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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

“Se eu encontrar dez justos na cidade não a destruirei”

Waldemar Rossi   no CORREIO DA CIDADANIA

A frase acima faz parte do primeiro livro bíblico e mostra um momento na História daquele povo em que a corrupção corria solta, em que todos os valores humanos tinham sido jogados na lata do lixo. Os escritores fizeram essa narração nos tempos da escravidão na Babilônia, pretendendo mostrar a decadência do império babilônico – cuja derrota se deu algumas décadas mais tarde. Não se trata de querer “catequizar” ninguém. O que se pretende com o título e com este artigo é chamar a atenção para o grau de degradação por que passa a nação brasileira, hoje, quase três milênios depois da narração do fato hipotético.

Cinqüenta anos atrás, imaginar que a degradação do povo brasileiro pudesse chegar ao fundo do poço era inadmissível. Mas está acontecendo. Como de hábito na História dos povos, tudo é fruto da corrupção dos poderes que, marcada pela impunidade e alardeada pelos meios de comunicação – que a praticam em larga escala –, vai impregnando o conjunto da população. Corrupção dos políticos já era bem conhecida. Mas, entre a população havia muito de dignidade e de respeito à vida alheia. Uso e abuso da droga eram ainda bem pequenos; assassinatos geravam revoltas e indignação, e de massacres não se tinham conhecimento, embora esses sempre fizessem parte da nossa criminosa história de colonização e escravatura. Nos meios urbanos do início do século XX havia mais respeito à vida alheia e preservação da honradez.

Mas os interesses do capital são perversos e amorais. E esses valores estão prevalecendo como nunca havia acontecido. Seu único valor é o lucro. Para atingi-lo tudo é válido, desde a destruição de valores humanos, até mesmo destruição de todo tipo de vida, incluída a vida humana. Quanto maior a decadência moral maior a facilidade para a dominação ideológica e a exploração econômica - seu objetivo último e supremo.

Como seu deus é a riqueza, o capitalista usa de todos os recursos para dela se apropriar. Organiza e promove golpes militares, implanta ditaduras; prende, tortura e assassina seus opositores; invade terras dizimando nações indígenas, seus habitantes milenares; massacram trabalhadores rurais (posseiros, quilombolas, ribeirinhos, pequenos proprietários); derrubam matas imensas, extinguindo milhares de espécies animais e vegetais; contaminam águas de lagoas, de rios, subterrâneas e marítimas; provocam acidentes ambientais destruidores de toda espécie de vida.

E os mandantes desses crimes restam impunes e, mais que isto, incentivados e subsidiados por governantes inescrupulosos e corrompidos pelo poder econômico. A justiça se tornou vesga e profundamente manchada de sangue do seu povo. Centenas de juízes e ministros se tornam piores que Pilatos, porque não têm como lavar suas mãos impregnadas do sangue dos inocentes. Neste triste Brasil, a cada dia surgem notícias de assassinatos de trabalhadores, de indígenas e até daqueles(as) que, marcados pelos valores da justiça, decidem fazer frente a tanto banditismo oficial.

É deprimente acompanhar o noticiário e deparar, a cada dia, a revelação de mais um grupo de corruptos dos altos escalões, federais, estaduais e municipais. Assim como já se tornou corriqueiro saber que obras públicas nas três instâncias de governo são superfaturadas ou contratadas em desrespeito às leis e ao direito. Provocam sorrisos irônicos dos cidadãos os desmentidos por parte dos acusados, que não mostram o menor escrúpulo pelos crimes praticados. Sabem que serão preservados de punições maiores, sabem que as cadeias não foram feitas para eles e sim para os pequenos infratores ou mesmo para muitos inocentes.

Felizmente, podemos dizer que há mais de dez justos neste país, não entre os que estão no poder - salvo raríssimas exceções. O que nos alimenta novas esperanças é perceber que a cada ano maior número de pessoas se dá conta do descalabro reinante, vai perdendo antigas ilusões quanto ao sistema e até mesmo quanto a organizações ultrapassadas. São pessoas que, despertando do marasmo e do torpor, vão se indignando e ousando engrossar as colunas - ainda débeis, mas crescentes - do movimento social, se juntando às pessoas que teimam em resistir à degradação oficial.

Sem dúvidas se trata de um fenômeno mundial. De várias partes do mundo surgem notícias que resgatam as esperanças, que alimentam a vontade popular de promover alguma revolução política, econômica e cultural. Em muitos países a evolução é maior que no Brasil.

Mas aqui também a vergonha não desmoronou totalmente e o brio vem promovendo reações positivas. Professores e alunos lutam por mudanças estruturais nas escolas e universidades em vários estados do país; trabalhadores promovem paralisações da produção exigindo melhores condições de trabalho, de salário e de vida; campanhas pela moralização da política vêm ganhando espaços nas cidades; denúncias da corrupção são cada vez mais freqüentes; debates das questões políticas, ambientais, de segurança e econômicas se multiplicam aos poucos, gerando pequenas mobilizações. São luzes tênues ainda, mas sinais inequívocos de que as coisas estão em processo de mudanças. “Debaixo do céu há momento para tudo... Tempo para destruir e tempo para construir;... tempo para rasgar e tempo para costurar;... tempo para chorar e tempo para rir.” (Ec. 3, 1-8).

Está chegando a hora, tempo de o povo rasgar o que está podre e costurar a sociedade da justiça social e da solidariedade entre os homens e mulheres de boa vontade. Perder a esperança, jamais! Não vacilar, mas perseverar com muita confiança e convicção no poder criativo do povo esclarecido e organizado.


Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Urgências na educação das comunidades quilombolas

Por Maria Auxiliadora Lopes

O preconceito racial existente na sociedade brasileira tem dificultado a realização de estudos sobre as condições socioeconômicas e culturais dos diferentes grupos étnicos que compõem a população do país. Em decorrência desse fato, alguns grupos enfrentam problemas que determinam sua marginalização e o difícil acesso aos benefícios sociais. Podemos citar, no enfrentamento deste quadro, as comunidades remanescentes de quilombos.

Para um melhor entendimento do que são os remanescentes de quilombos, o Decreto 4887/03 estabelece que: “Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a opressão histórica sofrida”.

Segundo dados da Fundação Cultural Palmares (2010), existem, no Brasil, em todas as Unidades da Federação, exceto no Acre, em Roraima e em Brasília, 1.436 comunidades remanescentes de quilombos certificadas. Os estados com maior número de comunidades remanescentes de quilombos são Maranhão (318), Bahia (308), Minas Gerais (115) Pernambuco (93) e Para (85).

Partindo do princípio de que as comunidades remanescentes de quilombos possuem dimensões sociais, políticas e culturais significativas, com particularidades no contexto geográfico brasileiro, tanto no que diz respeito à localização, quanto à origem, considera-se a necessidade de ressaltar e valorizar as especificidades de cada comunidade, quando do planejamento de ações voltadas para o seu desenvolvimento sustentável.

