sexta-feira, 11 de maio de 2012

Visitar ou (porque não?) revisitar Magritte

magritte01

José Goulão no BEINTERNACIONAL


Se estiver por Bruxelas, se passar por Bruxelas, se já visitou ou não visitou vale a pena passar um tempo no Museu Magritte. Não apenas pelo fantástico acervo reunido do pintor do cachimbo que não é um cachimbo, do livro que não é um livro, do surreal como real que ainda não existe. Sobretudo será um reencontro compensador com uma Europa de polémica, criatividade, cultura e ideias que vai desaparecendo a vertiginosa velocidade.
A obra de Magritte foi criada durante períodos gloriosos e trágicos do Continente que é conhecido por “velho” pelo seu papel como epicentro da cultura ocidental, dos movimentos ideológicos, sociais, culturais, filosóficos, científicos e humanistas que o atravessaram com riqueza prodigiosa repercutida em toda a História Universal. Magritte nasceu nas antevésperas do século das luzes e a sua obra cruza as duas guerras mundiais, a loucura dos anos vinte, as esperanças e ilusões do período de quarenta e cinco a cinquenta, o auge da guerra fria e ainda assimilou cores e sons dos renovadores anos sessenta.
Olhar para a sucessão de quadros expostos no museu instalado no Museu Real das Belas Artes de Bruxelas, sem restrições de tempo e obrigações de compromissos, é como deixar-se levar por uma viagem fantástica e pessoal através da Europa em vias de extinção, atingida agora pelos cratas de várias géneses manobrando ali nas vizinhanças, paradoxalmente também em Bruxelas, na ostentação do seu quartel de destruição.
Não há como sentir as cores, as formas, as ilusões, as distorções, as provocações os delírios para se perceber de modo inquietante e assustador o contraste entre a genialidade da criatividade e da liberdade humanas e a brutalidade feroz e repressiva das ideias quadradas com que se procura formatar em sistema operativo global o inesgotável potencial de progresso pulsando nos cérebros individuais.  Está aqui tudo, no espaço de alguns quarteirões - fragmentos do apogeu e armas de liquidação.
A viagem pelo Museu Magritte faz-se de tela em tela e passo a passo por um espólio documental onde encontramos a escrita, o desenho, as edições de revistas e manifestos, os artigos, as polémicas entre os maiores nomes da cultura, do humanismo e da cidadania europeias contemporâneos de Magritte, seus companheiros uns, seus rivais de tendências outros, numa vertigem capaz de derrubar barreiras de preconceitos, demolir muros de práticas inquisitoriais, alguns tão fortes que continuam a resistir – e a reconstruir-se.

Indecisão sobre governo pode levar Grécia à falência

Gabriel Bonis na CARTA CAPITAL

É possível que a Grécia siga o exemplo da Bélgica, que ficou mais de um ano sem um líder eleito. Mas isso seria péssimo, aponta especialista. Foto: AFP

A crise financeira está destruindo a dívida pública da Grécia e os líderes do país sofrem forte pressão da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para adotar intensas medidas de austeridade. Em troca, o país receberia dois pacotes de resgate de cerca de 240 bilhões de euros para continuar a tentativa de salvamento de sua economia. O problema é que os líderes políticos não conseguem criar um consenso para formar um novo governo, após as eleições legislativas do último domingo 6.
Alexis Tsipras, líder do Syriza – partido da esquerda radical segundo colocado nas eleições legislativas -, não conseguiu formar uma coalisão, assim como Antonis Samaras, chefe da legenda conservadora Nova Democracia, vencedora do pleito. A tarefa recai sobre Evangelos Venizelos, do Pasok, que terá três dias para tentar sessar a intensa polarização de correntes políticas, a favor e contra o acordo de resgate financeiro do país, enquanto uma nova eleição se torna cada vez mais provável.
Um cenário de incerteza que, segundo analistas ouvidos por CartaCapital, deve levar ao bloqueio de novos empréstimos internacionais, recolocando a falência grega e a possibilidade de saída do euro em discussão – é bom lembrar que o país depende de ajuda externa para pagar seus credores.
A Grécia deveria receber nesta quinta-feira 10 uma parcela de 5,2 bilhões de euros do acordo, mas os governos europeus retiveram 1 bilhão da quantia em um movimento que demostra insatisfação. “O bloqueio deve permanecer até a formação de um governo minimamente a favor dos princípios básicos do plano de resgate. Mas isso já atrasa o processo político em andamento para implementar as medidas de austeridade”, diz Elena Lazarou, doutora em estudos internacionais e especialista em Grécia, a CartaCapital.
Em 15 de maio, o país deve devolver cerca de 450 milhões de euros de obrigações que seus credores se negaram a trocar em uma grande operação realizada em março. Analistas apontam que a Grécia tem reservas apenas até o final de junho. Logo, caso o embargo se confirme, o governo deve enfrentar dificuldades para manter serviços básicos, como escolas e hospitais, o que deve provocar uma piora dos índices sociais e novos protestos.

Centro-direita e centro esquerda punidas nas urnas

Neste cenário, os gregos votaram contra os socialistas do Pasok (centro-esquerda) e o ND (centro-direita), adversários políticos que se uniram em novembro passado em um movimento inédito para formar um governo de coalisão comprometido com o corte de gastos e benefícios sociais.
Após o pleito, o ND saiu de 33,5% nas eleições de 2009 para menos de 19%, ou 108 cadeiras no Parlamento. O Pasok despencou de 43% para 13% dos votos e elegeu apenas 41 deputados, enquanto o Syriza conquistou 52 representantes e tornou-se a segunda força política grega, defendendo a revogação das medidas de austeridade implementadas e a investigação do sistema bancário do país.
Conciliar os interesses e visões destes partidos em um momento de crise é uma tarefa complexa, pois as legendas antiausteridade que ganharam espaço também possuem outros questionamentos sobre a UE. “Esses grupos criticam a maneira como a Grécia se inseriu no grupo e ao paradigma da liberalização financeira e da mobilidade de capital no bloco, mas sem uma política unificada em direitos trabalhistas ou de uma rede de proteção social entre os 27 países membros”, explica Mauricio Santoro, doutor em Ciências Políticas e professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Por isso, Lazarou acredita que as chances de se formar um governo de coalisão com maioria absoluta no Parlamento são remotas. “Mesmo a ND e o Pasok não conseguiram um acordo sobre o plano da UE. Não vejo como formar um governo de salvação nacional”, vaticina Kai Enno, PhD em Relações Internacionais e professor da Universidade de São Paulo.
Segundo ele, uma provável nova eleição fortaleceria ainda mais os partidos extremos da esquerda e direita, “porque a incapacidade [da atual coalisão] em formar um governo evidencia os problemas do país.”
Santoro, no entanto, acredita que uma coalisão instável e sujeita a pressões externas deve se formar. Mas em um novo pleito, diz, as correntes mais afastadas do centro ganhariam espaço, embora seja improvável a formação de um governo contra austeridade entre extrema direita, esquerda e centro-esquerda. “Nunca houve uma coalisão assim, pois mesmo que as visões econômicas sejam semelhantes, há uma diferença grande em outros valores destes partidos.”
A retórica da renegociação do resgate econômico grego proposta pelo Syriza, entre outros partidos menores, vai de encontro às pressões de diversas autoridades europeias, segundo as quais a austeridade é necessária. Não há espaço para uma visão distinta. “Deve ficar claro para a Grécia que não há alternativa ao programa de consolidação acordado, caso queira continuar a ser membro da Eurozona”, alertou Jörg Asmussen, membro da diretoria do Banco Central Europeu no início da semana.

Mas os analistas ouvidos por CartaCapital acreditam que a possibilidade da saída do euro ainda não está posta, embora o cenário possa mudar rapidamente. O fator chave para a manutenção da moeda única na Grécia, apontam, seria o resultado de um acordo entre França, que tem em seu novo presidente, François Hollande, um defensor de estímulos ao crescimento, e a Alemanha de Angela Merkel, pró-austeridade.
“Há uma mudança de visão, temos a ascenção do Hollande na França e talvez a UE vai reconsiderar a forma de enfrentar os problemas. Além disso, os três partidos que ganharam as eleições e parte de legendas menores são a favor do euro”, comenta a professora da FGV.
Santoro também destaca o posicionamento fraco-alemão como fundamental para a Grécia, mas aventa a possibilidade de uma nova moratória do país. “A saída do euro ainda não chegou à mesa.”
Mas a demora para a definição do novo governo também pode forçar a Grécia a deixar o euro, diz Enno. “É possível que a Grécia siga o exemplo da Bélgica, que ficou mais de um ano sem um líder eleito, mas isso seria péssimo. Neste cenário, o país estaria em falência, uma vez que depende de empréstimos, e teria que sair da moeda única. Isso significa que a Zona do Euro enfrentaria um temor de contágio, pois o que impediria a Itália ou outros países de fazer o mesmo?.”

