As correntes do debate econômico na América Latina
O que sabemos, depois de 25 anos de políticas ortodoxas, é que as exportações cresceram e os salários não, a taxa de formação bruta de capital está estancada, com maior concentração de renda, e surgiu a consciência de que a privatização significou passar ativos do Estado principalmente para empresas transnacionais, não trazendo uma melhoria nos serviços, senão tornando-os mais caros.
ALAI AMLATINA, México DF - Apesar de, às vezes, não parecer, há discussões econômicas alternativas sobre desenvolvimento econômico na América Latina. Mais na América do Sul do que em outras latitudes, e estão em curso de uma forma ou de outra. Existem essencialmente duas vertentes teóricas circulando na América Latina até agora. A primeira, que poderíamos denominar vertente do conhecimento, parte do princípio de que estamos na era do conhecimento e que a utilização deste conhecimento para agregar valor a bens e serviços pode ser um motor para o desenvolvimento sustentável. Por trás disto estariam Jorge Katz e Carlota Pérez, basicamente, embora este seja um ponto sobre o qual é preciso refletir e elaborar muito mais.
Do outro lado estariam aqueles chamados de “populistas”, que não são propriamente uma escola nem uma corrente teórica, mas que a partir de uma prática política real de redistribuição de renda conseguiram fazer crescer suas economias, reduzir a pobreza, e amortecer o efeito da crise internacional que, de fato, ainda não começou a ser sentido na América Latina a não ser pelo efeito inflacionário. Estão nessa linha os governos da Bolívia, Argentina, Brasil e Venezuela, junto com o recém chegado Equador, que também está tentando fazer isto. Todos têm um componente de expansão da demanda interna bastante importante, que provoca um impacto sobre os preços dos alimentos e causa a escassez de alguns artigos que eles não produzem.
Não estão pensando no desenvolvimento futuro, mas em como recuperar os 25 anos perdidos desde 1981 e em como fazer para retornar aos níveis de renda por habitante da década de 1970, quando chegou ao seu ponto mais alto. Estes e os primeiros têm em comum uma preocupação pela atuação do Estado e precisam com urgência de maiores arrecadações fiscais para poder alimentar o crescimento liderado pelo gasto público, que, na verdade, agora é, parcialmente, um subsídio ao consumo.
Há um terceiro grupo, que eu chamaria de “escola asiática de Cambridge” e que é um grupo de pós-keynesianos que refletiram sobre o que tem sido feito na Ásia durante as últimas décadas e, além disso, sobre os impedimentos para o desenvolvimento econômico colocados pelo Ocidente, seja através do FMI, do BM, da OMC ou pela soma de todos eles. Neste grupo estão Jomo K.S., autor de The Misunderstood Asian Miracle; Jong-Ho Chang, com The Bad Samaritans; Ajit Singh, com Jayayit e, de alguma maneira, os trabalhos de Walden Bello, que têm um viés mais político do que estritamente econômico. Uma preocupação desse grupo é o contrabando do desenvolvimento asiático que está sendo feito no Ocidente, como se fosse sob as linhas ortodoxas. Como ocorre, por exemplo, com The World is Flat, de Thomas Friedman.
Todos eles coincidem em indicar que o alto crescimento asiático é possível porque há política industrial, intervenção pública no investimento, regulamentações, proteção do mercado em algumas etapas e um processo de acumulação de conhecimentos. A Ásia desenvolveu-se nesta visão com muita poupança interna, que vem de altos impostos, um nível de proteção às industrias jovens e muito investimento em educação. O comum denominador dos asiáticos é a falta de recursos naturais, o que os tem obrigado a lançar mão da sua única fonte real de riqueza: o tamanho do seu mercado, a qualidade da sua força de trabalho e a capacidade de inovação.
O parentesco entre os trabalhos desses grupos conceituais está em que todos dão importância ao conhecimento e à cultura. Seu único capital é a força de trabalho. Provavelmente, na América Latina o único país que circula por essa via é Cuba, um caso que não tem sido pensado nem estudado adequadamente desde as mudanças dos anos 1990, mas que mantém taxas estáveis de crescimento há mais de uma década, com uma média de mais de 8% , segundo a CEPAL.