Conforme o Relatório da Situação da Infância e Adolescência Brasileira, Unicef 2003, 31,5% das crianças quilombolas de sete anos nunca frequentaram bancos escolares; as unidades educacionais estão longe das residências e as condições de estrutura são precárias, geralmente as construções são de palha ou de pau a pique; poucas possuem água potável e as instalações sanitárias são inadequadas. O acesso à escola para estas crianças é difícil, os meios de transporte são insuficientes e inadequados e o currículo escolar está longe da realidade destes meninos e meninas. Raramente os alunos quilombolas vêem sua história, sua cultura e as particularidades de sua vida nos programas de aula e nos materiais pedagógicos. Os professores não são capacitados adequadamente, o seu número é insuficiente para atender a demanda e, em muitos casos, em um único espaço há apenas uma professora ministrando aulas para diferentes turmas.

A questão da terra tem sido o principal obstáculo à implementação de políticas públicas destinadas às comunidades remanescentes de quilombos e motivo de perpetuação dos históricos conflitos pela posse e uso da terra.

De acordo com o censo escolar realizado em 2009, nas Comunidades Remanescente de Quilombos existem 200.510 alunos que são atendidos por 10.001 professores, atuando em 1.693 escolas. Chama a atenção que 61,59% das matrículas estão concentradas na Região Nordeste.

Pesquisas realizadas pelo Ministério da Educação, no exercício de 2008, em escolas localizadas nas comunidades remanescentes de quilombos, em municípios dos estados da Bahia, do Maranhão e de Minas Gerais apontam a necessidade da implementação de políticas públicas para estas comunidades. Apresentamos algumas recomendações que devem balizar o trabalho de educação nas comunidades:

1. Revisar a perspectiva ideológica da formulação de currículos, respeitando os valores culturais dos alunos da comunidade;

2. Atualizar regularmente o Censo Escolar com dados sobre alunos, professores e prédios das comunidades remanescentes de quilombo;

3. Criar Unidade Executora nos estabelecimentos escolares para que professores, alunos e pais possam participar da decisão da execução do Programa Dinheiro Direto na Escola, onde isso for possível;

4. Criar e manter mecanismos de aquisição de gêneros alimentícios, oriundos da própria comunidade quilombola, respeitando os hábitos alimentares, além da viabilização do transporte destes gêneros alimentícios até as escolas;

5. Fomentar a participação de representantes das comunidades quilombolas nas instituições que realizam o controle social, como o Conselho do FUNDEF, o Conselho da Alimentação Escolar e outros;
6. Orientar gestores, diretores, professores, servidores em geral na elaboração do PPP das escolas;

7. Oferecer aos professores cursos de formação inicial e continuada relacionados à Educação das Relações Étnico-raciais, de forma regular, face ao desconhecimento, comprovado nesta pesquisa, da Resolução nº1/2004 e do Parecer 03/2004;

8. Rever a estratégia de produção (tiragem) e de distribuição do material didático produzido pelo SECAD/MEC sobre a temática, para que realmente alcance o objetivo de chegar a todas as escolas das comunidades remanescentes de quilombos do Brasil.

As políticas de promoção da igualdade racial são meios eficazes de eliminar as taxas de desigualdade, pois uma educação de qualidade nas escolas quilombolas pode ser o passo principal para o respeito e valorização das identidades culturais do Brasil, de acordo com o Parecer CNE/CP nº 03, de 10 de março de 2004, e a Resolução (CNE/CP) nº 01, de 17 de junho de 2004.

Maria Auxiliadora Lopes é graduada em Pedagogia e História e Mestre em Educação. Desde 2003, trabalha na SECAD/MEC na área de políticas públicas, exercendo atividades de planejamento, elaboração, avaliação e acompanhamento de projetos, em especial voltados para a educação das relações étnico-raciais

domingo, 6 de novembro de 2011

Racismo contra grupo de Estudantes Negros da Universidade Federal de Santa Maria por Vigilante

Racismo de seguranca Universidade santa maria UFSM
Toda vez que nós estudantes negros nos reunimos para discutir determinados assuntos ou até mesmo conversar entre nós no campus da universidade, somos observados por pessoas e especialmente pela segurança que chega perto para ver, ouvir e vistoriar o que estamos fazendo.
Na quarta feira, por volta das 18:30 estávamos lendo e debatendo o que seria importante dar ênfase no evento. Havia outros grupos próximos a nós, mas sofremos a mira dos olhares oblíquos das pessoas que as vezes se discara.
Chegam, próximos a nós, dois colegas que foram nos cumprimentar e na saída um deles caminhando de costas e falando conosco tropeça e cai por cima de um carro estacionado no campus da universidade. Seguindo a linha de tratamento dela para conosco e a falta de respeito, ela grita a metros de distancia como se o rapaz, também negro fosse um ladrão, este por sua vez permaneceu parado. Ela também estava parada há muito tempo apenas nos observando com dois homens que se identificam como dono do carro e sobrinho deste.
Ela permanece gritando e caminha em direção a nós como se tivéssemos cometido algum crime.O rapaz prontamente se identifica, fornece seu endereço e se dispõe a pagar a antena quebrada. A vigilante não identificada por crachá permanece a coerção grita e abusa de seu poder. Falamos que ela não tinha o direito de assim agir visto que ela era vigilante da universidade e aquele carro não era patromônio. O rapaz que havia tropeçado ja havia pedido desculpas e se comprometido a pagar a antena.
Eles, ao contrário, não haviam se identificado. Não disseram nomes apenas o senhor confirmou o que a vigilante disse sobre ser pai de aluno da universidade. O que de fato não faria do carro dele um patrimônio da mesma. Após sair os dois estudantes, o negro que tropeçou e a testemunha, um rapaz branco o único que ela não ofendeu e não apontou. Continuamos lendo o texto e ela nos mirando de longe como já fazia.
Pouco tempo depois ela volta com o "sobrinho do dono do carro" e fica parada próximo a nós e fica fazendo ameaças para que escutássemos. Disse que se ele não pagasse para falar com ela que ela daria um jeito. Que chamaria a brigada militar para entrar aqui na faculdade. Dissemos que o assunto já tinha sido resolvido e que não era necessário a entrada da Brigada Militar, e que inclusive ela poderia entrar no espaço da Universidade.
A segurança responde que ela pode chamar quem ela quiser e que se fosse de sua vontade os militares entrariam na universidade e resolveriam o problema, pois na UFSM era ela quem mandava. Em todo momento ela estava com a mão na arma e no cassetete para nos intimidar. Dissemos que ela era segurança que não era policial e que deveria saber a diferença entre ambos.
Falamos que eramos estudantes que aquilo era um absurdo, abuso de poder e ela disse que nós não pareciamos estudantes, que não deveriamos estar na universidade e que não tinhamos cara de estudante. Haviam vários grupos tomando mate, pessoas de fora da universidade levando cachorro pra passear no campus e nós não tinhamos cara de estudantes?
Porque nós o único grupo só de negros, com livros e Notebooks não tínhamos cara de estudantes? A segurança permaneceu nos coagindo quando o então "sobrinho do dono do carro" disse que bateria em uma das membras da associação, para que essa se cuidasse, que ele o pegaria lá fora da universidade.
A vítima da ameaça indaga a segurança "ele me ameaça dentro da faculdade e a senhora não vai fazer nada?" A vigilante responde: tu merece, tu que começou. Resolvemos, depois da saída deles que deveriamos ir a policia prestar queixa. Ao sair sempre havia um carro da segurança atrás de nós ou um segurança olhando e seguindo a gente e passando informação no rádio. Entramos e saímos da universidade, não conseguimos registrar queixa na polícia mais próxima.

