Por Carlos Castilho no OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
Os Estados Unidos ganharam a Guerra Fria nuclear sem disparar um tiro,
mas podem estar perdendo a versão cibernética do conflito pela
supremacia mundial. E acredite quem quiser: a nova superpotência virtual
é a China, apontada pelos especialistas ocidentais em segurança
cibernética como a maior incógnita contemporânea no que se refere a
políticas de uso da internet.
Os norte-americanos não admitem publicamente, mas o jornal inglês The Guardian afirmou na série "Batalha pela Internet" que o número de chineses especialistas em crackear [1]
computadores e redes virtuais é maior do que o dos engenheiros
norte-americanos dedicados ao desenvolvimento de novos programas e
equipamentos para computação. Os crackers chineses são conhecidos também como cyber jedis (guerreiros cibernéticos), numa analogia com os guerreiros do bem na série Guerra nas Estrelas.
No fundamental, a nova versão da Guerra Fria é essencialmente uma guerra por informações onde as armas convencionais passaram a um segundo plano, para desespero de toda a multimilionária indústria bélica mundial. Os jedis
chineses, em sua esmagadora maioria protegidos pelo governo de Beijing,
vasculham o sistema financeiro ocidental, as redes de comunicações
privadas e governamentais, descobrem vulnerabilidades em bancos de
dados, em complexos de energia e transporte, bem como, é óbvio, nos
serviços de inteligência militar.
A grande diferença em relação à Guerra Fria nuclear é que agora a busca
por informações não está voltada para o botão vermelho da retaliação
atômica, mas a um complexo e ainda pouco estudado sistema de tomada de
decisões no qual os indivíduos estão sendo substituídos por processos impessoais,
como as bolsas de valores. A balança do poder mundial não depende mais
exclusivamente de decisões tomadas na Casa Branca ou no Palácio do
Povo, em Beijing.
A descoberta do poder chinês na internet assustou os governos
ocidentais, em especial os Estados Unidos e a Inglaterra, onde os
seguidores da velha Guerra Fria ainda são muito influentes. Se até a
queda do Muro de Berlim (1989) , os espiões e cientistas nucleares eram
os grandes alvos dos estrategistas soviéticos e norte-americanos, agora
todas as atenções se voltam para jovens entre 17 e 30 anos, a faixa etária dos modernos guerreiros cibernéticos, um ramo dos nerds (jovens fanáticos por computação).
Em 2011 foi criado na Inglaterra um projeto chamado Cyber Security Challange (Concurso sobre Segurança Cibernética) destinado a atrair nerds
para o campo da Guerra Fria cibernética. Logo na primeira edição, no
ano passado, quatro mil jovens de ambos os sexos se inscreveram para a
competição, que não chegou a ser divulgada na imprensa. No ano passado, o
vencedor foi Jonathan Millican, estudante do primeiro ano de engenharia
eletrônica, com 19 anos incompletos.
O julgamento final da versão 2012 Cyber Security Challange deveria ter ocorrido em março, mas teve que ser adiado porque o site do concurso foi crackeado, segundo os britânicos, por cyber jedis chineses. Os prêmios previstos
no concurso variam desde bolsas de estudo até inscrição grátis em
eventos ligados à segurança cibernética. Não há prêmios em dinheiro, mas
segundo o jornal The Guardian, o emprego em empresas do setor é imediato.
São garotos como Jonathan que passaram a ser observados de perto por
estrategistas mililtares que acabam de receber plenos poderes do
presidente Barack Obama e do governo inglês para desenvolver uma estratégia antichinesa
na guerra pelo controle da internet. Segundo a Casa Branca, cerca de
60% das empresas norte-americanas que tiveram seus sites invadidos por crackers acabaram pedindo falência.
Até agora a principal estratégia do Pentágono era criar muros virtuais (firewall) contra invasões de redes de computadores, mas os especialistas já se deram conta que a defesa passiva é inútil, porque a criatividade dos cyber jedis
é quase infinita. Para cada muro criado surgem imediatamente dezenas de
opções sobre como derrubá-lo. Por isso a tendência é investir nas ações
ofensivas, atacando os centros onde se aglutinam os guerreiros
virtuais.
O problema é que a dispersão é enorme nessa área, da mesma forma que o
altíssimo índice de privatização das empresas ligadas ao gerenciamento
de informações na web complica a ação dos militares, cuja cultura
operacional é tradicionalmente centralizadora e vertical. Nos Estados
Unidos, de 80% a 90% dos bancos de dados estão em mãos privadas,
o que torna extremamente relevante o papel da Google, a megacorporação
no setor de informações e a terceira maior empresa privada do mundo no
ramo das comunicações.
A estratégia da Google na Guerra Fria cibernética é fundamental para a
balança do poder entre os Estados Unidos e a China, mas também transcendental para nós,
que usamos gratuitamente os mecanismos de busca, correio eletrônico,
YouTube e dezenas de outros aplicativos desenvolvidos pela empresa para
captar nossas preferências e dados pessoais.
[1]Neologismo
criado para expressar o ato de identificar códigos, senhas e arquivos
protegidos em computadores ou redes de computadores. Os crackers são o oposto dos hackers, que desenvolvem novos softwares.
3 comentários:
O jeito é migramos para a deep web.
Nossas crianças já estão sendo treinadas nos jogos e brinquedos de controle remoto.
Beijos!
Blog do Turquinho não tem nada de turco. Blog do Turquinho é excelente. Excelentes informações culturais, políticas e éticas. Matéria especial sobre a transmigração da guerra fria do concreto para o intangível da Internet, demonstra isso. Politicamente correta. Saudações virtuais do Blog do Professor Tim.
Postar um comentário