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Yvonne Maggie: falsificação de citações, adulteração de arquivos e desonestidade intelectual

Idelber Avelar na REVISTA FÓRUM

Este não será um texto sobre racismo nem sobre cotas. Escrevo sobre o tema há alguns anos mas, nos últimos tempos, tenho me limitado a divulgar, admirar e comentar os textos em que, com prosa cintilante, pesquisa histórica exaustiva e sensibilidade incomum, Ana Maria Gonçalves se dedica a esmiuçar os caminhos do racismo brasileiro. Não se tratará, aqui, portanto, do já conhecido rosário do negacionismo brasileiro. Distorções e omissões várias são sua matéria cotidiana, mas o tema aqui será algo bem mais grave, a falsificação de citações e a posterior adulteração de um arquivo para tentar encobrir dita falsificação, depois que a mentira foi denunciada, aqui mesmo na Revista Fórum. O caso é sério, especialmente porque sua autora é professora numa das instituições universitárias mais respeitadas do país, a UFRJ. Não se trata de um erro ou de um engano, como se verá adiante.
Em seu texto “A constitucionalidade das cotas raciais no Brasil”, publicado no portal d’O Globo no dia 23/04, Yvonne Maggie escreveu:

Em Thirteen ways of looking at a black man, de Henry Louis Gates Junior, professor de Harvard, há uma história reveladora do que se passou depois da lei dos direitos. Neste livro, Harry Belafonte conta que alguns anos depois de 1964 fora convidado para fazer um filme. O produtor, muito animado, lhe dissera: “Harry, será maravilhoso, vamos fazer um filme dirigido e estrelado por negros, produzido por negros, com música feita por negros e vai ser belíssimo”. Ao que o ator, nervoso, respondeu: “Não quero fazer parte disso, passei tantos anos lutando para sair do gueto, não serei eu a me enfiar de novo nele”. Gates conta que durante a entrevista, após esta declaração de Harry, seguiu-se um silêncio constrangedor, só quebrado com uma sonora gargalhada do entrevistado e a seguinte frase: “Eu não aceitei a armadilha, mas é claro que Sidney Poitier aceitou e ficou rico estrelando todos aqueles filmes”.
"Esse negócio de cota não é legal!", diz o Henry Louis Gates inventado por Maggie
Pois bem, tudo o que está nesse parágrafo é falso. Nada disso se encontra no livro Thirteen ways of looking at a black man, de Henry Louis Gates. Como está longamente explicado no texto de Ana, Yvonne Maggie simplesmente atribuiu a Henry Louis Gates Jr. algo que ele jamais escreveu. Colocou entre aspas, atribuída a “um produtor”, uma frase que jamais foi dita ao ator Harry Belafonte. Atribuiu ao próprio Belafonte, ativista dos direitos civis, uma frase que ele não pronunciou, e por cuja atribuição ele com certeza poderia processar criminalmente Yvonne Maggie. A suposta paráfrase que começa com “Gates conta que …” também é falsa, e tem como predicado algo que Gates nunca contou. A frase seguinte, entre aspas e atribuída a Harry Belafonte, também é uma fabricação de Yvonne Maggie.
As falsificações têm como objetivo manipular a voz de dois negros respeitados – ambos ativistas da luta pelos direitos civis e pela cidadania afro-americana – de forma a fazer parecer que eles tivessem corroborado a fantasia de Yvonne Maggie, de que a luta pelas políticas de ação afirmativa é uma forma de “se enfiar de novo no gueto” (expressão jamais atribuída a Harry Belafonte no livro de Henry Louis Gates). Daí a falsificação das datas: as duas histórias a partir das quais Yvonne Maggie constrói sua mentira (e que tem com esta pouquíssima relação) aconteceram por volta de 1959-60. Ela adultera a data para “depois de 1964” de forma que as declarações possam parecer uma recusa da “volta ao gueto” posterior à publicação da legislação dos direitos civis nos EUA. Caso você queira saber o que realmente está escrito no livro de Henry Louis Gates, basta ler o artigo de Ana. Como se verá lá, trata-se de dois episódios, nenhum dos quais tem o conteúdo sugerido por Yvonne Maggie ou contém as frases colocadas por ela entre aspas.
O parágrafo com as falsificações, que se encontra no texto de Yvonne Maggie … Opa! Peraí. O parágrafo já não está lá! Citado por Ana no texto publicado aqui na Fórum, o trecho foi posteriormente retirado, sem qualquer aviso, justificativa ou crédito a quem havia apontado o seu “engano”. A professora da UFRJ se esqueceu de que havia escrito na Internet, onde blogueiro véio não é bobo. Já acostumados com a desonestidade intelectual do negacionismo brasileiro, fotografamos a página antes da adulteração. Eis aqui o printscreen do texto de Yvonne Maggie com a falsificação agora ocultada. É só clicar e ampliar:
 
.
A professora Yvonne Maggie, portanto, não apenas adulterou citações, falsamente atribuindo a líderes negros norte-americanos frases que eles jamais disseram. Quando pega na mentira, adulterou o arquivo que ela mesma havia escrito, sem qualquer reconhecimento da falsificação. Não deixa de ser uma estratégia comum do negacionismo brasileiro: apagar, “branquear” as marcas da barbárie.

Depois do pós-neoliberalismo: um socialismo com características latino-americanas?


  Fernando Marcelino no CORREIO DA CIDADANIA   

O ciclo hegemônico neoliberal do capitalismo, que começou nos anos 1970, agora está em todo o mundo, no mínimo, capengando.

Podemos dizer que o “neoliberalismo realmente existente” começou a tomar maiores desdobramentos com o fim do sistema de Bretton Woods, na crise dos anos 1970, com a liberalização e desregulamentação dos mercados financeiros, os ataques ao papel intervencionista do Estado na formação de preços e políticas de privatização e flexibilização das relações de trabalho.

Além disso, as políticas neoliberais compreendiam a financeirização das corporações e a especulação financeira como elementos importantes na maximização dos lucros, e a segmentação dos elos das cadeias produtivas das corporações e sua re-localização em países e regiões que oferecessem melhores condições de mão-de-obra barata, infra-estrutura menos onerosa e estabilidade política e social. Nesse período a ortodoxia neoliberal passou a dominar as instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, tornando-se os principais agentes na promoção das políticas de “ajustes estruturais”.

Já no final da década de 1980 a “onda neoliberal” parecia perder o ímpeto, em razão de sua incapacidade de transformar as conquistas iniciais na consecução de seu principal objetivo programático: promover uma reanimação do capitalismo avançado mundial. Com o fim da URSS e o colapso do socialismo real o neoliberalismo ganhou um novo respiro, com uma possibilidade de expansão única num período de “fim da história” em que “não há alternativa”. Sua ideologia se disseminou: a vitória do Ocidente na guerra fria, com o fim da URSS, não foi o triunfo de qualquer capitalismo, mas do “capitalismo neoliberal”.

Neste momento o neoliberalismo encontrou uma conjuntura social tão favorável que lhe foi permitido espalhar-se rapidamente por todas as regiões (e quase todos os países) do mundo: além de reafirmar sua hegemonia nos países capitalistas avançados, tomou de assalto o Leste Europeu, a América Latina, África e parte da Ásia. Foi precisamente neste período que ocorreu a consolidação do neoliberalismo, a vitória do pensamento neoliberal no plano político-ideológico.