Dia 3 de novembro

Fomos seguidos desde o café da manhã, dentro do Restaurante Universitário até próximo ao meio-dia, quando estávamos aguardando uns aos outros para almoçar. A vigilante e até mesmo o que não estava envolvida no dia anterior, se mantinham parados ao nosso lado e nos encaravam a todo tempo. No almoço a vigilante racista sentou próxima a nossa mesa e quando saímos ela fez questão de passar o rádio . Ao sair do restaurante universitário já havia segurança atrás de nós novamente. Encontramos amigos próximo ao caminho de casa que estão preocupados com isso, eles viram como estamos sendo perseguidos e se colocaram a disposição para testemunha. Uma das membras da associação tinha aula às 13:30 no prédio 17 - um pouco distante da Casa do Estudante, uma amiga [branca] a levou até lá e testemunhou que foi seguida até o prédio. Quando sai da aula havia três vigilantes me esperando.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A história do Haiti é a história do racismo’

Eduardo Galeano no PATRIA LATINA
 
A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto
 
Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.
Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:
- Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.

O álibi demográfico
 
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Porto Príncipe, qual é o problema:
- Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.
E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.
Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.
Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.

A tradição racista
 
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do Citybank e abolir o artigo constitucional que proibia vender as plantations aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".
O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".
Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".

A humilhação imperdoável
 
Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.
A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.

O delito da dignidade
 
Nem sequer Simón Bolívar, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma ideia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.
Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis. Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perdão por haver cometido o delito da dignidade.
A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

* Escritor e jornalista uruguaio

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Militante do multiculturalismo, Caroline Fourest teme por tempos 'dolorosos e violentos' na Europa

O racismo passou da retórica aos fatos, pôs o dedo no gatilho de uma metralhadora e estraçalhou os corpos de 76 jovens em julho deste ano, na Noruega. Comeste ato, provocou urros de aprovação numa direita branca, católica, homofóbica e raivosa, desejosa de ver no massacre cometido por Anders Behring Breivik os pilares da recuperação da Europa "monocultural, forte, íntegra e iluminada da Era Medieval".

Wikimedia Commons


Em uma entrevista exclusiva ao Opera Mundi, concedida por e-mail, de Paris, a escritora francesa e professora de multiculturalismo da Sorbonne, Caroline Fourest, falou da nova onda que prega o apartheid mundial como forma de frear os "efeitos nocivos" da mundialização. Colunista do jornal francês Le Monde e fundadora da revista ProChoix, Caroline emergiu nos últimos dez anos como uma das maiores defensoras do multiculturalismo. Razão suficiente para, segundo as teorias de Breivik, ser vítima de um ataque, assim como sua publicação.

Temas ligados à intolerância são cada vez mais presentes na imprensa – às vezes como debate de uma visão de mundo; outras como motivação para atos violentos. Acredita na existência de uma onda favorável a um 'apartheid mundial', onde norte e sul, negro e branco,  cristão e muçulmano serão cada vez mais temerosos de viverem juntos?

Nós estamos presenciando hoje o crescimento de um medo que é mais complexo que um "simples" racismo de tipo neocolonial. Já não se trata mais de preconceitos ligados a sentimentos de superioridade para dominar o outro, seja com finalidade econômica, seja com finalidade comercial. Hoje, vemos um medo mais ligado à crise da mundialização e do multiculturalismo. Do ponto de vista de certos europeus, principalmente dos mais desfavorecidos, a mundialização não faz mais que causar problemas como reduzir a proteção social, aumentar a concorrência por salários e levar a perda da identidade nacional.

Trata-se, portanto, muitas vezes, de uma ansiedade que é ao mesmo tempo social e cultural. Ainda que os preconceitos racistas de tipo clássico se retirem, pelo menos no caso da Europa, o medo do estrangeiro apenas muda de forma.

Já não se trata tanto de rejeitar a imigração porque nós acreditamos que os outros são inferiores, mas porque eles podem nos fazer concorrência com os mesmos salários ou mesmo enquanto trabalhadores do sul (em pleno crescimento).

Isso os leva a crer que poderemos desaparecer enquanto cultura, caso todas as minorias que migram para o Norte nos impuserem sua particularidade cultural ou religiosa. É assim, o extremismo religioso irrompe.
 
O atentado na Noruega permite dizer que a Europa entrou em uma nova etapa no combate à discriminação e da defesa dos direitos humanos? O que mudou depois deste episódio para os que defendem um mundo livre e tolerante?

O massacre na Noruega é um ato isolado de uma pessoa perversa, sádica e narcisista. Mas é claro que ele levanta questões. Seu manifesto de ódio concentra os novos bordões da direita europeia, como a nostalgia de um mundo monocultural, no qual a identidade europeia deve ser reafirmada para que não desapareça.

Os principais perigos que pairam sobre esta identidade são, aos olhos destas pessoas, destes assassinos, a "feminilização da Europa", como um conceito que sabota o patriarcado.

Depois, há o medo do marxismo cultural, que é visto como algo que depões contra o brio masculino do homem branco, cristão e heterossexual. Estes assassinos criticam o multiculturalismo, mas eles nunca o fazem de maneira laica, universalista ou igualitária. É, em vez disso, uma visão machista, homofóbica e patriarcal da identidade europeia, frente ao que eles veem como uma ameaça à virilidade e à vitalidade, provocada também pelo que eles chamam de "islamização" em curso, ou seja, uma invasão muçulmana por meio da imigração.

Muitos chamaram o manifesto de Breivik um novo Mein Kampf. O pensa dessa associação e quais são efetivamente os riscos que um livro como este pode representar, na disseminação de ideias fascistas na Europa de hoje?
 
É um manifesto de ódio, o qual o autor espera claramente que tenha o mesmo destino do Mein Kampf. Ele já teve uma difusão inquietante pela internet, ainda que grande parte das pessoas o tenha lido para melhor combatê-lo. Mas, diferente de Hitler, seu autor passou aos atos antes de transformar-se num modelo. E que modelo ele propunha? De matar a sangue frio pessoas que tinham entre 12 e 17 anos? Quem pode se identificar com isso?

Le Blog de Caroline Fourest


Mesmo os piores extremistas políticos estão obrigados a condenar este ato absolutamente sem sentido, ao contrário do que o assassino queria fazer crer, e que se parece a terrorismo puro. Sim, devemos estar muito vigilantes para que todos os que ousem se solidarizar com um "modelo" como esse sejam sistematicamente condenados.

A imprensa viveu um dilema confrontada com a decisão de publicar ou não o manifesto de Breivik. Há quem pensa ser preciso discutir o conteúdo como uma forma de confrontar intelectualmente a ameaça. Por outro lado, há quem defenda que não se pode dar mais visibilidade a essas teorias, pois é justamente a publicidade que interessa. Qual sua opinião?
 
É muito complicado, realmente. De um lado, é preciso ler para melhor compreender. De outro, ele contém efetivamente passagens de incitação ao ódio, à morte; um verdadeiro manual de terrorismo, que faz com que sua proibição me pareça justificada e até mesmo necessária.

