Estudantes voltam às ruas por RCTV; Chávez os chama de ‘peões do Império’
Cerca de 10 mil venezuelanos foram às ruas na última quinta (14) em mais um ato contra o fechamento da RCTV, que fez parte do cerco midiático que resultou na breve deposição de Hugo Chávez, há cinco anos. Apesar da pressão, governo não dá sinal de recuo.
Gilberto Maringoni - Carta Maior
CARACAS – Pelo menos dez mil estudantes foram às ruas da capital venezuelana na tarde da quinta-feira (14) em mais um protesto contra a não renovação da concessão da Rede Caracas de Televisão (RCTV). As manifestações, que haviam baixado de intensidade nos últimos dias, ganharam novo fôlego com esta passeata que percorreu cerca de cinco quilômetros, entre a praça Brion, em Chacaíto, e a avenida Universidade, na região central da cidade.
Para Arturo Sênior, 20, do Centro Estudantil de Comunicação Social da Universidade Católica, “nossa luta é pela liberdade de expressão, sem vinculação a tendências políticas”. Ligado ao partido oposicionista El Nuevo Tiempo, ele faz questão de frisar o pluralismo do movimento, ao mesmo tempo em que busca retirar qualquer conotação política do ato. Há uma evidente preocupação de evitar quaisquer possíveis vinculações entre os estudantes e os partidos políticos tradicionais. Quase não se vê nas passeatas gente com mais de 30 anos.
O governo venezuelano aparentemente não tem lidado com habilidade em relação ao movimento estudantil. O presidente Hugo Chávez tem se referido aos jovens como “peões do Império”, o que leva a uma natural exacerbação dos ânimos.
“Não poderia ser de outra forma, pois esta foi a primeira medida revolucionária a atingir diretamente o coração dos interesses privados”, diz Aram Aramonian, 61, diretor da Telesur, o canal latino-americano montado pela associação dos governos da Venezuela, Cuba, Argentina e Uruguai. Segundo ele, a não renovação da concessão deveria ser vista muito mais como uma medida legal e administrativa do que como uma censura, como argumentado pela oposição. “Temos apenas 20% de emissoras estatais na Venezuela e não existe esta supremacia do setor estatal segundo alegam”, diz ele.
Com opinião oposta, Teodoro Petkoff, 75, proprietário do jornal Tal Cual, de oposição, é enfático em sua análise: “Chávez está pagando um preço muito alto por seu ato, tanto interna, quanto externamente”, afirma. “E não é apenas entre os setores de direita, como George W. Bush ou o ex-presidente mexicano Vicente Fox, mas entre seus aliados”.
As marchas estudantis têm merecido generosos espaços na imprensa escrita – que as têm convocado – e menos na televisiva. A rede Venevisión, a maior do país, de propriedade de Gustavo Cisneros, a maior fortuna da Venezuela, quase ignora as manifestações. “Ele, que foi o maior articulador do golpe de Estado de 2002, fez um acordo com Chávez pouco antes do referendo revogatório de agosto de 2004”, lembra Petkoff. Segundo ele, em troca de não ser molestado, foi cooptado pelo governo.
“Cisneros é um empresário e quer dinheiro, sem se importar com quem está no governo”, pontua Aram. Sua rede de televisão, uma das mais agressivas contra Chávez há cinco anos, agora se comporta docilmente em relação ao governo. Com a perda do sinal aberto por parte da RCTV, o negócio de Cisneros deve ampliar sua fatia na captação do bolo publicitário televisivo.
Improvisação
Se no mérito a não renovação de uma concessão pública deveria ser vista com naturalidade, no método tem predominado a improvisação na ação governamental. A nova emissora, que ocupa o espaço da RCTV no espectro televisivo chama-se Teves, trocadilho com “Te vês”, numa referência a intenção de que o venezuelano se reconheça na nova programação. No entanto, a grade de programas é pobre e de baixa qualidade. Predominam documentários, novelas argentinas e noticiários quase burocráticos.
A emissora foi montada às pressas, poucas semanas antes de entrar no ar, o que aumenta o contraste com a rede anterior. Com uma grade repleta de novelas e atrações populares, a RCTV alcançava todo o território venezuelano. Assim, a não renovação não é vista neste período inicial como um ganho pelos telespectadores.
Uma pesquisa do Instituto Datanálisis dava conta, antes da não renovação da concessão, que 80% da população seria contra o ato. Não há novas pesquisas, mas, aos poucos, Chávez parece ganhar a batalha. Não há sinal de recuo na posição oficial.
A RCTV fez parte do cerco midiático que resultou na breve deposição de Chávez há cinco anos. O golpe se consumou quando a oposição tomou a sede e cortou o sinal do canal 8, estatal, impedindo o presidente da República de se dirigir ao país. Esta foi a grande novidade daquele golpe. Ao invés do cerco militar do palácio de governo, como nas quarteladas clássicas, houve um isolamento comunicacional, que cortou o contato entre o governo e a população.
O primeiro ato do dirigente imposto pelas elites empresariais e militares, Pedro Carmona, foi fechar todas as instituições representativas do país, do Congresso à Suprema Corte, passando pela Procuradoria Geral do Estado.Tais fatos não são lembrados pelos que acusam o governo de agir de forma discricionária no episódio da RCTV.
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