Na década de 1990, os países latino-americanos, em sua grande maioria, adotaram práticas de cunho neoliberal em seus sistemas sócio-econômicos, políticos e ideológicos. Além do Chile, Bolívia, México, Argentina e Venezuela, países pioneiros na implantação do regime, o neoliberalismo surgiu no Brasil em momento crítico à política nacional-desenvolvimentista. Após a crise da dívida, diversas tentativas de estabilização inflacionária, fracassos dos planos econômicos, o projeto neoliberal foi ganhando espaço político no país. No Brasil, o neoliberalismo nasceu associado à abertura econômica e à democratização, culminando com a derrota do protecionismo e com a diminuição dos direitos trabalhistas provenientes do populismo. As orientações neoliberais foram acolhidas por amplos setores da sociedade brasileira, de governantes e empresários a lideranças do movimento popular e sindical, além de intelectuais. Embora desde a década de 1980 as medidas neoliberais tenham sido aplicadas no Brasil, a ofensiva maior ocorreu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Na América Latina, o século XXI começou com um período de prolongada instabilidade frente ao esgotamento do neoliberalismo e as dificuldades de construção de projetos alternativos. O ciclo de crises regionais, da crise mexicana de 1994, brasileira em 1999 e argentina em 2000, configuraram a ampla crise ideológica do neoliberalismo – diferentemente do que está ocorrendo agora na Europa.

A expansão descontrolada do neoliberalismo na América Latina precipitou rapidamente sua crise de legitimação pela desregulamentação dos mercados de trabalho, entreguismo e privatização generalizada de setores estratégicos da economia nacional, ataques aos movimentos sociais combativos e sucateamento estatal.

Da crise de legitimidade prematura do neoliberalismo periférico latino-americano abriram-se diversos espaços de disputa política para a construção de alternativas “pós-neoliberais”.

Para Emir Sader, existem duas vertentes do campo pós-neoliberal na América Latina: Brasil, Argentina, Uruguai por um lado, e Venezuela, Bolívia e Equador por outro. Na primeira existiriam governos anti-neoliberais, cujas políticas buscam a superação desse modelo; na segunda existiriam governos também com a pretensão de ser anticapitalista. Para ambas vertentes, o principal eixo político da América Latina seria o enfrentamento entre o neoliberalismo e o pós-neoliberalismo. Comentando este processo a partir do Brasil, Sader escreve:

“Sem uma estratégia pré-definida, Lula buscou avançar pelas linhas de menor resistência. Centrou seu governo em dois eixos fundamentais, que o diferenciou dos governos neoliberais e o aproximou dos novos governos latino-americanos. Eixos que representam os elos mais frágeis do neoliberalismo: a prioridade das políticas sociais ao invés da do ajuste fiscal e a prioridade dos processos de integração regional em lugar dos Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos. São essas as duas características comuns aos governos latino-americanos que podemos caracterizar como pós-neoliberais. É o caso da Venezuela, do Brasil, da Argentina, do Uruguai, da Bolívia e do Equador, que em seu conjunto mudaram a fisionomia do continente e se constituem no único núcleo regional atual de resistência ao neoliberalismo”.

Atualmente existem governos pós-neoliberais na maioria dos países sul-americanos e nos países centro-americanos. Portanto, por mais que o neoliberalismo permaneça hegemônico em grandes partes do mundo, o pós-neoliberalismo já apresenta amostras em alguns países latino-americanos, seja pelo viés do pós-neoliberalismo lulista ou pelo viés (ainda incipiente) anticapitalista.

No caso de Venezuela, Bolívia e Equador, esses governos, em maior ou menor grau, optaram por políticas de confronto explícito com o ideário e os agentes neoliberais, colocando em marcha políticas de caráter anti-neoliberal e politizando setores que eram excluídos da cena política, incentivando amplos processos de transformação social. Essa experiência, assim como todas da humanidade, não está livre de contradições. O “pós-neoliberalismo bolivariano” executado na Venezuela, por exemplo, depende do lucro do
comércio do petróleo para o financiamento do Estado, conferindo à economia do país um elevado grau de volatilidade, devido às flutuações do mercado internacional. Por não haver diversificação do aparelho produtivo nacional, o país continua refém das oscilações do preço do petróleo para a efetivação dos programas sociais. Entretanto, o “pós-neoliberalismo bolivariano” é marcado pela intervenção estatal na politização e mobilização das favelas, organizando unidades militares, incentivando a organização política nas bases da sociedade, diferentemente do “pós-neoliberalismo lulista” que amplia o descrédito do espaço político e cultural, considerando o desenvolvimento do capitalismo como foco principal no desenvolvimento da América Latina.

No caso do Brasil, o governo pós-neoliberal seria capaz de dar o salto estratégico para aumentar o controle dos capitalistas e do mercado impulsionando novas polarizações políticas, sociais e culturais rumo ao encontro com um novo horizonte latino-americano? Afinal, é compatível articular estas transformações sem fazer mudanças que limitem o poder dos capitalistas e da “canalha ilustre” do Estado, mantendo a dívida da “governabilidade de coalizão”? Haveria disposição política de fazer isso e colocar em jogo a conciliação de classes existente para impulsionar tal tipo de reformas pós-neoliberais? Teriam os governos de centro-esquerda na região capacidade de enfrentar os monopólios e oligopólios capitalistas e dar um salto estratégico do pós-neoliberalismo ao socialismo?

Se for correto utilizar o termo “pós-neoliberalismo” para as experiências dos novos governos progressistas que subiram ao poder principalmente pelo vazio político constituído pelo esgotamento social da hegemonia neoliberal, é decisivo encontrar os limites e contradições destas experiências. Minimizar tais contradições é um profundo erro político, um verdadeiro desvio na articulação de um projeto de emancipação popular.

Estes complexos processos pós-neoliberais, que ainda necessitam demonstrar porque podem ser alternativas reais considerando as possíveis formas de regresso do neoliberalismo, não devem ser confundidos com uma transição pós-capitalista.

Nossa pergunta é: quando vamos conseguir tocar na questão de fundo de qualquer transformação pós-capitalista, no caso, os meios de produção?

Em nosso momento, é urgente colocar na ordem do dia um caminho de desenvolvimento que não seja exclusivamente capitalista para o pós-neoliberalismo, uma transição que afete as estruturas oligárquicas e que avance na criação de formas de propriedade que possam se transformar em formas socialistas.

Um projeto do pós-neoliberalismo ao socialismo depende de potencializar a descentralização e a autonomia das empresas e unidades produtivas e, ao mesmo tempo, que faça possível a efetiva coordenação das grandes orientações da política econômica. Um socialismo que promova diversas formas de propriedade social, desde empresas cooperativas até empresas estatais e associações destas com capitais privados, passando por um amplo leque de formas intermediárias nas quais trabalhadores, consumidores e técnicos estatais se combinem de diversas formas para engendrar novas relações de propriedade sujeitas ao controle popular, sem confundir propriedade pública com propriedade estatal.

A dinâmica das diversas formas de propriedade num processo de transição socialista deve deixar claro que a propriedade privada não seria o fator determinante numa economia de mercado predominantemente socializada.

Para lidar com o mercado se impõe um nível de planejamento mais flexível, mas que delimita progressivamente o comportamento do setor privado na economia pela modernização da propriedade estatal e cooperativa. O Socialismo de Mercado, assim, não é para o mercado manter suas relações caóticas e anárquicas, mas para utilizar os mecanismos dos mercados numa melhor alocação dos recursos e estimular a competição entre os capitais, visando alcançar os limites do capitalismo junto com uma transição socialista que prevê o controle da reprodução social pelos produtores associados de diversas formas que se sustentem reciprocamente. O objetivo é uma transição em que o capital se oponha a este processo com uma posição historicamente retrógrada e insustentável devido ao dinamismo das propriedades públicas, estatais e não estatais, com um sistema orgânico entre produção e distribuição, descentralização do poder político e radical transgressão da divisão social hierárquica do trabalho.

Esse “socialismo de mercado com características latino-americanas” seria uma forma de superar o neoliberalismo aprofundando a coexistência de formas de propriedade estatal, pública não-estatal, cooperativas, empreendimentos de economia solidária e de propriedade privada com diversos mecanismos de controle dos trabalhadores, consumidores e técnicos, descentralizando os poderes de decisão e a produção/circulação de conhecimentos de forma material e imaterial. Superar a antinomia falsa entre planificação socialista e o mercado faz parte deste processo de transição, ainda mais quando os objetos veiculados pelo mercado são materiais e imateriais. Qualquer socialismo de mercado depende de ampla e complexa planificação. Um socialismo de mercado não é uma convivência pacífica com o mercado dominado pelo capitalismo. Não devemos confundir mais capitalismo ou “livre iniciativa” com mercado.