Mas como proibir isso na Internet? É impossível. Se você prevê uma sanção aos que possuem o documento, não estará fazendo mais que dar a ele um caráter sulfuroso, ainda mais sedutor. Apesar disso, é preciso penalizar os sites que publicam e difundem este documento.

Em seu documento, Breivik diz a seus seguidores que eles devem realizar ações violentas contra todos os que defendem o multiculturalismo na Europa. Sentiu-se pessoalmente confrontada com uma ameaça tão direta?
 
Eu trabalho numa fundação para o diálogo entre as diferentes culturas, que foi citada como um dos alvos para estes ataques. Ao mesmo tempo, faço parte dos intelectuais que escreveram livros contra a integralidade (no sentido de pureza) e criticam certo tipo de multiculturalismo, que não passa de uma visão anglo-saxã de multiculturalismo.

Ela leva a tolerar a integralidade sob o pretexto de respeitar "as culturas". Mas a minha crítica é articulada, guiada pelo feminismo e pelo antirracismo. É uma crítica que pede que nós reforcemos a igualdade entre homens e mulheres, que lutemos contra a discriminação e que apliquemos os princípios laicos.

Os assassinos não compartem, absolutamente, desta visão, que eles combatem com todas as suas forças, uma vez que detestam o feminismo e o antirracismo. Este ato atroz (na Noruega) reforça tudo o que eu tenho tentado dizer nos últimos dez anos.

Se não encontrarmos soluções que sejam ao mesmo tempo antirracistas e laicas para a crise da mundialização, estaremos abandonando o terreno em favor dos racistas extremistas e monoculturalistas. Se nós estivermos de acordo sobre estes valores e ao mesmo tempo encontrarmos soluções para mitigar a crise econômica e reduzir as injustiças provocadas pela desregulamentação econômica, a barragem aguentará.

Do contrário, teremos pela frente tempos dolorosos e muito violentos.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Terrorismo político organizado: O massacre norueguês, o Estado, os media e Israel


James Petras [*]
 
James Petras 
O atentado à bomba no gabinete do primeiro-ministro norueguês em 22/Julho/2011, Jen Stoltenberg, do Partido Trabalhista, o qual matou oito civis, e o subsequente assassinato político de 68 activistas desarmados da Juventude do Partido Trabalhista na Ilha Utoeya, a apenas 20 minutos de Oslo, pelo militante neo-fascista cristão-sionista, levantam questões fundamentais acerca do crescimento das ligações entre a extrema-direita legal, os media “de referência”, a política norueguesa, Israel e o terrorismo de extrema-direita.


Os mass media e a ascensão do terrorismo de direita:

Os principais jornais de língua inglesa, The New York Times (NYT), o Washington Post (WP), o Wall Street Journal e o Financial Times (FT), bem como o presidente Obama, culparam “extremistas islâmicos”, desde os primeiros relatórios policiais dos assassinatos, publicando uma série de manchetes incendiárias (e falsa) e reportagens, etiquetando o evento como o “11/Set da Noruega”, o qual reflectia a motivação ideológica e justificação mencionada pelo próprio assassino político cristão-sionista, Anders Behring Breivik. Na primeira página do Financial Times (de Londres) de 23-24/Julho, lia-se “Temores do extremismo islâmico: O pior ataque na Europa desde 2005″. Obama imediatamente citou o ataque terrorista na Noruega para mais uma vez justificar suas guerras além-mar contra países muçulmanos. O FF, NYT, WP e WSJ activaram seus auto-intitulados “peritos” os quais debateram acerca de quais líderes ou movimentos árabes/islâmicos foram responsáveis – apesar de informações da imprensa norueguesa da “prisão de um homem nórdico em uniforme de polícia”.
Evidentemente, os mass media e a elite política dos EUA estavam ansiosos por utilizar o atentado bombista e os assassinatos para justificar guerras imperiais em curso além-mar, ignorando o florescimento de organizações internas de extrema-direita e indivíduos violentos que são a consequência da propaganda de ódio oficial islamofóbica.
Quando Anders Breivik, um conhecido extremista neo-fascista, entregou suas armas à polícia norueguesa, sem resistência, e reivindicou o crédito pelo atentado bombista e o massacre, teve início a segunda fase do encobrimento oficial. De imediato ele foi descrito como “um solitário lobo assassino”, o qual “actuou sozinho” (BBC, 24/Julho/2011) ou como mentalmente demente, minimizando suas redes políticas, seus mentores ideológicos e compromissos com americanos, europeus e israelenses, que o levaram aos seus actos de terrorismo. Ainda mais ultrajante, os media e responsáveis ignoraram o facto de que este ataque terrorista complexo e com múltiplas fases estava além da capacidade de uma pessoa “demente”.
Anders Behring Breivik foi membro de um partido político de extrema-direita, o Partido do Progresso, e colaborador e contribuidor de um sítio web abertamente neo-nazi. Ele frequentemente centrava seu ódio sobre o Partido Trabalhista governante pela sua relativa tolerância de imigrantes. Despreza imigrantes, especialmente muçulmanos, e era um ardente apoiante cristão-sionista repressão e terror israelense contra o povo palestino. Sua acção criminosa foi essencialmente política e integrada numa rede política muito mais vasta.
A elite política e os media fizeram todo o possível para negar o entrecruzamento de ligações entre islamófobos ideológicos “legais”, como os sionistas americanos Daniel Pipes, David Horowitz, Robert Spencer e Pamela Geller, o Partido da Liberdade da extrema-direita holandesa dirigido pelo intriguista Geert Wilders e seus homólogos no Partido do Progresso norueguês que se mobiliza contra a “ameaça muçulmana”. Os terroristas da “acção directa” tomam inspiração em partidos eleitorais, como o Partido do Progresso, o qual recruta e doutrina activistas, como Behring Breivik, os quais deixam então a “estrada eleitoral” para executarem suas carnificinas sangrentas, permitindo aos promotores do ódio “respeitáveis” condená-lo hipocritamente… após a afronta.

O assassino fascista: Um super-homem solitário viaja mais rápido do que uma bala contra a polícia que se move mais devagar do que uma tartaruga reumática:

