sexta-feira, 15 de junho de 2007

Movimento equilibra diálogo e confronto para conquistar direitos

Além de festejar o orgulho GLBT na parada, que este ano reuniu 3,5 milhões de pessoas, movimento de homossexuais aposta em enfrentamento no legislativo, executivo e judiciário para combater preconceito.

SÃO PAULO – Este ano, a Parada do Orgulho GLBT bateu todos os recordes mundiais e reuniu cerca de 3,5 milhões de pessoas no último domingo (10) na Avenida Paulista, em São Paulo. Considerada pelo movimento de gays, lésbicas, bissexuais e travestis como um momento central para dar visibilidade às reivindicações acerca dos direitos sexuais, a Parada agora também se mostra uma importante ferramenta para a aliança de diversas lutas contra a opressão. Este ano, com o tema “Por um mundo sem racismo, machismo e homofobia”, o evento construiu diálogos importantes com o movimento negro e de mulheres.

No entanto, continuam grandes os desafios para a conquista da plena cidadania e para o fim do preconceito contra a comunidade GLBT. Pesquisa realizada durante a Parada do ano passado mostrou que 67% do público do evento já sofreram alguma forma de discriminação. Cerca de 59% já foram agredidos e 54%, não relataram a ninguém a ocorrência. Os transexuais, segundo o estudo, são os que mais sofrem discriminação, agressão e violência sexual. No último domingo, horas depois da parada, o turista francês Grégor Erwan Landouar foi esfaqueado nas proximidades da Avenida Paulista e não resistiu. Uma das hipóteses mais fortes da polícia para o crime é a homofobia.

Mas a violência física é só a forma mais aparente – apesar de mais séria – das discriminações sofridas por esta parcela da população. Neste mês de junho, considerado o Mês do Orgulho GLBT, dezenas de entidades do movimento homossexual têm organizado atividades para discutir os problemas que têm pela frente e estratégias para solucioná-los. Além da violência física, o movimento aponta como central a violência moral, sofrida até por crianças nas escolas.

Outro entrave são normas infraconstitucionais e infralegais que acabam violando o direito à igualdade garantido na Constituição Federal. O exemplo mais claro é o Código Civil, que cita apenas a união entre homens e mulheres. Há um procedimento no Ministério Público Federal (MPF) acerca de planos de saúde que revela que, dos 10 maiores em operação no Brasil, quatro alegam proibir a inclusão de parceiros do mesmo sexo do titular com base justamente no que diz o Código. Já entre os benefícios previdenciários, a pensão por morte só era dada a um companheiro do outro sexo, até que uma ação movida pelo MPF conseguiu incluir a possibilidade de uma pessoa do mesmo sexo da que falecer ser sua beneficiária. A ausência de políticas públicas focadas no público GLBT também faz com que questões específicas dessas pessoas não sejam consideradas.

“Mas estes são problemas “de superfície”. Por trás disso há uma ideologia heterossexista e patriarcal, que afirma que ser heterossexual é o normal e todo o diferente é taxado de imoral ou patológico. É essa mesma ideologia que prega o modelo único de família, monogâmico”, explicou o procurador federal Sérgio Gardenghi Suiama, num dos debates organizados pelo movimento nesta quarta-feira (13), no MPF em São Paulo. “Se a Constituição Federal consagra a igualdade e veda a discriminação, a orientação sexual nunca pode então ser motivo de preconceito”, completou a procuradora regional dos direitos do cidadão, Adriana Fernandes.

Estratégias
A luta pelo direito de viver plenamente sua sexualidade, sem medo, sem vergonha, sem intolerância, tem para o movimento GLBT duas faces: a afirmativa, que busca garantir direitos como a união civil entre pessoas do mesmo sexo; e a negativa, que nega o preconceito. Hoje, sete estados da federação e dezenas de municípios possuem leis que punem a homofobia. O grande debate do momento, no entanto, está no Senado Federal. Depois de aprovado na Câmara, o PLC 122/2006, que criminaliza nacionalmente a homofobia ao proibir o preconceito por orientação sexual, está sofrendo um forte ataque da bancada mais conservadora da Casa, comandada pelo senador Marcelo Crivela, bispo evangélico.