Há outro grupo que trabalha temas de integração econômica e financeira e que não está coordenado com o anterior. Neste grupo estariam Arestis e de Paula, com seu trabalho South American Monetary Union que vai em busca de uma moeda única visando a ampliação do mercado, somado com Brasil e Argentina com uma única política monetária. Trata-se de uma primeira tentativa nessa direção. Outra é o esquema apresentado em Genealogia da Arquitetura Financeira Internacional, de Ugarteche, cujo último capítulo revisa os esquemas que estão em marcha na Ásia, África, Oriente Médio, Europa e América do Sul buscando desatrelar as economias do dólar e fortalecer o mercado interno ampliado regionalmente. Nesta escola está Bárbara Fritz, da Universidade Livre de Berlim.
Finalmente, como núcleo teórico estão Joan Martínez Allier e o grupo em torno da revista Ecologia Política de Barcelona, o do Instituto de Ecologia Política de Santiago do Chile e a Rede Ibero-Americana de Economia Ecológica, REDIBEC, que trabalham com o conceito da dívida ecológica e adentram na noção do desenvolvimento ao tentar promover um desenvolvimento que respeite e conserve o entorno, tendo em vista o aquecimento global e os danos acumulados nos quinhentos anos de história colonial. Este grupo, por enquanto, é o mais alternativo de todos, visto que foge do padrões convencionais de análise econômica e defende o desenvolvimento a partir da conservação e recuperação da natureza. O interessante deste grupo, que não está articulado, é que busca, em muitos casos, a compensação pelos danos causados ao ambiente no passado, chamado por alguns de “dívida colonial”.
Finalmente, em linhas gerais, a ortodoxia e as instituições multilaterais que lhe deram força e poder político está de saída: o FMI terminou suas funções e, apesar de que ainda não encerrou sua existência, está a caminho de encolher de forma importante, como resultado da frustração global dos governos e das sociedades com suas recomendações de políticas e diante da perda de credibilidade, legitimidade e recursos que tem sofrido após as crises da Ásia, Rússia, Argentina e, principalmente, da sua paralisia diante da queda da economia dos Estados Unidos e da irrelevância da sua participação frente à imensa crise norte-americana, cujo sintoma são hipotecas-lixo, com uma inadimplência de 1 trilhão de dólares, mais do que o PIB do Brasil e do México somados.
A carteira do FMI reduziu-se, em 2007, a um terço do que era em 2003. O Banco Mundial, por sua vez, que desempenhou o papel de partido político, que trazia as idéias, a agenda política, os técnicos e produzia os empréstimos para pagar os partidos –e que teve um papel tão importante na ditadura peruana de Alberto Fujimori– também tem sentido seus condicionamentos crescentes e múltiplos, de tal maneira que os clientes, que são governos, optaram por não pedir emprestado e, pelo contrário, devolver-lhes seu dinheiro. Sua carteira perdeu 40% entre 1996 e 2006. Com seu enfraquecimento e com o auge asiático veio a nova consciência, ainda em construção, de que o mercado puro e duro não é o caminho do desenvolvimento justo, distributivo e ecologicamente sustentável.
O que sabemos, depois de 25 anos de políticas ortodoxas na América Latina, é que as exportações cresceram e os salários não, a taxa de formação bruta de capital está estancada, há pressões tributárias modestas, com maior concentração de renda, e surgiu a consciência de que a privatização significou passar ativos do Estado principalmente para empresas transnacionais, mas não trazendo uma melhoria nos serviços, senão tornando-os mais caros. Telmex, do México, com as tarifas mais altas da América Latina e com uma qualidade de serviço horrorosa, como em geral são os serviços privatizados no México, é um destes casos.
Os bancos comerciais que cobram comissões obscenas e taxas de juro várias vezes maiores que a internacional, que já tiveram que ser salvos em todas partes uma ou duas vezes, é outro. A tendência atual, portanto, em quase todos os países, tem sido recuperar o controle acionário das empresas privatizadas que geram altos lucros. Esta é a base da altíssima taxa de crescimento econômico da Bolívia, apesar das tentativas de desestabilização norte-americanas, por exemplo.
Em construção, para dar vida às novas idéias de desenvolvimento, está o Banco do Sul, que tem como signatários oito dos dez países sul-americanos, a unidade de contas sul-americana, lançada inicialmente por Alan García em Quito, em janeiro de 2007, e que foi mencionada na declaração de Quito de maio de 2007 e batizada por Evo Morales como a “Pacha”. Também está em curso uma dinâmica de integração sul-americana nos planos econômicos, financeiro, político e militar que é inédita, com alguns governos menos interessados do que outros, mas no fim todos pensando que é melhor ter uma atuação conjunta no plano global do que uma atuação singular. O inimigo deste processo é G. W. Bush, que, por sorte, tem apenas poucos meses de governo antes de entrar na lixeira da história.
