bipartidarismo dos EUA – que é tentador chamar de unipartidarismo, posto que as políticas aplicadas por democratas e republicanos não se diferenciam significativamente, por mais que Obama seja uma pessoa diferente de Romney, e Clinton bastante diverso de Bush. Esses pilares são, por um lado, o papel do dinheiro nas campanhas eleitorais – sustentado por uma jurisprudência recente que basicamente concede estatuto de cidadania ao capital – e, por outro, uma legislação eleitoral que impossibilita a emergência de candidatos que não tenham se comprometido até os ossos com esse mesmo capital. Na prática, ambos os pilares tornam letra morta qualquer definição minimamente completa de demo-cracia, ou seja, governo do povo, governo da plebe, governo dos pobres, da maioria. Passemos a esses detalhes.
Entender o financiamento das campanhas eleitorais nos EUA exige, em primeiro lugar, entender a diferença entre soft money e hard money. Este último é o dinheiro doado diretamente a candidatos. Ele é regulado pela Comissão Federal das Eleições, limitado a pessoas físicas e a um máximo de US$ 2.500 por candidato, e aproximadamente US$ 46.000 para o total de candidatos com os quais o indivíduo deseje contribuir. No universo milionário das campanhas eleitorais de hoje, pode até parecer um limite razoável – até que você entenda o que é o soft money, o dinheiro doado, tanto por pessoas físicas como jurídicas, a partidos políticos, organizações e grupos que não sejam o comitê de campanha do candidato. Dentre esses grupos, os mais decisivos são os Comitês de Ação Política (PACs, na sigla em inglês) e os 527s. Em agosto do ano passado, o jornalista brasileiro Elio Gaspari afirmou que “no atual sistema [brasileiro], os diretores das empresas privadas tiram dinheiro do cofre dos acionistas e jogam-no nas campanhas de seus candidatos. Esse tipo de financiamento poderia ser limitado, ou mesmo proibido, como sucede nos Estados Unidos”. A afirmação é completamente absurda, e se baseia no fato de que empresas não podem, nos EUA, contribuir diretamente com o comitê de campanha de um candidato. Mas isso não quer dizer que elas não façam campanha. A afirmação de Gaspari só é possível graças à total omissão do papel dos PACs e dos 527s nas eleições.
Um Comitê de Ação Política é o nome dado a um grupo de qualquer natureza que se forma para fazer campanha para um candidato ou para defender uma pauta, em geral no Legislativo. O dinheiro doado aos PACs também é limitado mas, como sempre é o caso nos limites ao capital nas campanhas eleitorais dos EUA, trata-se de uma limitação formal, muito mais que real. As contribuições das pessoas físicas aos PACs de um determinado candidato não podem exceder US$ 5.000 ao ano, o que ainda pode parecer um limite razoável – até que você se dê conta de que a legislação permite doações ilimitadas a PACs que façam “gastos independentes”, ou seja, que advoguem contra ou favor de um candidato sem coordenar suas ações com o comitê de campanha do candidato beneficiado. Num mundo em que a informação trafega na velocidade da internet e no qual só existem dois partidos políticos e no máximo dois candidatos competitivos a qualquer cargo, no Executivo ou no Legislativo, essa cláusula basicamente elimina qualquer limitação aos PACs. Também sobre a ação dos próprios Comitês de Ação Política aplica-se a mesma regra: eles só podem contribuir com US$ 5.000 à campanha de cada candidato mas, sempre que o gasto for “independente” (ou seja, não coordenado com o comitê do candidato), eles são ilimitados. As pessoas jurídicas (empresas ou sindicatos, por exemplo) não podem contribuir com os PACs, mas podem financiar seus custos administrativos e levantar dinheiro com executivos, lobistas e acionistas. Não é preciso muita imaginação para perceber como também essa limitação é formal, muito mais que real. Para que se tenha uma ideia, nas eleições de 2008, o PAC Federal da AT&T gastou mais de US$ 3,1 milhões. Mas, mesmo assim, esses limites ainda são “modestos”, até o momento em que introduzimos a figura dos 527s, de papel decisivo nas eleições presidenciais de 2004.
