Rachel Duarte no SUL21
A menos de um ano da nova portaria do Ministério da Saúde que prevê a
autorização de doação de sangue por homossexuais, um caso em Belo
Horizonte (MG) alerta para a possível necessidade de revisão de um dos
critérios da mesma portaria. Danilo França, 24 anos, foi impedido de
doar sangue na última terça-feira (10), por ser homossexual. De acordo
com a norma do MS, baseada em estudos da Organização Mundial de Saúde,
homens que tiveram relações sexuais com outros homens nos últimos 12
meses não podem doar sangue. A medida adotada de forma rigorosa pode
estar mantendo viva a tese preconceituosa da década de 80, quando a Aids
era associada como a “doença dos gays”.
“Era a primeira vez que estava indo doar sangue. Esperei por duas
horas na fila e na entrevista respondi que tinha um companheiro fixo há
mais de três anos. Na hora me foi dito que eu não poderia doar. Sai e
fiquei frustrado diante do argumento da portaria e constrangido diante
dos meus colegas”, contou Danilo em conversa com o Sul21.
A doação de sangue estava sendo promovida na empresa onde Danilo
trabalha e não esconde a orientação sexual, por meio de um mutirão da
Fundação Hemominas. Segundo ele, a entrevista com o médico na hora da
doação mudou a partir do momento em que ele declarou sua orientação
sexual.
Depois dessa resposta, Danilo alega que o profissional da saúde
reagiu de forma diferente e fez mais outras perguntas sobre a vida
sexual homossexual dele. Logo após, informou, com base na apostila do
Hemominas, que Danilo não poderia ser doador. “É um critério que coloca
homossexuais no tal grupo de risco, como se ser gay fosse condição de
risco ou de doença”, afirma.
Após o episódio, no qual Danilo conta ter passado por constrangimento
diante dos colegas ao deixar a sala e dizer que não seria e porque não
seria doador, o jovem buscou esclarecimentos junto ao Hemominas e ao
Ministério da Saúde.
A médica responsável pelo setor de Hematologia e Hemoterapia da
Fundação Hemominas, Flávia Loureiro, afirma que o trabalho dos
profissionais do Hemominas na hora da triagem é padronizado dentro da
legislação federal. “Nas situações de risco acrescido, como chamamos
estes casos, o comportamento sexual é analisado para verificar se a
pessoa esteve exposta a situações de risco de saúde”, fala. Segundo ela,
o questionário aplicado em Danilo é o disponibilizado pelo Ministério
da Saúde e a orientação é de não haver discriminação na conduta da
triagem. “Não entendemos que o doador é inapto apenas pelo comportamento
sexual. Mas seguimos as normas federais. Compreendemos a frustração de
Danilo e das pessoas que são impedidas de doar sangue, que é um gesto de
solidariedade e nos auxilia muito nos estoques de bolsas que salvariam
outras vidas”, disse.
“A orientação sexual não deve ser usada como critério para doadores de sangue”, diz nova portaria
Em 2011, o Ministério da Saúde consolidou um importante passo para o
avanço na saúde pública brasileira. Diferente dos países da União
Europeia e dos Estados Unidos, a regra para inclusão de homossexuais
masculinos foi flexibilizada para aceitar os gays que não tiveram
relações sexuais nos últimos 12 meses. “Em outros países eles são
banidos completamente”, afirma o coordenador de Sangue e Hemoderivados
do Ministério da Saúde, Guilherme Genovez.
Segundo a nova portaria do Ministério da Saúde, “a orientação sexual
(heterossexualidade, bissexualidade, homossexualidade) não deve ser
usada como critério para seleção de doadores de sangue, por não
constituir risco em si própria”. Porém, a mesma portaria acaba
estipulando um prazo quase inviável para um homossexual com vida sexual
ativa ou com companheiro fixo, como é o caso de Danilo França.
A inaptidão para doação de sangue por homens que fazem sexo com
homens dentro deste prazo segue recomendação da Organização Mundial da
Saúde (OMS) e está fundamentada em estudos epidemiológicos que apontam
que a epidemia de HIV/Aids ainda é concentrada entre os homossexuais. De
acordo com o MS, a probabilidade de contágio entre os homens que fazem
sexo com homens é cerca de 11 vezes maior que entre os heterossexuais.
