terça-feira, 6 de maio de 2014

Ex-prefeito de Lábrea é responsabilizado por trabalho escravo infantil | Brasil de Fato

Ex-prefeito de Lábrea é responsabilizado por trabalho escravo infantil


  • Estados do Brasil:


Divulgação MTE
Dois meninos e 11 anos estão entre os 21 resgatados trabalhando para
ex-prefeito Gean Campos de Barros e seu genro, Oscar da Costa Gadelha


Por Daniel Santili

Da Repórter Brasil



O ex-prefeito de Lábrea, Gean Campos de Barros (PMDB) e seu genro, Oscar
da Costa Gadelha, foram responsabilizados pela exploração de 21 pessoas
em condições análogas a de escravos na produção de castanha-do-pará em
Lábrea, no Amazonas. Entre os resgatados estavam dois adolescentes e
quatro crianças, incluindo dois meninos de 11 anos que, assim como os
demais, carregavam sacos cheios de castanhas em trilhas na mata e
manuseavam facões longos, conhecidos como terçados, para abertura dos
ouriços, os frutos da castanha. A reportagem tentou entrar em contato
com os empresários para ouvi-los sobre o flagrante, mas não conseguiu
localizá-los.A libertação aconteceu em operação conjunta do Ministério
do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal,
realizada entre 16 a 28 de março em castanhal localizado dentro
da Reserva Extrativista do Médio Purus, acessível a partir da comunidade
ribeirinha de Lusitânia, nas margens do rio Purus. “O que mais nos
chamou a atenção foi a questão das crianças. Vimos meninos carregando
sacos de 25 kg dentro da floresta, andando até quatro quilômetros
descalças”, conta o auditor André Roston, coordenador do Grupo Especial
de Fiscalização Móvel do MTE. “Para ajudar, um policial pegou o saco e
começou a carregar, mas ele não aguentou chegar até o final. É um
trabalho muito pesado e as crianças estavam submetidas ao sistema de
exploração estabelecido.”
Garoto de 11 anos manuseia facão no barco e na
abertura de ouriço de castanha-do-pará.
Foto: Divulgação MTE
Os facões, mais longos que o antebraço de alguns dos meninos, como é
possível visualizar na foto ao lado, eram utilizados para abrir os duros
frutos da castanheira e extrair as sementes. Nenhum dos trabalhadores
utilizava proteção e, segundo a fiscalização, um dos garotos de 11 anos
estava com o dedo indicador cortado, ferimento decorrente de acidente
enquanto exercia a atividade. Tanto o “transporte, carga ou descarga
manual de pesos” acima de 20 kg para atividades raras ou acima de 11 kg
para atividades frequentes, quanto a “utilização de instrumentos ou
ferramentas perfurocortantes, sem proteção adequada capaz de controlar o
risco” estão entre as piores formas de trabalho infantil,
conforme estipulado pela lei número 6.481/2008, com base na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
 Àequipe de fiscalização, em depoimento, Oscar Gadelha confirmou o uso de
trabalho infantil e defendeu que o emprego de crianças e adolescentes
na atividade é “uma certa forma é até uma maneira de educar”.

Reserva extrativista e o sistema de barracão 
A exploração de trabalho escravo infantil aconteceu em uma unidade de
conservação federal, a Reserva Extrativista do Médio Purus. A área de
preservação foi criada como resultado de intensa mobilização social,
processo detalhado na obra “Memorial
da Luta pela Reserva Extrativista do Médio Purus em Lábrea, AM:
Registro da mobilização social, organização comunitária e conquista da
cidadania na Amazônia””
, e garante às comunidades ribeirinhas o direito de desenvolver atividades extrativistas na região.
Os castanhais, em questão, porém, eram tratados como propriedade privada, e
o grupo econômico formado por Oscar Gadelha e o ex-prefeito Gean Barros
determinava exclusividade na extração. Além de ser encaminhado ao MPT e
à PF, que acompanharam a ação, o relatório da fiscalização foi enviado
também ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Não é a primeira vez que Gean
Barros se posiciona contra as áreas de proteção. Durante sua gestão, o
político chegou a tentar impedir fiscalizações de crimes ambientais
ocorridos nas reservas extrativistas, e foi processado pelo MPF por
ter, em 9 e 10 de março de 2010, incitado “uma manifestação popular na
praça central do município, com o objetivo de impedir a fiscalização do
ICMBio e expulsar os fiscais do município”.
O controle da exploração comercial na reserva federal era feito por Oscar Gadelha, e o
sistema era financiado e estruturado pelo ex-prefeito, o que
configurou a formação de grupo econômico familiar, segundo a
fiscalização. O coordenador da ação explica que a escravidão foi
caracterizada por diferentes fatores, incluindo o uso do sistema de
barracão, mecanismo clássico de exploração de trabalhadores, ribeirinhos
e comunidades indígenas, ainda comum em frentes de trabalho e áreas
isoladas na Amazônia. No controle das redes de abastecimento, os
regatões (comerciantes de grandes barcos) e senhores de barranco como
são conhecidos os que monopolizam o comércio, vendem itens básicos com
sobrepreço e compram a preços irrisórios, criando relações de
dependência, se beneficiando de dívidas e impondo restrições de
locomoção.
No caso específico, Gadelha fornecia desde itens
básicos como açúcar, café, óleo vegetal, sabão, arroz, carne em
conserva, leite em pó, bolacha, até itens essenciais para o trabalho,
como gasolina e diesel para o transporte por barcos, além de botas,
terçados e lanternas. Na mata, ele cobrava cerca de 20% a mais do que o
preço que os mesmos itens eram comercializados em Lábrea.Os
trabalhadores só recebiam após o fim da safra, e dependiam do barracão
para sobreviver.
Nesse contexto, mesmo os programas sociais têm
limitações de alcance. Na área urbana de Lábrea, há denúncias
de que comércios locais retêm cartões de benefícios como Bolsa Família e
Bolsa Floresta, com as respectivas senhas a título de garantia de
dívidas de ribeirinhos e índios.Os bens adquiridos em um armazém eram
descontados aos ganhos com produção, e, sem controle ou opção, alguns
recebiam R$ 100 ou R$ 200 por todo trabalho realizado durante a safra.
Há também depoimentos de trabalhadores que terminaram o período
endividados e tiveram de trabalhar na safra seguinte para pagar o
barracão. O emprego das crianças pelos pais está relacionado à
preocupação das famílias em tentar aumentar os ganhos. “Estamos falando
de um sistema de barracão com um barracão físico. Um paiol para
armazenas as castanhas, além do armazém e da casa grande. É um sistema
clássico”, explica o auditor André Roston.

Condições degradantes 
Além dos 21 trabalhadores resgatados, a fiscalização também constatou que
outros 16, incluindo mais crianças e adolescentes, foram submetidos
anteriormente às mesmas condições. Eles não foram libertados porque não
estavam trabalhando no período do resgate, mas também receberam seus
direitos trabalhistas. Ao todo, o valor líquido das rescisões pagas ao
grupo é de R$ 58.978,42.
Os trabalhadores viviam e trabalhavam em
condições de degradação humana. Entre os resgatados durante a
fiscalização, parte vivia em um abrigo improvisado, parte em um barco
apertado e os demais em casas nas comunidades ribeirinhas vizinhas. Sem
estrutura mínima, os alojamentos inadequados não garantiam nem
privacidade nem proteção contra chuvas ou temporais. Nas frentes de
trabalho, algumas distantes a mais de uma hora e meia de caminhada, não
havia estrutura ou abrigo na mata, nem abastecimento de água potável,
banheiros ou itens básicos de higiene, como papel higiênico. Os rios
eram utilizados tanto como fonte de água quanto como espaço para lavar a
louça e tomar banho. Sem banheiros ou fossas, as necessidades eram
feitas na mata ou nas águas. Na fiscalização, a equipe encontrou a
comida de todo o grupo, peixe com farinha, armazenada em um balde que já
havia servido para transportar tinta. Sem pratos ou talheres, as
pessoas comiam direto do balde com as mãos.
Além da degradação
humana, também foram constatados riscos de segurança onde os adultos,
adolescentes e crianças ficavam. Entre eles, a ameaça de o ouriço, o
pesado e duro fruto da castanheira, se desprender da árvore e
atingir pessoas. Nem capacetes, nem malhas metálicas para o manuseio de
facas ou qualquer outro tipo de equipamento de proteção eram fornecidos
pelos empregadores.
Além de André Roston, que coordenou a ação
junto com a também auditora fiscal Márcia Ferreira Murakami, da
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Rondônia, também
participaram os auditores João Ricardo Dias Teixeira, Júlio César
Cardoso da Silveira, Marco Aurélio Peres; o procurador Rogério Rodrigues
de Freitas da Procuradoria Regional do Trabalho de Bauru; e os
policiais federais Camila Pinheiro Simmer e Fabiano Ignacio de Oliveira,
da 11ª Delegacia; Júlio de Melo Arnaut, da 2ª Delegacia; Ruan Cleber
Torres Cruz, 4ª Delegacia; Wandercleysson de A. Souzada da 1ª Delegacia;
e Willian Pascoal Pereira da 14ª Delegacia.
* Matéria produzida com apoio da Fundação Rosa Luxemburg

ODiario.info » A maioria das pessoas queimadas vivas em Odessa eram do Partido Comunista ou de esquerda

A maioria das pessoas queimadas vivas em Odessa eram do Partido Comunista ou de esquerda

Editorial de odiario.info


Em 1905, Odessa foi palco do massacre de trabalhadores grevistas em solidariedade com os marinheiros revoltosos do couraçado “Potiómkine”. Em 2014, os nazis da Junta que o golpe imperialista instalou na Ucrânia cometeram mais um hediondo massacre na cidade, assassinando e queimando vivas dezenas de pessoas. A tresloucada agressão imperialista em marcha mostra a cada dia a face criminosa e bárbara. E nem os grandes media ao seu serviço podem já ocultá-la.

