Decisão da Suprema Corte exige que Califórnia reduza a população carcerária e torne suas penitenciárias mais humanas
Anthony Kennedy, apontado para a Suprema Corte por Ronald Reagan, vem
há anos condenando as condições desumanas das prisões norte-americanas.
Natural da Califórnia, ele também se interessou pela particularmente
horrenda superlotação carcerária do estado. Em Los Angeles, no ano
passado, ele considerou “doentio” que os carcereiros e guardas das
prisões estaduais tenham patrocinado uma iniciativa popular que,
juntamente com outros excessos, agora mantém uma enorme quantidade de
californianos presos.
Logo, não chegou a ser uma surpresa que Kennedy tenha sido o autor do
texto da opinião majoritária em uma decisão de 5 votos contra 4 nessa
semana, que exige que a Califórnia reduza sua população carcerária. A
capacidade total é definida como um prisioneiro por cela, o que no
estado significaria 80 mil prisioneiros. Mas as prisões da Califórnia
muitas vezes abrigam o dobro de presos, com detentos alojados em
beliches nos ginásios. No momento a lotação das prisões californianas é
de 175%. A decisão da Suprema Corte exige que esse número seja reduzido
para 135% nos próximos dois anos.
A superlotação não significa apenas um aumento na violência, mas
também tratamento médico e mental inadequado, com um aumento no número
de mortes e suicídios. “Como você vai evitar ou conviver com pessoas
sentadas sobre suas fezes por dias em um estado perturbado?” perguntou a
juíza Sonia Sotomayor a um advogado representando a Califórnia em
novembro do mês passado. Em seu discurso nessa semana, Kennedy mencionou
um detento que havia sido “mantido em uma jaula por quase 24 horas,
coberto por sua própria urina, praticamente catatônico”.
Tais condições são, nas palavras de Kennedy, “incompatíveis com o
conceito de dignidade” e se somam ao “castigo cruel” inconstitucional.
Os quatro juízes considerados liberais concordaram. Os quatro
conservadores discordaram. Para o juíz Samuel Alito, o caso não era de
dignidade, mas de segurança pública. A decisão, diz ele, forçará a
Califórnia a colocar nas ruas “46 mil criminosos – o equivalente a três
regimentos do exército”.
Essa afirmação é um exagero, e não apenas nos números. Em primeiro
lugar, a decisão por si só não ordena que os presos sejam liberados. Na
teoria, a Califórnia poderia construir novas prisões ou enviar detentos
para outros estados. Considerando a crise no orçamento californiano,
essa medida é improvável. Mas a Califórnia também poderia enviar presos
para as penitenciárias dos condados. No momento, o governador Jerry
Brown, está tentando fazer exatamente isso, e está em conflito com as
administrações locais.
De maneira geral, muitos prisioneiros podem ser liberado sem nenhuma
ameaça à segurança pública. O que causou essa superlotação foram as leis
draconianas que mandaram, sem necessidade alguma, para trás das grades,
enormes números de presos não violentos: pessoas presas por fumar
maconha ou passar cheques sem fundo, ou por faltarem a reuniões com os
agentes da condicional.
Mais surpreendente foi o tom usado por outro que não concordou com a
decisão, o juiz Antonin Scalia. Chamando o procedimento de “farsa
judicial”, Scalia escreveu que a decisão irá beneficiar detentos que
“sem dúvida serão grandes espécimes físicos, que desenvolveram músculos
intimidadores puxando ferro no ginásio da prisão”. Essa foi a linguagem
do sarcasmo, não da dignidade.
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