quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A utopia e as mediações


Mesmo que seja em passos pequenos ou curtos, a utopia se faz caminhando na direção correta.


Marcelo Barros  no BrasilDeFato

Faltam poucos dias para as eleições que darão ao Brasil novos/as gestores no Governo Federal, Estados e no Legislativo. Há muitas promessas de solução para os grandes problemas nacionais e a maioria dos brasileiros votará na esperança de um futuro melhor. Muitas discussões políticas incidem sobre o projeto de sociedade que nos é oferecido. Este coincide ou não com aquele que muitas pessoas cultivam na mente e no coração. De um modo ou de outro, estas eleições brasileiras e estas discussões sobre o projeto político tem a ver com o processo dos fóruns sociais mundiais. Ainda hoje, dez anos depois, quem acompanha este processo se recorda do refrão cantado por todos desde 2001: “Aqui, um outro mundo é possível, se a gente quiser!”. Este grito,  lançado em todos os continentes, provocou diversas conferências temáticas e muitos fóruns regionais. Alguns criticaram que aquelas discussões aparentemente não levavam a nada. Talvez, hoje, não possam dizer isso ao ver que a Bolívia tem, pela primeira vez em sua história, um índio como presidente da República e vários países do continente têm novas constituições cidadãs e um caminho político novo e mais popular. 
Em um de seus livros, Eduardo Galeano faz um de seus personagens perguntar a um companheiro: - Para que me serve a esperança (a utopia) se quando dou um passo em sua direção, percebo que ela se afasta mais um passo?
O companheiro respondeu: - Serve para fazer você caminhar.
Neste caminho para um mundo de paz, justiça e igualdade social, é importante de um lado termos sempre sob os olhos a meta que queremos atingir, mas, ao mesmo tempo, saber que isso só se dará se assumirmos as dificuldades e etapas necessárias do caminho. Não existe utopia sem mediações. Tanto no plano social e político, como mesmo no caminho da fé, é importante termos claro a sociedade nova que desejamos construir, mas, ao mesmo tempo, não descuidar das etapas necessárias para nos aproximar da meta. Sem mediações, nossa luta social e política se tornaria não histórica e sim messiânica, no sentido negativo do termo. No caminho da fé, todos os dias os cristãos oram “Venha a nós o vosso reino”, ou seja, realize-se aqui no mundo em que vivemos o projeto divino para a humanidade e o planeta. Mas, é preciso ter em vista como este reino ou projeto divino poderá se concretizar em nosso dia a dia.
As mediações são, em geral, limitadas, incompletas e até ambíguas, como tudo o que é humano. No entanto, rejeitá-las ou simplesmente ignorar a sua necessidade é cair na arrogância. É preciso sempre apontar o que se almeja como ideal, mas, ao mesmo tempo, ter a humildade de assumir o que é possível na realidade do aqui e agora. Na sua regra para os monges, São Bento fala da humildade como a capacidade de ter os pés na terra e viver a fragilidade de cada dia. É claro que isso poderia nos levar a uma acomodação conservadora ou pouco profética. Não cairemos nisso se soubermos articular bem a utopia (o que almejamos) e as mediações ou etapas do caminho.
Concretamente, no Brasil atual, esta humildade social e política nos faz reconhecer as conquistas sociais e o caminho positivo já percorrido nos últimos anos. Este ganho acumulado se deve, sem dúvida, a um governo competente e que governou o Brasil com nova sensibilidade social. Entretanto, estas conquistas sociais representam, sobretudo, uma conquista dos movimentos populares e de toda a sociedade civil que, nos últimos anos, amadureceu em sua consciência social e política. É preciso salvaguardar as conquistas feitas. Apesar da guerra suja, deflagrada pelos maiores meios de comunicação social do país contra o caminho até aqui percorrido, a população mais pobre tem sabido distinguir as coisas e mostra sua independência no julgamento. Não apenas porque recebe uma ajuda social que é direito de todos, mas porque se sente envolvido neste processo como um povo de cidadãos e não de mendigos aos quais se jogam apenas migalhas do que sobra às classes altas do país. A internet e a multiplicação de blogs democratizam mais esta discussão e permitem uma forma de comunicação mais horizontal e justa.
Neste caminho para a utopia, não há receitas ou regras estabelecidas para as mediações. Entretanto, alguns princípios podem ser úteis: 1º - a palavra de Gandhi: “comece por você mesmo a mudança que propõe ao mundo”. 2º - sozinho, ninguém transforma nada. Não se sinta acima e independente do caminho comum. Aceite a mediação do grupo e da comunidade. 3º - Não adianta pensar que vamos para o leste, caminhando para o oeste. Mesmo que seja em passos pequenos ou curtos, a utopia se faz caminhando na direção correta. Podemos corrigir estratégias e rever etapas, mas sempre no mesmo rumo.
Antoine de St. Exupéry, autor do “O Pequeno Príncipe” dizia: “Um viajante que sobe uma montanha guiado por uma estrela, se se deixar absorver demais pelos problemas e dificuldades da escalada, se arrisca a perder de vista a estrela que o guia”.

Marcelo Barros é monge beneditino.

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