Nas redes sociais começam a aparecer as primeiras informações acerca da filiação política das vítimas da carnificina na zona do “campo de Kulikovo” que os activistas de “Praviy Séktor” em Odessa organizaram ontem. A maioria dos que ontem foram queimados vivos pertencia a organizações de esquerda, ao Partido Comunista e ao “Borotba”.
“A “druzhina” de Odessa continua viva. Há feridos, detidos, gente que passou à clandestinidade, mas não parece que haja mortos. As organizações de esquerda, PCU e “Borotba”, foram quem mais sofreu. São na sua maioria membros seus os que foram queimados na Casa dos Sindicatos”, informam os utilizadores das redes sociais.
Aqueles que sobreviveram na Casa dos Sindicatos são sujeitos a prisão preventiva, acusados de terrorismo e separatismo, informa o utilizador @pmzher
Todas essas fábulas sobre supostos agentes russos entre os queimados que os media ucranianos difundem são desmentidas pelas Forças da Ordem de Odessa e pelos registos que mostram que os falecidos tinham documentação ucraniana.
Uma vez extinto o incêndio no edifício da Federação regional dos Sindicatos foram encontrados 36 corpos de falecidos, informa o serviço de imprensa da Direcção Geral da Protecção Civil da região de Odessa.
A informação é de que, no total, após os confrontos entre “Praviy Sektor” e militantes “anti-Maidán”, há 43 falecidos e 174 feridos entre os partidários da federalização.
Um dos sobreviventes: “Encurralaram-nos dentro do edifício e fecharam todas as vias de saída”
O redactor de “Antifascista” conseguiu pôr-se em contacto telefónico com um dos activistas no campo de Kulikovo, que sobreviveu milagrosamente ao terrível incêndio ateado pelos assassinos da Junta no edifício da Casa dos Sindicatos de Odessa. Yuri, este alferes da reserva de 49 anos, várias horas passadas, continua em estado de choque e dá graças a Deus por ter podido regressar do inferno.
Nas palavras de Yuri, em Kulikovo no momento dos confrontos com os “cães” de Praviy Séktor”, não estavam mais de 250 companheiros. Esse número incluía cerca de três dezenas de jovens do serviço de segurança; o resto eram naturais de Odessa de meia-idade e pessoas de idade avançada, entre os quais muitas mulheres.
“Após os confrontos na rua Gréchaskaya e na praça Sobornaya, os fascistas começaram o ataque no campo de Kulikovo. Eram milhares. As forças eram claramente desiguais e para além disso nós não tínhamos qualquer tipo de arma. Vimo-nos obrigados a retroceder e a refugiar-nos na Casa dos Sindicatos, que se encontrava próximo. Tudo o que sucedeu depois é algo que não me cabe na cabeça”, prossegue a voz trémula da testemunha.
Segundo Yuri, dispararam contra ele com armas de fogo e pistolas de ar comprimido. “O jovem que tinha a meu lado foi um dos primeiros a cair. Encurralaram-nos dentro do edifício e fecharam todas as vias de saída. Eu vim dar à ala direita do terceiro piso. Éramos umas dez pessoas num compartimento. Os nazis de Praviy Séktor começaram a lançar cocktails molotov e a disparar contra as janelas. O primeiro piso estava em chamas e estas iam subindo. O fumo invadia os corredores. Não havia forma de sair. Houve quem saltasse das janelas. Lá em baixo acabavam de os matar. Ouviam-se gritos de “Slava Ukrainie” e “Smiert vragam” (gloria à Ucrânia, morte aos inimigos) …Era um autêntico inferno. Chegaram os bombeiros e começaram a extinguir o primeiro piso…”, relata a testemunha.
Com dificuldade consegue recordar o que fez depois. “Todos à volta estavam a asfixiar, no edifício ouviam-se gritos de desespero e súplicas pedindo compaixão…
Recordo como despi o fato camuflado, e o jovem “à civil” que tinha ao lado deu-me uma camisola desportiva. Lançámo-nos ao corredor, tropeçando nos cadáveres. Havia una grande quantidade, não saberia dizer quantos, mas muitos…estava tudo às escuras, alguma coisa rangia em volta. Chegámos como zombies à escada de incêndio do 1º piso. Nem sei como o conseguimos. No 1º piso o fogo já tinha sido controlado. Junto à saída de emergência vimos vários nazis. Estavam a fazer-se de foliões e quando nos mandaram parar, respondemos-lhes: “eh rapazes, somos dos vossos”. Fosse pelo que fosse não quiseram averiguar mais. Pelo visto tinham outras tarefas encomendadas… Conseguimos assim sair para o exterior e, sem nada que nos identificasse, confundir-nos entre a multidão…”, relata Yuri.
“Perdemos essa batalha porque não estávamos preparados nem organizados. Mas todos os caídos em Kulikovo são uns heróis. Enfrentaram uma morte certa. É o Kátyn de Odessa… quando pude respirar e voltar a mim (estalava-me a cabeça, apenas podia falar), marquei o número do meu amigo que estava no edifício da Casa dos Sindicatos, em algum dos pisos inferiores…alguém atendeu e disse que estava morto…nunca esquecerei este horror…” resumiu o nosso interlocutor e pusemos fim à entrevista, enquanto nos dizia que ia continuar a ligar para todos os companheiros dos quais possui o número de telefone, para tentar averiguar quem sobreviveu.

sábado, 3 de maio de 2014

Noam Chomsky: o pânico dos EUA sobre a Crimeia se dá pelo medo de perder a dominação global | Portal Fórum

A linha vermelha dos EUA está firmemente localizada nas fronteiras russas… E a anexação da Crimeia a violou



