Escrito por Bruno Lima Rocha no Correio da Cidadania | |
No momento em que escrevo estas palavras, a economista Dilma Rousseff
(PT) está matematicamente eleita como primeira mulher presidente do
Brasil. A derrota da dobradinha "clássica" PSDB-DEM, José Serra e Índio
da Costa, demonstra um novo arranjo político e de parcelas do poder no
Brasil. Mas, a eleição da ex-ministra em chefe da Casa Civil não
significa necessariamente um avanço por esquerda, longe disso. A
coligação de dez legendas, tendo ao deputado federal pelo PMDB quercista
de São Paulo Michel Temer como vice, representa por si só a ampla
margem de negociação e desistência de perspectivas históricas do
reformismo radical dos anos 80. E agora?
Para além do óbvio, analisando a vitoriosa composição de aliança política e de classes
O pensamento socializante brasileiro tem algumas constatações
relevantes, para as quais aporto meu grão de areia nesta reflexão. Temos
duas novidades neste pleito, duas dentre várias. Elegeu-se uma
ex-guerrilheira e mulher (estando separada em sua vida conjugal) para
chefiar o Poder Executivo da 5ª economia do mundo e o país líder
latino-americano do G-20. Não é coisa de pouca monta. Ou não seria. Esta
mesma operadora política, com grande capacidade de execução de agenda,
viu-se obrigada (ou se obrigou dado o volume de compromissos) a
abandonar temas de convicção consensual no que resta das esquerdas com
perfil militante no Brasil. Em termos de reivindicação imediata, o 3º
Programa Nacional de Direitos Humanos, peça esta que Lula não assinara,
traçaria um senso comum daqueles que entendem – ainda que por dentro do
aparelho de Estado - como prioridade a divisão de recursos e de poder.
Pois bem, esta mesma peça consensual e imediata, foi refutada, negada,
afastada, retirada de pauta, por parte da candidata. Na ponta do
problema, o tema do aborto, entrando pela porta dos fundos através dos
factóides políticos e dos poderes de veto do obscurantismo nacional.
Não ficou por aí. A aliança da legenda de Luiz Inácio teve a "sabedoria"
eleitoral de costurar com aqueles que serviram, em sua própria
iniciação da vida política, de objeto de ódio na figura do inimigo
visível. Sei que é chato, mas é inevitável lembrar o apoio dos oligarcas
como Sarney, Jucá, Calheiros, Geddel & Cia ou o reforço de opinião
de operadores pró-ditadura como o ex-ministro Delfim Netto ou o
ex-reitor da Universidade Mackenzie do CCC, Cláudio Lembo; de agentes
econômicos como os líderes do mercado financeiro, materializado nos
bancos (FEBRABAN), na indústria automobilística (ANFAVEA), das
transnacionais e mega-conglomerados nacionais de telecomunicações
(SINDITELEBRASIL) capitaneados no Brasil pela Telefônica de Espanha e na
fusão absurda que dera na BROi e após na compra de uma parte da nova
super-empresa por parte da Portugal Telecom (PT). Não parou por aí.
Na mídia, frente de batalha prioritária no embate político-eleitoral,
abriu-se uma cunha entre os líderes do oligopólio nacional das
comunicações. Se por um lado as famílias, Marinho (Globo), Mesquita
(Estado de SP), Frias (Folha de SP) e Civitta (Abril-Naspers), de outro,
grupos do porte da Rede Record, do portal Terra (Telefônica de
Espanha), da estirpe da Carta Capital, no alinhamento recente do Grupo
Três (Alzogaray, cujo veículo líder é a revista Istoé) e na posição
rachada do empresariado dos radiodifusores entre a ABERT (liderada pela
Globo), e a ABRA (liderada pela Rede Bandeirantes, da família Saad).
Ressalto este aspecto, pois a luta política migrara para o espaço
midiático (que de público pouco ou nada tem) e a coligação governista
sabiamente (espertamente, pragmaticamente) optou pela solução Getúlio
Vargas encontrando o seu – no caso, os seus – Samuel Weiner. Poderíamos
seguir narrando as composições com agentes econômicos líderes dos
respectivos oligopólios do capitalismo operando e existente no Brasil,
mas basta com ressaltar o perfil agro-exportador do Brasil e a relação
mais que promíscua entre o Ministério da Agricultura e o latifúndio.
Para além do sectarismo, porque estamos piores organizados?
O que me assusta é o lado de cá do balcão. Lula deixa o poder
conseguindo uma proeza paradoxal. Seria leviano dizer que os brasileiros
e brasileiras vivem em condições piores do que a oito anos atrás. Não
seria correto. Ao mesmo tempo, seria tão ou mais leviano afirmar que as
forças sociais, muitas delas ainda tributárias do mesmo processo de
reivindicações e protagonismo de luta popular dos anos 80, a mesma
matriz do PT e seu líder histórico, estão mais organizadas. Nossas
entidades e movimentos populares estão piores organizados, mobilizam
menos, milita-se menos, há um distanciamento muito maior entre
dirigentes e bases, não têm uma entidade que seja transversal para os
movimentos (como uma central ou confederação sindical mais à esquerda e
livre das práticas do viciado aparelhismo e disputa sectária de
correntes) e o próprio MST perde sua capacidade de liderança da luta
popular uma vez que se esvai em posições tênues, abrandadas, e
terminando por ir a reboque da União e do melhorismo. Para quem julga
ser isto exagero deste analista, sugiro que leiam os embates na interna
do jornal Brasil de Fato ou simplesmente converse com a militância
detentora de algum nível de responsabilidade.
