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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

MAHMUD DARWICH - POETA E RESISTENTE PALESTINO



O poeta Mahmud Darwich é uma das figuras mais notáveis da Palestina contemporânea. Personagem singular, Darwich conciliou a actividade intelectual (além de poeta foi prosador, ensaísta, jornalista) com a actividade de resistente contra a ocupação israelita, tendo-se tornado uma referência para o Médio Oriente. A sua poesia ultrapassou as fronteiras da geografia e tornou-se conhecida em todo o mundo árabe, que lhe conhece os versos e os recita de cor. A sua voz ergueu-se sempre, tanto através da escrita como na arena política, em defesa de uma Palestina independente, num combate em que lutou até aos seus últimos dias. Darwich, foi, de facto, durante a segunda metade do século XX, a voz e a consciência do Povo Palestino e o seu nome ficará indelevelmente registado na história da literatura e na história política, da Palestina e do Mundo.
Mahmud DarwichMahmud Darwich nasceu em Al-Birwa, uma aldeia da Galileia perto de São João d'Acre, então território sob mandato britânico, em 13 de Março de 1941. Após a criação do Estado de Israel, em 1948, a sua aldeia foi invadida e a família fugiu para o Líbano, onde permaneceu um ano. Quando regressaram a Israel, descobriram que a aldeia fora completamente arrasada e substituída por um colonato judaico. Instalaram-se, então em Deir Al-Assad, onde Mahmud frequentou a escola primária, tendo partido mais tarde para Haifa.
Publica o seu primeiro livro de poesia aos 19 anos: Asâfîr bilâ ajniha ("Pássaros sem asas"). Em 1964 começa a ser reconhecido a nível nacional, e mesmo internacional, como uma voz da resistência palestina com o livro Awrâq al-zaytûn ("Folhas de oliveira"), que inclui o célebre poema "Bilhete de identidade". Continua a escrever poemas e artigos em jornais e revistas, é preso várias vezes pelos seus escritos e actividades políticas e, em 1970, parte para a União Soviética, onde frequenta a Universidade de Moscovo. Em 1971, trabalha no jornal Al-Ahram, no Cairo e, em 1973, dirige, em Beirute, a revista Shu'un Filistiniyya (Assuntos Palestinos).
Ainda em 1973, Darwich adere à Organização de Libertação da Palestina (OLP), sendo, por isso, proibido de voltar a entrar em Israel. Em 1982 abandona Beirute, em consequência do bombardeamento israelita e exila-se no Cairo, depois em Tunis e por fim em Paris. Em 1987 é eleito para o comité executivo da OLP mas, na sequência dos Acordos de Oslo (1993), e como forma de protesto contra a atitude da OLP, que considerou demasiado conciliatória nas negociações, abandona a Organização. Finalmente, em 1996, Darwich é autorizado por Israel a instalar-se em Ramallah (Cisjordânia), onde se encontra o governo de Yasser Arafat. Com o cerco e ataque das tropas sionistas de Ariel Sharon a Ramallah, em 2002, muda-se para Amman, na Jordânia, embora volte algumas vezes aos Territórios Ocupados e a Israel. Em 2007, assiste, em Haifa, a uma sessão em sua honra organizada no Monte Carmelo pelo partido israelita Hadash (Frente Democrática para a Paz e a Igualdade) e pela revista Masharaf; aí discursa e lê poesia para milhares de pessoas. Doente cardíaco há longos anos, Darwich, realiza a sua última intervenção pública em 1 de Julho de 2008, em Ramallah, lendo poemas para uma vastíssima audiência, numa sessão que foi considerada a sua despedida dos palestinos.
Mahmud Darwich morreu em 9 de Agosto de 2008, com 67 anos, num hospital de Houston, nos Estados Unidos, na sequência de complicações decorrentes de uma delicada intervenção cirúrgica ao coração. Foi sepultado em Ramallah, junto ao Palácio da Cultura.
A obra de Darwich, composta por mais de 30 livros de poesia e de prosa, encontra-se traduzida em cerca de 40 línguas, e foi interpretada por diversos cantores, como o libanês Marcel Khalifa, que musicou e cantou vários dos seus poemas, entre os quais o famoso "À minha mãe". No cinema, devem assinalar-se dois documentários: "Mahmoud Darwich, et la terre comme la langue", realizado em 1997 para a televisão francesa por Simone Bitton e Elias Sanbar e "Écrivains des frontières", realizado em 2004 por Samir Abdallah e José Reynes. Neste momento, está a ser produzido um filme sobre Darwich, da autoria de Nasri Hajjaj, em que o realizador recolhe depoimentos de diversas figuras da vida cultural internacional que privaram com o poeta, e que será estreado no primeiro aniversário da sua morte.
A terminar, duas afirmações de Mahmud Darwich:
- "Triunfámos sobre o plano para nos expulsarem da História"
- "Um povo sem poesia é um povo vencido"
[Júlio de Magalhães]
 