Por Noam Chomsky, em Alternet | Tradução: Vinicius Gomes




A atual crise na Ucrânia é séria e perigosa, tanto, que até alguns
comentaristas chegam a compará-la com a Crise dos Mísseis Cubanos de
1962.
A colunista Thanassis Cambanis resume
o problema central da questão sucintamente no Boston Globe: “A anexação
da Crimeia por Putin é uma quebra na ordem a qual os EUA e seus aliados
vieram a depender desde o fim da Guerra Fria – notoriamente, uma na
qual as maiores potências apenas interveem militarmente quando eles
contam que o consenso internacional esteja do lado deles; se isso não
acontecer, que ao menos eles não atravessem a “’linha vermelha” de uma
potência rival.
Assim sendo, o maior crime internacional de nossa era: a invasão do
Iraque por parte dos EUA e Reino Unido, não foi uma quebra nessa ordem
mundial, pois quando falharam em contar com o apoio internacional, os
agressores não atravessaram as linhas vermelhas da Rússia ou da China.
Em contraste, a tomada da Crimeia por Putin e suas ambições na Ucrânia, atravessaram as do norte-americanos.
Consequentemente, “Obama está focado em isolar a Rússia de Putin ao
cortar os laços econômicos e políticos com o resto do mundo; limitando
suas ambições expansionistas em sua própria vizinhança e, tornando-a
efetivamente, em um Estado pária”, escreveu Peter Baker no New York
Times.
As linhas vermelhas dos EUA, em resumo, estão localizadas nas
fronteiras russas, o que faz com que as ambições russas “em sua própria
vizinhança” violem a ordem mundial e criem uma crise.
Esse argumento é generalizador. Outros países também possuem suas
linhas vermelhas, que são suas fronteiras. Mas isso não aplicado ao
Iraque, por exemplo, ou até mesmo o Irã – onde os EUA continuam a
ameaçar com um ataque (“nenhuma opção está descartada).
Tais ameaças violam não apenas a Carta das Nações Unidas, mas também a
resolução da Assembleia Geral condenando a Rússia, a qual os EUA
acabaram de assinar. A resolução começa dizendo que a Carta da ONU bane a
“ameaça ou o uso da força” em assuntos internacionais.
A crise dos mísseis em Cuba também revelou as linhas vermelhas das
grandes potências. O mundo chegou perigosamente próximo a uma guerra
nuclear quando o presidente Kennedy rejeitou a oferta do premiê Kruschev
em acabar a crise ao simultaneamente retirarem seus mísseis de Cuba
junto com os dos EUA instalados na Turquia. (Os mísseis norte-americanos
já estavam agendados para serem substituídos pelos muito mais letais
submarinos Polaris, sendo parte de um maciço sistema ameaçando a Rússia
com destruição).
Nesse caso também, as linhas vermelhas dos EUA estavam nas fronteiras russas e isso era aceito amplamente.
A invasão dos EUA na Indochina, assim como a invasão do Iraque, não
cruzou linha vermelha alguma; assim como muitas ações predadoras dos EUA
ao redor do mundo.
Sobre a atual situação, o professor de Oxford, Yuen Foong Khong
explica que existe uma “longa tradição no pensamento estratégico dos
norte-americanos: sucessivas administrações têm enfatizado que o
interesse vital dos EUA é evitar a existência de uma hegemonia hostil –
no caso, a Rússia – de dominar qualquer outra região importante do
mundo.
Além disso, é normalmente aceito que os EUA devem “manter sua
predominância”, pois “foi a hegemonia dos EUA que manteve a paz e a
estabilidade ao redor do muno” – sendo que a última parte pode ser
traduzida como: subordinação às exigências norte-americanas.
Como era de se esperar, o mundo pensa de maneira diferente, e considera que os EUA que são um “Estado pária” e a “maior ameaça à paz no mundo”, com nenhum outro competidor chegando perto nas pesquisas. Mas afinal, o que o mundo sabe?
O artigo de Khong também fala sobre a crise na Ásia, causada pelo
crescimento da China, que cada vez mais se aproxima de se tornar a
“maior economia da Ásia”, e assim como a Rússia, tem “ambições
expansionistas em sua própria vizinhança”, cruzando também as linhas
vermelhas dos EUA.
A recente viagem do presidente Obama à Ásia foi para afirmar a “longa tradição” dos EUA, mas em um linguajar diplomático.
A condenação quase universal de Putin para com o Ocidente inclui seu
discurso emocionado no qual ele reclamou amargamente que os EUA e seus
aliados “os enganou várias vezes, tomaram decisões por suas costas, e
apresentaram fatos completamente mentirosos sobre a expansão da OTAN em
direção ao leste, com instalações e infraestruturas militares nas
fronteiras russas”. E sempre a mesma conversa era: “Bem, isso não
envolve vocês”.
As queixas de Putin são de fato precisas. Quando o presidente
Gorbachev aceitou a unificação da Alemanha como parte da OTAN – uma
surpreendente concessão histórica – foi acordado com Washington que a
OTAN não se moveria um centímetro para o leste, se referindo à Alemanha
Oriental.
A promessa foi imediatamente quebrada e quando Gorbachev reclamou,
ele foi instruído apenas à fazer isso verbalmente, sem o uso da força.
O presidente Clinton continuou com a expansão da OTAN para muito mais
ao leste, até às fronteiras russas. Hoje, existem pedidos para que a
OTAN se estenda até à Ucrânia, indo à fundo na “vizinhança” histórica da
Rússia. Mas isso não “envolver os russos”, pois a responsabilidade de
“manter a paz e segurança” exige que as linhas vermelhas dos EUA estejam
nas fronteiras russas.
A anexação russa da Ucrânia foi uma ação ilegal, que violou a lei
internacional e tratados específicos. Mas não é fácil encontrar nada
comparável nos últimos anos com um crime ainda maior como foi a invasão
do Iraque.
Mas um exemplo próximo seria o controle norte-americano da Baía de
Guantánamo, no sudeste de Cuba; Guantanamo foi tirada de Cuba à força e
não foi devolvida desde então, apesar das frequentes exigências dos
cubanos desde que obtiveram sua independência em 1959.
Mesmo assim, a Rússia tem um ponto muito mais forte. Mesmo se
desconsiderar um forte apoio interno pela anexação, a Crimeia é
historicamente russa: ela tem o único porto em águas quentes, é o lar da
frota russa e possui enorme significância estratégica. Os EUA não
possui qualquer argumento por Guantanamo exceto seu monopólio de força.
Uma razão de os EUA se recusarem a devolve-la à Cuba é,
presumivelmente, ser uma grande maneira dos norte-americanos controlarem
a região – prejudicando severamente o desenvolvimento cubano. Essa é
uma das principais políticas dos EUA e um de seus grandes objetivos há
50 anos, incluindo uma guerra econômica e de terror, em larga escala.
Os EUA alegam que ficam chocados com as violações dos direitos
humanos em Cuba, esquecendo-se de suas próprias violações em Guantánamo –
fazendo com que as válidas acusações contra Cuba não possam ser
comparadas com as práticas regulares dos aliados norte-americanos na
América Latina; e que Cuba tem estado sobre ataque severo dos EUA desde
sua independência.
Mas nenhuma dessas violações cruzam linha vermelha alguma ou causa
alguma crise. Elas caem na categoria de invasões norte-americanas na
Indochina e Iraque; a derrubada constante de regimes parlamentares e a
instalação de ditaduras criminosas e nosso hediondo histórico de outros
atos para “garantir a paz e a estabilidade”.

A mais poderosa "organização" sobre a qual você jamais ouviu falar | Revista Fórum Semanal


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Acadêmico britânico investigou como cada vez mais
países do mundo todo estão se baseando em recomendações internacionais
para aprovar leis “antiterrorismo” repressivas que negligenciam os
direitos humanos 



Por Vinicius Gomes


ben
Hayes: ‘Dar as notas máximas para os seus piores alunos’ (foto: tni.org)
Ben Hayes tem trabalhado com organizações de liberdades civis desde
1996 e é especialista em segurança internacional e em de políticas
públicas de segurança. Um dos seus principais estudos é acerca do
impacto que a Força-Tarefa de Ação Financeira (FATF, sigla em inglês) tem na sociedade civil e organizações sem fins lucrativos.


Os países sujeitos aos requerimentos da FATF, no que concerne ao
combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento terrorista, devem
introduzir leis criminais específicas sobre bloqueio de contas
bancárias, retenção de dados, regulamentações na indústria do serviço
financeiro e a cooperação internacional – tudo com a FATF guiando. Os
países participantes passam por rigorosas avaliações de suas políticas
nacionais e sistemas judiciários que analisam o quanto estes estão
cumprindo as recomendações da FATF. A recompensa que o FATF garante
àqueles que as cumprem é o “carimbo” confirmando o país como um lugar
seguro para se realizar negócios.


Quanto mais recomendações adotadas (leia-se: quanto mais repressiva
forem as leis), melhor a pontuação do país, de acordo com Hayes, o
resumo seria: “Dar as notas máximas para os seus piores alunos”.


Fórum – Fale um pouco sobre aquela que você chamou de “a mais poderosa organização da qual nunca ouvimos falar”.


Ben Hayes - Sim, eu a chamo assim, mas, na realidade, a FATF
nem chega a ser uma organização como a palavra pode sugerir. Ela não tem
diretor, ou sede e coisas assim. Bem, de qualquer maneira, tudo começou
durante a década de 1990, quando os países do G7 criaram essa
força-tarefa que escreveu 40 recomendações para o combate à lavagem de
dinheiro ao redor do planeta. Os países que seguiam essas recomendações
em suas legislações recebiam notas e eram reconhecidos como “detentores
de boa governança” – no sentido global. Então, funcionários do FMI ou do
Banco Mundial passavam relatórios dizendo que o país X era um bom local
para se investir, era seguro, entre outras coisas, pois prezava pelo
combate à lavagem de dinheiro de cartéis de drogas ou outras
organizações criminosas. O que acontece é que, depois do 11 de Setembro,
criaram-se mais nove recomendações – essas específicas para o combate
ao financiamento ao terrorismo.


Fórum – E quando isso passou a ser ruim?