Não há qualquer limite para doações aos 527s. A contrapartida é que eles não podem pedir votos explicitamente para um candidato mas, num sistema bipartidarista, isso simplesmente não é necessário. Tomemos um exemplo, a Swift Boat Veterans for Truth, uma organização 527 que investiu dezenas de milhões de dólares em comerciais de televisão que caluniavam o candidato democrata à Presidência em 2004, John Kerry, dizendo que ele havia colaborado com o inimigo na Guerra do Vietnã. Os comerciais manipulavam as posições antiguerra abraçadas, depois da volta ao país, por um militar condecorado, em favor, evidentemente, do seu único adversário, George W. Bush (que, aliás, escapou da guerra por um estratagema montado por seu pai, que interveio junto às Forças Armadas para que ele ficasse pilotando aviõezinhos no Alabama). O efeito dos comerciais foi devastador, decisivo para o resultado da eleição. Os Swift Boaters não precisavam pedir votos para Bush para que soubéssemos que trabalhavam para ele. Nas últimas eleições presidenciais, alguns dos maiores 527s gastaram as seguintes quantias: a Associação dos Governadores Republicanos gastou US$ 131 milhões. A Associação dos Governadores Democratas gastou pouco menos da metade, US$ 64 milhões. A Citizens for Strength and Security [“Cidadãos pela Força e Segurança”, não é um lindo nome?], financiada pelo lobby das armas, levantou quase US$ 7,2 milhões. Etc. Lembre-se: toda essa grana pode vir de contribuições de empresas, sem qualquer limitação.
Mas a brincadeira não termina aí. Uma decisão recente e já histórica da Corte Suprema, no caso Citizens United vs. Federal Election Commission, acaba de sepultar qualquer veleidade democrática que possa ter o sistema eleitoral dos EUA ante o poder do dinheiro. A espantosa decisão, tomada por 5 a 4, estabeleceu que seria uma violação da Primeira Emenda (a famosa, que proíbe a promulgação de leis contra a liberdade de expressão) limitar os gastos de corporações de qualquer tipo em campanhas eleitorais. Suas contribuições a comitês de campanha e PACs ainda estão reguladas pelas regras descritas acima. Mas, em nome próprio, as empresas já podem (de certa forma, sempre puderam, mas agora o fazem sancionadas explicitamente por uma decisão da Suprema Corte) gastar o quanto quiserem para promover ou atacar quaisquer candidatos. A decisão, conhecida nos EUA como a que sacramentou o status de personhood para as corporações (ou seja, deu a elas a condição de pessoa humana), trata o poder do dinheiro de comprar uma eleição como uma questão de liberdade de expressão. O ministro John Paul Stevens, não exatamente um juiz de esquerda, redigiu a opinião da minoria em termos eloquentes: “a opinião desta Corte é uma rejeição do senso comum do povo americano, que desde a fundação reconheceu a necessidade de impedir que as corporações sabotem a autogovernança, e que desde os dias de Theodore Roosevelt tem lutado contra o claríssimo potencial corruptor da politicagem eleitoral corporativa. É uma estranha hora para se repudiar esse senso comum. A democracia americana é imperfeita, mas pouquíssimos além da maioria desta Corte pensariam que um de seus defeitos é a escassez de dinheiro de empresas na política”. O New York Times, não exatamente um jornal comunista, afirmou em editorial: “a Suprema Corte acaba de entregar aos lobistas mais uma arma. Um lobista pode agora dizer a qualquer político eleito: ‘se você votar errado, minha empresa, meu sindicato ou meu grupo de interesse gastará quantias ilimitadas de dinheiro fazendo campanha explícita contra a sua reeleição’”. A decisão da Suprema Corte no caso Citizens United vs. FEC confere ao capital um enorme poder de chantagem, já que qualquer político sabe que uma barragem de comerciais negativos na televisão, financiados com dinheiro ilimitado, pode sepultar uma candidatura, mesmo a de um deputado ou senador favorito à reeleição.
