Milton Ribeiro no SUL21
Durou décadas a ditadura em Portugal. A rigor, foram 48 anos entre os
anos de 1926 e 1974. Só Antônio de Oliveira Salazar governou por 36
anos, entre 1932 e 1968, e a Constituição de 1933, que implantou o
Estado Novo nos moldes do fascismo italiano com seu Partido Único,
permaneceu até 1974, por 41 anos.
Acabou em 25 de abril de 1974 numa revolução quase sem tiros.
Morreram apenas quatro pessoas pela ação da DGS (ex-PIDE). A adesão aos
militares que protagonizaram o golpe na ditadura foi tão grande que as
cinco mortes mais pareceram um desatino final. O nome de “Revolução dos
Cravos” foi devido a um ato simbólico tomado por uma simples florista.
Ela iniciou uma distribuição de cravos vermelhos a populares e estes os
ofereceram aos soldados, que os colocaram nos canos das espingardas.
Tudo fora bem planejado. A ação começou em 24 de abril de forma muito
musical. Um grupo militar instalou secretamente um posto no quartel da
Pontinha, em Lisboa. Às 22h55 foi transmitida por uma estação de rádio a
canção E depois do adeus, de Paulo de Carvalho. Este era o sinal para todos tomarem seus postos. Aos 20 minutos do dia 25, outra emissora apresentou Grândola, Via Morena, de José Alfonso. Ao contrário da primeira canção, a qual era bastante popular, Grândola estava proibida, pois, segundo o governo, fazia clara alusão ao comunismo.
Passados 38 anos, todos reclamam em Portugal. Tendo no centro do
cenário a atual crise econômica, a esquerda considera que o espírito da
revolução se perdeu, assim como várias das conquistas dos primeiros
anos, enquanto a direita chora as estatizações do período
pós-revolucionário, afirmando que esta postura prejudicou o crescimento
da economia. O ex-presidente Mário Soares afirma que tudo o que ocorreu
nos últimos 38 anos pode ser discutido e reavaliado, mas que a
comparação entre o passado e o que há hoje é comparar “um passado de
miséria, de guerra e de ditadura” com um país onde há “respeito pela
dignidade do trabalho, pelos sindicatos e pela democracia pluralista”.
A
ditadura iniciou em 1926 com o decreto que nomeou interinamente o
general Carmona para a presidência da República. Após a dissolução do
parlamento, os militares ocuparam todas as principais posições do
governo. A ditadura teve o condão de unir todos os partidos que antes
disputavam entre si. Eles enviaram uma declaração conjunta às embaixadas
dos EUA, Inglaterra e França, informando que não reconheciam o governo.
Em resposta, a repressão policial foi acentuada e todos os que
assinaram a declaração foram presos em Cabo Verde, sem julgamento.
Todas as revoltas foram sufocadas enquanto os militares se viam às
voltas com uma crise econômica. Havia duas correntes: uma representada
pelo ministro das finanças, o general Sinel de Cordes, que desejava
recorrer a um empréstimo externo e outra, de um professor de finanças da
Universidade de Coimbra, Antônio de Oliveira Salazar, que pensava não
ser necessário o empréstimo externo para resolver a difícil situação
financeira do país. O empréstimo não foi feito em razão de que as
condições exigidas eram inaceitáveis – quase as mesmas que a “troika”
exigiu e levou atualmente. O resultado final do episódio foi o pedido de
demissão de Sinel de Cordes e o convite a Salazar para a pasta das
finanças.
Salazar impôs austeridade e rigoroso controle de contas. Obteve o
equilíbrio das contas de Portugal em 1929. Na imprensa, controlada pela
censura, Salazar era chamado de “o salvador da pátria”. O prestígio
ganho junto ao setor monárquico e católico, além da propaganda,
consolidavam pouco a pouco a posição de Salazar, abrindo espeço para sua
ascensão. Ele se tornou o esteio dos militares, que o consultavam para
tudo, principalmente para as reformas ministeriais. Enquanto a oposição
era dizimada, Salazar recusava o retorno ao parlamentarismo e à
democracia da Primeira República, criando a União Nacional em 1930,
preparando a instalação de um regime de partido único.
Em 1932, foi discutida uma nova Constituição que seria aprovada no
ano seguinte. Nela, é criado o Estado Novo, uma ditadura que dizia
defender “Deus, a Pátria e a Autoridade”, principalmente a terceira, que
depois foi alterada para Família. A ditadura portuguesa foi muitíssimo
pessoal e revelava claramente o caráter de seu chefe. Salazar era uma
estranha espécie de misantropo que governava um país ao mesmo tempo que
amava a solidão e posava de inacessível. Suas palavras são
surpreendentes, mesmo para um ditador. “Há várias maneiras de governar
e, a minha, exige isolamento… O isolamento muito me ajudou a desempenhar
minha tarefa e permitiu-me, no passado como hoje, concentrar-me, ser
senhor do meu tempo e dos meus sentimentos, evitar que fosse
influenciado ou atingido”. Muito católico, Salazar nunca casou e vivia
entre padres. O cardeal de Lisboa, D. Manuel Gonçalves, disse dele: “é
um celibatário austero que não bebe, não fuma, não conhece mulheres”,
mas, a fim de afastar qualquer inclinação homossexual, ressaltou: “mas
ele aprecia a companhia das mulheres e a sua beleza sem, no entanto,
deixar de levar uma vida de frade”.