Hayes - Bem, basicamente pelo fato de a FATF não prestar
contas a ninguém e passar a exigir cada vez mais que os países
signatários aplicassem leis mais rigorosas no combate ao financiamento
ao terrorismo. Funcionaria mais ou menos assim:  de um lado, se os
países se recusam a cooperar – vamos dizer, por não terem a intenção ou
necessidade de criar uma lei “antiterrorismo”, por exemplo –, a FATF
chega e diz: ‘Nós vamos te colocar na lista negra’. Se você é colocado
na lista negra, isso pode ser um grande problema. Eles exercem pressão
na comunidade internacional para que todos digam “você deve fazer isso”.
As notas para os países que seguem as recomendações vão de ‘Não
Cumprido’/'Parcialmente Cumprido’/'Amplamente Cumprido’ e ‘Cumprido’.
Então você tem 40 notas diferentes que em seguida são transformadas em
uma média e daí vem o seu resultado final. E você tem o caso de que
alguns países estão desesperados para receber uma avaliação boa. Quando
isso não acontece, a FATF usa o relatório para apontar que lei eles
devem “melhorar” e o país tem de mostrar o progresso, dizendo ‘olha, foi
isso que nós fizemos’. E o que temos testemunhado são algumas leis bem
repressivas a respeito.


Então, como eu disse, tudo começou com lavagem de dinheiro, mas com o
11 de Setembro vieram essas nove novas recomendações sobre terrorismo –
que envolvem, em muito, a implementação das resoluções da ONU em
contraterrorismo. Principalmente a Resolução 1373.
De qualquer maneira, duas dessas nove recomendações da FATF são
particularmente contenciosas: uma é sobre organizações sem fins
lucrativos e outra é sobre grupos terroristas na lista negra – que
basicamente querem dizer que os países devem criar suas listas de
terroristas domésticos.


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Fórum – Qual o maior exemplo disso?  


Hayes - Ah, a Turquia… A Turquia é o maior lugar no mundo onde
se realizam operações antiterroristas nos últimos 20 anos. A Turquia já
prendeu mais pessoas sob sua legislação antiterrorista que qualquer
outro país no mundo: jornalistas, advogados, ativistas curdos, políticos
da oposição, entre outros. Uma legislação antiterrorista extremamente
repressiva e, pouco tempo atrás, a Turquia foi avaliada pela FATF,
certo? E a FATF disse que eles não tinham uma lei para o congelamento de
contas bancárias por suspeita de terrorismo, e eles dizem que, se a
Turquia não aprovar uma lei assim, eles irão para a lista negra. O
governo turco vem e responde que eles não precisam implantar uma lei
dessa, mas o que aconteceu é que o ministro da Justiça turco foi ao
Parlamento e disse aos outros parlamentares: ‘Escutem, eu sei que vocês
não gostam dessa lei. Eu sei que vocês acham que nós não precisamos
dela, mas, se não a aprovarmos, isso afetará a ajuda e o comércio do
país. O suprimento de dinheiro entrando no país será prejudicado e isso
atingirá nossa economia, então, por favor, tapem o nariz e votem’.


Eles aprovaram a lei e, no dia seguinte, a Fitch, uma agência de classificação de risco de países, emitiu uma nota elogiando
a adoção do governo turco em sua lei antiterrorista sobre congelamento
de bens. Quero dizer, isso te faz pensar sobre se é assim que leis estão
sendo criadas – especialmente leis para o combate ao terrorismo… Se
isso aconteceu em um país como a Turquia, que tem seus problemas, mas é
de fato democrática, o que pode acontecer com países que têm problemas
verdadeiros com o estado de direito? E os governos que dizem que não
sabem como criar essas leis, eles [FATF] dizem: ‘Sem problemas, nós a
escrevemos para você’. Então é a basicamente assim que as leis
antiterroristas têm se espalhado pelo mundo.


'A Turquia já prendeu mais pessoas sob sua legislação antiterrorista que qualquer outro país no mundo' (foto: anarquista.net)
A Turquia já prendeu mais pessoas sob sua legislação antiterrorista que qualquer outro país no mundo’ (foto: anarquista.net)
Fórum – Mesmo com o fato de que muitos países não possuírem provas de atividades terroristas em seu território? 


Hayes - Mesmo assim. A FATF não trabalha sozinha, certo?
Existem outras convenções, como a da ONU, que diz que todos os países
devem se ajudar na luta contra o terrorismo, e isso é algo que eu ouvi e
não tenho provas por escrito, mas eu de fato já ouvi que os avaliadores
– os caras cujo trabalho é supervisionar a implantação dessas
recomendações, vão aos países e dizem: ‘Certo,
vocês têm de criar uma lista de terroristas’; e o país diz que não tem
qualquer grupo terrorista ali. Os avaliadores não querem saber, a FATF
diz para eles lhes darem nomes, ‘vocês têm de ter alguns nomes para que
possamos colocar na lista e congelar suas contas bancárias
‘,
diriam eles. E para mim – isso como um veículo para se espalhar essas
leis – é algo maluco, porque, primeiro: poucas pessoas estão cientes de
que isso está de fato acontecendo; segundo: quando o Estado propõe essas
leis, ninguém sabe de onde elas estão vindo.



No mês passado, no Sri Lanka, diversos ativistas tâmeis fizeram
denúncias contra o governo por crimes de guerra. No dia seguinte, o
governo do Sri Lanka colocou 429 nomes em sua lista de terroristas domésticos
e, de acordo com a Resolução 1373, todos os países devem ajudar o Sri
Lanka, seja os impendido de viajar, de realizar transações bancárias
internacionais, ou qualquer outra coisa. Então nós temos esse conjunto
de leis extremamente repressivas sendo recomendadas ao redor do mundo
por alguém que não presta contas a ninguém. Não estou dizendo que não
existe um problema com terrorismo no mundo, porque existe e a comunidade
internacional deve trabalhar unida para lidar com isso, mas, se você
olhar para o regime da FATF e suas recomendações, não existe uma só
frase que diga de maneira significativa: “Isso é como você protege os
direitos humanos; isso é como você protege o direito a um julgamento
justo; à liberdade de associação; à liberdade de expressão etc. Não há
nada que diga como evitar que essas leis sejam abusadas por governos
repressivos e isso para mim é o maior problema. Nós tivemos isso em
países democráticos, nós tivemos grandes problemas com a maneira que
essas leis foram aprovadas e implantadas, como no Reino Unido, nos EUA,
na Turquia ou Austrália – e você leva essas leis para partes
democráticas do globo e as forças a serem adotadas. É como dar um cheque
em branco para a repressão.


Fórum – No Brasil, temos tido um debate sobre a aprovação de uma
Lei Antiterrorismo também. Você acredita que a FATF tenha algo a ver?



Hayes - Não, eu acho que isso não tem conexão com a FATF,
porque ela é sobre o financiamento ao terrorismo. Eu acho que, aqui no
Brasil, isso se trata apenas de uma maneira óbvia de pisar em cima de
protestos, pois, assim como na Europa, antes do 11 de Setembro, você
tinha seis ou sete países com uma legislação antiterrorista. Depois
disso, a União Europeia veio com todas essas leis e muitos países
adotaram – até mesmo países europeus, que nunca tiveram experiência
alguma com terrorismo.


Mas de qualquer jeito, todos esses atos terroristas são crimes mesmo
assim. Mesmo que você exploda um banco, ou um jornalista morra, como
aconteceu aqui, tudo isso já são crimes. Você não precisa de uma
legislação específica para lidar com isso, pois o que essas leis
antiterroristas dão são poderes para a polícia ou o governo irem além da
lei criminal já existente, certo? Elas são usadas para banir
organizações com financiamento internacional – ou não -, para prender
preventivamente, prendendo pessoas por mais tempo do que o necessário e
sem qualquer justificativa ou acusação para tal. Então, em minha
experiência, muitas dessas leis são usadas como um sistema judiciário
secundário – dispensando muitas das leis criminais vigentes, algo como
dizer: ‘Isso é terrorismo, então nós temos esses poderes extras’, e
acredito que esse seja o caso do Brasil.


Fórum – Você comentou sobre banir organizações com financiamento
internacional. Há poucos meses, a Venezuela foi palco de uma série de
protestos de rua, onde o governo as acusou de terem financiamento
norte-americano com fins golpistas. Como um país “antagonista” dos EUA,
por exemplo, lida com essa questão de interferência sem cair na tentação
da repressão?





Hayes - É uma questão difícil… E eu entendo… Veja, eu não nego
que isso aconteça – que algumas ONGs sejam usadas por países
estrangeiros –, nós temos o mesmo argumento na Ucrânia, certo? Os russos
dizem que tudo isso foi programado pela Europa ou ONGs estrangeiras e
isso é complicado.


Eu não vou dizer que toda ONG que receba dinheiro da UE e da Usaid,
por exemplo, seja agente dos EUA ou da Europa – isso é absurdo. Eles de
fato financiam trabalho pró-democracia, defesa dos direitos humanos, sem
qualquer segunda intenção – mas, ao mesmo tempo, eu não vou dizer que
os EUA não tenham uma agenda política, quando falamos de países como a
Venezuela… É difícil.