- Oscar Ugarteche, economista peruano, trabalha no Instituto de Investigações Econômicas da UNAM, México, e integra a Rede Latino-americana de Dívida, Desenvolvimento e Direitos (Latindadd). É presidente de ALAI
Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores
Do outro lado estariam aqueles chamados de “populistas”, que não são propriamente uma escola nem uma corrente teórica, mas que a partir de uma prática política real de redistribuição de renda conseguiram fazer crescer suas economias, reduzir a pobreza, e amortecer o efeito da crise internacional que, de fato, ainda não começou a ser sentido na América Latina a não ser pelo efeito inflacionário. Estão nessa linha os governos da Bolívia, Argentina, Brasil e Venezuela, junto com o recém chegado Equador, que também está tentando fazer isto. Todos têm um componente de expansão da demanda interna bastante importante, que provoca um impacto sobre os preços dos alimentos e causa a escassez de alguns artigos que eles não produzem.
Não estão pensando no desenvolvimento futuro, mas em como recuperar os 25 anos perdidos desde 1981 e em como fazer para retornar aos níveis de renda por habitante da década de 1970, quando chegou ao seu ponto mais alto. Estes e os primeiros têm em comum uma preocupação pela atuação do Estado e precisam com urgência de maiores arrecadações fiscais para poder alimentar o crescimento liderado pelo gasto público, que, na verdade, agora é, parcialmente, um subsídio ao consumo.
Há um terceiro grupo, que eu chamaria de “escola asiática de Cambridge” e que é um grupo de pós-keynesianos que refletiram sobre o que tem sido feito na Ásia durante as últimas décadas e, além disso, sobre os impedimentos para o desenvolvimento econômico colocados pelo Ocidente, seja através do FMI, do BM, da OMC ou pela soma de todos eles. Neste grupo estão Jomo K.S., autor de The Misunderstood Asian Miracle; Jong-Ho Chang, com The Bad Samaritans; Ajit Singh, com Jayayit e, de alguma maneira, os trabalhos de Walden Bello, que têm um viés mais político do que estritamente econômico. Uma preocupação desse grupo é o contrabando do desenvolvimento asiático que está sendo feito no Ocidente, como se fosse sob as linhas ortodoxas. Como ocorre, por exemplo, com The World is Flat, de Thomas Friedman.
Todos eles coincidem em indicar que o alto crescimento asiático é possível porque há política industrial, intervenção pública no investimento, regulamentações, proteção do mercado em algumas etapas e um processo de acumulação de conhecimentos. A Ásia desenvolveu-se nesta visão com muita poupança interna, que vem de altos impostos, um nível de proteção às industrias jovens e muito investimento em educação. O comum denominador dos asiáticos é a falta de recursos naturais, o que os tem obrigado a lançar mão da sua única fonte real de riqueza: o tamanho do seu mercado, a qualidade da sua força de trabalho e a capacidade de inovação.
O parentesco entre os trabalhos desses grupos conceituais está em que todos dão importância ao conhecimento e à cultura. Seu único capital é a força de trabalho. Provavelmente, na América Latina o único país que circula por essa via é Cuba, um caso que não tem sido pensado nem estudado adequadamente desde as mudanças dos anos 1990, mas que mantém taxas estáveis de crescimento há mais de uma década, com uma média de mais de 8% , segundo a CEPAL.
Há outro grupo que trabalha temas de integração econômica e financeira e que não está coordenado com o anterior. Neste grupo estariam Arestis e de Paula, com seu trabalho South American Monetary Union que vai em busca de uma moeda única visando a ampliação do mercado, somado com Brasil e Argentina com uma única política monetária. Trata-se de uma primeira tentativa nessa direção. Outra é o esquema apresentado em Genealogia da Arquitetura Financeira Internacional, de Ugarteche, cujo último capítulo revisa os esquemas que estão em marcha na Ásia, África, Oriente Médio, Europa e América do Sul buscando desatrelar as economias do dólar e fortalecer o mercado interno ampliado regionalmente. Nesta escola está Bárbara Fritz, da Universidade Livre de Berlim.