O caso do “terrorista lobo solitário” desafia a credibilidade. É um tecido de mentiras utilizadas para encobrir cumplicidade do estado, má conduta da inteligência e a aguda viragem à direita tanto na política interna como externa de países da NATO.
Não há qualquer base para aceitar a afirmação inicial de Breivik de que actuou só devido a várias razões relevantes: Primeiro, o carro bomba, que devastou o centro de Oslo, era uma arma altamente complexa que exigir perícia e coordenação – da espécie disponível para estados ou serviços de inteligência, como o Mossad, o qual se especializa em carros bombas devastadores. Amadores, como Breivik, sem treino em explosivos, habitualmente explodem-se a si próprios ou falta-lhes a qualificação necessária para conectar os dispositivos electrónicos de temporização ou detonadores remotos (como provaram fracassados “sapatos” e “cuecas” dos bombistas da Times Square).
Em segundo lugar, os pormenores de (a) movimentar a bomba, (b) obter (roubando) um veículo, (c) colocar o engenho no sítio estratégico, (d) detonar com êxito e (e) então vestir um elaborado uniforme da polícia especial com um arsenal de centenas de munições e conduzir em outro veículo para a ilha de Utoeya, (f) esperar pacientemente enquanto armado até os dentes por um ferry-boat, (g) cruzar-se com outros passageiros no seu uniforme de polícia, (h) acercar-se dos activistas da Juventude Trabalhista e começar o massacre de grande número de jovens desarmados e finalmente (i) liquidar os feridos e caçar aqueles que tentavam esconder-se ou nadar para longe – não é a actividade de um fanático solitário. Mesmo a combinação de um Super-homem, Einstein e um atirador de classe mundial não podiam executar tais tarefas.
Os media e os líderes da NATO devem encarar o público como passivos estúpidos ao esperar que acreditem que Anders Behring Breivik “actuou só”. Ele está disposta a aguentar uma sentença de 20 anos de prisão, pois sustenta que a sua acção colectiva é a fagulha que incendiará seus camaradas e promoverá a agenda dos partidos violentos e legais de extrema-direita. Frente a um juiz norueguês, em 25 de Julho, ele declarou publicamente a existência de “mais duas células na minha organização”. De acordo com testemunhas na Ilha Utoeya, foram ouvidos tiros de duas armas distintas vindos de diferentes direcções durante o massacre. A política, dizem eles, está a … “investigar”. Não é preciso dizer que a polícia nada encontrou; ao invés disso simularam um “show” para encobrir a sua inacção com a invasão de duas casas longe do massacre e rapidamente libertaram os suspeitos.
Contudo, a mais grave implicação política da acção terrorista é a ostensiva cumplicidade de altos responsáveis da polícia. A polícia levou 90 minutos para chegar a Ilha Utoeya, localizada a menos de 20 milhas [32 km] de Oslo, 12 minutos de helicóptero e 25 a 30 minutos de carro e barco. O atraso permitiu aos assassinos da extrema-direita utilizaram toda a munição, maximizando a mortes de jovens, activistas anti-fascistas, e devastando o movimento trabalhista juvenil. O chefe de polícia, Sveinung Sponheim, deu a mais fraca das desculpas, afirmando “problemas com transporte”. Sponheim argumentou que não estava pronto um helicóptero e que “não podiam encontrar um barco” (Associated Press, 24/Julho/2011).
Mas havia um helicóptero disponível. Ele conseguiu voar a Utoeya e filmar a carnificina em curso, e mais da metade dos noruegueses, um povo marítimo há milénios, possui ou tem acesso a um barco. Uma força policial, confrontada com o que o primeiro-ministro chama a “pior atrocidade desde a ocupação nazi”, a mover-se ao ritmo de uma tartaruga reumática para resgatar jovens activistas, levanta a suspeita de algum nível de cumplicidade. A questão óbvia que se levanta é o grau em que a ideologia do extremismo de direita – neo-fascismo – penetrou a polícia e as forças de segurança, especialmente os escalões superiores. Este nível de “inactividade” levanta mais questões do que respostas. O que sugere que os sociais-democratas só controlam parte do governo – o legislativo, ao passo que os neo-fascistas influenciam o aparelho de estado.
O facto claro é que a polícia não salvou uma única vida. Quando finalmente chegou, Anders Behring Breivik havia esgotado a sua munição e rendeu-se à polícia. A polícia literalmente não disparou um único tiro; ela nem mesmo teve de caçar ou capturar o assassino. Um cenário quase coreografado: Centenas de feridos, 68 desarmados, activistas pacíficos mortos e o movimento da juventude trabalhista dizimado.
A polícia pode afirmar “crime resolvido” enquanto os mass media tagarelam acerca de um “assassino solitário”. A extrema-direita tem um “mártir” para mascarar um novo avanço na sua cruzada anti-muçulmana e pró Israel. (Recorda o celebrado fascista israelense-americano, assassino em massa, Dr. Baruch Goldstein, que massacrou dúzias de palestinos desarmados, homens e rapazes e um pregador, em 1994).
Apenas dois dias antes dos assassínios políticos, o responsável do Movimento da Juventude do Partido Trabalhista, Eskil Pederson, deu uma entrevista ao Dagbladet, o segundo maior tablóide da Noruega, na qual anunciava um “embarco económico unilateral de Israel por parte da Noruega” (Gilad Atzmon, 24/Julho/2011).
O facto que importa é que os militares noruegueses não têm problemas e despachar rapidamente 500 tropas para o Afeganistão, a milhares de quilómetros e proporcionar seis jactos e pilotos da Força Aérea Norueguesa para bombardear e aterrorizar a Líbia. E ainda assim eles não podem encontrar um helicóptero ou um simples barco para transportar a sua polícia algumas centenas de metros para impedir um acto terrorista interno da direita – cujo comportamento assassino estava a ser descrito segundo a segundo pelas jovens vítimas aterrorizadas nos seus telemóveis aos seus pais desesperados.

As raízes imperiais do fascismo interno: Conclusão

Claramente, as decisões da Noruega e outros países escandinavos de participar nas cruzadas imperiais dos EUA contra muçulmanos e especialmente árabes no Médio Oriente excitaram e revigoraram a direita neo-fascista. Eles agora querem “trazer a guerra para casa”: querem que a Noruega vá mais além, “expurgar a nação, pela expulsão de muçulmanos. Eles querem “enviar uma mensagem” ao Partido Trabalhista: Ou aceita uma plena agenda neo-fascista a favor de Israel ou aguarda mais massacres, mais fascistas eleitos, mas seguidores de Anders Behring Breivik.
O “Partido do Progresso” é agora o segundo maior partido político na Noruega. Se uma coligação “conservadora” derrotar os trabalhistas, neo-fascistas provavelmente terão assento no governo. Quem sabe, após uns poucos anos de bom comportamento, eles possam encontrar uma desculpa para comutar a sentença do seu ex-camarada … ou proclamá-lo mentalmente reabilitado e livre.
O que é claramente necessário é a retirada imediata de todas as tropas de guerras imperiais e um combate sistemático, coerente e organizado contra terroristas internos e seus padrinhos intelectuais na América, Israel e Europa. A Juventude Trabalhista deve ir em frente com o seu pedido de que o governo trabalhista, sob o primeiro-ministro Jen Stoltenberg, reconheça a nação da Palestina e implemente um boicote total a bens e serviços de Israel. Uma campanha de educação política nacional e internacional deve ser organizar para revelar as ligações entre fascistas eleitorais respeitáveis e terroristas violentos. Os mártires da Juventude Trabalhista da Ilha de Utoeya deveriam ser guardados no coração e os seus ideais ensinados em todas as escolas. Seus inimigos e apoiantes de extrema-direita, abertos, encobertos ou directamente cúmplices, deveriam ser revelados e condenados. A melhor armas contra o renovado ataque neo-fascista é uma ofensiva política e educacional, assumindo as tradições de combate anti-fascista e anti-Quisling (o notório colaborador nazi da Noruega) dos seus avós. Não é demasiado tarde – se o Partido Trabalhista, os sindicatos noruegueses e a juventude anti-fascista actuarem agora antes do dilúvio do fascismo ressurgente.
31/Julho/2011

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terça-feira, 12 de julho de 2011

A segregação racial está de volta ao sul dos EUA


A segregação racial está de volta ao sul dos Estados Unidos [1]
Depois do Arizona, Alabama, Geórgia e Carolina do Sul aprovam leis severas contra a imigração