Qualquer socialismo demanda formas de controle dos elementos que produzem o mercado. Devemos mostrar que é possível um mercado sem a dominação da propriedade privada. Claro que um dos objetivos do socialismo é suprimir o mercado, mas isso não se dará de maneira imediata por decreto, estatização total ou isolamento num só país, mas pelas próprias contradições do mercado mundial. É a partir daí que podemos buscar elementos mínimos para elaborar o projeto de um socialismo com características latino-americanas que, felizmente, ainda está trilhando apenas seus primeiros passos. Obviamente, não se trata de um experimento simples.

Fernando Marcelino é economista.

Dr. Rosinha: “Alguns segmentos da imprensa terão de ser investigados, sim”



por Conceição Lemes no VIOMUNDO

Deu no Painel, da Folha de S. Paulo, dessa quarta-feira, 9 de maio.

O deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), um dos “soldados” citados,  estranhou a nota.
“Eu não sei de nenhuma reunião secreta na liderança do PT do Senado. E se houve, não participei”, diz. “E não tendo participado, fui escalado, segundo a Folha. Só que até agora eu não fui avisado, a não ser pelo Painel.”

“O foco da CPI não será a mídia. O PT tem defendido que o foco seja a organização criminosa comandada pelo Carlos Cachoeira”, afirma. “E se a investigação revelar que essa organização tem tentáculos, braços, nós vamos investigá-los. Portanto, se tiver algum órgão de imprensa envolvido, esse tentáculo também será investigado.”

“Se alguém disse a frase ‘se a mídia quer guerra, ela vai ter guerra’, não saiu de ninguém do PT de reunião em que eu tenha participado. Até porque o nosso objetivo não é a imprensa, mas a organização criminosa do Cachoeira”, reitera. “Agora, se algum jornalista ou empresa de comunicação tiver algum problema identificado, será investigado como qualquer suspeito de crime.”
Nós entrevistamos o Dr. Rosinha no final da noite dessa quarta-feira 9. Ele é suplente da CPI do Cachoeira. O suplente, ao contrário dos muitos imaginam, pode fazer tudo — ter acesso aos documentos sigilosos, questionar os depoentes, se manifestar — , exceto votar, se o titular estiver presente. E quando o titular se ausenta, o suplente vota também.
Na terça-feira, o Dr. Rosinha participou da sessão secreta da CPI que ouviu o depoimento do delegado da Polícia Federal (PF) Raul Alexandre Marques Souza, que comandou a Operação Vegas.

Viomundo – Os documentos já vazados da Operação Monte Carlo indicam que o esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira teria um braço na mídia. O que achou das revelações nesse setor até agora?

Dr. Rosinha – Oficialmente, dentro da CPI, ainda há muito pouca coisa nessa área . Nós tivemos o primeiro depoimento – o do delegado da Vegas — na terça-feira. E os documentos que chegaram à Câmara, ainda não deu tempo para analisarmos.
De modo que tudo o que saiu sobre a imprensa e a organização criminosa do Cachoeira foi publicado por outros veículos da imprensa. Mas o pouco que ouvi na terça-feira do delegado da Polícia Federal, alguns segmentos da imprensa terão de ser investigados, sim

Viomundo — O que o senhor ouviu?

Dr. Rosinha – Eu não posso revelar, porque a reunião foi secreta. Mas o delegado disse que há mais de um jornalista citado nas escutas telefônicas do Cachoeira. Lembre-se de que ele falou apenas sobre a Operação Vegas.

Viomundo – É só a Veja ou há mais veículos citados nos grampos da Operação Vegas?

 Dr. Rosinha – Tem mais veículos envolvidos.

Viomundo – Quer dizer que o delegado abordou, mesmo, a participação da mídia no esquema do Cachoeira?

Dr. Rosinha — A sessão de terça foi sobre a investigação e as escutas telefônicas da Operação Vegas. Nas gravações com o Cachoeira, segundo o delegado, foram feitas referências a três jornalistas de veículos diferentes.

Viomundo – Quantos veículos?

Dr. Rosinha – Foram citados três jornalistas de três veículos diferentes. Nós, agora, vamos continuar a apuração. Se forem mantidas as informações que ouvimos, cabe investigação.

Viomundo – Tanto o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, quanto a mídia estão batendo na mesma tecla: a convocação dele para depor na CPI seria uma manobra para desviar a atenção do chamado mensalão. O que acha dessa teoria?

Dr. Rosinha – O chamado mensalão está no STF e não mais na Procuradoria Geral da República. O STF vai fazer o julgamento no momento em que julgar que está tudo preparado para fazê-lo.
Eu não entrei nessa CPI para vingar absolutamente nada. Nem ninguém. Eu assim como todos os demais petistas integrantes da CPI – e nós conversamos sobre isso — entramos nela, porque existe uma organização criminosa que tem de ser investigada.
Se o procurador for convocado, não tem nada a ver com o chamado mensalão. Tem a ver com o fato de ele ter ficado mais de dois anos sem dar encaminhamento ao relatório da Operação Vegas, da Polícia Federal. Ele não mandou arquivar nem tocou adiante. Por que ele fez isso? Essa explicação ele deve não para a CPI, ele deve para toda a sociedade. Afinal, enquanto ele ficou sem dar continuidade ao relatório da Vegas, o crime organizado foi mantido. Na verdade, essa atitude dele contribuiu para que demorasse ainda mais a investigação.

Viomundo – Caso a CPI do Cachoeira convoque algum jornalista para depor, a mídia dirá que é um atentado à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão. O que acha disso?

Dr. Rosinha — Quer dizer que jornalista não pode ser investigado? Cada vez que um jornalista é investigado é censura, é atentado à liberdade de imprensa? Aí, eu estaria dizendo que jornalistas, de uma maneira geral, poderiam cometer crimes. Isso é um desvio de atenção. É querer se resguardar de qualquer tipo de investigação.
O Murdoch que o diga na Inglaterra. É algo muito semelhante. A empresa do Murdoch grampeou telefones. O que se tem até agora é que o jornalista da Veja, o Policarpo Jr., usou material de telefones grampeados ilegalmente, como fez o pessoal do Murdoch, na Inglaterra.
O jornalista da Veja sabia ou não que o material era proveniente de grampo ilegal? Bem, a suspeita de que ele sabia é muito forte. Isso tem que ser investigado, porque se confirmada essa prática, ficará caracterizado crime   muito semelhante ao que tinha na Inglaterra.
Agora isso não é censura. Vão dizer que na Inglaterra estava tendo censura? Não estava, estava tendo investigação. Então, no Brasil, eu acho que a CPI tem de ter a liberdade de investigar todos os cidadãos e cidadãs sobre os quais forem levantadas suspeitas.

Viomundo – Então todo suspeito será investigado?

Dr. Rosinha – Todas as conversas que estamos tendo são no sentido de focar no crime organizado. Toda vez que houve CPI, dois ou três deputados eram a festa da mídia. E o corruptor, você se lembra de quantos foram punidos? NENHUM!
Agora, há um corruptor, que é do crime organizado, com empresas legais. Afinal, ele tem de lavar o dinheiro. Acho que é um grande momento na República para se investigar tudo isso.
Não se trata de tirar o foco de políticos. Mas ver que tem um segmento importante que manda no Estado brasileiro. Ele tem poder no Parlamento – já está aí o caso do senador. Tem poder na polícia – já tem o policial federal preso. Tem poder no Executivo. E tem poder na mídia. É como a máfia italiana que está em tudo.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Classes médias?


Claudius
por Silvio Caccia Bava no DIPLO-BRASIL
As classes médias são algo difícil de entender. Talvez até porque sob essa classificação convivam tribos muito diferentes. E são elas, no entanto, que terão um papel decisivo nas próximas eleições, seja nos Estados Unidos, seja na cidade de São Paulo.

