Venezuela quer imprensa responsável | | | |
José Carlos Moutinho | |
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O presente artigo não tem a pretensão de abordar todos os aspectos relativos à questão da liberdade de imprensa, a partir dos acontecimentos na Venezuela. Mas é um manifesto de solidariedade àquele país caribenho na sua firme decisão constitucional de não renovar a concessão da RCTV (Radio Caracas Televisión). O império da mentira internacional logo pulou. Por qual motivo?
As forças progressistas (a maioria) não têm espaço na mídia para divulgar suas idéias. E quando algum espaço é cedido (isso é raro), os “sortudos” terão que pagar uma fortuna (em gorduchas malas de dinheiro).
Direito de resposta? Fora de cogitação. A grande mídia não respeita. A AEPET já teve várias cartas “devolvidas por falta de espaço”. Mesmo carta com direito de resposta os “jornalões” nem dão satisfação. Quando dão, é um quadradinho, com fonte corpo seis. E espaço publicitário? O preço é proibitivo. Preços especiais para os “impertinentes” defensores dos interesses nacionais: preço proibitivo em dobro. Teríamos que vender nossos mobiliários, fazer um rateio, entre outras medidas radicais, para pagar preços especiais. Isto é democracia?
Já no confortável mundo dos defensores do sistema financeiro internacional e das grandes corporações anglo-saxônicas, em especial, há abundante espaço publicitário junto ao “quarto poder” (a mídia). O império da (des)informação, bem pago pelas corporações, faz o seu trabalho de confundir e (des)contextualizar acontecimentos. E grande parte da mídia brasileira tem sido “caixa de ressonância” dos interesses de Rupert Mudoch/Fox News Channel, et caterva, em diversos assuntos, entre eles a Revolução Bolivariana, na Venezuela e as conjunturas nacional e internacional do petróleo.
Alguns dos nossos senadores, querendo fazer média e aparecer para tais mídias, correram a emitir opiniões, numa completa falta de diplomacia e respeito ao povo venezuelano. Deveriam olhar para o lamaçal onde estão atolados, antes de opinar sobre assuntos que, pelo visto, não dominam. E o pior: até o presidente Lula (direto de Londres, e antes do jogo Brasil x Inglaterra) foi infeliz no assunto, que acreditamos, ele domina. Será que foi efeito do frio londrino? O Bush deve ter aplaudido o Lula. É, eles precisam da mídia... O Marco Aurélio, assessor do Lula, disse que o Chávez não desrespeitou a lei.
Vamos contextualizar, os poderosos não gostam disso. O mundo parou para acompanhar o desfecho da não concessão à rede de comunicação privada RCTV. Mas parou atônito, como se um outro 11 de Setembro tivesse acontecido. A mídia, no melhor estilo Fox/Murdoch, foi quem espalhou a síndrome do pânico – um novo “produto” na balança de exportações dos EUA. E a mídia brasileira é importadora.
Curiosamente, um dos princípios básicos de uma imprensa responsável é fazer perguntas sérias, para que o público seja informado e tire suas próprias conclusões. Mas algumas perguntas essenciais não foram formuladas pela mídia internacional. Não perguntaram, mesmo diante da síndrome do pânico, quantos jornalistas ou dirigentes das redes de comunicação oposicionistas (RCTV, Globovisión, Venevisión, Televen, entre outras) foram presos nos últimos cinco anos por Hugo Chávez? Nenhum, é a resposta certa.
Se a resposta não satisfizesse, deveriam insistir em perguntar: as redes oposicionistas sofreram alguma represália, mesmo depois de terem apoiado, abertamente, o fracassado golpe de Estado contra Hugo Chávez, em 11 de abril de 2002? Não, não sofreram represália, mesmo diante de tal fato.
Chávez não promoveu nenhuma perseguição, mesmo depois de elas terem escondido as imagens que mostravam o povo venezuelano exigindo o seu presidente (seqüestrado) de volta à presidência? Mesmo depois de as redes oposicionistas não terem divulgado as imagens que mostravam franco-atiradores alvejando o povo nas manifestação em defesa de Chávez? Sim, mesmo diante de tais atos. E mais: tudo isso acontecendo e as redes transmitiam desenhos animados, as pífias manifestações dos oposicionistas e a posse do governo fictício do mega-empresário Carmona (apoiado pelos EUA).