TRÊS POEMAS DE MAHMUD DARWICH
 
 
BILHETE DE IDENTIDADE
 
Toma nota!
Sou árabe
O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil
Número de filhos: oito
E o nono... chegará depois do verão!
Será que ficas irritado?
 
Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa pedreira com os meus companheiros de fadiga
E tenho oito filhos
O seu pedaço de pão
As suas roupas, os seus cadernos
Arranco-os dos rochedos...
E não venho mendigar à tua porta
Nem me encolho no átrio do teu palácio.
Será que ficas irritado?
 
Toma nota!
Sou árabe
Sou o meu nome próprio - sem apelido
Infinitamente paciente num país onde todos
Vivem sobre as brasas da raiva.
As minhas raízes...
Foram lançadas antes do nascimento do tempo
Antes da efusão do que é duradouro
Antes do cipreste e da oliveira
Antes da eclosão da erva
O meu pai... é de uma família de lavradores
Nada tem a ver com as pessoas notáveis
O meu avô era camponês - um ser
Sem valor - nem ascendência.
A minha casa, uma cabana de guarda
Feita de troncos e ramos
Eis o que eu sou - Agrada-te?
Sou o meu nome próprio - sem apelido!
 
Toma nota!
Sou árabe
Os meus cabelos... da cor do carvão
Os meus olhos... da cor do café
Sinais particulares:
Na cabeça uma kufia com o cordão bem apertado
E a palma da minha mão é dura como uma pedra
... esfola quem a aperta
A minha morada:
Sou de uma aldeia isolada...
Onde as ruas já não têm nomes
E todos os homens... trabalham no campo e na pedreira.
Será que ficas irritado?
 
Toma nota!
Sou árabe
Tu saqueaste as vinhas dos meus pais
E a terra que eu cultivava
Eu e os meus filhos
Levaste-nos tudo excepto
Estas rochas
Para a sobrevivência dos meus netos
Mas o vosso governo vai também apoderar-se delas
... ao que dizem!
 
... Então
 
Toma nota!
Ao alto da primeira página
Eu não odeio os homens
E não ataco ninguém mas
Se tiver fome
Comerei a carne de quem violou os meus direitos
Cuidado! Cuidado
Com a minha fome e com a minha raiva!
 
(1964)
[Tradução de Júlio de Magalhães]
 
 
À MINHA MÃE
 
Tenho saudades do pão da minha mãe,
Do café da minha mãe,
Do carinho da minha mãe...
Estou a crescer,
De dia para dia,
E amo a vida, porque
Se morresse,
Teria vergonha das lágrimas da minha mãe!
 
Se um dia voltar, faz de mim
Uma sombrinha para as tuas pálpebras.
Cobre os meus ossos com a erva
Baptizada sob os teus pés inocentes.
Ata-me
Com uma mecha dos teus cabelos,
Um fio caído da orla do teu vestido...
E serei, talvez, um deus,
Talvez um deus,
Se tocar o teu coração!
 
Se voltar, esconde-me,
Lenha, na tua lareira.
E pendura-me,
Corda da roupa, no terraço da tua casa.
Falta-me o ânimo
Sem a tua oração diária.
Envelheci. Faz renascer as estrelas da infância
E partilharei com os filhos das aves,
O caminho do regresso...
Ao ninho onde me esperas!
 
(1966)
[Tradução de Júlio de Magalhães]
 
 
ESTRANGEIRO NUMA CIDADE DISTANTE
 
Quando eu era pequeno
E belo,
A rosa era a minha morada,
E as fontes eram os meus mares.
A rosa tornou-se ferida
E as fontes, sede.
- Mudaste muito?
- Não mudei muito.
Quando voltarmos à nossa casa
Como o vento,
Olha para a minha testa.
Verás que as rosas são agora palmeiras,
E as fontes, suor,
E voltarás a encontrar-me, como eu era,
Pequeno
E belo...
 