“O problema é que, com a transmissão transfusional do HIV se deu de
forma muito catastrófica no Brasil nos anos 80 e várias pessoas
contaminadas na época eram homens que faziam sexo com outros homens,
acabou ficando esta associação. Porém, a janela imunológica entre a
exposição em uma relação sexual até o vírus ser detectado no exame pode
levar até 21 dias. Não podemos arriscar a segurança das pessoas que
serão beneficiadas com o sangue depois”, alerta Genovez.
Segundo ele, o percentual de casos de sorologia positiva para HIV é
de até 14% nos homossexuais que fazem exame. “Muitos procuram na doação
de sangue a forma de fazer o teste. Têm receio de assumir sua
sexualidade ou ainda não estão bem resolvidos e optam por ser doadores
quando querem testar a sorologia”, conta. Mais de 80% dos gays homens
que procuram os hemocentros, procuram com a expectativa de fazer exame
ou monitorar, acrescenta Genovez.
Gays não são doadores porque fazem “sexo traumático”
Nem todos os homens que fazem sexo com homens são gays, mas todos os
que tiveram relações entre homens são banidos da doação de sangue. A
regra do Ministério da Saúde condiciona um homossexual masculino a não
ter relação sexual por um ano para poder doar sangue, e os responsáveis
garantem que o critério se comprova cientificamente necessário. As
relações sexuais entre homens são chamadas tecnicamente de ‘sexo
traumático’ que aumenta a porta de entrada para doenças. Mulheres que
admitem praticar sexo anal durante a entrevista, também são impedidas de
doar sangue.
“O coito anal impede a doação, assim como as pessoas que têm relação
promiscua, e isso pode ser heteros, bissexuais ou quaisquer pessoa. Mais
de uma relação sexual desprotegida por ano já não pode ser doador. Tem
que ser rígido para evitar os riscos de não identificar os diferentes
vírus. Já aconteceu de uma bolsa de um indivíduo destes ser colocadas em
bolsas de transfusão de 10 crianças na UTI neonatal de um hospital,
ainda bem que evitou-se uma tragédia”, relata o coordenador do MS.
Quem faz parte do grupo de risco?
De acordo com a portaria do Ministério da Saúde também são
considerados integrantes do grupo de risco as pessoas com mais de um
parceiro sexual, quem tenham feito sexo em troca de dinheiro ou de
drogas, vítimas de violência sexual e que tenham colocado piercing ou
feito tatuagem sem condições de segurança adequada. Entre os inaptos à
doação de sangue estão os que tiveram hepatite após os 11 anos de idade,
usuários de drogas ou quem ingeriu bebidas alcoólicas, se expôs a
situações de risco acrescido para doenças sexualmente transmissíveis ou
teve gripe, resfriado ou diarréia nos sete dias anteriores à doação.
De acordo com a especialista em Hematologia e Hemoterapia da Fundação
Hemominas, Flávia Loureiro, os homossexuais homens que mantiveram
relação nos últimos 12 meses não são incluídos no Grupo de Risco da
instituição. “A relação sexual em si já é um risco de se contrair
infecção. Não adotamos conceitos de risco ou grupo de risco para
relações homossexuais. O critério básico que utilizamos na saúde é a
prevalência para afirmarmos quantos casos efetivamente são reais dentro
de uma determinada população para podermos tomar as medidas
epidemiológicas. Há países que gays podem doar sangue porque os índices
epidemiológicos de gays e heteros são os mesmos já”, explica.
No Brasil, o Ministério da Saúde ainda desenvolve estudos para
aplicação de novas tecnologias nos exames sorológicos. “Estamos prevendo
adotar um inibidor, uma substância misturada no sangue que matará tudo
que está naquele sangue. Isto permitirá não descartar nenhum doador”,
fala. Outro método que poderia auxiliar na redução do tempo exigido pelo
MS para os doadores homossexuais não terem relação sexual é o teste
NAT, já aplicado no Hemominas. “Até o final do ano vamos disponibilizar
em todo país. É um exame de biologia molecular capaz de verificar a
defesa do vírus nas pessoas e reduzir o tempo da janela imunológica em
até 10 dias”, explica o coordenador de Sangue e Hemoderivados do
Ministério da Saúde, Guilherme Genovez.
Enquanto isso, Geovanez afirma que o Ministério da Saúde capacita os
profissionais da saúde para um atendimento livre de preconceito na área
da saúde pública. Porém, com as atuais regras, Danilo França já admite
que não terá condições de doar sangue. “Eu estou em dia com minha saúde e
me cuido. Mas não vou mais pensar em doar sangue se for com estas
condições”, fala, sendo mais um na estatística dos não-doadores e que
poderiam estar salvando até três vidas com a coleta de sangue.
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