O que eu de fato sei é que em qualquer lugar do mundo onde os países
passaram a adotar leis que dizem ‘nós temos que tomar um cuidado extra
com ONGs, nós temos de impor limites ao financiamento estrangeiro’ ou
qualquer coisa do gênero, essas leis, invariavelmente prejudicavam ONGs
que realmente fazem parte de movimentos sociais locais também, e isso é
fato. A realidade é que se você quer desafiar a corrupção, ou fazer
trabalho para direitos humanos ou pró-democracia – de uma maneira
organizada – onde essas questões são um grande problema, é frequente os
casos onde o financiamento estrangeiro é a única esperança deles para
sobreviver como uma ONG.


Nós vimos a mesma coisa na Índia: eles possuem uma regulação
extremamente restritiva chamada Regulação da Contribuição Estrangeira,
que foi adotada pela Indira Gandhi em 1976, pois ela estava preocupada
com o dinheiro entrando no país para financiar a oposição – essa lei é
utilizada hoje e foi recentemente atualizada, e está sendo usada contra
qualquer movimento social; como nos protestos maciços contra uma usina nuclear de uma joint venture
da Índia com a Rússia. Protestos maciços, centenas de milhares de
pessoas, manifestantes pacíficos, correntes humanas, todas essas coisas
e, de repente, começaram a atirar nas pessoas e 700 organizações – todas
as quais recebiam algum tipo de financiamento estrangeiro, seja se
viesse da Finlândia ou dos EUA – tiveram de uma só vez, sua permissão
para trabalhar revogadas, suas contas bancárias congeladas, escritórios
invadidos e, eu não vou dizer que os Estados não tenham o direito de
combater ações de influência estrangeira, pois elas existem, mas nós
também temos que ter o cuidado ao dizer que isso seja sempre legítimo.


Em minha experiência, os movimentos sociais também estão sendo
colocados no mesmo saco e isso está se tornando um pretexto para os
governos acabarem com qualquer um que proteste contra eles. Nos velhos
dias, eles [os governos] simplesmente vinham, te batiam e te jogavam na
cadeia; nesse mundo globalizado, temos todas essas novas medidas
burocráticas e financeiras que servem ao mesmo propósito: se você pode
congelar os bens de uma organização e invadir o seu escritório, isso tem
o mesmo efeito amedrontador, só que sem a violência.


Colabore
com o que o cabe no seu bolso e tenha acesso liberado ao conteúdo da
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Fórum – E considerando que alguns dos países com as leis mais repressivas são aliados de países do Ocidente? 


Hayes - Eu suponho que isso seja uma questão de política
externa. Quer dizer, há pouco tivemos o Tony Blair dando esse discurso
no qual dizia o que temos de fazer no Oriente Médio e se observa como ele mudou de lado na situação da Síria:
ele costumava apoiar os rebeldes sírios e agora apoia a participação de
Assad – dizendo que esse é o menos pior dos males – e continuou como se
estivesse em uma cruzada neoconservadora, chamando o extremismo
islâmico de a maior ameaça que nós temos no mundo hoje em dia, mas não
diz uma palavra sobre a Arábia Saudita: o mais brutal dos regimes e um
dos maiores patrocinadores desse mesmo extremismo islâmico. Digo, países
como EUA e Reino Unido pregam uma coisa sobre direitos humanos e
aplicam esse discurso de maneira muito seletiva. Extremamente seletiva.


Fórum – Como no Egito. 


Hayes - Exato.


Fórum – Centenas de pessoas sentenciadas à morte em um julgamento de 40 minutos. 


Hayes - Exato. E agora nós os apoiamos – foi um bom “golpe”.
Mas você sabe, a hipocrisia é a marca padrão na diplomacia ao redor do
planeta, desde que mundo é mundo. E então, é isso o que nós temos
tentado trabalhar em um nível internacional, você tem todos esses
discursos sobre dar poder à sociedade civil, sempre usando a Primavera
Árabe como exemplo, e um financiamento maciço pelos EUA e Europa a esses
movimentos; mas de outro lado, você cria um ambiente desestabilizador
para essa mesma sociedade civil por conta dessas recomendações da FATF.
Então o que temos tentado fazer é equilibrar essa balança e tendo
conversas com os governos dos EUA e da Europa.




'Vocês acabaram de ter o Marco Civil aprovado e, nessa nova lei, um dos maiores debates era sobre a retenção de dados e por quanto tempo as teles deveriam reter informações sobre seus clientes (foto: Roberto Stucker Filho/PR)
‘Vocês
acabaram de ter o Marco Civil aprovado; um dos maiores debates era
sobre a retenção de dados e por quanto tempo as teles deveriam reter
informações sobre seus clientes’ (foto: Roberto Stucker Filho/PR)
Fórum – E hoje, 2014, um contexto de vigilância em massa e retenção de dados por governos, o que mudou?




Hayes - Sim, algo que eu deveria ter comentado antes sobre a
FATF é que quando eu comecei a pesquisar sobre o efeito das
recomendações deles nas organizações sem fins lucrativos, alguns anos
atrás… Bem, hoje estamos em um contexto pós-Snowden, certo? Toda a
questão de vigilância acontecendo e vocês acabaram de ter o Marco Civil
aprovado e, nessa nova lei, um dos maiores debates era sobre a retenção
de dados e por quanto tempo as teles deveriam reter informações sobre
seus clientes; acredito que aqui no Brasil são seis meses, certo? Na
União Europeia, o debate é sobre ser dois anos ou não. Enfim, a questão é
que levando esse tópico para os padrões da FATF, as informações
financeiras, todos os dados dos clientes, todas as informações que você
dá quando abre uma conta no banco e todas suas transações, devem ser
retidas por 5 anos – e isso em todo o planeta.


E não existe qualquer regra dizendo: ‘Bem, e se os governos quiserem
acessar esses dados, eles precisariam de um mandato? Eles precisam
recorrer a um juiz?’ Então, nós temos esse problema com vigilância em
massa e retenção de dados na Europa, com o debate sobre dois anos acerca
dos dados de comunicações – mas e quanto aos dados financeiros?


Outro ponto: uma das coisas que o FATF fez com os bancos é que eles
praticamente os tornaram delegacias de polícia. Os bancos têm uma
obrigação legal de reportar qualquer transação financeira suspeita e
isso gera pelo menos 1 milhão de relatórios diferentes – só em Londres –
todos os anos. Nos EUA, o número chega a 50 milhões de relatórios. O
que acontece é esse acúmulo gigantesco de informações e nós não sabemos o
que acontece com esses dados; para onde eles vão, o que é feito com
eles ou para o que eles são usados. Essa vigilância em massa
indiscriminada é compatível com os direitos humanos, por exemplo?


Fórum – E está funcionando? 


Hayes - Essa é a pergunta: está funcionando? Bem, nós temos
todos esses filtros para controle de lavagem de dinheiro e financiamento
de terrorismo, mas de repente acontece uma transação que envolve, sei
lá, metade do PIB do Burundi e talvez um funcionário vá até seu chefe
para reportar e ouve um ‘Esqueça isso, não faça nada’ – o que geralmente
acontece com cartéis de drogas, por exemplo. Então essa é a pergunta
que deveríamos estar fazendo: o sistema é funcional para o seu
propósito, ou tem consequências imprevistas?


Estão criando um sistema que deveria ir atrás do 1%, certo? Aquele
dos bilhões suspeitos, mas eles estão indo para cima de todo mundo –
movimentos sociais, ONGs e manifestantes -, enquanto esse 1% está indo
muito bem, obrigado. E o crime organizado continua lucrando, a corrupção
continua subindo, a evasão fiscal está em alta e então, 25 anos depois,
eles deveriam perguntar: isso realmente está funcionando?


terça-feira, 29 de abril de 2014

Silvio Tendler apresenta “O veneno está na mesa 2″ – Escrevinhador

Silvio Tendler apresenta “O veneno está na mesa 2″


No Youtube
Direção: Silvio Tendler
Após impactar o Brasil mostrando as perversas consequências do uso de agrotóxicos em O Veneno está na Mesa, o diretor Sílvio Tendler apresenta no segundo filme uma nova perspectiva. O Veneno Está Na Mesa 2 atualiza e avança na abordagem do modelo agrícola nacional atual e de suas consequências para a saúde pública.
O filme apresenta experiências agroecológicas empreendidas em todo o Brasil, mostrando a existência de alternativas viáveis de produção de alimentos saudáveis, que respeitam a natureza, os trabalhadores rurais e os consumidores.
Com este documentário, vem a certeza de que o país precisar tomar um posicionamento diante do dilema que se apresenta: Em qual mundo queremos viver? O mundo envenenado do agronegócio ou da liberdade e da diversidade agroecológica?