(1969)
[Tradução de Júlio de Magalhães]

terça-feira, 1 de maio de 2012

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO


Vinicius de Moraes

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: — Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe: — Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás (Lucas, cap. IV, versículos 5-8).

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.


De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento


Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construcão.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma subita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.


Ah, homens de pensamento
Nao sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua propria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.


Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele nao cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Excercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.


E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edificio em construção
Que sempre dizia "sim"
Começou a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que nao dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uisque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.


E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução


Como era de se esperar
As bocas da delação
Comecaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
- "Convençam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.


Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu por destinado
Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!


Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Muitas outras seguirão
Porém, por imprescindível
Ao edificio em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.


Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo contrário
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo o que ver
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.


Disse e fitou o operário
Que olhava e refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria
O operário via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!


- Loucura! - gritou o patrão
Nao vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.


E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martirios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construido
O operário em construção


Fontes: Helena Sut | Mariana Cruz, Filosofia, Educação Pública, CIERJ |

Quando os trabalhadores perderem a paciência


Mauro Iasi
 Mauro Iasi

As pessoas comerão
três vezes ao dia
E passearão de mãos
dadas ao entardecer
A vida será livre e
não a concorrência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Certas pessoas perderão seus cargos e empregos
O trabalho deixará de ser um meio de vida
As pessoas poderão fazer coisas de maior pertinência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
O mundo não terá fronteiras
Nem estados, nem militares para proteger estados
Nem estados para proteger militares prepotências

Quando os trabalhadores perderem a paciência
A pele será carícia e o corpo delícia
E os namorados farão amor não mercantil
Enquanto é a fome que vai virar indecência
Quando os trabalhadores perderem a paciência!

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Não terá governo nem direito sem justiça
Nem juízes, nem doutores em sapiência
Nem padres, nem excelências
Uma fruta será fruta, sem valor e sem troca
Sem que o humano se oculte na aparência
A necessidade e o desejo serão o termo de equivalência
Quando os trabalhadores perderem a paciência!

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Depois de dez anos sem uso, por pura obsolescência
A filósofa-faxineira passando pelo palácio dirá:
“declaro vaga a presidência”!

domingo, 29 de abril de 2012

Incompreensível para as massas - Maiskóvski

Do blog CINEFUSÃO

Entre escritor                            
                        e leitor
                                        posta-se o intermediário,
e o gosto
                            do intermediário
                                                         é bastante intermédio.

Medíocre
                  mesnada
                                    de medianeiros médios
pulula
         na crítica
                        e nos hebdomadários.

Aonde
            galopando
                               chega teu pensamento,
um deles
                  considera tudo
                                            sonolento:
- Sou homem
                        de outra têmpera! Perdão,
lembra-me agora
                             um verso
                                              de Nadson...
O operário
                   não tolera
                                    linhas breves.
(E com tal
               mediador
                               ainda se entende Assiéiev!)

Sinais de pontuação?
                                   São marcas de nascença!
O senhor
                corta os versos
                                         toma muitas licenças.

Továrich Maiacóvski,
                                            porque não escreve iambos?
Vinte copeques
                          por linha
                                         eu lhe garanto, a mais.
E narra
              não sei quantas
                                        lendas medievais,
e fala quatro horas
                                longas como anos.
O mestre lamentável
                                  repete
                                             um só refrão:
- Camponês
                     e operário
                                       não vos compreenderão.
O peso da consciência
                                     pulveriza
                                                     o autor.
Mas voltemos agora
                                  ao conspícuo censor:
Campones só viu
                            há tempo
antes da guerra,
na datcha,
                  ao comprar
                                     mocotós de vitela.

Operários?
                  Viu menos.
Deu com dois
                       uma vez
                                    por ocasião da cheia,
dois pontos
                   numa ponte
                                      contemplando o terreno,
vendo a água subir
                              e a fusão das geleiras.

Em muitos milhões
                               para servir de lastro
colheu dois exemplares
                               o nosso criticastro.
Isto não lhe faz mossa -
                                      é tudo a mesma massa...
Gente - de carne e osso!!

