domingo, 17 de fevereiro de 2008

MADDOG: "O BRASIL É UMA ESTRELA BRILHANTE DO SOFTWARE LIVRE"

Blog do Azenha

Entrevista com um dos papas do software livre:

Kauê Linden: Para novos usuários, eu gostaria de perguntar: Quem é Maddog? O que o Maddog está fazendo no momento?

Maddog: “Quem é Maddog” é uma boa pergunta. Ainda estou tentando descobrir. Estive na indústria de computadores por cerca de 40 anos. Fui vendedor, produtor e usuário de software, professor na universidade, desenvolvi projetos. Nos últimos 15 anos, trabalhei na Linux International para divulgar o software livre. Também sou o padrinho dos filhos do Linus Torvalds.

KL: Como você se envolveu com o código aberto?

Maddog: Eu tenho usado o que as pessoas chamam de “código aberto” desde 1969. Naqueles tempos, quase todo software era aberto. Quando você tinha um problema, escrevia a definição do problema. Então arranjava alguém para escrever o código e você era dono do software. Ele não pertencia à empresa que o desenvolveu. Você tinha o código na mão, podia colocar em quantos computadores quisesse, podia modificá-lo, podia distribuir essas modificações para quem bem entendesse. Dessa forma, nós tínhamos código aberto nos idos de 1969.

Programas proprietários de código fechado começaram a aparecer no período de 1977 a 1980, quando computadores pessoais da Apple e da IBM despontaram. Foi aí que as pessoas se acostumaram a comprar software como um pacote na prateleira. Eu fui reintroduzido ao software livre de código aberto em 1992, quando estava trabalhando em alguns projetos para termos software livre para clientes e, claro, em 1994, quando conheci Linus Torvalds e vi o Linux pela primeira vez.

KL: E foi assim que você se envolveu com Linux?

Maddog: Isso mesmo. Eu encontrei o Linus numa conferência da DECUS (Digital Equipment Corporation User’s Society – onde Maddog trabalhava em 1994). O irônico é que foi a DECUS que me fez conhecer o código aberto em 1969. Quando conheci Linus, ele estava falando sobre o projeto do Linux e gostei dele imediatamente. Então peguei o [código do] Linux e vi que era um projeto muito bom, melhor do que outros que estavam por aí. Achei que havia um bom potencial, não só como hobby ou um sistema técnico, mas na esfera comercial. Então convenci a empresa em que trabalhava a dar suporte ao Linus. Nós tínhamos alguns funcionários da Digital, assim como alguns membros da comunidade, trabalhando neste projeto.

KL: Muita gente no Brasil não sabe o que é Linux, acham que é difícil de usar. Isso é verdade, é difícil usar Linux?

Maddog: Eu acho que hoje em dia o Linux é tão fácil de usar quanto o Windows. Podemos melhorá-lo? Sim, podemos. O maior problema é que as pessoas simplesmente não estão acostumadas com o Linux. Ele é diferente do Windows e elas se sentem mais confortáveis com o Windows, porque sabem que na sala ao lado tem alguém que também usa Windows e pode pedir ajuda. Dessa forma, parte do plano da Koolu é ter um suporte local, próximo ao cliente, de forma que as pessoas podem ir até ele e tirar dúvidas. Isso fará com que elas se sintam melhores em relação a usar Linux e software livre.

KL: Como poderíamos educar os novos usuários para começar a entender de software livre desde a escola?

Maddog: Isso já começou. Jovens são ótimos em investigar e tentar aprender novas coisas. É só quando ficamos mais velhos que, de alguma forma, perdemos essa habilidade. Ficamos mais receosos de cometer erros que os mais jovens. Por isso, muitos jovens no ensino médio e na faculdade estão naturalmente adotando o software livre de código aberto. Eles percebem que não só podem aprender o que o programa faz, como podem aprender como ele funciona, e ainda ajudar a comunidade e fazer com que funcione ainda melhor.

Então se eles têm interesse em música, tem vários programas de áudio. Se têm interesse em vídeo, tem programas de edição de vídeo. Eles podem trabalhar em todos esses projetos e ajudá-los a ficarem melhores, então eles têm controle sobre o desenvolvimento do programa.

KL: Que conselhos você daria para os estudantes de ensino médio entrarem nesse mercado?

Maddog: Eu penso que um estudante de ensino médio, ou um estudante universitário, particularmente alguém que está estudando ciência da computação e como os computadores funcionam deveria aprender a fundo como as coisas funcionam. Tem um monte de gente hoje em dia que diz “você não tem que aprender Assembly, ou linguagem de máquina, porque Java é boa o suficiente, ou alguma outra linguagem de alto nível é boa o suficiente”. Mas o problema com essa filosofia é que você não entende como o computador está funcionando internamente. Você diz “acho que meu programa está rodando razoavelmente rápido”, mas existem pequenas mudanças que você poderia fazer para que o programa rodasse 10 vezes, 15 vezes, 40 vezes mais rápido.