Finalmente, como núcleo teórico estão Joan Martínez Allier e o grupo em torno da revista Ecologia Política de Barcelona, o do Instituto de Ecologia Política de Santiago do Chile e a Rede Ibero-Americana de Economia Ecológica, REDIBEC, que trabalham com o conceito da dívida ecológica e adentram na noção do desenvolvimento ao tentar promover um desenvolvimento que respeite e conserve o entorno, tendo em vista o aquecimento global e os danos acumulados nos quinhentos anos de história colonial. Este grupo, por enquanto, é o mais alternativo de todos, visto que foge do padrões convencionais de análise econômica e defende o desenvolvimento a partir da conservação e recuperação da natureza. O interessante deste grupo, que não está articulado, é que busca, em muitos casos, a compensação pelos danos causados ao ambiente no passado, chamado por alguns de “dívida colonial”.
Finalmente, em linhas gerais, a ortodoxia e as instituições multilaterais que lhe deram força e poder político está de saída: o FMI terminou suas funções e, apesar de que ainda não encerrou sua existência, está a caminho de encolher de forma importante, como resultado da frustração global dos governos e das sociedades com suas recomendações de políticas e diante da perda de credibilidade, legitimidade e recursos que tem sofrido após as crises da Ásia, Rússia, Argentina e, principalmente, da sua paralisia diante da queda da economia dos Estados Unidos e da irrelevância da sua participação frente à imensa crise norte-americana, cujo sintoma são hipotecas-lixo, com uma inadimplência de 1 trilhão de dólares, mais do que o PIB do Brasil e do México somados.
A carteira do FMI reduziu-se, em 2007, a um terço do que era em 2003. O Banco Mundial, por sua vez, que desempenhou o papel de partido político, que trazia as idéias, a agenda política, os técnicos e produzia os empréstimos para pagar os partidos –e que teve um papel tão importante na ditadura peruana de Alberto Fujimori– também tem sentido seus condicionamentos crescentes e múltiplos, de tal maneira que os clientes, que são governos, optaram por não pedir emprestado e, pelo contrário, devolver-lhes seu dinheiro. Sua carteira perdeu 40% entre 1996 e 2006. Com seu enfraquecimento e com o auge asiático veio a nova consciência, ainda em construção, de que o mercado puro e duro não é o caminho do desenvolvimento justo, distributivo e ecologicamente sustentável.
O que sabemos, depois de 25 anos de políticas ortodoxas na América Latina, é que as exportações cresceram e os salários não, a taxa de formação bruta de capital está estancada, há pressões tributárias modestas, com maior concentração de renda, e surgiu a consciência de que a privatização significou passar ativos do Estado principalmente para empresas transnacionais, mas não trazendo uma melhoria nos serviços, senão tornando-os mais caros. Telmex, do México, com as tarifas mais altas da América Latina e com uma qualidade de serviço horrorosa, como em geral são os serviços privatizados no México, é um destes casos.
Os bancos comerciais que cobram comissões obscenas e taxas de juro várias vezes maiores que a internacional, que já tiveram que ser salvos em todas partes uma ou duas vezes, é outro. A tendência atual, portanto, em quase todos os países, tem sido recuperar o controle acionário das empresas privatizadas que geram altos lucros. Esta é a base da altíssima taxa de crescimento econômico da Bolívia, apesar das tentativas de desestabilização norte-americanas, por exemplo.
Em construção, para dar vida às novas idéias de desenvolvimento, está o Banco do Sul, que tem como signatários oito dos dez países sul-americanos, a unidade de contas sul-americana, lançada inicialmente por Alan García em Quito, em janeiro de 2007, e que foi mencionada na declaração de Quito de maio de 2007 e batizada por Evo Morales como a “Pacha”. Também está em curso uma dinâmica de integração sul-americana nos planos econômicos, financeiro, político e militar que é inédita, com alguns governos menos interessados do que outros, mas no fim todos pensando que é melhor ter uma atuação conjunta no plano global do que uma atuação singular. O inimigo deste processo é G. W. Bush, que, por sorte, tem apenas poucos meses de governo antes de entrar na lixeira da história.
- Oscar Ugarteche, economista peruano, trabalha no Instituto de Investigações Econômicas da UNAM, México, e integra a Rede Latino-americana de Dívida, Desenvolvimento e Direitos (Latindadd). É presidente de ALAI
Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores
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