Realização: Caliban Cinema e Conteúdo

Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida
Fiocruz
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Bem Te Vi
Cineclube Crisantempo
Leia outros textos de Plenos Poderes

Os barões da banca e da droga - Carta Maior

Os barões da banca e da droga

Na última década, o HSBC colaborou com os cartéis da droga do México e da Colômbia na lavagem de dinheiro num montante de cerca de 880 bilhões de dólares.


Eric Toussaint
Arquivo

O caso do banco britânico HSBC constitui um exemplo suplementar da doutrina «demasiado grandes para serem encarcerados». Em 2014, o grupo mundial HSBC emprega 260.000 pessoas, está presente em 75 países e declara 54 milhões de clientes.

No decurso do último década, o HSBC colaborou com os cartéis da droga do México e da Colômbia – responsáveis por (dezenas de) milhares de assassinatos com armas de fogo – na lavagem de dinheiro num montante de cerca de 880 bilhões de dólares.

As relações comerciais do banco britânico com os cartéis da droga perduraram, apesar das dezenas de notificações e avisos de diversas agências governamentais dos EUA (entre as quais o OCC - Office of the Comptroller of the Currency).

Os lucros obtidos não só levaram o HSBC a ignorar os avisos, mas, pior ainda, a abrir balcões especiais no México, onde os narcotraficantes podiam depositar caixas cheias de dinheiro líquido, para facilitar o processo de lavagem.

Apesar da atitude abertamente provocatória do HSBC contra a lei, as consequências legais da sua colaboração directa com as organizações criminais foram praticamente nulas. Em Dezembro de 2012, o HSBC teve de pagar uma multa de 1900 milhões de dólares – o que equivale a uma semana de receitas do banco – para fechar o processo de lavagem.

Nem um só dirigente ou empregado foi sujeito a procedimento criminal, embora a colaboração com organizações terroristas ou a participação em actividades ligadas ao narcotráfico sejam passíveis de cinco anos de prisão. Ser dirigente de um grande banco dá direito a carta branca para facilitar, com total impunidade, o tráfico de drogas duras ou outros crimes.

O International Herald Tribune (IHT) fez uma reportagem sobre os debates realizados no departamento de Justiça. Segundo as informações obtidas pelo jornal, vários procuradores pretendiam que o HSBC se declarasse culpado e reconhecesse ter violado a lei que o obriga a informar as autoridades sobre a ocorrência de transações superiores a 10.000 dólares identificados como tendo origem duvidosa. Daí resultaria a cassação da licença bancária e o término das actividades do HSBC nos EUA. Após vários meses de discussão, a maioria dos procuradores tomou outro rumo e decidiu que melhor seria não processar o banco por atividades criminosas, pois era necessário evitar o seu encerramento. Convinha mesmo evitar manchar demasiado a sua imagem.
 
A modesta multa de 1900 milhões de dólares é acompanhada duma espécie de liberdade condicionada: se, entre 2013 e 2018, concluírem que o HSBC não pôs fim definitivo às práticas que originaram a sanção (não é uma condenação), o Departamento de Justiça poderá reabrir o processo. Em resumo, a medida pode resumir-se assim: «Anda, meu patife, passa para cá uma semana do teu ordenado, e não voltes a repetir a brincadeira nos próximos cinco anos». Aí está um belo exemplo de «demasiado grande para ser condenado».

Em Julho de 2013, numa das reuniões da comissão senatorial que investigou o caso HSBC, Elizabeth Warren, senadora democrata do Estado de Massachusetts, apontou o dedo a David Cohen, representante do Ministério das Finanças e subsecretário responsável pela luta contra o terrorismo e a espionagem financeira.
 
A senadora disse, grosso modo, o seguinte: «O governo dos EUA leva muito pouco a sério a lavagem de dinheiro (…) É possível encerrar um banco que se dedica ao lavagem de dinheiro, as pessoas envolvidas podem ser interditas de praticar uma profissão ou actividade financeira e toda a gente pode ser mandada para a prisão. Ora, em Dezembro de 2012, o HSBC (…) confessou ter lavado 881 bilhões de dólares dos cartéis mexicanos e colombianos da droga; o banco admitiu igualmente ter violado as sanções. O HSBC não o fez apenas uma vez, é um procedimento recorrente. O HSBC pagou uma multa mas nenhuma pessoa foi banida do comércio bancário e não se ouviu falar dum possível encerramento das actividades do HSBC nos EUA. Gostaria que respondesse à seguinte questão: quantos bilhões de dólares um banco tem de lavar, antes de se considerar a possibilidade de encerrar a prática?»
 
O representante do Tesouro acusou o golpe, respondendo que o processo era demasiado complexo para permitir uma conclusão. A senadora declarou a seguir que quando um pequeno vendedor de cocaína é apanhado, fica uns quantos anos na prisão, enquanto um banqueiro que lava bilhões de dólares de droga pode regressar tranquilamente a casa, sem receio da Justiça. Esta passagem da audiência está disponível em vídeo e vale a pena vê-la. (ver abaixo)


 

 
A biografia de Stephen Green ilustra bem a relação simbiótica entre a finança e a governança. A coisa vai ainda mais longe, pois ele não se contentou em servir os interesses do grande capital, enquanto banqueiro e ministro; é também prior da igreja oficial anglicana e escreveu dois livros sobre ética e negócios, um dos quais intitulado «Servir a Deus? Servir a Mamom?». O título do livro remete para o Novo Testamento. «Ninguém pode servir dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao Mamom». Mamom representa a riqueza, a avareza, o lucro, o tesouro. Encontramos esta palavra em aramaico, hebraico e fenício. Por vezes Mamom é usado como sinónimo de Satã. Quanto a Stephan Green, é elogiado pelas mais altas autoridades universitárias e é manifestamente intocável.

Passemos em revista alguns elementos da sua biografia. Começa a sua carreira no ministério britânico do Desenvolvimento Ultramarino, depois passa para o setor privado e trabalha para o consultor internacional McKinsey. Em 1982 é contratado pelo HSBC (Hong Kong Shanghai Banking Corporation), o mais imporrtante banco britânico, onde ascende rapidamente a funções de alta responsabilidade. Finalmente, em 2003, torna-se director executivo do HSBC e em 2006 acede à presidência do grupo, onde permanece até 2010.

As acusações feitas pelas autoridades americanas em matéria de lavagem de 881 bilhões de dólares do dinheiro dos cartéis da droga e de outras organizações criminosas dizem respeito ao período 2003-2010. Segundo o relato das 334 páginas tornadas públicas por uma comissão do Senado norte-americano em 2012, Stephan Green, desde 2005, foi informado por um empregado do banco que o HSBC tinha mecanismos de lavagem no México e levava a cabo múltiplas operações suspeitas. Ainda em 2005, a agência financeira Bloomberg, com sede em Nova Iorque, acusa o HSBC de lavagem de dinheiro da droga.
 
Stephen Green responde que se trata de um ataque irresponsável e sem fundamento, que põe em causa a reputação dum grande banco internacional acima de todas as suspeitas. Em 2008, uma agência federal norte-americana comunica a Stephen Green que as autoridades mexicanas descobriram a existência de operações de lavagem realizadas pelo HSBC México e uma das suas filiais num paraíso fiscal das Caraíbas («Cayman Islands Branch»). A agência acrescenta que a situação pode implicar uma responsabilidade penal para o HSBC.
 
A partir desse momento, as autoridades norte-americanas de controle dirigem repetidos avisos à direção do banco, muitas vezes aflorando a gravidade dos fatos. O banco promete alterar os seus comportamentos, mas na realidade prossegue as práticas criminosas. Finalmente os avisos dão lugar em Outubro de 2010 a um aviso para pôr termo às práticas ilegais. Em finais de 2012, após a apresentação pública do relatório da comissão senatorial e meses de debate entre diferentes agências de segurança dos EUA, é aplicada uma multa de 1900 milhões de dólares à HSBC.

Stephen Green está em boa posição para saber o que fazia o banco no México, nos paraísos fiscais, no Médio Oriente e nos Estados Unidos, pois além de dirigir o conjunto do grupo HSBC, dirigiu no passado o HSBC Bermudas (estabelecido num paraíso fiscal), o HSBC México, o HSBC Médio Oriente. Presidiu igualmente o HSBC Private Banking Holdings (Suíça) SA e o HSBC América do Norte Inc.

Quando veio a público, em 2012, que o HSBC teria de pagar uma considerável multa nos EUA por branqueamento de dinheiro dos cartéis da droga, Stephen Green já tinha passado de grande patrão do HSBC a ministro do governo conservador-liberal conduzido por David Cameron.