Considerando-se a combinação entre todos os elementos descritos acima, o quadro é, na prática, aquele que descreve Michael Barone, ex-editor do Yale Law Journal e do Harvard Crimson: “Uma viagem a qualquer capital estadual – por exemplo, Harrisburg, Pennsylvania, ou Springfield, Illinois – permite descobrir que tal ou qual pessoa na Califórnia doou US$ 1.000. Mas permanecerá escondido aquilo que os proprietários do fundo nacional de soft money dos partidos sabem muito bem, ou seja, que esse doador da Califórnia também lhes deu um cheque de US$ 100 mil. Em outras palavras, aqueles que se beneficiam do dinheiro sabem de onde ele veio, mas o público está efetivamente barrado de sabê-lo”. Limites estritos para a cidadania, liberdade completa de ação para o capital.
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Acesso à cédula

Não surpreende, portanto, que democratas e republicanos se diferenciem tão pouco. O próprio poder do dinheiro já é um enorme impedimento à emergência de outras alternativas, mas a homogeneidade é ainda mais reforçada quando se consideram os obstáculos impostos pela legislação eleitoral, especialmente o acesso à cédula. Toda a regulamentação do acesso dos candidatos à cédula, mesmo nas eleições federais, é prerrogativa dos estados. Um passeio pelas legislações estaduais mostra por que é praticamente impossível que um terceiro partido ameace a hegemonia da plutocracia democrata e republicana. Na Geórgia, qualquer terceiro partido ou candidato independente só poderá aceder à cédula caso apresente uma petição com as assinaturas de 5% dos eleitores aptos a votar no estado. Quando nos lembramos de que George W. Bush se elegeu presidente dos EUA com os votos de menos de 20% dos eleitores aptos a votar (quase metade deles ficou em casa), formamos uma ideia do que é esse requisito.
Desde 1943, não há candidatos independentes ou de terceiros partidos nas eleições para a Câmara dos Deputados na Geórgia. Na Flórida, a taxa de registro de uma candidatura independente é 7% do salário anual do cargo (uma soma considerável de dinheiro) e o número de assinaturas exigidas é 196 mil. Na draconiana legislação da Virgínia Ocidental, além de a coleta de assinaturas para candidatos independentes ou de terceiros partidos ter de ser feita antes das primárias republicanas e democratas, o eleitor que assinar uma dessas petições está proibido de votar em qualquer uma delas. É um crime eleitoral coletar assinaturas sem informar ao eleitor “se você assinar minha petição, não poderá votar nas primárias”. O resultado é que o candidato independente ou de terceiro partido não tem certeza se cumpriu o requisito, pois não sabe quantas assinaturas serão invalidadas pela participação dos respectivos eleitores nas primárias. Desde 1920, não há um terceiro partido que consiga colocar candidatos nas cédulas de sequer metade dos distritos do país. Democracia?
Quando se analisam essas limitações à emergência de qualquer alternativa à plutocracia democrata e republicana no contexto da gigantesca força do dinheiro que descrevíamos acima, fica claro por que os estadunidenses, apesar de reprovarem em níveis recordes os dois partidos, não têm como mudar o sistema dominado por eles, a não ser por meio de movimentos completamente externos a essas estruturas. Torna-se mais compreensível o fato de que, mesmo quando há terceiros candidatos minimamente viáveis (como, mais recentemente, Ross Perot em 1992), eles tendem a ser multimilionários que arcam quase sozinhos com os enormes custos da campanha, e, portanto, tendem a representar os mesmos setores sociais já representados no sistema plutocrático bipartidarista. Fica mais clara a revolta do Ocupar Wall Street.
Considerando todo o dito acima, como é possível ter qualquer ideia do que significa a palavra grega demos e continuar falando em democracia para se referir ao sistema político dos EUA?  Em que planeta vivem nove de cada dez jornalistas da grande mídia brasileira, que apresentam esse sistema como uma espécie de modelo ao qual o Brasil deveria aspirar? “Democracia em funcionamento” para quem, cara-pálida?