A disputa de significados não é sem razão. O conceito de classe média que for adotado vai abrir campos de identidades e de alianças.
O conceito que se impõe, pela força que tem a lógica do mercado, é o da capacidade de consumo. A classe média, nesse caso, se define por sua capacidade de consumo. E como o aumento da capacidade de consumo do brasileiro mais pobre tem se elevado, isso abre espaço para uma operação ideológica, que é chamá-lo de classe média e reforçar a ideia de ascensão social, de que ele está melhorando de vida. Essa visão pretende que o povão apoie o governo e busque, nas eleições, a continuidade dessas políticas que o favorecem. No plano do imaginário social, essa operação é um sucesso, e o apoio ao governo da presidente Dilma demonstra isso. Um Brasil que cresce, que melhora a vida dos mais pobres. Esse é um sentimento compartilhado por uma grande maioria.

Mas, no plano material, a realidade é outra. As melhorias são bastante limitadas, e o piso do qual partimos é muito baixo. Não estamos falando de uma sociedade de bem-estar. Acima de uma renda de R$ 530 por mês aqui no Brasil, você é classe média. Explico-me: o governo define que a classe média parte de R$ 1.740 e vai até quase R$ 8.000 de renda familiar mensal. O IBGE diz que uma família é composta em média de 3,3 pessoas. Então, façamos a conta: R$ 1.740 dividido por 3,3 pessoas é igual a R$ 527,27. Aí começa a classe média baixa, com uma capacidade de consumo de R$ 17,57 por dia. Esses brasileiros não são classe média, são pobres que melhoraram um pouco de vida. Seus valores, suas referências, são distintos dos da classe média.
Mas há um esforço midiático para trazê-los à condição de classe média, para afirmar que mudaram de condição de vida, ascenderam socialmente. A aposta política é que eles vão lutar para manter as melhorias em sua condição de vida. O jogo é com o medo de perderem o que conquistaram. Nessa linha, terão de votar no governo, na continuidade das políticas públicas.

Outra leitura parte de situações de crise, como na Grécia, onde as mobilizações de protesto contra os cortes nas políticas sociais ganharam a adesão das classes médias. Nesse caso, são outras forças políticas e sociais – trabalhadores, jovens, desempregados, aposentados – que puxam as mobilizações. E a classe média adere, atraída pela força do movimento. O recorte não se dá pela capacidade de consumo, mas pela luta para garantir direitos, para mudar as políticas de governo. Mas aí vem o paradoxo: ainda que tenham participado das mobilizações, essas classes médias reafirmaram seu apoio, nas eleições, aos setores conservadores.
Provavelmente o conceito de classe média como ator político não se sustenta. Não conseguimos explicar com a mesma lógica os distintos comportamentos dos grupos sociais que a integram. Esse conceito tenta pasteurizar diferenças importantes e pode ter sido criado justamente para isso. A grande maioria dos participantes das manifestações que ocuparam as praças da Europa e dos Estados Unidos nos últimos meses é de jovens de classe média. Estariam eles influenciados pela Primavera Árabe, um amplo movimento popular?

Há todo um conjunto de referências culturais que dão identidade às classes médias. Não é só a capacidade de consumo que as define. Afinal, se temos um torneiro mecânico e um advogado que ganham R$ 6 mil por mês, os dois são classe média?
A classe média tem acesso à educação, vai ao cinema e à academia, frequenta bares e restaurantes, tem carro, vive em um mundo distinto do popular. E como podemos entender o movimento dos estudantes no Chile pela democratização do acesso à educação? É um movimento de juventude? É um movimento de classe média? Ou é os dois? Eles conquistaram a adesão de professores e sindicatos de trabalhadores para sua luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade.
Provavelmente o que chamamos de classe média também tenha outras identidades – jovem, mulher, gay, estudante etc. –, e talvez sejam essas outras identidades que irão buscar os melhores candidatos para a defesa de seus direitos. A trama eleitoral fica mais complexa.

Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.

O ataque de O Globo à blogosfera

Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:via BLOG DO MIRO
Em editorial publicado hoje (08/05), O Globo, no afã de defender sua comparsa de denúncias e factoides, a revista Veja, sobe o tom dos ataques da mídia corporativa contra a blogosfera (veja reprodução comentada no blog da Maria Frô).

A peça, que vem com as digitais do “imortal” Merval Pereira, intitula-se “Roberto Civita não é Rupert Murdoch”, e é nosso dever admitir que, ao menos no título, está certa. Com efeito, o megaempresário proprietário do jornal sensacionalista News of the World é acusado tão-somente de grampear meio mundo no Reino Unido, enquanto as acusações que pesam sobre a publicação de Civita são muito mais sérias - pois, como aponta Luis Nassif, "a parceria com Veja tornou Cachoeira o mais poderoso contraventor do Brasil moderno, com influência em todos os setores da vida pública".


Quem te viu, quem te vê: O Globo, um jornal sempre tão sensível às denúncias de corrupção, agora que a casa cai descarta como insignificante o envolvimento de Veja com o maior contraventor de nossos dias...

Folha corrida
 
Em post Em histórico, Nassif, que tem o mérito indiscutível de ter revelado com grande antecedência o grau de perversidade das práticas de Veja - sofrendo retaliações judiciais e ataques a sua família -, elenca nada menos do que nove suspeitas "que necessitam de um inquérito policial para serem apuradas",advindas das relações da publicação com Daniel Dantas e com Carlos Cachoeira. Há desde invasão de quarto de hotel até publicação de matéria falsa, passando por tentativa de manipulação da Justiça e negligência para informar o público como forma de beneficiar o esquema do bicheiro nos Correios.

Temos, portanto, uma vez mais, de concordar com o perspicaz editorialista: “Comparar Civita a Murdoch é tosco exercício de má-fé”.

Tática desqualificadora
 
O Globo – que ajudou a repercutir quase todas as denúncias deVeja contra o governo federal – abre o editorial cuspindo fogo: “Blogs e veículos de imprensa chapa branca que atuam como linha auxiliar de setores radicais do PT desfecharam uma campanha organizada contra a revista 'Veja'”.

É a mesma lenga-lenga de sempre, tentar desautorizar a opinião divergente desqualificando-a como ideológica e partidariamente engajada (como se as do jornal não o fossem...). Pior: trata-se de uma dupla mentira. Primeiro, porque qualquer analista que se dedicar a examinar, com isenção, os blogs até agora citados neste post – o de Maria Frô, o de Nassif e este aqui -, além de vários outros, há de constatar a presença de diversos textos críticos em relação ao governo federal (sendo que cansei de ler acusações raivosas, por parte de governistas, a mim e a Frô devido a nossas ponderações).

Jornalismo partidário
 
A outra mentira é a afirmação de que se trata de uma “campanha organizada”. O que move a maioria absoluta da blogosfera não é uma inexistente palavra de ordem partidária, mas a genuína indignação pelo estado a que chegou o jornalismo brasileiro após uma década de ação irracional, não profissional, esta sim partidarizada (como a própria Judith Brito, executiva do Grupo Folha e sindicalista patronal, admitiu, com a insolência característica).

Uma ação, por um lado, descaradamente engajada na defesa do grande capital, do demotucanato e do mercado financeiro (como a reação ante o corte de juros promovido pelo governo federal ilustra de forma inconteste); por outro lado, hidrófoba no trato com tudo o que diga respeito a avanços sociais, democracia racial e o cumprimento, ainda que tímido, do programa das forças de centro-esquerda que venceram, de forma legítima, as eleições.

Inverdades a granel
 
Esperar que o editorialista de O Globo admitisse tais fatos seria o cúmulo da ingenuidade. Ao invés disso, ele prefere gastar parágrafos numa digressão sobre ética jornalística em que, citando até os “Prinípios Editoriais das Organizações Globo” - pausa para a gargalhada – faz uma tremenda ginástica verbal para fingir não apenas que os procedimentos de Veja não pertencem à esfera criminal, mas que são eticamente legítimos. Mais cara de pau impossível.

Por fim, o editorial recorre a mais uma inverdade, ao afirmar que “não houve desmentidos das reportagens de 'Veja' que irritaram alas do PT”, emendando com uma das poucas afirmações verdadeiras da peça: “Ao contrário, a maior parte delas resultou em atitudes firmes da presidente Dilma Roussef, que demitiu ministros e funcionários, no que ficou conhecido no início do governo como uma faxina ética.”

Dilma e a mídia
 
Neste ponto só nos resta lamentar, por um lado, que o editorialista de O Globo trate seus leitores como idiotas, ao negligenciar-lhes o fato óbvio de que houve um cálculo político – em que pesou o receio de que o bombardeio denuncista midiático pudesse afetar a governabilidade e o grau de aprovação da administração– a motivar a decisão de Dilma em relação à maioria das demissões.