Durante cinco anos, nenhuma delas, até hoje, sofreu restrição governamental para emitir suas opiniões e transmissões contrárias ao governo venezuelano. Não tiveram nenhum material apreendido pelo governo da Venezuela. A Globovisión, hoje, segundo as agências notícias estatais e lideranças daquele país, está motivando a desordem no país para desestabilizar Chávez. E o governo venezuelano está denunciando democraticamente tais ações. E insistimos: sem represálias.
Então, qual foi o motivo do alarde contra o presidente venezuelano Hugo Chávez? Ter cumprido a risca o que determina a Constituição de seu país, notadamente o artigo 156 e a Lei Orgânica de Telecomunicações, que determinam que é dever do Estado garantir e regular o acesso e o uso do espaço de radiodifusão e avaliar se um operador serviu ou não ao interesse geral do povo venezuelano. Assim sendo, como ressaltou o articulista Marcel Claude no seu artigo “Liberdade de expressão na Venezuela”, publicado em Argenpress, "o Estado venezuelano não está obrigado a renovar concessões de espaços públicos a quem renega a democracia e o direito de todos de ter acesso à informação”.
Repetindo: a mídia internacional não formulou perguntas essenciais. A história de seus governos nacionais (EUA, Espanha, França, Brasil, entre outros) foi marcada por macabras histórias de prisões, torturas e assassinatos de jornalistas, além da presença de censores no interior das redações dos jornais. Mas mesmo assim não perguntaram. Vejam o Iraque. Por que a mídia nos EUA não divulga as imagens dos seus soldados mortos em combates no Iraque? E proíbe quem faça. Mataram o jornalista da “Al Jazeera” no 4º andar do Hotel Palestine “por um erro de manobra”.
No presente momento, os EUA querem processar o cineasta e jornalista estadunidense, Michael Moore, por ter ido a Cuba fazer uma matéria sobre o famoso sistema de saúde daquela Ilha, constante no seu novo filme “Sicko”, que acaba de ser premiado no Festival de Cinema de Cannes.
A mídia internacional é hipócrita, pois passa ao largo da Constituição da Venezuela e das inúmeras concessões que deixaram de ser feitas no mundo. Não citaram nenhuma.
O editor do sítio estadunidense “Axis of Logic”, Les Blough, também estranhou o comportamento da mídia internacional. Ele disse em seu artigo “Venezuela merece mídias responsáveis”, publicado também em Rebelion.org, de 26/05/07: “Se a RCTV aspirou alguma vez demonstrar integridade jornalística (o que é mais que duvidoso), faz muito tempo que renunciou. Em minhas numerosas visitas à Venezuela tenho sido testemunha do ódio e das mensagens de violência que a RCTV vomitava dia e noite. Agora, a licença da emissora RCTV chegou ao fim. O governo Chávez decidiu não renová-la, da mesma maneira que outros governos não renovaram mais de 600 licenças este ano em todo o mundo”. Viram? Mais de 600 licenças não foram renovadas no mundo. Há muita hipocrisia por parte da mídia internacional.
O governo dos EUA, através da Administração Federal de Comunicações, fechou 141 concessionárias de rádio e TV entre 1934 e 1987. Das quais, 40 foram caçadas antes que expirasse o prazo da concessão. Os dados foram levantados por Ernesto Carmona, presidente do Colégio de Jornalistas do Chile, em seu artigo “Salvador Allende se revolve em sua tumba: senadores socialistas comparam Chávez a Pinochet”.
O editor do sítio espanhol Rebelión.org, Pascual Serrano, lembrou em seu artigo “Venezuela e a televisão proscrita por Chávez” que o escritor britânico Tariq Ali recordou que a então primeira-ministra do Reino Unido, a Dama de Ferro Margaret Thacher, não renovou concessões e nenhum alarde foi feito pela mídia internacional.