E à hora do chá
                         expende
                                       sua sentença:
- A classe
               operária?
                             Conheço-a como a palma!
Por trás
            do seu silêncio,
                                     posso ler-lhe na alma -
Nem dor
               nem decadência.
Que autores
                     então
                               há de ler essa classe?
Só Gógol,
                 só os clássicos.
Camponeses?
                        Também.
                                         O quadro não se altera.
Lembra-me e agora -
                                    a datcha, a primavera...
Este palrar
                 de literatos
                                    muitas vezes passa
entre nós
                por convívio com a massa.

E impige
               modelos
                              pré-revolucionários
da arte do pincel,
                             do cinzel,
                                              do vocábulo.

E para a massa
                         flutuam
                                      dádivas de letrados -
lírios,
            delírios,
                          trinos dulcificados.

Aos pávidos
                    poetas
                              aqui vai meu aparte:
Chega
          de chuchotar
                               versos para os pobres.
A classe condutora,
                                 também ela pode
compreender a arte.
Logo:
           que se eleve
                                a cultura do povo!
Uma só,
              para todos.
O livro bom
                      é claro
                                   e necessário

a mim,  
              a vocês
                           ao camponês
                                                 e ao operário.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Viva!

Viva!

Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é "muito" pra ser insignificante.

Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.

Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas quando nunca pensei me decepcionar,
mas também decepcionei alguém.

Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.

Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
"quebrei a cara muitas vezes"!

Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo).

Mas vivi, e ainda vivo!
Não passo pela vida…
E você também não deveria passar!

Charles Chaplin 
 
Créditos: Iara Aragonez

domingo, 24 de julho de 2011

Em defesa da Causa Palestina...

Palestina, Palestina


Georges Bourdoukan - Jornalista e escritor
Para Hannan Ashrawi
Às profundezas da história,
À impiedade e ao medo,
À realidade invisível,
À ocupação e à exclusão,
Ao Ocidente que buscou aliviar a culpa de seus anti-semitas,
Uma nação torturada resiste!
O coração palestino palpita.
Tentam abafar seu grito de liberdade,
Suas pedras revidam contra a injustiça,
Contra o racismo e a intolerância!
A estrela busca a purificação com sangue
E ao muro dirige suas preces.
Existirá um limite para a brutalidade?
Existirá um limite para a indiferença?

sexta-feira, 13 de maio de 2011

sábado, 30 de abril de 2011

Homenagem ao trabalhador que pensa....

Meu Maio

A todos que saíram às ruas,
De corpo-máquina cansado,
A todos que imploram feriado
As costas que a terra extenua
Primeiro de Maio!
Meu mundo, em primaveras,
Derrete a neve com sol gaio.
Sou operário - este é meu maio!
Sou camponês - este é o meu mês!
Sou ferro - eis o maio que quero!
Sou terra - o maio é minha era!