Eduardo Graça

Com as novas legislações anti-imigração aprovadas em junho no Alabama, na Carolina do Sul e na Geórgia, foi instaurado no sul dos EUA uma versão século XXI das chamadas Leis de Jim Crow, que vigoraram entre 1876 e 1965, institucionalizando a segregação racial na região. Só que agora o alvo dos legisladores – em sua maioria republicanos – não são os negros, e sim a população de origem hispânica. Quem estabelece o paralelo histórico é a pedagoga Maureen Costello, uma das mais respeitadas especialistas em reforma educacional dos EUA, diretora do projeto Ensinando Tolerância, do Southern Poverty Law Center, referência na luta pelos direitos civis de grupos minoritários desde sua criação, em 1971.
“Ao dificultar a contratação, o transporte e até mesmo qualquer ajuda humanitária a imigrantes não-documentados, a lei aprovada no Alabama já é um horror para os adultos. Mas o desastre é ainda maior para crianças, já que ela determina que as escolas chequem o status migratório de cada aluno, eliminando, na prática, a diferença entre educadores e oficiais da Imigração. Já há pais questionando se devem ou não matricular seus filhos nas escolas em setembro, quando o novo ano letivo começar por aqui”, denunciou Costello, em artigo no site liberal The Huffington Post reproduzido em jornais dos quatro cantos dos EUA.
Na primeira semana de julho, o governador republicano Robert Bentley comemorou a passagem da lei H.B. 56 pedindo ao responsável pelo cargo semelhante ao de Secretário de Educação de um estado brasileiro a desenvolver uma cartilha para diretores das escolas públicas, obrigados a partir de setembro a informar ao governo sobre a situação legal de todas as crianças matriculadas, entre 5 e 17 anos.
Leis similares – embora sem o ataque ao ensino fundamental, cuja universalidade é garantida pela Constituição americana – foram aprovadas na Carolina do Sul e na Geórgia, no que o New York Times, em irado editorial publicado na segunda-feira 4, qualificou de “tentativa de maquinar uma expulsão em massa dos não-documentados, passando por cima da Carta Magna, da segurança do público, das economias locais e das famílias do imigrantes”. São leis, segue o editorial, que, apesar das diferenças regionais, têm um mesmo propósito: tornar impossível a vida nos EUA de cidadãos sem documentação legal.
As leis dos três estados foram inspiradas na polêmica S.B. 1070, aprovada no ano passado e considerada até então a mais dura peça legal aprovada nos EUA contra imigrantes não-documentados. A partir de abril de 2010, a polícia estadual do estado do sudoeste americano teria o poder de prender qualquer cidadão maior de 14 anos que esteja em público sem documentos provando estar no país de forma legal. A lei, defendida pela maioria republicana no legislativo estadual, foi duramente criticada pelos democratas, que a consideraram de cunho racista.
O governo Obama iniciou uma batalha judicial e impediu, em caráter provisório, que a lei entrasse em vigor. Mas a vitória conservadora nas eleições de meio-termo, no ano passado, levou para o legislativo de vários estados sulistas parlamentares eleitos com a promessa de apertar o cerco contra os imigrantes não-documentados, estimados em 12 milhões nos EUA. A argumentação da direita, contrária a qualquer projeto envolvendo anistia ou a chamada reforma do sistema de imigração, é a de que o fluxo de imigrantes não-documentados aumentou tremendamente o arrocho sobre trabalhadores norte-americanos menos qualificados, reduzindo tanto o mercado quanto o valor de seu trabalho.

Diminui o número de entrada de hispânicos nos Estados Unidos
 
Curiosamente, as leis restritivas a imigrantes não-documentados se multiplicam no exato momento em que se registra uma redução significativa no número de latino-americanos entrando nos EUA ilegalmente, algo inédito nos últimos trinta anos. De acordo com o Mexican Migration Project (MMP) da Universidade de Princeton, o interesse de mexicanos em entrar ilegalmente nos EUA é o menor desde 1950.
“Ninguém quer ouvir, mas a onda de migração ilegal para os EUA já acabou. Pela primeira vez em seis décadas estamos percebendo um nível zero de tráfego de imigrantes, podendo mesmo haver uma reversão”, afirmou esta semana o diretor do MMP, Douglas S. Massey, em entrevista ao New York Times. Um dos reflexos do refluxo foi a descoberta do governo mexicano, no censo de 2010, de 4 milhões de pessoas vivendo no país a mais do que o esperado. De acordo com estimativas de Washington, quase 60% dos imigrantes não documentados nos EUA são oriundos do México. Mas o Pew Hispanic Center também aponta para uma diminuição drástica da entrada de imigrantes não-documentados do México: entre 2000 e 2004, o centro de estudos estima que 525 mil mexicanos cruzaram a fronteira ilegalmente a cada ano. No ano passado, este número não passou de 100 mil.
Especialistas apontam ao menos uma causa em comum tanto para o arrefecimento do sentimento xenófobo em estados tradicionalmente mais conservadores, como Alabama, Geórgia e Carolina do Sul, quanto para a diminuição dó tráfego de imigrantes não-documentados em direção aos EUA: a crise financeira global, que atingiu a maior economia do planeta de forma mais intensa do que os países latino-americanos, inclusive o México.
Em artigo inspirado na “Newsweek” desta semana o cientista político e colunista Michael Tomasky lembra que não há como Barack Obama se reeleger no ano que vem sem uma votação maciça dos eleitores de origem hispânica, um contingente que deu 67% dos votos para o democrata em 2008. Mas é justamente a falta de vontade política demonstrada por Washington para iniciar uma reforma do sistema de imigração que, de acordo com Olívia Mendoza, diretora-executiva do Colorado Latino Forum, se traduz numa apatia nos bolsões hispânicos frente à campanha presidencial de 2012. Há, ela diz, uma sensação geral de insatisfação.
Os grupos Latino Decisions e impreMedia apresentaram no dia 13 uma pesquisa em que mostram uma imensa maioria de eleitores hispânicos rejeitando a deportação de imigrantes não-documentados sem atividade criminosa, incluindo estudantes, que vem sendo deportados por conta do programa “Comunidade Seguras”, a menina dos olhos da área na atual administração. Dos entrevistados, 49% afirmam que votarão com certeza no democrata, mas Obama precisa aumenta este número se quiser conquistar novamente estados importantes como Flórida, Colorado, Carolina do Norte e Nevada.
No mês passado, Obama viajou para a fronteira com o México para celebrar seus números relacionados à imigração, que incluem 800.000 deportações. Mas figuras destacadas do Partido Democrata já se recusam a apoiar o “ Comunidades Seguras”. O governador do Illinois, berço político de Obama, o liberal Pat Quinn, anunciou em maio que estava “interrompendo imediatamente” a cooperação com o programa, por dar poder à policial local para enfrentar “estrangeiros criminosos”, hoje atribuição exclusiva das forças federais.
Quinn enviou uma carta para a Immigration and Customs Enforcement lembrando que menos de 20% dos indivíduos deportados anualmente pelo “Comunidades Seguras”, no estados em que já funciona de modo experimental, foram condenados por crimes sérios, e que 30% dos não-documentados expulsos do país por conta do programa sequer cometeram outra infração que não a da permanência ilegal no país, trabalhando sem permissão do governo.
Em junho foi a vez de Andrew Cuomo, de Nova York, suspender o programa no estado mais importante da Costa Leste, por conta do “impacto danoso nas famílias, nas comunidades de imigrantes e na própria autoridade dos policiais”. E na semana passada, outro democrata, o negro Derval Patrick, governador de Massachusetts, pulou fora do barco de Washington afirmando que o programa “compromete a informação sobre atividades criminosas, particularmente relacionadas à violência doméstica”, com mulheres receando levar à polícia casos como agressões e furtos que levariam à deportação da família. Mais direta, a líder do Partido Democrata na câmara baixa do Congresso, Nancy Pelosi, disse que “o programa é um desperdício do dinheiro do contribuinte”. Tomasky pontua o argumento mais forte de Obama hoje para atrair o voto hispânico: o de que será muito pior para eles, alvos preferenciais de um novo Jim Crow, uma vitória republicana: “Isso é verdade, e o medo pode ser um belo motivador em política. Mas não é o que as pessoas estavam esperando e hoje parece claro que uma boa percentagem de possíveis eleitores democratas ficará em casa em novembro de 2012. O tamanho deste número fará a diferença entre reeleição e aposentadoria para Obama”.