O “Decreto Patriota”, do presidente dos EUA George W. Bush, por exemplo, determinou à CIA, ao FBI, entre outras instituições, vigiar a vida cotidiana dos estadunidenses. Vigiam as reuniões das entidades, sindicatos, infiltram agentes, para ver o que as pessoas estão lendo, escrevendo e discutindo. O premiado documentário de Michael Moore “Fahrenheit: 11 de Setembro” divulgou a declaração de um senhor aposentado que teve sua conversa numa academia de ginástica dedurada ao FBI. O aposentado fez críticas à política externa de Bush, e, enquanto tirava um cochilo em sua casa, recebeu a inesperada visita de um agente do FBI, que foi pressioná-lo por ter criticado o Governo Bush. São muitos os exemplos.
A experiência brasileira com a grande mídia
A experiência dos petroleiros brasileiros com a imprensa fez parte de profícuo diálogo entre o diretor de Comunicações da AEPET, Fernando Siqueira, e o funcionário aposentado da Petrobrás Paulo Rodolfo Boblitz. Cabe lembrar, eles estão no “olho do furacão” do setor petróleo no Brasil. Entendem que o “ouro negro” é matéria-prima valiosa em fase de escassez no mundo, sendo negligenciada no país, através dos leilões da ANP. A questão venezuelana motivou suas reflexões.
Siqueira lembrou que no período FHC, quando houve a privatização desenfreada de empresas e quebra de monopólios estatais, como por exemplo o da Petrobrás, os ativos dessas empresas foram vendidos a preço de banana. “Significativa parcela da grande imprensa brasileira teve um comportamento de saudação a tal entreguismo. Uma irresponsabilidade com a democracia e a verdadeira liberdade de imprensa”, ressaltou Siqueira.
Siqueira lembrou, ainda, que em 2005 a revista semanal “Veja” entrevistou vários diretores da Petrobrás, e publicou uma matéria de 10 páginas extremamente hostil à estatal, sem nenhuma referência no sentido de reconhecer a eficiência da estatal brasileira, que hoje é a oitava mais importante petrolífera do mundo.
Diante de tal atitude da revista “Veja”, a AEPET fez uma matéria respondendo a todas as questões abordadas pela revista, mas não teve a matéria publicada. Siqueira informou que a Petrobrás não teve seu direito de resposta atendido pela “Veja”. A estatal fez um artigo de dez páginas, em contraponto à matéria da referida revista, e recebeu como resposta da “Veja” uma alegação de que ela (“Veja”) não iria se desmoralizar perante os leitores. E daí? A Petrobrás pode ter seu prestígio posto em risco, e a dita “livre imprensa” não? Onde está a democracia e o respeito?
Siqueira ressaltou que o sistema financeiro internacional tem 90% dos anúncios na grande imprensa brasileira, por isso comportamentos deploráveis como o da “Veja”, entre outros, acontecem. A Rede Globo e a Editora Abril (que publica a “Veja”), segundo CPI, que teve como relator o ex-senador Saturnino Braga, recebiam dinheiro do grupo Time-Life (EUA). A notícia foi divulgada em vários veículos de comunicação independentes e sérios.
Os recursos do Time-Life, continua Siqueira, tiveram como contrapartida a defesa, pelas referidas redes de comunicação brasileiras,dos interesses estrangeiros, no período FHC, que privatizava várias estatais. “A influência estrangeira na mídia nacional continua, basta ler as matérias que defendem a quebra dos monopólios da União, a venda de nossas empresas, sobretudo as mais estratégicas e rentáveis (Vale do Rio Doce, entre outras)”, ressaltou Siqueira.
Siqueira deu um outro exemplo. Disse que agora a mídia nacional (amestrada por Time-Life e Fox/Murdoch) mente ao propagandear que a Previdência Social está em déficit, com objetivo de ver o sistema desmantelado e privatizado, como é nos EUA, e deixar Wall Street abocanhar a nossa Previdência Social.