Voltemos um pouco atrás para descobrir que o timing seguido por Stephen Green foi perfeito. Coisa de artista. Em Fevereiro de 2010, publica o livro O Justo Valor: Reflexões sobre a Moeda, a Moralidade e Um Mundo Incerto. O livro é apresentado ao público nestes termos: «Será que alguém pode ser ao mesmo tempo uma pessoa ética e um homem de negócios eficaz? Stephen Green, simultaneamente sacerdote e presidente do HSBC, acha que sim.» Reparem que a «pessoa ética e o homem de negócios eficaz» são identificados com o «sacerdote e presidente do HSBC». A publicidade é patente. Na mesma época recebe o título de doutor honoris causa, concedido pela School of Oriental and African Studies (SOAS) da Universidade de Londres.

Em Outubro de 2010, pela segunda vez desde 2003, a justiça dos EUA avisa o HSBC para que ponha termo às suas actividades criminosas. O público ainda não está ao corrente. É tempo de Stephen Green abandonar o navio. Em 16 de Novembro de 2010, a pedido de David Cameron, é nobilitado pela rainha de Inglaterra e passa a ser o «barão» Stephen Green de Hurstpierpoint do condado do Sussex ocidental. Nada disto pode acontecer por acaso. Para um homem de negócios que permitiu o branqueamento de dinheiros dos «barões» da droga, trata-se duma bela promoção. À conta disso torna-se membro da Câmara dos Lordes em 22 de Novembro de 2011. Se lessem isto num blog, diriam certamente que o autor estava a exagerar.

Em Dezembro de 2010 demite-se da presidência do HSBC e em Fevereiro de 2011 sobe a ministro do Comércio e Investimento. Depois de empossado no cargo, coloca os seus bons serviços à disposição do patronato britânico, com o qual mantém relações muito frutuosas e estreitas, uma vez que desde Maio de 2010 ocupa o posto de vice-presidente da Confederação da Indústria Britânica.
 
Desempenha um papel igualmente importante na promoção de Londres, que se prepara para receber os Jogos Olímpicos em Julho de 2012. É durante esse mês que uma comissão norte-americana envia o seu relatório sobre a questão do HSBC. Stephen Green recusa responder às perguntas dos membros da Câmara dos Lordes em relação à sua implicação no escândalo. É protegido pelo presidente do grupo dos lordes conservadores, que diz que um ministro não tem de vir diante do Parlamento dar explicações sobre negócios estranhos ao seu ministério.

David Cameron afirmou em 2013 que lorde Green fez um «soberbo trabalho» ao intensificar os esforços do Governo britânico para reforçar as exportações britânicas, para fazer avançar os tratados comerciais e especialmente o tratado transatlântico entre a União Europeia e os EUA. Lorde Green esforçou-se muito para aumentar as vendas de armas britânicas nos mercados mundiais. Terminou o seu mandato de ministro em Dezembro de 2013 e dedicou o seu precioso tempo a dar conferências (certamente muito bem remuneradas) e a receber os favores propiciados por numerosas autoridades acadêmicas.

A sua carreira certamente não ficará por aqui. A sua hipocrisia não tem limites. Em Março de 2009, quando o HSBC estava metido até ao pescoço na lavagem de dinheiros de organizações criminosas, Green teve o descaramento de declarar, numa conferência de imprensa a propósito das responsabilidades na crise iniciada em 2007-2008: «Estes acontecimentos evocam a questão da ética do sector financeiro. Dá a impressão que, muito frequentemente, os responsáveis não se perguntam se as suas decisões são correctas e apenas se ralam com a sua legalidade e conformidade aos regulamentos. É necessário que este sector retome o sentido da correcção ética como motor das suas actividades.» É assim que Stephen Green, vampiresco tubarão, navegando acima das leis, se dirige aos sabujos que vão pressurosos repercutir as suas belas palavras na grande imprensa.

Green e todos quantos organizaram o branqueamento de dinheiro no seio do HSBC devem responder pelos seus atos perante a justiça e ser condenados severamente, sofrer privação de liberdade e ser obrigados a realizar trabalhos de utilidade pública. O HSBC deveria ser encerrado e a direcção despedida. Em seguida o mastodonte HSBC deveria ser retalhado, sob controlo cidadão, numa série de bancos públicos de média dimensão, cujas missões seriam estritamente definidas e exercidas no quadro dum estatuto de serviço público.

Tradução: Rui Viana Pereira

Revisão: Maria da Liberdade

ODiario.info » “Se a Frente Ampla com Mujica já está à direita, o que vem agora com Tabaré vai ser pior”.

“Se a Frente Ampla com Mujica já está à direita, o que vem agora com Tabaré vai ser pior”.



No Uruguai, como em outros lados, governantes com um discurso de esquerda governam à direita. E, como diz Zabalza, “o que realmente determina na América Latina é o tema do imperialismo”. Num quadro de intensificação da ofensiva imperialista contra os processos progressistas ali em curso, parte determinante da definição da correlação de forças está nos povos destes países. Porque estes governos já se sabe para que lado cairão.



Falar com Jorge Zabalza é fazê-lo com um pedacito irredutível da luta do MLN Tupamaros dos anos 60 e 70. Irmão de Ricardo, outro “tupa” caído em combate quando o Movimento guerrilheiro ocupou a localidade de Pando em 8 de Outubro de 1969, e eterno reivindicador de Raúl “Bebe” Sendic, o falecido líder da tupamaragem revolucionaria e artiguista.
Zabalza foi um dos muitos reféns da ditadura, que esteve preso 13 anos em duríssimas condições. Depois, já em liberdade, foi um digno edil montevideano que se opôs à espúria concessão do Casino de Carrasco, como desejava o presidente da câmara frenteamplista. A sua decisão provocou um terramoto na Frente e levou até à renúncia do próprio Tabaré Vázquez, que a presidia.
Com o tempo, Zabalza continuou reivindicando a rebeldia e os princípios das suas origens, enquanto vários dos seus companheiros de prisão e de luta foram tomando outros rumos no plano político e também no ideológico. Hoje, Zabalza converteu-se num franco-atirador (guevarista-bolivariano-artiguista) que incomoda o poder, uma vez que não se cala perante as injustiças e muito menos ante as involuções no campo das ideias. Por tudo isso, entrevistar o Tambero (a alcunha por que é conhecido no Uruguai e no mundo) oferece muitos títulos jornalísticos estimulantes. Escutemo-lo então.
-Pouco antes de Pepe Mujica assumir o Governo, muitos dos seus seguidores afirmavam que “agora sim vai radicalizar-se o processo”. ¿Qual é sua opinião sobre o ocorrido neste mandato do seu ex companheiro do MLN Tupamaros?
-Essa era uma leitura bastante parcial, uma vez que Mujica sempre apoiou o modelo económico que patrocinava o actual vice-presidente Danilo Astori, ligado às corporações multinacionais. No fundamental, Tabaré, Mujica e Astori têm uma coincidência plena no “Uruguai produtivo” que temos: plantar soja transgénica com agro-tóxicos, florestação de eucalipto e de pinheiro, mega-mineração. Um país absolutamente dependente das corporações, com o capital estrangeiro a governar. Eles a única coisa que fazem é mudar o cenário para que nada mude: um ano Tabaré, logo Mujica, agora voltaria Tabaré novamente. Disfarçam o discurso e a aparência, um dia Mujica apresenta-se popularucho, outro dia filosofa, sempre com grandes contradições, ou grandes discursos para depois fazer tudo ao contrário. Tabaré aparece mais doutoral, Astori pressupõe que sabe tudo e logo não sabe onde meter-se quando não pode com a inflação.
-Face a estas questões quase de senso comum no que diz respeito aos deficits, ¿o que é que passa com a base da Frente Ampla o do próprio Movimento de Participação Popular? ¿Não se rebelam? ¿É assim tão forte o verticalismo?


