quinta-feira, 8 de abril de 2010

O fascismo na Bolivia....

Bolívia: Erradicar os surtos fascistas

Marcos Domich*
Marcos Domich 
“A que atribuir este súbito ressurgimento dos símbolos e do pensamento nazi na política boliviana? É óbvio que há uma crise profunda nas direitas. Fechou-se-lhes o campo democrático. Não gozam de aceitação popular; não podem aspirar à conquista da maioria dos votos. Nessas circunstâncias não lhes resta outro caminho que não seja o da conspiração aberta, o recurso à subversão e à simulação política.”
Fora do país fui surpreendido pela notícia, difundida pela internet, da realização de um «Encontro Nacional Indianista-Katarista (ULAQA) que teve facetas preocupantes. O encontra, realizado nas instalações da Universidade Pública de El Alto (UPEA) e patrocinado por 7 entidades, entre elas a Cátedra de Sociologia, tinha um conteúdo estranho. Foram exibidos «estandartes» com simbologia nazi e alguns dos vestiam capotes que imitavam os dos soldados nazis e braceletes com a típica suástica. Além disso tinham um estranho discurso e poses que eram, como eles próprios se encarregaram de explicitar, uma mistura de indianismo e nazismo que não admite dúvidas sobre o seu enraizamento de extrema-direita, fascista.
A essência nazi, que implica sempre racismo, exteriorizou-se imediatamente. Um rapaz loiro que ingenuamente participava, talvez levado pelo sentimento que há hoje na Bolívia de que se deve apoiar toda a manifestação índia e de mudança, foi expulso da reunião com violência verbal e uma «argumentação» esfarrapada e ridícula. Disseram-lhe que por ter «mais pelos na cara» estava mais próximo do macaco e por isso menos evoluído, incapacitado «para fazer a revolução». Em suma, que era de um escalão inferior da evolução do homo sapiens. Concluindo a irracional argumentação, acusaram o criador da teoria da evolução das espécies, o ilustre Charles Darwin, de ter «roubado a concepção evolucionistada Porta do Sol». Atribuem ao grande cientista uma coisa que nem sequer é coerente no tempo. Quando Darwin formulava a sua teoria, na década de 30 do século XIX, duvidamos que tivesse notícia da Porta do Sol.
Onde entendemos que foram coerentes é designarem-se de indianistas e não indigenistas. O indianismo, desde Mariátegui e outros teóricos que abordaram o tema, é a tendência ideológica destinada a exaltar e proclamar os povos, a nacionalidades e etnias indígenas ou originárias portadoras de valores e objectivos exclusivos. No caso de países como a Bolívia, multinacionais (ou plurinacionais), plurilingues e multiculturais, os objectivos destes povos só seriam alcançados e poderiam realizar-se excluindo os outros, os não originários.
Não é a primeira vez que círculos indianistas recorrem ao uso de símbolos fascistas. Há alguns anos, Fernando Antoja já utilizou a suástica nazi num boletim cujo nome era, se a memória não me falha, «Ayra». A sua explicação foi a de que este símbolo aparece em talhas tiahunacotas. Mas a verdadeira explicação é outra. A corrente indianista a que pertence Untoja não só utiliza estes símbolos como suposta reminiscência da cultura andina, mas por uma – muito actual e nada casual – identificação com essa simbologia de extrema-direita. Daquilo que falamos é, ninguém duvide, de algo mais do que uma brincadeira de adolescentes que não sabem o que procuram. São pessoas adultas, homens feitos, que sabem perfeitamente o que querem. No caso concreto de Untoja há uma correspondência perfeita com quem num determinado momento foi deputado do ditador Banzer e depois reiteradamente candidato fracassado de formações da direita; tenaz opositor de Evo Morales ao processo de mudanças.
Esta tendência não é única. Em pista separada há outros indianistas que há já algum tempo desenvolvem uma política de direita e etnocentrista que continuam a esconder-se atrás da máscara indianista ou indigenista.
A que atribuir este súbito ressurgimento dos símbolos e do pensamento nazi na política boliviana? É óbvio que há uma crise profunda nas direitas. Fechou-se-lhes o campo democrático. Não gozam de aceitação popular; não podem aspirar à conquista da maioria dos votos. Nessas circunstâncias não lhes resta outro caminho que não seja o da conspiração aberta, o recurso à subversão e à simulação política. Mas ao mesmo tempo necessitam de executores e preferentemente que não apareçam directamente ligados às organizações ou correntes tradicionais do conservadorismo. Entre estas organizações e tendências estão os que aparentam proximidade ideológica ou de classe e nacional-étnica. Inclusivamente, aqui estão aqueles grupos e personagens que em algum momento aderiram à causa que hoje combatem freneticamente. Grupos, correntes, organizações e personagens de diverso jaez tornam-se funcionais aos planos do imperialismo e da direita. Mariátegui evidenciava-o quando na sua recompilação «Ideologia e política», há 80 anos, dizia que a intelectualidade burguesa elucubrava com a raça, para desviar a atenção dos reais problemas do povo.
Referimos Untoja, mas também aqui há personagens como Félix Patzi, não para o citar, mas para referir o mais visível do grupo que poderíamos chamar de os frustrados. Há alguma coisa em comum entre Untoja, Felipe Quispe, V.H. Cárdenas, Alejo Véliz, Román Loayza e Patzi? Além das ambições pessoais e de protagonismo, há o discurso, a retórica acerca do «colonialismo interno». E aqui está um ponto importante. O anticolonialismo interno também se converte numa máscara que não tem nada a ver com o anti-imperialismo real e efectivo. Também não tem muito a ver com o verdadeiro combate à oligarquia. Para a totalidade do conjunto referido (tocam todos a mesma partitura) as projecções anti-imperialista e anti-oligárquica não existem como essência e abordagem de classe.
Por último não podemos deixar de ver um aspecto mais, próprio das situações de grande viragem histórica. É o momento da política quando a confusão ideológica e doutrinal é um campo escorregadio e movediço. Há um caso na história do fascismo espanhol. O criador das Juntas Operárias Nacional-Sindicalistas concluía os seus manifestos «dando vivas à Itália fascista, à Alemanha nazi e à Rússia Soviética!». Aparentemente um alteração grave da palavra e do pensamento que pode penetrar, sobretudo numa juventude despolitizada desorientada, mas emocionalmente disposta á acção, a qualquer acção. Não será difícil encontrar os que dentro e fora do país manejam os actores que podem causar mais transtornos, quando do que se trata é de conseguir estabilidade, paz e democracia para continuar a mudar a Bolívia
* Marcos Domich, Professor na Universidade de La Paz, é amigo e colaborador de odiario.info.

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