OSCIPS: projeto para desmantelar o que resta da administração pública
MARIA CECI MISOCZKY - Chasque
O projeto de lei que regulamenta as OSCIPS não pode ser tratado nos termos simplificadores propostos pelo governo, como se fosse um mero debate sobre a eficácia da gestão. É absolutamente equivocado, ainda que seja uma boa estratégia retórica, separar o projeto político da organização que o executa, como faz o discurso governista. Despolitizar a Administração Pública, povoando-a de conceitos supostamente neutros e desejáveis por todos – tais como eficácia, transparência e eficiência, tem sido a construção simbólica mais bem sucedida dos últimos tempos. Esse fato confere uma dificuldade a mais aos atores sociais interessados em defender um Estado ativamente presente no cumprimento de sua razão mais importante de existir, que é compensar as ineficiências sociais geradas pelo mercado.
Aliás, sequer nos estreitos limites da eficácia técnica a proposta se sustenta. O caso da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) tem sido citado como um exemplo pelo Secretário Fernando Schüler. No entanto, quando se verifica o seu balanço, se constata que em 2006, 74% dos recursos vieram do governo do Estado; tendo aumentado de R$ 22 milhões em 2002 para R$ 43 milhões em 2006. O mesmo acontece em Minas Gerais, em que o mais vultuoso termo de parceria assinado pelo governo com uma OSCIP foi com a Associação de Desenvolvimento da Radiodifusão de Minas Gerais (ADTV), prevendo repasses de R$ 17 milhões. Há poucos meses esse valor foi suplementado com mais R$ 4,7 milhões. Essas situações fazem com que o estranhamento de Alexandre Leboutte, membro do Conselho da Fundação Piratini, na Zero Hora de 3/12, sobre o fato de os repasses para as OSCIPS serem maiores do que os antes destinados aos órgãos da administração pública seja extremamente legítimo e procedente.
Outro aspecto que merece estranhamento se refere à ênfase na flexibilização dos controles públicos, tratados como se fossem retrógrados e geradores de perdas. Os regulamentos próprios exigidos para as Organizações Sociais (OSs) e OSCIPS, podem abrir espaço considerável para a corrupção. Aliás, em boa medida, essas flexibilizações tornaram-se indefensáveis e insustentáveis com a introdução do pregão, especialmente em sua forma eletrônica.
Como em todo processo de disputa política nos encontramos no seio de uma luta cultural, na qual quem for vitorioso na definição dos conceitos terá atingido seus objetivos. Portanto, não há como escapar de fazer essa disputa. Uma tática é, certamente, enfatizar a qualidade do aparelho estatal, como vem sendo feito pelas diversas organizações de representação dos trabalhadores. Outra é continuar polemizando e não aceitar como fato dado que o Estado social e seus aparelhos sejam obrigatoriamente ineficazes, parasitários, corruptos, clientelistas, corporativos, com políticos e servidores espúrios; aprender com mais de uma década de implementação da reforma do aparelho de Estado no Brasil e com o conseqüente reforço do patrimonialismo e dos acordos entre as elites, reconhecendo que a fragmentação na execução das políticas públicas e o enfraquecimento do Estado podem estar eliminando, para sempre, a possibilidade da constituição de um Estado democrático e social entre nós.
É preciso considerar que os trabalhadores que estão se opondo ao projeto não podem ser tomados como se estivessem fazendo uma defesa corporativa de seus postos de trabalho – o que, aliás, seria muito legítimo. Em suas manifestações têm sistematicamente perguntado por que não qualificar e investir nas organizações onde trabalham. Ao fazê-lo, antecipam o cenário que se vislumbra caso o projeto das OSCIPS seja aprovado: o repasse de verbas expressivas para as OSCIPS enquanto os órgãos da administração que cuidam da mesma política pública passam por um processo agudo de sucateamento e abandono.
A indefinição e despreocupação com o destino de todas as organizações que podem ser alvo do projeto de lei, caso ele seja aprovado, é uma reedição da postura de desprezo pelo patrimônio público, bem como pelos servidores públicos, que já dominou outras administrações no governo do Rio Grande do Sul.
Maria Ceci Misoczky é professora na Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Aliás, sequer nos estreitos limites da eficácia técnica a proposta se sustenta. O caso da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) tem sido citado como um exemplo pelo Secretário Fernando Schüler. No entanto, quando se verifica o seu balanço, se constata que em 2006, 74% dos recursos vieram do governo do Estado; tendo aumentado de R$ 22 milhões em 2002 para R$ 43 milhões em 2006. O mesmo acontece em Minas Gerais, em que o mais vultuoso termo de parceria assinado pelo governo com uma OSCIP foi com a Associação de Desenvolvimento da Radiodifusão de Minas Gerais (ADTV), prevendo repasses de R$ 17 milhões. Há poucos meses esse valor foi suplementado com mais R$ 4,7 milhões. Essas situações fazem com que o estranhamento de Alexandre Leboutte, membro do Conselho da Fundação Piratini, na Zero Hora de 3/12, sobre o fato de os repasses para as OSCIPS serem maiores do que os antes destinados aos órgãos da administração pública seja extremamente legítimo e procedente.
Outro aspecto que merece estranhamento se refere à ênfase na flexibilização dos controles públicos, tratados como se fossem retrógrados e geradores de perdas. Os regulamentos próprios exigidos para as Organizações Sociais (OSs) e OSCIPS, podem abrir espaço considerável para a corrupção. Aliás, em boa medida, essas flexibilizações tornaram-se indefensáveis e insustentáveis com a introdução do pregão, especialmente em sua forma eletrônica.
Como em todo processo de disputa política nos encontramos no seio de uma luta cultural, na qual quem for vitorioso na definição dos conceitos terá atingido seus objetivos. Portanto, não há como escapar de fazer essa disputa. Uma tática é, certamente, enfatizar a qualidade do aparelho estatal, como vem sendo feito pelas diversas organizações de representação dos trabalhadores. Outra é continuar polemizando e não aceitar como fato dado que o Estado social e seus aparelhos sejam obrigatoriamente ineficazes, parasitários, corruptos, clientelistas, corporativos, com políticos e servidores espúrios; aprender com mais de uma década de implementação da reforma do aparelho de Estado no Brasil e com o conseqüente reforço do patrimonialismo e dos acordos entre as elites, reconhecendo que a fragmentação na execução das políticas públicas e o enfraquecimento do Estado podem estar eliminando, para sempre, a possibilidade da constituição de um Estado democrático e social entre nós.
É preciso considerar que os trabalhadores que estão se opondo ao projeto não podem ser tomados como se estivessem fazendo uma defesa corporativa de seus postos de trabalho – o que, aliás, seria muito legítimo. Em suas manifestações têm sistematicamente perguntado por que não qualificar e investir nas organizações onde trabalham. Ao fazê-lo, antecipam o cenário que se vislumbra caso o projeto das OSCIPS seja aprovado: o repasse de verbas expressivas para as OSCIPS enquanto os órgãos da administração que cuidam da mesma política pública passam por um processo agudo de sucateamento e abandono.
A indefinição e despreocupação com o destino de todas as organizações que podem ser alvo do projeto de lei, caso ele seja aprovado, é uma reedição da postura de desprezo pelo patrimônio público, bem como pelos servidores públicos, que já dominou outras administrações no governo do Rio Grande do Sul.
Maria Ceci Misoczky é professora na Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
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