Por outro lado – e provando inverídica, uma vez mais, a acusação de chapa-branquismo – é preciso reafirmar nossa posição contrária à maneira como Dilma Rousseff administrou suas relações com a mídia no primeiro ano de seu governo, cortejando-a e cedendo com tibieza às pressões advindas das denúncias e factoides, ao invés de reagir de forma condizente e fazer valer o poder do Executivo no sentido de pressionar por um jornalismo ético.

Crise de confiança
 
A blogosfera política é muito mais ampla e diversificada do que O Globo quer fazer crer – e ele poderia facilmente constatar tal fato se se propusesse a praticar jornalismo de verdade ao invés de se enlamear em tramas fantasiosas, denuncismo tendencioso e associações suspeitas.

O crescimento e o peso crescente da blogosfera e das redes sociais como fatores de contrainformação não pode ser explicado pela fórmula simplista do engajamento partidário. Tal sucesso advém, em larga medida, justamente da descrença no consórcio Abril-Rede Globo-Grupo Folha, descrença esta que tende a se difundir exponencialmente à medida que as reportagens da TV Record sobre a Veja atingirem um público exponencialmente maior.

Um editorial como o de O Globo de hoje só açula o descrédito e a desconfiança em relação ao jornalismo que o jornal pratica e que endossa.

Procurador-Geral de Justiça do estado

  Inês do Amaral Büschel   no CORREIO DA CIDADANIA

Esse é o nome do cargo do chefe do Ministério Público Estadual. Entretanto, é muito comum as pessoas, em geral, confundirem essa denominação com a do chefe da Procuradoria-Geral do Estado, que é o nome do cargo da chefia do quadro dos Procuradores do Estado. Ambos são cargos de âmbito estadual, todavia, esses profissionais exercem funções públicas bem distintas. O Procurador-Geral de Justiça é membro do Ministério Público, portanto não exerce a advocacia pública, que lhe é vedada. O Procurador-Geral do estado, por sua vez, é um advogado público, integrante da carreira de Procuradores do Estado. Ambos ingressam em suas carreiras por intermédio de concursos públicos, porém diferentes.

Para melhor entendimento dessas funções públicas, é sempre bom lembrar que o Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Saliente-se aqui que o MP tem o monopólio da ação penal pública, podendo processar criminalmente a todos nós e às autoridades constituídas, inclusive. Seus membros têm a garantia da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, além de terem assegurada, constitucionalmente, a independência funcional.

Quanto à Procuradoria do Estado (advogados públicos), diz a Constituição Federal em seu artigo 132 que esses profissionais exercem a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. Têm assegurada a estabilidade.

Quero aqui abordar a regra constitucional que determina a forma pela qual um membro do Ministério Público Estadual conquista o cargo de Procurador-Geral de Justiça. Trata-se do artigo 128, II, § 3º (CF): "Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo chefe do Poder Executivo para mandato de dois anos, permitida uma recondução".

Essa mesma redação acima citada veremos repetida na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, nº 8.625/93, artigo 9º, que no seu § 1º diz: "A eleição da lista tríplice far-se-á mediante voto plurinominal de todos os integrantes da carreira". Faz-se importante mencionar também que o § 2º desse mesmo artigo diz: "A destituição do Procurador-Geral de Justiça, por iniciativa do Colégio de Procuradores, deverá ser precedida de autorização de um terço dos membros da Assembléia Legislativa".

A partir da regra constitucional e da regra legal federal acima citadas, cada estado da República Federativa brasileira tem sua própria Constituição Estadual e fará editar sua lei estadual, regulamentando tal eleição. Tomarei aqui como exemplo o estado de São Paulo. A Constituição Estadual paulista determina em seu artigo 20, XXIII, que compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa "destituir o Procurador-Geral de Justiça, por deliberação da maioria absoluta de seus membros"; e, no artigo 94 manda que "Lei Complementar, cuja iniciativa é facultada ao Procurador-Geral de Justiça, disporá sobre [...] II - elaboração de lista tríplice, entre integrantes da carreira, para escolha do Procurador-Geral de Justiça pelo Governador do Estado, para mandato de dois anos, permitida uma recondução".

Pois bem, dando seqüência, a Lei Complementar Estadual de São Paulo acima mencionada é a de nº 734/93. O artigo 10 dessa lei diz: "O Procurador-Geral de Justiça será nomeado pelo chefe do Poder Executivo, dentre os Procuradores de Justiça integrantes de lista tríplice elaborada na forma desta lei complementar, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento". Logo em seguida, no § 1º desse artigo 10, lemos: "Os integrantes da lista tríplice a que se refere este artigo serão os Procuradores de Justiça mais votados em eleição realizada para essa finalidade, mediante voto obrigatório, secreto e plurinominal de todos os membros do Ministério Público do quadro ativo da carreira".

O § 2º desse mesmo art. 10, por sua vez, determina que: "Caso o chefe do Poder Executivo não efetive a nomeação do Procurador-Geral de Justiça nos quinze dias que se seguirem ao recebimento da lista-tríplice, será investido automaticamente no cargo o membro do Ministério Público mais votado, para exercício do mandato".

Vê-se que não há regra jurídica que obrigue o governador do estado a nomear o candidato mais votado na lista tríplice composta pelos membros do MP. Ao chefe do Poder Executivo é assegurada a livre escolha de qualquer um dos componentes da referida lista, mesmo que este venha a ser o terceiro colocado.

Daí surge a pergunta: por que, então, realizar-se a eleição interna com voto obrigatório? Parece-nos à primeira vista uma exigência ilógica. Bem, mas teremos que raciocinar com o seguinte dado de realidade: a) o MP não é, formalmente, um poder constituído de nossa República Democrática, que adotou a tripartição do poder em Legislativo, Executivo e Judiciário; b) os membros do MP - tais quais os juízes de direito - não são eleitos, mas sim concursados, e são vitalícios. Portanto, considerando-se que todo o poder emana do povo soberano, quem detém a legitimidade do poder popular é o governador eleito. Estaria aí a razão para somente o chefe do Executivo ter o poder de escolha do PGJ, e de sua nomeação.

Mas não nos parece estranho que o governador possa escolher, sozinho, dentre os componentes da lista tríplice formada por eleição, o seu possível acusador de crimes que, por desventura, venha a cometer? Isso não fere a autonomia funcional do MP? Afinal, nem os governadores são santos e nem os membros do MP são anjos. É fato que, sendo pessoas de carne e osso, bem instruídas formalmente, costumam pautar-se pelo bem comum. Todavia, não estão a salvo de praticar crimes. Os meios de comunicação nos informam, vez ou outra, da má conduta de alguns agentes públicos. Portanto, todo cuidado é pouco. O povo precisa acautelar-se com os desmandos praticados tanto por burocratas, como por juízes de direito, legisladores e governantes.

O atual perfil constitucional do Ministério Público surgiu na época da reconquista do regime democrático pelo povo brasileiro, após duas décadas de vigência de uma ditadura civil-militar que governou com pleno arbítrio. No transcorrer da elaboração de nova Carta Magna, na Assembléia Nacional Constituinte (1986-1988), debateu-se como deveria compor-se a instituição que, no futuro, viesse a defender toda a sociedade de qualquer ameaça de arbítrio. Era preciso que seus membros tivessem garantias institucionais para poder enfrentar interesses escusos de poderosos. Mas, por outro lado, a cidadania exigia que houvesse uma forma de contrapeso e/ou accountability dessa instituição. Nos embates políticos entre os parlamentares conservadores e progressistas da época, restou entendido que melhor seria o governador do Estado escolher o PGJ em lista tríplice, que lhe seria oferecida após eleição interna.

Nesse período da Assembléia Nacional, ainda no âmbito da Comissão de Organização dos Poderes e Comissão de Sistematização, entre os meses de junho-julho de 1987, havia a sugestão de que caberia ao próprio MP a eleição de seu Procurador-Geral e ponto final. Porém, logo no mês de agosto seguinte, já aparece a menção à feitura de uma lista tríplice. Por fim, com a formação do famigerado "Centrão" (núcleo de parlamentares conservadores) é que surge a idéia de eleição de uma lista tríplice pelos membros da carreira do MP, para ofertá-la ao chefe do Poder Executivo que teria livre escolha. Esta sugestão foi a que prevaleceu e consta do texto da atual Constituição Federal de 1988.