Vladimir Maiakovski

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Crônica

O MINISTRO E A PIPA DO VOVÔ
José Ribamar Bessa Freire

Chamemo-la de Das Dores, assim, sem vergonha da ênclise. É. Maria Das Dores. Afinal, precisamos de um nome, de uma cara, de uma história para identificar a “noiva” do deputado Pedro Novais (PMDB vixe vixe!), atual ministro do Turismo, na quadrilha junina formada por 15 casais, naquela animada noite de junho, no Motel Caribe, em São Luís (MA). Das Dores é, certamente, um bom nome para ser par do chefe da quadrilha, o “noivo” de 80 anos. Detrás de um nome, no entanto, há sempre relatos, dores, feridas.
Biografemo-la, então, em busca dessas indeléveis cicatrizes, que tornem a narrativa mais verossímil. Das Dores, pra todos os efeitos, nasceu em Olho D´Água das Cunhãs, sendo batizada pelo padre Ribamar na capela de Nossa Senhora da Conceição da Porta Aberta, em Bacabal. Foi quando a praga do bicudo infestou as plantações de algodão, arruinando 238 pequenos produtores rurais, todos eles chamados de Ribamar. Um deles, seu pai, colocou as tralhas num caminhão, despediu-se do rio Mearim e se mudou de Bacaba´s City para a capital com toda a família.
Sigamo-la até o bairro de Turu, na periferia de São Luis. Entremos na casa de Das Dores, que fica na Rua Fé em Deus, bem nos fundos do Motel Caribe, cuja entrada principal é pela Rua União. Lá, ela ficou conhecida como “a princesinha do Mearim”, nome também de uma fábrica de sabão local. Foi lá que um assessor do deputado Pedro Novais a recrutou, juntamente com sua irmã Ribamarina, para participar do – digamos assim - arrasta-pé junino realizado no Motel Caribe.
Motel Caribe
Imaginemo-la – ainda fiel à ênclise - circulando pela pérgula da piscina ou freqüentando a sauna desse motel de São Luis, que recebe grupos em suas suítes temáticas com nomes de ilhas caribenhas. A mais cara é a Bahamas, que tem garagem dupla e custa R$ 98,00 (três horas). Essa foi justamente a reservada pelo deputado Pedro Novais para a festa que organizou, em junho do ano passado, segundo informou ao Estadão a gerente do estabelecimento, que se identificou como Sheila. 
O motel oferece “pequenos artifícios para apimentar sua relação e sair da rotina”: dvds eróticos, afrodisíacos, lubrificantes, sabonetes íntimos, cinta peniana inflável, calcinhas vibratórias, máscaras, chicotes, coleiras, algemas, vestuários sensuais e afins como o espartilho Natasha, vendido por 69,90 ou 18 prestações de RS$ 5,54. Nada disso foi discriminado na nota fiscal nº 7.058 do Motel Caribe, só o valor total de R$ 2.156,00, pago pela Câmara, depois de apresentada pelo deputado Pedro Novais. 
O escândalo pipocou nos jornais em plenas festas natalinas, porque o vetusto senhor de 80 anos assumiria dias depois o ministério do Turismo, bancado pelo clã Sarney, proprietário da Capitania Hereditária do Maranhão e de sesmarias no Amapá. Como é que um parlamentar paga orgias e bacanais com o meu, o teu, o nosso dinheiro? Essa pergunta foi feita por um jornalista importuno ao futuro ministro que respondeu: “Pare de encher o saco, faça o que você quiser”. Seu chefe de gabinete, Flávio Nóbrega, reconheceu que a inclusão da nota fiscal “foi um erro” e providenciou o ressarcimento.
Dessa forma, no dia 3 de janeiro, Pedro Novais, de 80 anos, tomou posse como ministro do Turismo, na presença dos caciques do PMDB (vixe, vixe): seu padrinho José Sarney, presidente do Senado, Roseana Sarney, governadora do Maranhão, Michel Temer, vice-presidente da República e os colegas de ministério: Wagner Rossi, da Agricultura e Edison Lobão, de Minas e Energia. Só gente fina. 