“Isso não deveria ser surpresa para nós. É óbvio que em Casas com bancadas conservadoras seria assim”, explica Paulo Mariante, advogado e membro do Grupo Identidade, de Campinas. “O mesmo ocorre com uma série de direitos que se colocam em confrontação com esta ordem heterossexista estabelecida. É por isso que o Congresso rejeita, por exemplo, projetos como a descriminalização do aborto. Há uma carga de conservadorismo muito forte. Entre a Parada, que é elogiada por todos, e o Congresso, há um caminho enorme a se percorrer”, acredita.

O projeto de lei 1151/95, que regulamenta a união civil entre pessoas do mesmo sexo está há 12 anos praticamente estagnado no Congresso, e o texto da proposição já não corresponderia mais à realidade das demandas do movimento. Um grupo de trabalho já vem discutindo sua reformulação e estuda o melhor momento de apresentá-las aos parlamentares.

O enfrentamento não deve, no entanto, na opinião das organizações da sociedade civil que trabalham com a questão, se restringir ao plano legislativo. Apostar todas as fichas do movimento no Parlamento, composto por uma grande bancada evangélica e católica, é considerado um equívoco.

No plano executivo, a briga é por políticas públicas que afirmem a igualdade, ataquem questões específicas da comunidade GLBT e combatam o preconceito contra os homossexuais, como o programa “Brasil Sem Homofobia”, lançado pelo governo federal. Outra linha é trabalhar com a segurança pública, tanto na formação de policiais – segundo as entidades, os travestis são maioria entre as vítimas de violência policial – como no desenvolvimento de um planejamento estratégico para reforçar o policiamento e evitar que crimes de ódio se concretizem.

No Judiciário, desde a década de 90, diversas decisões de casos isolados – sobretudo no campo do direito de família – têm ajudado a construir uma jurisprudência favorável à garantia dos direitos sexuais. O Brasil avançou bastante neste aspecto e hoje já há duas decisões que garantiram a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. O Ministério Público Federal também já ajuizou mais de dez ações civis públicas para o reconhecimento de direitos por orientação sexual, como a que pede a inclusão das operações de transgenitalização no rol de cirurgias oferecidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

“Há, sim, vitórias no Judiciário, mas este é um poder tão conservador quanto os demais, e às vezes mais impermeável. Há juízes que tiram processos de união da vara familiar e o tratam como união patrimonial”, critica Mariante. “Não podemos, portanto, desconhecer a disputa política no confronto com qualquer um desses poderes. O desafio é estabelecer como construir o diálogo e também o confronto. Historicamente, é assim que se conquistam direitos. Combinar conversas de gabinete com ações de protesto”, acredita.

Na opinião de Sônia Correa, pesquisadora da Associação Brasileira Interdisciplinas de Aids e coordenadora do programa de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Rede DAWN (uma rede de mulheres dos países do Sul Econômico que desenvolve pesquisas feministas em contexto global), o Brasil aciona pouco os mecanismos internacionais de proteção de direitos. Este seria um outro caminho a se percorrer na defesa da cidadania GLBT. Apesar do plano internacional não ser muito favorável à questão – pela forte influência dos Estados Unidos e dos países islâmicos (há 9 países no mundo que condenam à morte que se relaciona com pessoas do mesmo sexo) – Sônia acredita que há decisões de cortes internacionais que podem funcionar na defesa desses direitos aqui dentro.

“No Brasil não há leis que criminalizam a homossexualidade, como em outros países. Mas isso não faz com que tenhamos um quadro mais ameno no cotidiano desta população. Ainda temos muito que construir para que nossa pressão por mudanças seja maior que a dos conservadores”, conclui Paulo Mariante.

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