Tal
como fazia na vida privada, Salazar criou uma curiosa política e um
bordão não menos. Praticava uma política de isolacionismo internacional
sob o lema Orgulhosamente sós. Atuava de forma tortuosa. Apoiou
Franco na Guerra Civil de 1936, mas manteve com este uma relação fria e
desconfiada. Durante a Segunda Guerra Mundial, agarrou-se à
neutralidade como se disto dependesse sua vida. Talvez tivesse razão.
Próximo ideologicamente do fascismo italiano, Portugal não hostilizou o
eixo Roma-Berlim-Tóquio, apesar de ter tornado ilegais os movimentos
fascistas, prendendo seus líderes. Comprou armas, mesmo durante a
Guerra, tanto na Alemanha quanto da Inglaterra, evitando o confronto e a
adesão. Acendendo uma vela para cada um dos lados, Salazar aceitava dar
vistos a judeus em trânsito vindos da Alemanha e da França. Também
concedeu aos Aliados uma base nos Açores.
O ditador foi homenageado por Fernando Pessoa.
Antonio de Oliveira Salazar
Antonio de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequencia regular…
Antonio é Antonio.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.
Este senhor Salazar
É feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal,
E sob o céu
Fica só azar, é natural.
Oh, c’os diabos!
Parece que já choveu…
Coitadinho
Do tiraninho!
Não bebe vinho.
Nem sequer sozinho…
Bebe a verdade
E a liberdade,
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado.
Coitadinho
Do tiraninho!
O meu vizinho
Está na Guiné,
E o meu padrinho
No Limoeiro
Aqui ao pé,
Mas ninguém sabe porquê.
Mas, enfim, é
Certo e certeiro
Que isto consola
E nos dá fé:
Que o coitadinho
Do tiraninho
Não bebe vinho,
Nem até
Café.
Após a Segunda Guerra Mundial, manteve a política do Orgulhosamente sós,
mas nem tanto assim, pois Salazar desejava permanecer orgulhosamente
só, porém, com suas colônias. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a
comunidade internacional e a ONU passaram a defender políticas de
autodeterminação dos povos em regiões colonizadas. Salazar ignorou o
fato, levando o país a sofrer consequências negativas tanto do ponto de
vista econômico como culturais.
Internamente, a violência da democracia de fachada de Salazar não
ficava nada a dever a suas congêneres latino-americanas. O Estado Novo
tinha sua polícia política, a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do
Estado), a qual era antes chamada de PVDE (Polícia de Vigilância e
Defesa do Estado) e depois de DGS (Direção-Geral de Segurança). Em
comum, a perseguição e morte aos opositores do regime. O regime
autoritário, mas sem violência é uma fantasia que
muitos católicos portugueses gostam de manter, pois a Igreja Católica
sempre era citada por ele. Até hoje, alguns saudosos de Salazar misturam
fascismo e catolicismo.
Em março de 1961, ocorreu uma chacina de colonos civis no norte de
Angola. A resposta de Salazar foi uma Guerra Colonial chamada Para Angola rapidamente e em força.
Depois, novas guerras em Guiné e Moçambique, sempre com o propósito de
permanecer orgulhosamente só, mas com as províncias ultramarinas sob sua
bandeira. As Guerras Coloniais tiveram como consequências milhares de
vítimas e forte impacto econômico sobre o país, tendo sido uma das
causas da queda do regime.
Salazar foi afastado do governo em 27 de Setembro de 1968, após uma
grave queda em casa, o que lhe causou uma trombose cerebral. Seu fim foi
digno de opereta: naquele 1968, o então Presidente da República,
Américo Tomás, chamou Marcello Caetano para substitui-lo. O curioso é
que, até morrer, em 1970, Salazar continuou a receber “visitas oficiais”
como se fosse ainda o presidente do país, nunca manifestando sequer a
suspeita de que já o não era, no que não foi contrariado.
O longo inferno foi finalizado pelo 25 de Abril, tal como o conhecem
os portugueses. O Movimento das Forças Armadas (MFA) foi composto por
oficiais intermediários da hierarquia militar, na sua maioria, eram
capitães que tinham participado na Guerra Colonial e que foram apoiados
por oficiais e estudantes universitários. Este movimento nasceu por
volta de 1973, baseado inicialmente em reivindicações corporativistas
das forças armadas envolvidas nas guerras coloniais, acabando por se
estender a protestos contra a ditadura. Sem grande apoio e com a adesão
em massa da população à Revolução dos Cravos, a resistência do regime
foi praticamente inexistente, registrando-se apenas cinco mortos em
Lisboa pelas balas da famigerada DGS.
Após o 25 de abril, foi criada a Junta de Salvação Nacional,
responsável pela nomeação do presidente da República. Assim, em 15 de
Maio de 1974, o general António de Spínola foi nomeado presidente.
Estabilizada a conjuntura política, prosseguiram os trabalhos da
Assembleia Constituinte para a nova constituição democrática, que entrou
em vigor no dia 25 de Abril de 1976, o mesmo dia das primeiras eleições
legislativas da nova República.
Tanto Mar, de Chico Buarque
Sei que está em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim
Um comentário:
A igreja sempre quis o controle de tudo.Cultiva o medo e o terror até os dias de hoje.
Foi bom saber mais sobre Salazar.
sal + azar.
Beijos!
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