Wladimir Pomar - Correio da Cidadania | |
A campanha eleitoral está fazendo com que a direita retome suas versões
sobre o governo Lula, talvez um dos principais cabos eleitorais da
candidatura Dilma. Da mesma forma que alguns setores da esquerda, a
direita considera que o governo Lula simplesmente deu continuidade às
políticas neoliberais do governo FHC, e que seus sucessos se deveram a
tal continuidade.
É evidente que há confusão de conceitos e sinais. A direita quer
creditar os avanços do governo Lula às políticas neoliberais. Os setores
da esquerda, em oposição ao governo Lula, não acreditam que tenha
havido qualquer mudança e debitam essa falta de avanços justamente ao
suposto continuísmo neoliberal do governo.
A direita também fala de poucas mudanças. Mas elas estariam relacionadas
à falta de continuidade das privatizações, à descontinuidade na
transformação do Estado num Estado-Mínimo, e na não implementação de
outros planos em curso no governo FHC. Os setores oposicionistas de
esquerda, ao contrário, atacam Lula por ter persistido nas
privatizações, por haver entregue o Estado à pilhagem de setores
políticos corruptos, e por não haver realizado as mudanças estruturais
que a sociedade demanda.
Embora seja possível detectar essas diferenças de conteúdo entre o
discurso da direita e dos setores de esquerda, que estão em oposição ao
governo Lula, a grande massa da população brasileira não consegue
distinguir as nuances. A imagem que percebe é de uma unidade entre ambos
os discursos. Ainda mais que, tanto a direita quanto a oposição de
esquerda também expressam a opinião de que a popularidade do presidente
estaria mais relacionada à sua capacidade demagógica e de cooptação dos
movimentos sociais do que a qualquer percepção popular sobre as mudanças
reais de sua situação.
Esse quadro fica ainda mais confuso quando, por exemplo, tanto o
candidato Serra, quanto a candidata Marina, continuam elogiando os
supostos aspectos positivos do governo FHC, de triste memória, e
prometem dar continuidade a todos os programas do governo Lula. A
diferença consistiria em fazer "muito mais", com um governo de coalizão
que incluirá o DEM. O que leva boa parte do eleitorado a supor que os
setores da esquerda oposicionista estão apenas trabalhando pelo retorno
do desastre neoliberal ao governo.
Essa suposição poderá se tornar ainda mais forte se a candidatura Dilma
decidir fazer um acerto de contas com o passado nefasto das políticas do
governo FHC, nas quais Serra teve papel saliente e com as quais Marina
teve um namoro de muito tempo. Dilma pode mostrar os efeitos das
privatizações, que reduziram drasticamente os investimentos em
infra-estrutura e em novas indústrias, deixando que a malha rodoviária e
de portos se deteriorasse, que a produção de energia ficasse estagnada e
levasse ao apagão, e que grande parte do parque industrial brasileiro
entrasse em falência.
Dilma também pode mostrar o grau de destruição que as políticas
tucanopefelistas causaram aos sistemas de planejamento e de elaboração
de projetos do país, ao comércio exterior e às reservas internacionais
do país. Pode ainda mostrar, na ponta do lápis, como a justificativa da
venda das estatais para abater a dívida pública não passou de mentira
deslavada, e como a economia brasileira estava em estado de falência
quando Lula assumiu o governo em 2002.
Pode argumentar que foi essa situação caótica, herdada do governo FHC, e
as ameaças provenientes do sistema financeiro internacional, que
obrigaram o novo governo a adotar uma tática cuidadosa de enfrentamento.
Isto é, não aplicar o cavalo-de-pau que as burguesias estrangeiras e
parte da burguesia brasileira supunham que o novo governo iria aplicar.
Embora fosse possível ser mais ousado, naquele momento o governo Lula
preferiu não mexer em alguns pontos considerados pétreos pelo sistema
financeiro internacional, como a taxa de juros e o superávit primário.
Além disso, pode afirmar que a manutenção da disciplina fiscal e
monetária, observada pelo governo Lula desde então, pouco tem a ver com o
neoliberalismo. Enquanto existir Estado, capitalista ou socialista, a
disciplina fiscal e financeira terá que ser mantida para evitar fortes
desequilíbrios na situação econômica e social. O neoliberalismo se
apropriou hipócrita e teoricamente desse procedimento, para garantir que
os países devedores honrassem suas dívidas. Enquanto isso, seu
principal mentor, os Estados Unidos, continuaram transgredindo-a sem
pudor. Mas isso não significa que a disciplina fiscal e monetária deva
ser jogada no lixo como algo imprestável.
Por outro lado, pode mostrar que, num movimento de pinças que tinha como
forças principais o programa fome zero e a reorganização da capacidade
de planejamento e elaboração de projetos do Estado, o governo Lula foi
criando paulatinamente as condições para dar partida a um processo firme
e consistente de redistribuição de renda e crescimento econômico. Teve
muita gente, tanto à direita, quanto à esquerda, que não se deu conta
desse movimento relativamente silencioso, e acreditou que a manutenção
da macroeconomia neoliberal seria para sempre.
Apesar disso, a esquerda oposicionista continua acusando o governo Lula
de apenas ter promovido um modelo neo-desenvolvimentista que combina a
junção do capital financeiro com o capital produtivo, e pratica
políticas sociais de mitigação da pobreza. Portanto, não vê diferenças
programáticas substancias entre as candidaturas Serra e Dilma.
Não leva em conta as diferenças entre o segundo mandato e o primeiro.
Nem que, sem as manobras táticas do primeiro, talvez fosse difícil
realizar as mudanças ocorridas no segundo, mudanças que tiveram enorme
repercussão na vida e nas mentes das grandes massas populares do povo
brasileiro.
Mas a esquerda oposicionista sabe que a volta da direita ao governo será
um novo desastre para o povo brasileiro. Mesmo assim, e certamente sem
querer, seu oposicionismo acaba ajudando a direita, que esconde seu
histórico de políticas de espoliação do povo brasileiro e,
hipocritamente, promete dar continuidade aos programas e projetos do
governo Lula. Porém, talvez por isso, a candidatura Dilma se veja
acicatada a ser mais ofensiva na explicitação de suas diferenças com
Serra e Marina.
Wladimir Pomar é analista político e escritor.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Confusão de sinais
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