No seu discurso de posse, o novo ministro destacou o papel da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), mas não anunciou, como previam as más línguas, a criação da Surubatur ou Surubabrás, nem deu um pio sobre o escândalo.
Quem tentou encontrar uma explicação foi o deputado Luiz Sérgio, presidente do PT-RJ (vixe?), que chegou a ser cotado para a pasta do Turismo, mas acabou assumindo o Ministério das Relações Institucionais. Demonstrando que é mesmo um especialista em relações apimentadas, ele insinuou que a pipa do vovô não levanta mais ao justificar: “Dormir num motel não significa necessariamente fazer amor”. Mas não disse que outras coisas podem ser feitas com dinheiro público por casais que se encontram num motel.
Encontro de casais 
De qualquer forma, supunhetemo-lo correto, ainda encliticamente. Supunhetemos, sem a obliqüidade do pronome, que o novo ministro das Relações Institucionais tenha razão, que um motel pode funcionar como uma casa geriátrica de repouso, com direito à massagem especial feita por fisioterapeutas credenciadas. Ou um lugar para um Encontro de Casais com Cristo (ECC). 
Objetar-se-á, agora mesocliticamente, que um ECC exige presença de um assistente eclesial. Ora, isso não é problema pra nossa imaginação. Todos nos lembramos daquele padre Ribamar que batizou Das Dores. Pois é, convoquemo-lo para tal tarefa, tornando a hipótese plausível. Juro por Deus: é preferível imaginar – imaginemo-lo – a realização de um evento religioso em um motel do que admitir que vivemos numa republiqueta de merda, onde um deputado organiza orgias com dinheiro publico e ainda é promovido ao cargo de ministro.
Um deputado pode fazer o que quiser com o dinheiro ganho com o suor do seu rosto – suor de seu rosto é uma força de expressão - mas não com o dinheiro público. Foi por isso que imaginamos a quadrilha de São João. A quadrilha justifica os gastos com o orçamento da União. Lá vai o deputado Pedro Novais, o “noivo”, puxando a contradança ao lado da Das Dores, rodopiando: “lá-ra-lá-ra-la-lá” e comandando: “A Grande Roda...Caminho da Roça...Preparar para o travessê...lá vem chuva...é mentira...” 
Trata-se de uma saudável manifestação folclórica de interesse para o turismo nacional e internacional. A formação da quadrilha é perfeitamente verossímil, já que a festança foi no mês de junho, que não faltou matuto e caipira e que para dar maior credibilidade e cor local os personagens se chamam todos Ribamar, como José Sarney, Ferreira Goulart, esse locutor que vos fala e todos os maranhenses que se prezam.
O novo ministro, Pedro Novais, ao organizar a quadrilha, revelou seu compromisso com o turismo. Seu poder de fogo ficou evidente, segundo o noticiário, porque antes mesmo de assumir, apenas nos quatro últimos dias de 2010, ele garantiu o repasse de R$ 32 milhões do seu Ministério para obras no Maranhão. O valor supera a soma de tudo o que foi prometido no mesmo período para as três principais economias do país: São Paulo, Rio e Minas. Os coronéis do Maranhão, seus motéis, a família Sarney e Das Dores agradecem. Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a rede de motéis do Maranhão.
No final do evento, o Motel Caribe solicitou preenchimento de uma ficha de avaliação: “O que você falaria para seu amigo: recomendo ou não gostei? Dê uma nota para o atendimento”. Das Dores, desapertando o espartilho Natasha, deu nota dez e escreveu em observações gerais: “A-mei. De pai-xão. Com essa festa, o Pedrão Novais se credencia a jogar baralho com dona Brígida (Cleyde Yáconis) e a ocupar o coração dela no lugar do Diógenes e do Benedetto. Se até o Totó ressuscitou, por que a pipa do vovô não pode levantar?”.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Clarice Lispector nos lembra: ninguém nasce pra ser feliz


