“A que atribuir este
súbito ressurgimento dos símbolos e do pensamento nazi na política
boliviana? É óbvio que há uma crise profunda nas direitas.
Fechou-se-lhes o campo democrático. Não gozam de aceitação popular; não
podem aspirar à conquista da maioria dos votos. Nessas circunstâncias
não lhes resta outro caminho que não seja o da conspiração aberta, o
recurso à subversão e à simulação política.”
Fora do país
fui surpreendido pela notícia, difundida pela internet, da realização de
um «Encontro Nacional Indianista-Katarista (ULAQA) que teve facetas
preocupantes. O encontra, realizado nas instalações da Universidade
Pública de El Alto (UPEA) e patrocinado por 7 entidades, entre elas a
Cátedra de Sociologia, tinha um conteúdo estranho. Foram exibidos
«estandartes» com simbologia nazi e alguns dos vestiam capotes que
imitavam os dos soldados nazis e braceletes com a típica suástica. Além
disso tinham um estranho discurso e poses que eram, como eles próprios
se encarregaram de explicitar, uma mistura de indianismo e nazismo que
não admite dúvidas sobre o seu enraizamento de extrema-direita,
fascista.
A essência nazi, que implica sempre racismo, exteriorizou-se
imediatamente. Um rapaz loiro que ingenuamente participava, talvez
levado pelo sentimento que há hoje na Bolívia de que se deve apoiar toda
a manifestação índia e de mudança, foi expulso da reunião com violência
verbal e uma «argumentação» esfarrapada e ridícula. Disseram-lhe que
por ter «mais pelos na cara» estava mais próximo do macaco e por isso
menos evoluído, incapacitado «para fazer a revolução». Em suma, que era
de um escalão inferior da evolução do homo sapiens. Concluindo a
irracional argumentação, acusaram o criador da teoria da evolução das
espécies, o ilustre Charles Darwin, de ter «roubado a concepção
evolucionistada Porta do Sol». Atribuem ao grande cientista uma coisa
que nem sequer é coerente no tempo. Quando Darwin formulava a sua
teoria, na década de 30 do século XIX, duvidamos que tivesse notícia da
Porta do Sol.
Onde entendemos que foram coerentes é designarem-se de indianistas e
não indigenistas. O indianismo, desde Mariátegui e outros teóricos que
abordaram o tema, é a tendência ideológica destinada a exaltar e
proclamar os povos, a nacionalidades e etnias indígenas ou originárias
portadoras de valores e objectivos exclusivos. No caso de países como a
Bolívia, multinacionais (ou plurinacionais), plurilingues e
multiculturais, os objectivos destes povos só seriam alcançados e
poderiam realizar-se excluindo os outros, os não originários.
Não é a primeira vez que círculos indianistas recorrem ao uso de
símbolos fascistas. Há alguns anos, Fernando Antoja já utilizou a
suástica nazi num boletim cujo nome era, se a memória não me falha,
«Ayra». A sua explicação foi a de que este símbolo aparece em talhas
tiahunacotas. Mas a verdadeira explicação é outra. A corrente indianista
a que pertence Untoja não só utiliza estes símbolos como suposta
reminiscência da cultura andina, mas por uma – muito actual e nada
casual – identificação com essa simbologia de extrema-direita. Daquilo
que falamos é, ninguém duvide, de algo mais do que uma brincadeira de
adolescentes que não sabem o que procuram. São pessoas adultas, homens
feitos, que sabem perfeitamente o que querem. No caso concreto de Untoja
há uma correspondência perfeita com quem num determinado momento foi
deputado do ditador Banzer e depois reiteradamente candidato fracassado
de formações da direita; tenaz opositor de Evo Morales ao processo de
mudanças.
Esta tendência não é única. Em pista separada há outros indianistas
que há já algum tempo desenvolvem uma política de direita e
etnocentrista que continuam a esconder-se atrás da máscara indianista ou
indigenista.
A que atribuir este súbito ressurgimento dos símbolos e do
pensamento nazi na política boliviana? É óbvio que há uma crise profunda
nas direitas. Fechou-se-lhes o campo democrático. Não gozam de
aceitação popular; não podem aspirar à conquista da maioria dos votos.
Nessas circunstâncias não lhes resta outro caminho que não seja o da
conspiração aberta, o recurso à subversão e à simulação política. Mas ao
mesmo tempo necessitam de executores e preferentemente que não apareçam
directamente ligados às organizações ou correntes tradicionais do
conservadorismo. Entre estas organizações e tendências estão os que
aparentam proximidade ideológica ou de classe e nacional-étnica.
Inclusivamente, aqui estão aqueles grupos e personagens que em algum
momento aderiram à causa que hoje combatem freneticamente. Grupos,
correntes, organizações e personagens de diverso jaez tornam-se
funcionais aos planos do imperialismo e da direita. Mariátegui
evidenciava-o quando na sua recompilação «Ideologia e política», há 80
anos, dizia que a intelectualidade burguesa elucubrava com a raça, para
desviar a atenção dos reais problemas do povo.
Referimos Untoja, mas também aqui há personagens como Félix Patzi,
não para o citar, mas para referir o mais visível do grupo que
poderíamos chamar de os frustrados. Há alguma coisa em comum entre
Untoja, Felipe Quispe, V.H. Cárdenas, Alejo Véliz, Román Loayza e Patzi?
Além das ambições pessoais e de protagonismo, há o discurso, a retórica
acerca do «colonialismo interno». E aqui está um ponto importante. O
anticolonialismo interno também se converte numa máscara que não tem
nada a ver com o anti-imperialismo real e efectivo. Também não tem muito
a ver com o verdadeiro combate à oligarquia. Para a totalidade do
conjunto referido (tocam todos a mesma partitura) as projecções
anti-imperialista e anti-oligárquica não existem como essência e
abordagem de classe.
Por último não podemos deixar de ver um aspecto mais, próprio das
situações de grande viragem histórica. É o momento da política quando a
confusão ideológica e doutrinal é um campo escorregadio e movediço. Há
um caso na história do fascismo espanhol. O criador das Juntas Operárias
Nacional-Sindicalistas concluía os seus manifestos «dando vivas à
Itália fascista, à Alemanha nazi e à Rússia Soviética!». Aparentemente
um alteração grave da palavra e do pensamento que pode penetrar,
sobretudo numa juventude despolitizada desorientada, mas emocionalmente
disposta á acção, a qualquer acção. Não será difícil encontrar os que
dentro e fora do país manejam os actores que podem causar mais
transtornos, quando do que se trata é de conseguir estabilidade, paz e
democracia para continuar a mudar a Bolívia
* Marcos Domich, Professor na Universidade de La Paz, é amigo e
colaborador de odiario.info.
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