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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Catarse - Advogado do estudante que denunciou a Brigada do RS ameaçado

Em uma entrevista exclusiva à Catarse, Onir de Araújo, advogado do estudante Hélder Santos que veio da Bahia para estudar história em Jaguarão - RS, também está sofrendo ameaças devido as denúncias de violência policial e racismo feitas pelo jovem em março deste ano. As denúncias geraram um inquérito militar e o afastamento dos brigadianos envolvidos. Desde então várias pessoas, inclusive o advogado, estão sofrendo ameaças que, segundo as vítimas, partiram dos brigadianos. Assista a reportagem do Coletivo Catarse.
 

terça-feira, 24 de maio de 2011

Morre Abdias do Nascimento, o líder negro

Brizola Neto no TIJOLACO



Hoje é um dia de tristeza que, embora esperado, dói muito em todos os que acreditam na igualdade humana e têm nojo do racismo. Morreu Abdias do Nascimento, um homem que foi tantas coisas que é difícil enumerar e, em todas elas, foi um só: um brasileiro negro, que amor a arte, o conhecimento e as pessoas.
Abdias, que nasceu em 1914, viveu intensamente seus 97 anos de lutas. Luta como soldado, nas revoluções de 30 e no levante paulista de 32, luta para se formar economista, em 38. A luta contra o Estado Novo e contra o racismo o levam, em 1941, à Penitenciária de Carandiru, onde cria o Teatro do Sentenciado, organizando um grupo de presos que escrevem, dirigem e interpretam.
E não pára nisso. Cria o Teatro Experimental do Negro, interpreta no teatro e no cinema – Orfeu da Conceição, que virou Orfeu do Carnaval  foi um de  seus trabalhos mais conhecidos.
Obrigado a deixar o país pela ditadura, torna-se  Conferencista Visitante da Universidade de  Yale University,em 69. Um ano depois funda a cadeira de Culturas Africanas no Novo Mundo, na Universidade do Estado de Nova York.
No fim dos anos 70, com meu avô, Leonel Brizola, funda o PDT e, nele, o Movimento Negro. No primeiro Governo Brizola, foi deputado federal. No segundo, foi secretário de Estado  de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras e, com a morte de Darcy Ribeiro, assumiu uma cadeira de Senador.
Nos últimos anos, com a saúde não deixava Abdias mover-se muito. Mas sua luta jamais parou. Daqui a pouco, vou postar o programa Espelho, apresentado por Lázaro Ramos, exibido por ocasião de seus  95 anos. E posto, aí em cima, seu discurso sobre Zumbi dos Palmares, no Senado da  República do Brasil.
Do Brasil de todas as cores!

quinta-feira, 31 de março de 2011

Seres infames



JUREMIR MACHADO DA SILVA


Mostrei ao governador Tarso Genro, na terça-feira, antes de entrevistá-lo na comemoração do primeiro ano do "Esfera Pública", programa que apresento todos os dias, entre 13h e 14h, na Rádio Guaíba, junto com Taline Oppitz, um parágrafo do livro "O Abolicionista", de Joaquim Nabuco, um dos maiores intelectuais brasileiros. Tarso, homem de livros e de sensibilidade social, sabe perceber a força das palavras. Dizia Nabuco, antes da abolição da escravatura: "Tudo o que significa luta do homem com a natureza, conquista do solo para a habitação e cultura, estradas e edifícios, canaviais e cafezais, a casa do senhor e a senzala dos escravos, igrejas e escolas, alfândegas e correios, telégrafos e caminhos de ferro, academias e hospitais, tudo, absolutamente tudo que existe no país, como resultado do trabalho manual, como emprego de capital, como acumulação de riqueza, não passa de uma doação gratuita da raça que trabalha à que faz trabalhar", doação forçada dos negros aos brancos.

Os negros "doaram gratuitamente" o Brasil construído aos brancos, que nunca os indenizaram por isso. Sempre que alguém brada contra as cotas, eu penso nessa dívida jamais quitada. Somos todos beneficiados por essa "doação" obtida de maneira infame. Pensei nisso ao ler as declarações do indigesto Jair Bolsonaro ao ser questionado por Preta Gil, no programa "CQC", se aceitaria o relacionamento de seu filho com uma negra. O infame Bolsonaro, com quem já discuti na Rádio Guaíba, respondeu que "não corria o risco", pois "eles foram muito bem-educados". Bolsonaro deveria ler esse texto de Joaquim Nabuco. Mas seria inútil. Analfabeto intelectual, ele não o entenderia. Nos últimos anos, só discuti com um sujeito tão intragável quanto Bolsonaro, o insuportável Juca Chaves, cujo reacionarismo já não faz mais ninguém rir.

Bolsonaro alega que se enganou. Não teria pensado que Preta falava em relacionamento do filho dele com uma negra, mas com um gay. Tenta escapar da infâmia racista abrigando-se na infâmia do preconceito sexual. Além de racista e homofóbico, parece burro, se isto não for preconceito meu com esses pobres animais. O preconceito corre solto no Brasil. Tapamos o sol com a peneira nos estádios de futebol. Depois que publiquei "História Regional da Infâmia, O Destino dos Negros Farrapos e Outras Iniquidades Brasileiras", vi pessoas mudarem de comportamento comigo. Não me assusto. Releio Nabuco sobre o primeiro dever de qualquer um no século XIX: "Antes de discutir qual o melhor modo para um povo ser livre de governar-se a si mesmo - é essa a questão que divide os outros - trata de tornar livre a esse povo, aterrando o imenso abismo que separa as duas castas sociais".

Para Joaquim Nabuco não havia dúvida, "o abolicionismo deveria ser a escola primária de todos os partidos, o alfabeto da nossa política". Tudo o mais era menor. Continua sendo. Precisamos abolir o preconceito. Enquanto os Bolsonaro da vida vomitarem infâmias, será preciso combatê-los a golpes de Nabuco. Demora. A inteligência cala lentamente no concreto da estupidez.