Passados mais de vinte anos da vigência de nossa Constituição, percebemos a incoerência dessa regra. O chefe do Poder Executivo não pode concentrar tal poder político sobre o seu eventual acusador criminal. Já basta que é o governador quem tem a "chave do cofre público". Essa situação incoerente fomenta, a cada eleição de PGJ, a realização de nefastos lobbies, tanto de grupos internos como externos, visando obter o beneplácito do governador.

É um tanto ridículo tudo isso. O povo trabalhador - que detém todo o poder - está afastado dessas ingerências e, em geral, nada sabe sobre esses fatos. Nem mesmo a sociedade civil organizada – por exemplo, os movimentos sociais – sabe ao certo o que faz o Procurador-Geral de Justiça. Mas é preciso que todo o povo saiba disso. Não só a escola, mas também os meios eletrônicos de comunicação de massa deveriam ter a iniciativa de instruir a população sobre isso, fazendo uma eficiente divulgação.

Aos integrantes do MP que, a cada época de eleição do PGJ se revoltam com a não nomeação do candidato mais votado, seria importante que se mobilizassem politicamente pela mudança da regra constitucional. Nesse sentido já existe uma Proposta de Emenda Constitucional tramitando no Senado Federal: a PEC 31/2009.

Enquanto essa luta se trava no Congresso Nacional, será preciso que os membros do MP prestem muita atenção ao eleger seu governador. E, por outro lado, também é necessário que se aproximem mais do povo trabalhador que, via de regra, é desrespeitado pelo Poder Público. Eu só tenho a lamentar que uma expressiva maioria de Promotores e Procuradores de Justiça esteja, a cada dia, distanciando-se dos cidadãos pobres deste país. Já não se ocupam tão bem do atendimento ao público, ao menos com o rigor que se exigiria de um ombudsman. Nem mesmo o Ouvidor do MP é eleito pela sociedade civil organizada, mas sim é designado pelo PGJ - após eleição interna ou não - entre integrantes da própria carreira. Um absurdo.

Penso que cada membro do Ministério Público deveria indignar-se com a obscena desigualdade social brasileira e, diante disso, adotar como meta a exigência de primorosa eficiência nos serviços públicos de relevância, tais como: acesso à justiça, segurança pública, transporte, saúde, educação e moradia. Isso já proporcionaria bem-estar para a população pobre e de classe média. Os cidadãos abastados também merecem proteção, todavia, já têm dinheiro e meios suficientes para suprir suas necessidades básicas.

Por último, com relação à forma de escolha do PGJ, gostaria de sugerir o seguinte: a) vimos que, legalmente, cabe à Assembléia Legislativa a eventual destituição do PGJ; b) por outro lado, sabemos que o MP detém muito poder político-jurídico, e isso impõe a necessidade de contrapeso/accountability; c) seria, então, muito melhor que tirássemos do Poder Executivo a faculdade de escolha do PGJ e o transferíssemos à Assembléia Legislativa, que é a verdadeira Casa do Povo. Teria então a Assembléia a possibilidade de aprovar por maioria absoluta o candidato mais votado na lista tríplice. A luta política se daria no campo parlamentar e seria mais legítima, difusa e representativa.

Inês do Amaral Büschel é Promotora de Justiça de São Paulo, aposentada; associada do Movimento do Ministério Público Democrático.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Dilma mira poupança com desculpa esfarrapada

  Rodrigo Choinski   no CORREIO DA CIDADANIA


A reorganização da economia brasileira sob a batuta da presidente em chefe Dilma Rousseff frente à crise econômica global, não pára de eclodir em pequenas novidades aleatórias. O alvo agora é a poupança.

“Nossa” chefe maior anunciou que pretende uma reestruturação da principal forma utilizada pelos brasileiros para pouparem suas economias. A idéia é simples e palatável. Com os juros base baixando, chegaria um ponto em que a poupança seria mais vantajosa que os títulos governamentais, pois tem um piso de juros fixado em lei (6,17% ao ano); assim o governo não teria mercado para financiar seu endividamento. Ninguém compraria títulos do governo, aplicariam na poupança.

O objeto da mudança é óbvio, baixar o piso de rendimento fixado em lei, ou talvez acabar com ele. Mas será mesmo aquele o motivo? Não seria melhor criar uma modalidade especial de poupança que garantisse o rendimento, como é hoje, mas que tivesse condicionalidades para que apenas os trabalhadores pudessem acessá-la, ou talvez fixar valores máximos, evitando que investidores migrassem para a poupança? É claro que há mais por trás disto. Podemos pensar em três razões.

1) Super-consumo

A fórmula de super-consumo, que tem nos EUA sua estrutura mais determinada, traz vários benefícios para a manutenção da ordem capitalista. O crédito barato garante os lucros da iniciativa privada, pela manutenção de preços sobrevalorizados, pagos em parcelas compatíveis com salários baixos. O consumo estéril de porcarias tecnológicas (entre outras), com sua devida obsolescência programada e altos custos ambientais e humanos, dá uma falsa idéia de prosperidade e liberdade – mesmo nos regimes mais fechados e oligárquicos, como no Brasil ou nos EUA – servindo como um útil sistema de controle social. Por outro lado, o mesmo tipo de consumo endivida o trabalhador, exigindo uma maior disciplina e a aceitação de condições cada vez piores de trabalho, sem contar no desestimulo à sindicalização e à luta por direitos. É a chantagem do capital, que ameaça com o desemprego aquele que não se submete ao seu regime. Com uma poupança menos vantajosa e crédito mais barato, o que teremos é o aumento desenfreado deste tipo de consumo.

2) Acabar com a vantagem da poupança frente a fundos de investimento

Vimos nos últimos tempos uma queda de rendimentos de fundos de investimento (CDIs, por exemplo). Alguns destes fundos concorrem diretamente com a poupança e têm levado desvantagem. Esta queda é reflexo de uma economia em crise, pois os fundos têm seus ganhos baseados na efetividade econômica de seus repasses para a dita ‘economia real’. Se os negócios vão mal estes fundos acompanham. Retirar o rendimento piso da poupança daria fôlego para esta modalidade de investimento, inclusive evitando possíveis quebras, pois também demandam um fluxo continuo de recursos para se manter, que, secando, trariam uma evolução negativa.

3) Super-lucros

É claro, os bancos e seus fundos de investimentos ganhariam com a mudança, mas mais que isto, pagando menos pela poupança teriam acesso a dinheiro mais barato. A maioria dos trabalhadores que mantém o dinheiro na poupança não vai deixar de fazê-lo mesmo que haja uma queda de rendimento. Diminuir a já ínfima parte que repassam aos trabalhadores por deixarem seu dinheiro para os bancos utilizarem nas suas negociatas é um lucro fácil e certo.

Rodrigo Choinski

Proposta que confisca propriedade com trabalho escravo deve ser votada nesta terça


Foto: Renato Alves/Ministério do Trabalho e Emprego
Desde 1995, 42 mil trabalhadores foram libertados de trabalho escravo | Foto: Renato Alves/Ministério do Trabalho e Emprego