 Clarice na sala de seu apartamento no Leme (Rio de Janeiro, 1961). Foto de Claudia Anduja.

por Pedro Gabriel  no blog Amalgama

Se viva, Clarice Lispector teria completado este mês belos 90 anos. Reconhecedor que sou da importância maiúscula de Clarice para a nossa prosa e admirador contumaz de sua personalidade incrivelmente lúcida sou, não obstante, um quase desconhecedor de sua obra. Pretendo ser breve neste artigo a fim de (como manda a prudência) não cutucar minha própria ignorância com vara curta. Não tecerei nenhum comentário sobre algo de específico em sua obra que, como disse, desconheço em profundidade. Meu comentário diz respeito ao sentido geral de sua produção, algo que faz de Clarice uma escritora digna de ser lida e que se refere a uma postura oposta à índole comum da nossa humanidade: a de esconder o rosto sob o travesseiro da ilusão e sob o mesmo dormir o profundo sono da animalidade onde se sonha enganosa e falivelmente com a felicidade.
As pessoas querem ser felizes. O tempo inteiro, a cada instante, interminavelmente. Tal experiência é esperada hoje por todas as pessoas em todos os níveis, individual e social (com o novo laço social que se desenha) e reforçada pela produção das drogas da felicidade e por uma imersão midiática numa atmosfera de euforia onde todos os bens necessários à nossa plena satisfação estão à venda numa série interminável de coisas ofertadas sobr essa égide. Há hoje uma espera constante e permanente por uma vida isenta de perdas, traumas, violência, frustrações, lesões, engano. Enquanto há outro há dor (diria Freud se perguntado hoje sobre o sentido geral de uma de suas obras maiores: O Mal Estar na Civilização). Falando em Freud, aliás, não podemos esquecer do que este disse sobre a literatura que é o reino onde impera soberano o Princípio do Prazer, afirmação que não deve ser confundida com a idéia de fruição (isso seria entender superficialmente a terminologia freudiana, embora não fosse de todo incoerente com a função a-pragmática da arte e do que faz Clarice com sua pena majestosa). Completamente de acordo com a arte-epifania, todas as obras de Clarice que tive contato são tramas tecidas pelo fio do conflito e do trauma, dito em uma única palavra: do Trágico.
Talvez seja esse o critério que mais facilmente nos ajude a distinguir os gigantes intelectuais dos meros vendedores de livros (os celebrados best sellers): na nossa história estética nenhuma obra cunhada sob uma atmosfera edificante com personagens felizes sempre emitindo bons exemplos resistiu à prova do tempo. A vassoura da história felizmente varre de nossa memória obras irrelevantes não condizentes com a dimensão mais elementar da vida, aquelas que não são feitas sob a proposta de um trilhar sobre nossas veredas mais intimas: o ouro verdadeiro só se prova no fogo (já diz um antiquíssimo ditado Hebreu). Mesmo as histórias feitas para as crianças, como analisa Bruno Bettelheim no seu Psicanálise dos Contos de Fadas, são metáforas do que há de mais odioso em nossa condição e que, por meio das narrativas infantis, encontram uma brecha na pesada barreira do recalque para alertar nossas crianças que a vida não é para amadores e que exige que pisemos leve e não confiemos demais. “O mundo não vale o mundo” disse Drummond e poderiam dizer, se perguntados, os contos dos Irmãos Grimm ou as fábulas de Esopo ou de Andersen (o gigante dinamarquês), obra que meu filho (cuja carne hoje ainda é feita de sonho e vento) haverá de um dia ler.
O senso comum (horse sense, como chamam os americanos) insiste em criar histórias, para adultos e crianças, que desprezam o que há de mais inconciliável em nossa condição substituindo os monstros comedores de crianças por histórias sobre pessoas felizes que não conhecem o engano em suas ascéticas trajetórias. Clarice, na contramão dessa índole (como dissemos no início desse escrito) trata de solidão, horror, morte, do eterno problema de nossa incomunicabilidade. Num de seus poucos livros que li (Laços de Família) Clarice levanta a cortina do núcleo familiar demonstrando toda a gama de impossíveis que nos cerca e dos pequenos e grandes crimes cometidos todos os dias. Clarice é uma flor de Lis ardendo em nosso peito lembrando que “nunca fomos felizes” e que, aliás, não somos aparelhados pra isso.
Conforme lemos em Benjamin Moser, seu mais recente biógrafo, Clarice fora concebida para curar sua mãe de uma sífilis incurável transmitida pelos sucessivos estupros de soldados Russos durante a ocupação na Ucrânia. Essa foi a trama que decidiu a presença de Haia (nome de batismo de Clarice) nesse mundo infeliz. Conforme uma antiga crença vigente no pequeno vilarejo de Tchetchelnik, engravidar significava curar-se de qualquer doença. Mania não resistiu e morreu pouco depois de chegar ao Brasil (fugindo da guerra). É a esse evendo que Bruno Moser se refere para argumentar que Clarice é uma missionária falhada: falhada porque não nasceu pra curar, restruturar ou edificar ninguém, senão para exprimir o que há de mais próprio (num sentido heideggeriano) de nossa experiência de estar no mundo. É uma obra onde se percebe a aceitação dos limites e do peso impostos pelo mundo e pelo tempo e um estado de conciliação com o que há de falível em nós próprios. Há paz em Clarice, mas (oportunamente) não há felicidade.
Clarice completou efetivamente 90 anos neste mês. Sua obra permanece viva e atual e assim se manterá enquanto houver algum peso que sua escrita ajude a tornar suportável ou alguma ilusão que precise ser tornada desilusão. Morrer é próprio do que é breve e passa sem deixar vestígio, com isso Drummond nos faz pensar que Clarice não morrerá em definitivo. Sua dissipação ocorrerá, fatalmente, mas como uma pluma suave que, com leveza, dissipa-se e vai se perdendo em algum lugar. Como disse a própria Clarice: perder-se é também caminho.
 
*Psicanalista, atua na clínica e no mundo: consultório, ambulatório, judiciário, docência e blogosfera.
Pedro Gabriel

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Poesia anarquista....

Cântico negro
José Régio

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio
, pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro de estréia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.

domingo, 12 de setembro de 2010

Trova do Vento que Passa(poesia portuguesa)


Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

domingo, 15 de agosto de 2010

CANÇÃO EM HOMENAGEM À FRATERNIDADE E À AMIZADE! A VIOLÊNCIA JAMAIS VENCERÁ!