Eleitoralmente, e esta não é a opção militante deste que escreve, os
índices foram pífios. PSOL, PSTU, PCO e PCB não são a mesma coisa, tem
diferenças de origens políticas (ressaltando-se este último) e tampouco
representam alguma forma de consenso da esquerda que ainda crê na via
eleitoral. Seus resultados sequer passam de 1% das intenções de voto e o
escrutínio não veio acompanhado de um avançar de lutas sociais a ser
galvanizada através da participação nas regras da democracia de tipo
liberal e representativo. É difícil crescer eleitoralmente em
conjunturas de pouca ou nenhuma mobilização e onde a tensão social está
ausente da política.
Já da parte das organizações políticas que não optam pela via eleitoral
por dentro do sistema – sendo esta a opção deste analista - o que se vê é
uma grande chance de crescimento qualitativo, desde que seja explícito
um projeto político para o curtíssimo e curto prazos (2 e 4 anos,
respectivamente). Será necessária uma maturidade de outro tipo, quando
as minorias ativas têm de compreender que a sensação popular é que suas
vidas melhoraram, e ao mesmo tempo, os projetos de poder de
transformação profunda estão mais distantes do que estavam no final dos
anos ‘80 e, como um todo, o movimento popular brasileiro está muito mais
confuso do que estava na segunda metade dos anos ’90, em pleno auge do
neoliberalismo e da Era FHC.
Trata-se de um paradoxo de difícil compreensão para quem tem pressa – e é
difícil fazer política apressadamente. De um lado a massificação
reivindicativa se complica, uma vez que a sociedade como um todo
(incluindo os setores de classe tradicionalmente organizados) está mais
desorganizada, fragmentada e dispersa. De outro, o romper com as
práticas viciadas e o manifestar de uma cultura política distinta pode e
vem atraindo significativamente militantes com trajetória ilibada e que
não concordam com as vias do legalismo-reformista (como a ilusão de
fazer política radical através do Judiciário e do Ministério Público) e
menos ainda com o compartilhamento de postos de poder tanto com inimigos
históricos (como a leva de Arenistas presentes nos oito anos de Lula) e
menos ainda com o espaço enorme dado e garantido a setores pelegos
oriundos do sistema corporativo (como a Força Sindical, a CGTB e a
recalcitrante UGT). O racha sindical que leva a construir a CTB é
declaradamente uma peleia por recursos derivados da legalização das
centrais sindicais e reflete também uma aproximação – em função de
clivagem eleitoral – de PC do B e PSB. Romper com estas práticas é algo
muito factível. A luta sindical abre um oceano de perspectivas de
crescimento com qualidade da militância recrutada e é possível fazer
desta uma via que dê oxigênio para as agrupações mais à esquerda e
programaticamente distantes das urnas.
Apontando conclusões
É duro admitir que a guerrilheira que caiu de pé e não cantou sob
tortura, resistindo com dignidade aos suplícios da Operação Bandeirantes
e da estrutura do DOI-CODI do II Exército em São Paulo, não representa
sequer um projeto reformista. É mais duro ainda admitir que esta mesma
pessoa, uma mulher, representa de por si uma quebra de paradigma. E, por
fim, o mais duro de tudo é perceber a forma como se governou nos
últimos oito anos e quanto esta prática política está distante da tensão
social necessária para aumentar os níveis de organização popular para
poder, de fato, acumular forças rumo a um câmbio profundo. Lula tem mais
de 80% de aprovação e isto não implica (e nem poderia implicar) uma
guinada à esquerda do povo brasileiro. Repito, é hora de refletir e
buscar a consistência através de um crescimento qualitativo, rompendo
com a cultura política viciada e dirigista.
Entender este momento e fazer política para ele é uma atitude
construtiva. É diferente de afirmar que o melhorismo da coligação de
centro-esquerda é idêntico à histeria de tipo udenista da coligação de
centro-direita. Afirmar isso seria leviano e absurdo. Os projetos que
chegaram ao segundo turno não são idênticos. Mas, mesmo que através de
Dilma as políticas sociais permaneçam, é preciso ter a firmeza e a
maturidade para assumir que há governos de turno que melhoram a vida das
maiorias e não constroem projetos de poder para estas mesmas maiorias
serem donas de seus destinos. Este é o caso brasileiro e continuará
sendo nos próximos quatro anos.
Se o objetivo determina o método segundo as condicionalidades, os
sessenta dias restantes do ano servem para gerar a reflexão necessária a
respeito das condições de existência e expansão da proposta que visa
organizar desde abaixo, acumulando forças – através da luta popular em
sua forma direta - no sentido da radicalização da democracia através de
sua forma direta e participativa, socializando recursos e poder entre as
maiorias. Há muito trabalho pela frente.
Bruno Lima Rocha é doutor e mestre em Ciência Política pela UFRGS e
jornalista graduado na UFRJ; é docente de comunicação social e
pesquisador 1 da Unisinos, vinculado ao Grupo Cepos/PPG Com; concentra
seus trabalhos analíticos no portal Estratégia & Análise, do qual é o
editor.
Originalmente publicado na Rede Unisinos - http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=37912
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
A vitória de Dilma Rousseff: uma crítica abaixo e por esquerda
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