Mesmo que seja em passos pequenos ou curtos, a utopia se faz caminhando na direção correta.
Marcelo Barros no BrasilDeFato
Faltam
poucos dias para as eleições que darão ao Brasil novos/as gestores no
Governo Federal, Estados e no Legislativo. Há muitas promessas de
solução para os grandes problemas nacionais e a maioria dos brasileiros
votará na esperança de um futuro melhor. Muitas discussões políticas
incidem sobre o projeto de sociedade que nos é oferecido. Este coincide
ou não com aquele que muitas pessoas cultivam na mente e no coração. De
um modo ou de outro, estas eleições brasileiras e estas discussões sobre
o projeto político tem a ver com o processo dos fóruns sociais
mundiais. Ainda hoje, dez anos depois, quem acompanha este processo se
recorda do refrão cantado por todos desde 2001: “Aqui, um outro mundo é
possível, se a gente quiser!”. Este grito, lançado em todos os
continentes, provocou diversas conferências temáticas e muitos fóruns
regionais. Alguns criticaram que aquelas discussões aparentemente não
levavam a nada. Talvez, hoje, não possam dizer isso ao ver que a Bolívia
tem, pela primeira vez em sua história, um índio como presidente da
República e vários países do continente têm novas constituições cidadãs e
um caminho político novo e mais popular.
Em um de seus livros,
Eduardo Galeano faz um de seus personagens perguntar a um companheiro: -
Para que me serve a esperança (a utopia) se quando dou um passo em sua
direção, percebo que ela se afasta mais um passo?
O companheiro respondeu: - Serve para fazer você caminhar.
Neste
caminho para um mundo de paz, justiça e igualdade social, é importante
de um lado termos sempre sob os olhos a meta que queremos atingir, mas,
ao mesmo tempo, saber que isso só se dará se assumirmos as dificuldades e
etapas necessárias do caminho. Não existe utopia sem mediações. Tanto
no plano social e político, como mesmo no caminho da fé, é importante
termos claro a sociedade nova que desejamos construir, mas, ao mesmo
tempo, não descuidar das etapas necessárias para nos aproximar da meta.
Sem mediações, nossa luta social e política se tornaria não histórica e
sim messiânica, no sentido negativo do termo. No caminho da fé, todos os
dias os cristãos oram “Venha a nós o vosso reino”, ou seja, realize-se
aqui no mundo em que vivemos o projeto divino para a humanidade e o
planeta. Mas, é preciso ter em vista como este reino ou projeto divino
poderá se concretizar em nosso dia a dia.
As mediações são, em
geral, limitadas, incompletas e até ambíguas, como tudo o que é humano.
No entanto, rejeitá-las ou simplesmente ignorar a sua necessidade é cair
na arrogância. É preciso sempre apontar o que se almeja como ideal,
mas, ao mesmo tempo, ter a humildade de assumir o que é possível na
realidade do aqui e agora. Na sua regra para os monges, São Bento fala
da humildade como a capacidade de ter os pés na terra e viver a
fragilidade de cada dia. É claro que isso poderia nos levar a uma
acomodação conservadora ou pouco profética. Não cairemos nisso se
soubermos articular bem a utopia (o que almejamos) e as mediações ou
etapas do caminho.
Concretamente, no Brasil atual, esta humildade
social e política nos faz reconhecer as conquistas sociais e o caminho
positivo já percorrido nos últimos anos. Este ganho acumulado se deve,
sem dúvida, a um governo competente e que governou o Brasil com nova
sensibilidade social. Entretanto, estas conquistas sociais representam,
sobretudo, uma conquista dos movimentos populares e de toda a sociedade
civil que, nos últimos anos, amadureceu em sua consciência social e
política. É preciso salvaguardar as conquistas feitas. Apesar da guerra
suja, deflagrada pelos maiores meios de comunicação social do país
contra o caminho até aqui percorrido, a população mais pobre tem sabido
distinguir as coisas e mostra sua independência no julgamento. Não
apenas porque recebe uma ajuda social que é direito de todos, mas porque
se sente envolvido neste processo como um povo de cidadãos e não de
mendigos aos quais se jogam apenas migalhas do que sobra às classes
altas do país. A internet e a multiplicação de blogs democratizam mais
esta discussão e permitem uma forma de comunicação mais horizontal e
justa.
Neste caminho para a utopia, não há receitas ou regras
estabelecidas para as mediações. Entretanto, alguns princípios podem ser
úteis: 1º - a palavra de Gandhi: “comece por você mesmo a mudança que
propõe ao mundo”. 2º - sozinho, ninguém transforma nada. Não se sinta
acima e independente do caminho comum. Aceite a mediação do grupo e da
comunidade. 3º - Não adianta pensar que vamos para o leste, caminhando
para o oeste. Mesmo que seja em passos pequenos ou curtos, a utopia se
faz caminhando na direção correta. Podemos corrigir estratégias e rever
etapas, mas sempre no mesmo rumo.
Antoine de St. Exupéry, autor
do “O Pequeno Príncipe” dizia: “Um viajante que sobe uma montanha guiado
por uma estrela, se se deixar absorver demais pelos problemas e
dificuldades da escalada, se arrisca a perder de vista a estrela que o
guia”.
Marcelo Barros é monge beneditino.
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