Valdecy Alves no seu excelente blog 


Ludwig Van Beethoven é um dos maiores compositores de todos os tempos. Sua criação é monumental. Sua obra-prima é a Nona Sinfonia, que também é uma das mais belas obras produzidas pela humanidade. O quarto movimento, inspirado por um belíssimo poema de um grande poeta alemão chamado Friederich Von Schiller é um verdadeiro hino à fraternidade entre os homens e entre os povos. Uma afirmação da vida, da sociedade humana, do otimismo, do sonho... uma passarela que conduz à certeza que a beleza existe, a harmonia produzindo em quem ouve um sentimento de que todo sonho, a construção do paraíso sonhado, e à certeza que todo utopia é possível.

Sinta através da música, cantada por Nana Mouskouri, tendo como cenário Atenas,  na Grécia,   vibrar em você o idealista e o sonhador que pode estar um pouco extenuado, pessimista, mas que não está morto. E no sonhador mais ferrenho haverá de duplicar a energia do seu sonhar. Abaixo o vídeo, um pouco além a letra em português do belo poema inspirador. PARA OUVIR, SENTIR, ACREDITAR NA UTOPIA E JAMAIS DESISTIR DE SONHAR! Algo igual só no movimento das galáxias, no despertar da primavera, na dança dos elétrons, na beleza feminina, na constância das ondas do mar... EIS O BELÍSSIMO POEMA DE SCHILLER:


Ode à Alegria
(An Die Freude)

Oh amigos, mudemos o som!
Entoemos algo mais prazeroso
E alegre!
Alegria, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios pelo fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce vôo se detém.
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Mesmo aquele que conquistou apenas uma alma,
Uma única alma em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!
Da alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.

Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim para se erguer diante de Deus!
Alegremente, como seus sóis corram
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Exultantes como o herói diante da vitória.
Alegria, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios pelo fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Enviem um beijo ao mundo todo!
Mundo, você sente a presença do seu Criador?
Pois milhões se abatem diante dele!
Abracem-se milhões!
Porque Irmãos, além do céu estrelado
Deve haver um Pai Amado!

domingo, 8 de agosto de 2010

Bertold Brecht


1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados,ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?
2

Em vez de serem apenas bons,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor:que a torne supérflua!

Em vez de serem apenas livres,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!

Em vez de serem apenas razoáveis,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Vade retro capitalismo....

Declaração de ódio ao capitalismo [poema panfletário]

 

Por Tânia Marques

Por todas as crianças desnutridas
Por todas as infâncias desperdiçadas
Por todos os que se afogam no álcool
Por todas as famílias infelizes e
desestruturadas economicamente
Por todo o trabalho infantil que há no mundo
Por toda a pobreza reinante
neste país de fachada chamado Brasil
Por todas as aberrações consumistas
Por toda a burguesia podre e fétida
Por todas as explorações e discriminações
Por toda a ganância desumana e cruel
Por toda a fome que há no mundo
Por toda a corrupção e corporativismo imbecil
Por todos os veículos que poluem o ar
Por toda a matança irracional e predatória de animais
Por toda a agressão ao planeta Terra
Por todas as pessoas que comem na lata lixo
Por toda a estupidez que aleija o homem
em troca de um pseudopoder opulento
Por toda a tirania que há no mundo
Por todas as guerras e disputas de territórios
Por todos os que se beneficiam do ‘jeitinho’ brasileiro
Por todos os que querem levar vantagem em tudo
Por toda a falta de amor que há no mundo
Por todos os que morreram em assaltos ou de bala perdida
deixando famílias, filhos e pais órfãos
Por todos os que lucram
Com o corpo e com a alma do ser humano
Por toda a estética fascista
Por todos os que escravizam seu irmão
Por toda a droga que há no mundo
Por todos os analfabetos políticos,
funcionais ou de letramento
Por todos os moradores de rua
Por toda a manipulação que há no mundo
Por toda a ausência de ética
Eu declaro o meu ódio irrevogável
ao capitalismo
que
mata
domestica
engana
policia
marginaliza
e torna a vida 
uma grande mercadoria barata!



Tânia Marques
Fonte da imagem:
http://economiaparapoetas.wordpress.com/2009/02/15/a-simbologia-do-dolar/