-Começa a aparecer lentamente um certo desengano. É evidente que esta campanha de Tabaré Vázquez não é acompanhada pelo mesmo entusiasmo que teve a que o levou ao Governo em Março de 2005. Eles queixam-se de que vai pouca gente às iniciativas, estão a dizer que não têm militância. Como querem tê-la se depois fazem tudo ao contrário daquilo que prometem. Havia uma expectativa de que com a chegada do “grande Tabaré” as massas iam acorrer à convocatória. Mas não é assim. Inclusivamente as últimas sondagens indicam que todos os partidos juntos superam a Frente Ampla e portanto corre muito risco a maioria parlamentar, o que os preocupa.
O certo é que há uma grande despolitização e desideologização da campanha eleitoral, que provoca que as pessoas não tenham entusiasmo. Querem vender-lhes através da publicidade eleitoral este sabonete ou aquele sabonete, mas são todos a mesma coisa.
-Em uma das paredes do Cerro de Montevideo, pudemos ver um mural que dizia: “Do realismo à traição”, no sentido de que Mujica sempre disse que “esta é a realidade, o mundo mudou”, e há outros militantes que pensam que “na realidade os princípios foram traídos”. ¿Que pensa destas opiniões?
-Creio que Mujica fez uma opção política pelo capitalismo. Em algum momento, a (Fernández) Huidobro, Mujica, Bonomi quebrou-se-lhes aquela fibra de querer mudar o mundo e fazer uma opção pelos trabalhadores, e perderam a convicção. Então incorporaram-se nas fileiras de todos aqueles a quem combatíamos, como os estancieiros do Uruguai que geram latifúndio, que o Governo protege. Não houve um só choque com o imperialismo. Quando toda a América Latina se levanta contra o Imperio e saímos à rua em defesa da Venezuela, Mujica toma uma atitude de “grande conciliador”. A direita de Venezuela vem buscá-lo e ele diz que sim, que vai ali resolver tudo, e por sorte Maduro disse-lhe que “não, obrigado”.
Houve aqui uma mudança ideológica porque se quebrou a vontade de lutar a estes companheiros. Em algum momento da sua carreira como Tupamaros e revolucionários, em algum calabouço, deixaram as convicções.
-Entretanto, têm surgido algumas reivindicações que geram mobilizações multitudinárias, como a luta pela terra.
-Essa é uma expectativa que todos temos, de como se está a reagir. Dizem, tal como em relação a outros países da América Latina, que no Uruguai se reduziu a pobreza, mas a terça parte da população tem um rendimento inferior a 14 mil pesos, quando o cabaz básico é superior a 50 mil. São pobres, não têm como cobrir as suas necessidades básicas. Esse descontentamento está ali, larvar.
Por sorte, face a empreendimentos como a mina a céu aberto Aratirí que vai ocupar cerca de 40 mil hectares, ou perante as injustiças que estão ocorrendo com os trabalhadores nos laranjais, há gente que reage. Em defesa da água e da terra e de todos os recursos naturais. Com as pessoas em movimento e lutando há possibilidade de fazer política que tenha um sentido revolucionário. Não estamos a falar de fazer uma Revolução agora, mas sim de poder apontar um caminho, um horizonte que seja revolucionário.
-¿Sendic continua sendo um ícone para os rebeldes do Uruguai?
-Naturalmente. Se não fosse assim, ¿por que crê que alguns se fazem esquecidos de Sendic? ¿Porquê quando chegam os Tupamaros ao governo nenhum se lembra de dizer ¡Viva Sendic! vamos reivindicar as suas ideias e o seu pensamento revolucionário? Porque Sendic tinha um projecto político, e fique claro que não falo dos anos 70 mas de depois de sairmos das prisões, de construir uma Frente a partir das bases, com quatro propostas: não pagar a dívida externa; fazer uma reforma agrária, expropriando os latifundiários sem indemnização e passando a propriedade das terras ao Estado; estatizar a Banca, e elevar o salário ao mesmo poder aquisitivo que tinha nos anos 60. Isso significava outro modelo de Uruguai, um modelo de produção e de capital investido para o povo, de outra forma de vida. Tinha uma orientação de não respeitar a classe dominante, de chocar com ela e não de lhe fazer reverências.
Como actualmente nenhum dos ex guerrilheiros que estão no Governo pode reivindicar esse programa, porque estão fazendo o oposto e estão entregando o país ao capital estrangeiro, Sendic vive clandestino no coração do povo. Nós, sempre que podemos, tratamos de o retirar dessa clandestinidade. Este ano vai haver uma marcha com a gente da UTAA (Unión de Trabajadores Azucareros de Artigas), que vêm de Bella Unión, os trabalhadores laranjeiros de Paysandú, os companheiros de Tacuarembó e de Rivera, e gente do MST do Brasil, vamos ao Cemitério para o homenagear.
A nossa ideia é que os jovens que hoje estão lutando levantem o legado de Sendic, que saibam que os Tupamaros não eram como os que estão governando o Uruguai. Que os Tupamaros tinham dignidade, bandeiras e queriam uma Revolução agrária, a mesma que fez Artigas.
-Passando da épica à realidade: ¿que vai fazer Zabalza nas próximas eleições presidenciais do mês de Outubro?
-Zabalza não quer votar em ninguém. Não vou votar em Tabaré Vazquez. Se a Frente Ampla com Mujica está à direita, o que vem agora para o Uruguai vai ser pior. Com ele podemos esperar um Tratado de Livre Comercio com os Estados Unidos. Se houver mobilização popular, Tabaré vai dar pauladas, que ninguém duvide. Vai ser como Rodríguez Zapatero em Espanha, ou como a social-democracia grega. Portanto, não há que votar em Tabaré. Há gente que nos diz, “mas não há nada melhor, votar na direita é pior”, e eu afirmo que Tabaré é a direita, com tanta soberba e arrogância como os outros candidatos da direita tradicional. Nós vamos apelar a não votar, ou a votar nulo ou em branco.
-¿Quais são as razões para que, depois de tanto tempo, a esquerda mais rebelde não se possa unir e marchar em conjunto?
-Ao não haver uma grande mobilização e luta popular não surgem propostas unitárias. O calor da luta das gentes ajudaria muito a juntar-nos. Se não existe uma retaguarda, o povo com espírito insurrecto, como dizia o Che Guevara, não existe vanguarda.
-¿Preocupa-o a situação de Venezuela, atacada externa e internamente pelo Império?
-Preocupa-me muito. O mundo mudou nestes últimos dez anos. A Rússia parou o carro dos EUA na Síria e agora está a ganhar-lhe a “coreiada” na Ucrânia, e os norte-americanos não se vão atrever a intervir directamente e acabarão por meter a viola no saco. Então, resta-lhes a América Latina, e em especial Venezuela, Cuba, Brasil. Creio que nos próximos anos haverá que esperar que o imperialismo procure concentrar-se naquilo que continuam a chamar o seu “pátio das traseiras”. Vai ser tempo de definições, e é aí que regressamos à situação uruguaia. Seguramente, Tabaré vai definir-se pela Aliança do Pacífico ou aliar-se com a direita fascista do continente.
-Como não é diplomata, pergunto-lhe como se vê desde o Uruguai a situação argentina.
-Essa sim que é uma pergunta difícil. Há um modelo económico que pretende ter uma aparência mais ligada à defesa do nacional, mas por outro lado assinam os contratos com Chevrón, que significam uma entrega total do país. Por um lado, na Argentina estão a ser processados e enviados para a prisão muitos verdugos e torturadores, os assassinos da época do terrorismo de Estado, e por outro lado os trabalhadores de Las Heras são condenados a prisão perpétua. É um autêntico disparate. É continuamente uma no cravo e outra na ferradura. Eu creio que o que realmente determina na América Latina é o tema do imperialismo. Maduro combate abertamente contra os EUA, Correa expulsa a base ianque de Manta, Evo Morales expulsa o embaixador dos EUA. Em contrapartida, Cristina Fernández não se sabe se apoia ou não essas posições, umas vezes é sim, outras vezes é não. Apesar de que estão um pouco desavindos, é como Mujica: tanto te digo uma coisa, como te digo outra… Mujica há 20 dias que está dizendo que vai visitar Obama, e depois diz que não pode por razões várias. Mas nunca diz, “não, não vou porque os EUA assassinaram no Iraque, no Afeganistão, na Síria ou na Líbia”. Em vez disso, informa que “não se sente bem”, ou afirma que o vai visitar “porque a embaixadora dos EUA no Uruguai é muito simpática e nos trata sempre bem”. Jamais toma uma posição política e ideológica face ao imperialismo. E Cristina Fernández faz o mesmo.
-Outro tema pendente no Uruguai é o não julgamento dos militares genocidas.
-O problema dos direitos humanos no Uruguai não é apenas a cerrada defesa da impunidade que estão fazendo o Poder Judicial por um lado e o Governo com a sua política de esquecimento e perdão. Agora aparece este tema de que Mujica, por presumíveis razões humanitárias, vai trazer cinco prisioneiros de Guantánamo, a pedido de Obama. Entretanto, não dá conta dos adolescentes que estão presos nos centros de reclusão e que estão algemados. As autoridades actuais das prisões de menores gabam-se de que já não há fugas, mas se não há é porque os presos têm algemas nos pulsos e nos tornozelos. ¿Isto não são direitos humanos? E o facto comprovado de que nas esquadras do Uruguai se tortura ou a violência policial que há nos bairros, ou nos estádios. ¿Isso não são direitos humanos? Estes que nos governam acostumaram-se a ter um discurso que parece de esquerda, e que a nível internacional provoca aplausos, mas a realidade é que há tempo que nenhum genocida é processado, e que ultimamente, dos que haviam sido declarados culpados por assassinar companheiros nossos, têm sido deixados en liberdade. Essa é a grande contradição uruguaia: grandes discursos, mas na prática tudo ao contrário.

Fonte original: Resumen Latinoamericano

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