Felipe Prestes no SUL21

Após oito anos parada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438/2001, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, deve ser votada nesta terça-feira (8) pela Câmara dos Deputados. A proposta determina que o empresário que tiver explorando trabalho escravo terá suas terras ou imóvel urbano confiscado para reforma agrária ou uso social nas cidades. No que depender do presidente Marco Maia, estará pautada uma sessão extraordinária para votá-la, no início da noite, após a sessão ordinária. O petista, entretanto, vai colocar o tema em debate na reunião de líderes, que ocorre no início da tarde.
A PEC do então senador Ademir Andrade (PSB-PA) foi aprovada no Senado em 2001, chegou à Câmara, onde foi aprovada em primeiro turno em2004. A votação em segundo turno pode ocorrer agora, oito anos depois, fruto da pressão do Governo Federal e de movimentos sociais. No mês de março, a presidenta Dilma Rousseff estabeleceu, inclusive, prazo para votação da PEC: até o dia 13 de maio, aniversário de 124 anos da Lei Áurea, que acabou com a legalidade da escravidão no país. Maia apoiou a escolha da data e prometeu colocar em pauta nesta semana.
Para ativistas que combatem o trabalho escravo, a PEC é importante, porque as multas e sanções que são aplicadas a empresários não têm sido suficientes para conter a prática. “A PEC do Trabalho Escravo é hoje a lei mais relevante em trâmite no Congresso no combate ao trabalho escravo, porque confisca a propriedade. É muito paradigmática, porque deixa claro que o Estado brasileiro não aceita esta violação à dignidade humana”, afirma Leonardo Sakamoto, jornalista e diretor da ONG Repórter Brasil, que desde 2001 reporta casos de violação aos trabalhadores rurais.
Sakamoto relata que, desde 1995, quando o Governo Federal reconheceu a existência do trabalho escravo no país e criou um sistema público de combate à prática, 42 mil trabalhadores já foram libertados desta condição. Hoje, 291 empregadores estão no cadastro do trabalho escravo, atualizado semestralmente, a maior parte deles está no campo. Para o jornalista, contudo, o tema é mais próximo da população das cidades do que parece. “Faz parte da nossa alimentação e do nosso vestuário. É interessante que a gente, que se beneficia disto, pressione para que não aconteça mais”, diz.
José Cruz / ABr
Terça-feira será de manifestações pela aprovação da PEC em Brasília | Foto: José Cruz / ABr

Voto aberto pode ajudar na aprovação

Nesta terça (8), às 11h, movimentos sociais como o MST e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outras entidades, e artistas como Osmar Prado. Letícia Sabatella, Bete Mendes e Paulo Betti, além de intelectuais e integrantes da Igreja farão ato na Câmara dos Deputados para entrega de abaixo-assinado com cerca de 50 mil assinaturas pela aprovação da PEC. Entidades farão vigília no Congresso durante todo o dia.
Para Leonardo Sakamoto, a aprovação depende de não haver subterfúgios, como a falta de acordo entre líderes ou a falta de quórum para a votação. “O voto é aberto, isto ajuda. Acredito que uma vez colocado em votação, será aprovado”, diz. Para ser aprovada, uma PEC precisa de 3/5 dos votos. Normalmente, a bancada ruralista tem tido bem mais que 2/5 dos votos na Casa, mas, como o voto é aberto, o diretor da Repórter Brasil crê que pouco se arriscariam em votar contra uma matéria que ajuda a combater o trabalho escravo. “Qual deputado vai querer votar contra uma lei que vem sendo chamada de nova Lei Áurea, em ano eleitoral?”, questiona.
Ainda assim, Sakamoto diz que na Câmara “tudo pode acontecer” e considera uma incógnita se a PEC chegará a ser votada mesmo. “Não tenho resposta. Depende muito se o Governo Dilma vai entrarem campo. Depende se o Governo ainda tem base aliada, se o Congresso ainda se importa com os temas que o Governo prioriza, se base aliada não é aliada apenas em temas que lhe interessa”, diz. Caso seja aprovada, a PEC precisa voltar ao Senado, porque a Câmara fez alterações no texto, incluindo os imóveis urbanos.
valdircolatto
Colatto: Se for votada, PEC será derrotada | Foto: Janine Moraes/Ag. Câmara

Deputado ruralista acredita que trabalho escravo não está bem definido na PEC

Para o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) ainda não é o momento da PEC ser apreciada. “A PEC não tem um conceito definido de trabalho escravo. Vai deixar na mão do fiscal que for na fazenda? Fiscal não pode ser quem decide, cada fiscal faz o que quer, é uma ditadura do fiscal”, diz.
Segundo Colatto, o Ministério do Trabalho tem uma instrução normativa com 255 exigências aos produtores e eles poderiam perder sua propriedade por questões não tão importantes. “Nenhuma propriedade no Brasil cumpre todas estas exigências, e é uma instrução normativa, não tem respaldo em lei. Quando o funcionário toma água na bica, o produtor pode ser enquadrado. Tem que ter um banheiro para cada dez funcionários, azulejo na cozinha. Como vai fazer isto?”.
Para o peemedebista, o produtor rural também não pode ser cobrado da mesma maneira que uma indústria, por exemplo. “Uma propriedade rural no meio da Amazônia não pode ter a mesma estrutura que em uma indústria”.
O deputado também ressalta que está ocorrendo na Câmara uma CPI do Trabalho Escravo e que, portanto, seria mais adequado esperar o fim dos trabalhos para apreciar a PEC com mais subsídios. “Tem uma CPI que vai ouvir todos os lados. Agora não é o momento de votar. Não sei por que tanta pressão se tem uma CPI. Seria uma irresponsabilidade aprovar agora, vai criar mais conflitos, pode criar desemprego”, diz.
Colatto acredita que se a proposta entrar em votação será derrotada. “Se o governo quer tanto colocar, tem que colocar na pauta. Vai ser derrotado”.
Divulgação / MTE
Uma realidade Brasil afora: adolescentes libertados de trabalho escravo | Foto: Divulgação / MTE

Conceito de trabalho escravo é claro, garante Sakamoto

Para Leonardo Sakamoto, o conceito de trabalho escravo é claro, tanto que está na lei brasileira, no artigo 149 do Código Penal. De acordo com o texto legal, a condição análoga à da escravidão se dá quando o trabalhador é submetido a trabalho forçado, a jornada exaustiva, ou a trabalhar em condições degradantes. O trabalho forçado pode se dar, segundo a lei, por dívidas contraídas com o empregador, por cerceá-lo de meios de transporte, manter vigilância ostensiva para que ele não deixe o local de trabalho ou se apoderar de seus documentos.
O diretor da Repórter Brasil ressalta que o trabalho escravo não está apenas na legislação brasileira, mas em convenções e tratados subscritos pelo país na esfera internacional, em instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e as Nações Unidas. Além disto, afirma o jornalista, o STF, o TST e outros tribunais brasileiros já têm inúmeras decisões contra o trabalho escravo. “Primeiro, os ruralistas diziam que o trabalho escravo não existia. Quando as evidências contrariavam muito isto, passaram a dizer que o conceito não é claro. Para estas pessoas não adianta mostrar convenções da OIT, da ONU, o artigo 149 do Código Penal. Não adianta apresentar fatos para quem não quer ouvi-los”, diz.
Sakamoto também rebate o argumento de que fazendeiros poderiam perder sua propriedade por pequenas coisas como não ter azulejo na cozinha. Segundo ele, é muito comum proprietários que são enquadrados mostrarem apenas parte de suas autuações, ocultando os motivos principais. “O trabalho escravo é conjunto da obra”, diz. O jornalista explica que na maioria das propriedades que descumprem alguma exigência do Ministério do Trabalho, os empregadores corrigem os erros e não são enquadrados na lista suja do trabalho escravo. “Apenas 42 mil trabalhadores foram libertados e existem 18 milhões de trabalhadores rurais no país. Se fosse como o deputado diz, este número seria muito maior”.
leonardo sakamoto
| Foto: Alexandra Martins/Ag. Câmara

Para jornalista, função social da propriedade é o cerne da discordância

Leonardo Sakamoto ressalta que a imensa maioria dos proprietários rurais cumpre com suas obrigações trabalhistas. No entanto, a PEC preocupa grande parte deles porque mexe com a propriedade, dando caráter efetivo à função social da propriedade, pouco cumprida no Brasil. “Certa vez o Ronaldo Caiado (deputado federal, DEM-GO) chegou a dizer que se podia jogar na cadeia quem tivesse trabalho escravo em sua fazenda, mas que não se tirasse a propriedade. O medo é vincular à função social. É que haja outros mecanismos, como desapropriar propriedades por crimes ambientais, por trabalho infantil. Para eles a propriedade é inviolável”, diz.
O ativista afirma que os produtores deveriam entender que há concorrentes praticando dumping social, levando vantagem ao submeter trabalhadores a condições degradantes. “A maioria fica dentro da lei, dá qualidade de vida a seus trabalhadores e sofre concorrência desleal de quem não dá”, diz.
Ele afirma também que é comum empresários agradecerem depois de sofrerem pressão da Repórter Brasil e regularizarem sua situação. “Ruralistas já me agradeceram por terem sido fiscalizados. Hoje, podem dizer, por exemplo, para o cliente europeu que seu algodão é limpo, o que não se pode dizer da produção no Paquistão e na Índia”.