Esta é a diferença entre alguém que realmente entende como um computador funciona e alguém que entende “por alto”. Eu recomendo aprender como funciona a linguagem de máquina, o que é memória cache, o que é um disco rígido, como ele realmente funciona, e como isso afeta o seu programa. Então, quando você tiver aprendido isso, você poderá aprender qualquer coisa pelo resto de sua vida, nada será uma caixa preta para você.

Kauê Linden: Em 2007 o número de computadores no Brasil aumentou em 44%, e o número de usuários com acesso à internet está crescendo muito também. Como podemos incentivar os novos usuários a usar software livre?

Maddog: Uma infinidade de coisas. Em primeiro lugar, o governo fiscalizar mais os softwares piratas. O interessante da coisa é que eu falei com a Microsoft, alguns gerentes de produto da Microsoft, e eles dizem “nós preferimos que as pessoas usem nosso software pirata do que software livre, porque usando software livre eventualmente elas ficarão acostumadas e não comprarão nosso software nunca”. Mas a Microsoft também financia a Business Software Alliance, uma organização que processa pessoas por aí por usarem software pirata. Eu considero um pouco hipócrita.

Se o governo fiscalizasse de verdade e fizesse com que as pessoas parassem de usar software pirata - como já é feito na China -, se a Microsoft ativasse todo o programa de proteção a pirataria que já vem embutido no seu sistema, ou se o governo criasse computadores de inclusão digital que não fossem capazes de executar satisfatoriamente o sistema da Microsoft mas rodassem bem software livre, então tudo isso reduziria significativamente o modelo de software pirata que nós temos e encorajaria o uso de software livre.

Outra coisa importante é o conceito de Padrões Livres (Open Standards). Por exemplo, o formato MP3 é um padrão para música digital, mas tem patentes muito profundas sobre ele. É praticamente impossível criar um tocador de MP3 sem pagar royalty a uma ou mais empresas. O Ogg Vorbis é um padrão de música livre e faz um trabalho melhor que o MP3. O problema é que poucas pessoas o utilizam. Eu tenho um tocador portátil capaz de tocar música Ogg Vorbis. Se nós encorajássemos as empresas a produzir estes aparelhos, recusando modelos que só tocam MP3, ajudaríamos o padrão Ogg Vorbis a ganhar mais e mais suporte. Talvez ficássemos livres de pagar royalties às patentes do MP3.

Nós precisamos ter padrões nas empresas e no governo que sejam implementados livremente, dessa forma as empresas não precisarão pagar royalties. Como encorajamos mais pessoas a utilizarem software livre? Acredito que parte é desenvolver formas novas e inteligentes para as pessoas usarem software livre para reduzir seu custo, o que é mais difícil de fazer usando software proprietário.

Uma dessas maneiras é o modelo de thin client. Você tem servidores que carregam todos os programas e dados do usuário, e uma série de thin clients bem pequenos que apenas acessam os dados e os programas. Utilizando programas da Microsoft, você precisaria de uma licença para cada thin client. Com software livre, você não precisa de nada disso. Então o custo do sistema como um todo é bem mais barato do que seria com software proprietário.

KL: O que é um thin client?

Maddog: Um thin client é basicamente um computador com poder de processamento, memória e conexão de internet suficiente para transferir informação em altas velocidades, mas que não executa os programas em si, e sim no servidor. Isso é importante hoje em dia porque a maioria dos computadores PC hoje são perfeitamente capazes de suportar 8 ou mesmo 10 usuários ao mesmo tempo, particularmente usuários utilizando programas de escritório ou navegando na internet. O thin client pode ter um gasto energético muito reduzido, ser bem pequeno e sem ventoinhas, sendo bem silencioso. Pode até mesmo ser incorporado ou montado atrás de um monitor LCD. Isto significa redução no gasto de energia elétrica, redução na dissipação de calor, redução do barulho numa sala de aula ou escritório e todos os dados e programas estão no servidor. Isto é parte do cenário que o Koolu trará.

KL: O que é o Koolu?

Maddog: Koolu é uma companhia que está trazendo para o mundo um computador de baixo custo, baixo gasto energético e ecológico. Nós acreditamos fortemente no tipo de arquitetura de thin client onde há o mínimo de software no computador do usuário e todo o trabalho é feito por um servidor. Mas, ao contrário de outras companhias, nós também acreditamos que o cliente deve escolher onde o servidor deve ficar. Se ele quiser o servidor bem próximo, no porão de casa ou no seu apartamento, tudo bem. Se preferir guardar os dados bem longe e mantê-los numa solução de armazenamento, também está bem. Nós lhes damos escolhas.

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KL: Já existe algum Koolu funcionando no Brasil?

Maddog: Até agora nós tivemos basicamente demonstrações. As pessoas estão tentando entender o modelo, compreender do que ele é capaz. Muita gente não acredita que essa pequena caixa que usa apenas 15 a 20 watts de energia pode realmente fazer o mesmo trabalho que o computador bem maior sobre a mesa. Assim que as pessoas descobrirem que “sim, pode ser feito” e “nós reconhecemos a rentabilidade do seu modelo”, então eles começarão a comprar mais sistemas.