No caso da Bolívia, que Siqueira tem lembrado em suas palestras, a mídia está fazendo um alarde sobre o presidente boliviano, Evo Morales, acusando-o de prejudicar a Petrobrás em R$ 10 milhões quando se restabeleceu ao Estado boliviano a refinaria Guarberto Villarroel, operada pela Petrobrás, entre outras. No entanto, o PL 334/07 (que pretende ser a Lei do Gás), de autoria do ex-senador Rodolpho Tourinho, se aprovado, causará um prejuízo à Petrobrás de mais de US$ 10 bilhões. Isso a mídia não divulga. E mais: se tal PL for aprovado, os dutos da Petrobrás poderão ser entregues à ANP, que passará a alugá-los para empresas estrangeiras.
O petroleiro Paulo Boblitz acrescentou: “Há muito tempo a imprensa abandou o caráter noticioso, de servir à população, para passar a ser veículo de propaganda. E não bastando, nós estamos pagando por tais serviços oferecidos, como se fosse matéria de nosso interesse”.
“Hugo Chávez já demonstrou, em várias oportunidades, que está defendendo a Venezuela da sanha obsessiva do mundo financeiro, por trás da grande mídia. É esse mesmo mundo financeiro que planta notícias, compra pesquisas, impõe raciocínios e outras 'cozitas mas' no seio do povo, que pensa se informar”, sublinhou Boblitz. Para ele, parcela da grande imprensa, no Brasil, faz o que bem entende, pois tem diversos parlamentares “amarrados” a ela. Tal fato pode explicar a manifestação de parlamentares brasileiros contrários à não renovação da concessão da RCTV na Venezuela.
Para Boblitz, com a decisão do governo venezuelano, a “liberdade de imprensa fica muito bem, pois Hugo Chávez apenas deixou de renovar uma concessão que pertence ao Estado, portanto pertence também ao povo venezuelano”. Ele lembrou a participação da RCTV no golpe de 2002 e que esse conglomerado privado pertence a um grupo de Miami (EUA). “A RCTV é, portanto, um dedo dos EUA a apontar as coisas dentro da Venezuela”.
Boblitz chamou atenção, ainda, que, independente do governo que esteja no poder, a liberdade de imprensa tem limites. “Ela não pode ser confundida com a imunidade parlamentar, que já se tornou impunidade com foros privilegiados. Quando se critica a imprensa, por ela necessitar ser criticada, a corporação como um todo desenterra discursos sobre a censura, e contra-ataca com veemente censura”.
Como a RCTV tratava seus funcionários? A direção da RCTV aplicava o terrorismo sindical contra o Sindicato Profissional de Trabalhadores de Rádio, Cinema, Televisão, Imprensa e Afins (SINTRATV), que funciona na RCTV, denunciou Tony Navas, dirigente da União Nacional de Trabalhadores (UNT). A notícia publicada na Agência Bolivariana de Notícias, em 01/06, acrescentou que o dirigente sindical solicitou ao Ministério do Poder Popular para o Trabalho e Seguridade Social (MINSTRASS) o envio de um fiscal, a fim de avaliar as condições trabalhistas da empresa. Ele disse que a RCTV hostiliza internamente seus profissionais com objetivo de forçá-los a pedir demissão e com isso fugir às obrigações trabalhistas.
Depois de inúmeras especulações da imprensa corporativa internacional, que pressionava por um recuo do governo Venezuelano, na meia-noite do dia 27/05, o presidente Hugo Chávez não renovou a concessão (de cinco anos) da emissora privada RCTV. Milhares de manifestantes com as bandeiras tricolores da Venezuela, favoráveis ao fechamento da RCTV, ocuparam as ruas para festejar a decisão.
O ministro Jesse Chacón (Ministério do Poder Popular para as Telecomunicações e Informática), durante a marcha popular, informou que 100 novas concessões foram concedidas às mídias comunitárias.
Sai a RCTV, e no seu lugar estreou a TVes (Televisão Venezuelana Social). A presidente da TVes, jornalista Lil Rodríguez, assegurou para a imprensa que a ética, honestidade, pluralismo e a coerência marcarão a pauta do novo sinal aberto (Canal 2). “Teremos que fazer o melhor, pois nossa concessão vencerá dentro de cinco anos, e nesse curto espaço o objetivo é estruturar a televisão, física e operacionalmente”, sublinhou Lil Rodríguez. Um bom espírito de trabalho, que devia ser preocupação também das mídias no Brasil.
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