Kauê Linden: No Brasil, estima-se que 98% dos computadores desktop rodam Windows, mas muitas deles são piratas, cópias pirateadas. O que você pensa sobre isso?

Maddog: Programas piratas são ruins por diversas razões. Em primeiro lugar, dá a entender que não há problema algum em roubar programas, cai na normalidade. Acredito veementemente que, se uma pessoa escreve um programa ou se cria uma música ou pinta um quadro, ela tem o direito de determinar o que acontece com este programa, música ou obra de arte. Tradicionalmente, isto é chamado de direito autoral. Programas piratas prejudicam o mercado de software. Eu acredito que a venda de programa como serviço é o caminho que devemos tomar. Nós deveríamos ter o direito de fazer mudanças no programa.

As coisas mudaram desde 1977, 1980. Existem muito, muito mais pessoas usando computadores. Muito mais pessoas capazes de escrever programas. Existem muito mais pessoas com necessidades diferentes que precisam ser atendidas, e elas não são atendidas por empresas grandes que têm recursos limitados para produzir software. Mesmo a Microsoft é limitada em seus recursos. Eles não podem atender os desejos de cada consumidor. E, mesmo se pudessem, isto não seria lucrativo. Então eles sequer levam isto em consideração.

A lição que o copyright nos dá é que a pirataria de programas é ruim. O que nós deveríamos estar fazendo é dando valor ao copyright, dizendo que o dono do programa tem direito de fazer o que quiser com ele, mas ao mesmo tempo incentivando-o a liberá-lo sobre uma licença livre de forma com que ele possa ser distribuído. Isso ajudaria a todos.

v-forum-288.jpg KL: Para pequenas e médias empresas, qual é a vantagem de usar código aberto?

Maddog: Flexibilidade. Quando se é uma pequena empresa, é bem difícil ter atenção de uma empresa grande como a Microsoft, a Oracle, de qualquer gigante de software. Eles têm milhões de clientes e, mesmo que você tenha um pedido que é muito importante para seu negócio, não será de grande importância para eles devido ao seu pequeno porte. Com software livre e aberto, você pode tomar uma decisão - a sua decisão: se deseja contratar alguém para adaptar o software às suas necessidades ou para consertar um bug que te impede de avançar. Você poderá repassar esta correção à comunidade e nunca mais verá este bug novamente. Isto é uma vantagem.

Outra vantagem é poder expandir o software por seus próprios meios para fazer com que ele tenha funcionalidades que não tem no momento. Por exemplo, o povo que fala swahili (50 milhões de falantes na África) nunca pôde usar um editor de texto em sua própria língua.
Então eles entraram em contato com os programadores do OpenOffice e contrataram um programador para fazer o trabalho. Ele estudou o software, trabalhou no suporte ao swahili e agora o OpenOffice suporta não só uma versão do swahili, mas todos os quatro dialetos. Este é um exemplo de como um grupo de pessoas, uma empresa ou um pequeno grupo pode influenciar um software no universo de código livre. Em produtos de grandes empresas como a Oracle ou a Microsoft, isto seria impraticável.

Kauê Linden: Você acha que a Microsoft está em risco por causa do Linux?

Maddog: Eu acho que a Microsoft está em risco por ter construído seu modelo de negócios em cima da visão do software como um produto. Dessa forma, eles dependem de parceiros para dar suporte como serviço. Se eles trocarem de modelo para vender software como serviço, basicamente colocarão em risco o negócio dos seus parceiros, passarão por cima dos negócios que os parceiros têm. Então a Microsoft está tentando manter os rendimentos vendendo produtos e, ao mesmo tempo, tentam converter a organização para o modelo de serviços sem passar por cima dos parceiros - o que é uma tarefa bem complicada.

KL: Então o Linux não coloca a Microsoft em risco?

Maddog: Não é o Linux em si, mas sim o conceito de software livre, ou software como serviço que coloca a Microsoft em risco.

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KL: Você tem viajado ao Brasil e deu palestras em muitos eventos. O que você pensa da posição brasileira em relação ao software livre? Acha que estamos fazendo bem nosso trabalho?

Maddog: Eu já disse isso publicamente em muitos lugares fora do Brasil: eu acho que o Brasil é uma estrela brilhante no software livre. A comunidade, a indústria e o governo trabalham junto com alguma freqüência para resolver problemas. A comunidade, os empresários e o governo trabalham junto para patrocinar conferências de software livre, o que considero muito importante. Eu acredito que o governo está encorajando empresas a pensar diferentes formas de vender software, vender serviços. Desta forma, os empresários podem fazer a transição de um modelo de software proprietário, de código fechado, para um software livre, de código aberto. E eu reforço essa questão do software livre, porque na verdade conheço muitas empresas que fizeram mais dinheiro com software livre do que faziam com software proprietário “de caixinha”.

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