JUREMIR MACHADO DA SILVA é jornalista, escritor e professor

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Racismo: ninguém sente, ninguém vê, ninguém sabe o que é

Diante de tantos anos de negação e silêncio, é preciso começar a entender que os preconceitos, como o racismo, são produtos da cultura na qual estão inseridos, e como tais adaptam-se às condições de manifestação aceitáveis e estabelecidas pela sociedade, manifestando-se às claras ou de forma velada e simbólica.

Por Ana Maria Gonçalves na Revista Fórum

Diante da revelação feita por um famoso cantor brasileiro, negro, de que sua filha de seis anos estava sendo discriminada durante a aula em uma das escolas de balé mais tradicionais de São Paulo, com as outras alunas se recusando a dar as mãos para ela, ou do depoimento de uma menina, também de seis anos, aluna de escola pública, no qual conta que as coleguinhas não querem brincar com ela durante o recreio porque sentem nojo por ela ser negra, resta-nos parar e perguntar: a quantas situações de humilhação essas e outras crianças continuarão a ser submetidas pela vida afora, antes que a sociedade tome para si a responsabilidade de discutir, entender e combater o racismo?

O racismo, como o percebemos hoje, é uma instituição relativamente recente na história na humanidade. Até por volta da Idade Média, os principais fatores de discriminação eram religiosos, políticos ou referentes à nacionalidade e à linguagem do indivíduo. No século XV, quando os europeus desembarcaram na África, e principalmente com o início do tráfico negreiro, usaram a ciência a favor do colonialismo e desenvolveram teorias de superioridade evolutiva, baseadas em diferenças biológicas, que justificavam seus interesses de expansão e poder. Estava criado o racismo etnocêntrico, fundamentado em doutrinas bíblicas, filosóficas e científicas que não resistiram à evolução dos tempos, mas que deixaram marcas indeléveis e profundas nas sociedades que as usaram para justificar a escravidão, como é o caso da sociedade brasileira. O conceito de "raça" – e termos derivados – hoje em dia é apenas político e social, e se justifica porque os traços físicos (cabelo, cor da pele, formato de nariz e boca etc) característicos da população negra ainda estão ligados à percepção negativa historicamente construída.

No final do século XIX, com a abolição da escravatura e ainda sob forte influência das teses de superioridade europeia, começa a ser colocado em prática um projeto de construção de uma nova nação brasileira, que deveria ser melhorada através do embranquecimento de seu povo. Acreditava-se que, com o passar dos anos, marginalizada, inferiorizada, difamada e abandonada à própria sorte, a população negra desapareceria. Até mesmo o acesso à educação e a possibilidade de conseguir trabalho lhe foram negados, com o governo dando total prioridade a políticas que subsidiaram a vinda de mais de 3 milhões de imigrantes europeus para o Brasil. Algumas décadas mais tarde, a teoria do embranquecimento deu lugar à da miscigenação, que acabou criando um dos mitos mais prejudiciais à luta contra o racismo: o mito da democracia racial. Foi ele que, durante décadas, impediu o Brasil de se tornar um país realmente democrático, com tratamento e oportunidade iguais para todos, ao negar reconhecimento a um problema que atinge mais da metade da nossa população.

Diante de tantos anos de negação e silêncio, é preciso começar a entender que os preconceitos, como o racismo, são produtos da cultura na qual estão inseridos, e como tais adaptam-se às condições de manifestação aceitáveis e estabelecidas pela sociedade, manifestando-se às claras ou de forma velada e simbólica. É por isso que apenas a razão, que nos levou a criar leis que criminalizam atitudes racistas e algumas ações afirmativas, não será suficiente para modificar o imaginário e as representações coletivas negativas que se tem do negro na nossa sociedade, como observa o antropólogo e professor Kabengele Munanga na apresentação do livro Superando o racismo na escola. Segundo ele, "considerando que esse imaginário e essas representações, em parte situados no inconsciente coletivo, possuem uma dimensão afetiva e emocional, dimensão onde brotam e são cultivadas as crenças, os estereótipos e os valores que codificam as atitudes, é preciso descobrir e inventar técnicas e linguagens capazes de superar os limites da pura razão e de tocar no imaginário e nas representações. Enfim, capazes de deixar aflorar os preconceitos escondidos na estrutura profunda do nosso psiquismo".

Se hoje já se admite que o Brasil é um país racista, é preciso admitir também que nossos pensamentos e atitudes são condicionados por essa cultura e essa ideologia racista, pois crescemos introjetando e reproduzindo o que já está estabelecido socialmente. Para mostrar como isso funciona, um interessante trabalho, desenvolvido no departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, analisa pesquisa realizada com crianças de 5 a 8 anos. Foi pedido a essas crianças que desenhassem uma criança branca e uma criança negra e as classificassem, em termos de preferência, em relação a cinco categorias: riqueza, beleza, inteligência, proximidade e contato. O resultado foi um alto índice de racismo, com a criança negra sendo fortemente rejeitada em todas as categorias. O que o estudo queria mostrar é que as crianças são abertamente preconceituosas, e que essa característica perde força a partir da maturação das estruturas cognitivas que permitem que ela deixe de julgar as pessoas com quem se relaciona apenas pela aparência e passe a levar em conta conceitos como bondade ou amizade. Acabou mostrando também que o racismo, longe de desaparecer com a idade e a necessidade de socialização, caso não haja nenhuma iniciativa nesse sentido por parte de pais e/ou educadores, é introjetado e velado pelo aprendizado das normas sociais vigentes, passando a se manifestar de forma indireta e, em muitos casos, inconsciente. O racismo volta então a habitar e alimentar o inconsciente coletivo, que trata de reproduzi-lo de uma geração para outra, tornando-o cada vez mais insidioso, difícil de provar e combater.

Por isso, cabe tão bem a pergunta da campanha Diálogos Contra o Racismo – Pela Igualdade Racial: onde você guarda seu racismo? Complemento com mais uma: o que você tem feito para não deixá-lo de herança para seus filhos?

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Preconceitos e a juventude


Por Gregório Grisa, no Augere

Essa onda de atos preconceituosos e manifestações racistas e discriminatórias para com grupos sociais diversos dos últimos meses, nos mostra uma característica fundante da classe economicamente privilegiada do nosso país. Já ouvi falas do tipo “não se pode dizer mais nada que corremos o risco de virar debate na internet e na televisão” ou até mesmo pérolas como “estão exagerando com essa hipervisibilização de movimentos de homossexuais, quilombolas, negros, índios e minorias”.
Processos políticos que signifiquem a perda de privilégios reais ou simbólicos expõem uma conduta preconceituosa que antes não tinha razão de se mostrar. Causam uma sensação de sufoco na elite que a faz gritar “deu, chega desse papo”, e quando os intelectuais que passeiam nas televisões hegemônicas ainda não desenvolveram as perfumarias argumentativas ou os malabarismos de palavras para justificar esse grito, o que exala é mais a raiva instintiva da elite, fruto da sua formação, do que qualquer outra coisa.
Aqui no sul do país isso ficou claro; enquanto a raiva do comentarista Luiz Carlos Prates da RBS contra os “pobres que agora compram carros” se mostrava para todos, no horário do almoço dessas mesmas famílias, seu companheiro de empresa David Coimbra através do seu blog tentou, ao organizar sua perfumaria interpretativa, defender o colega relativizando sua fala carregada de preconceito. Esse é o exemplo típico do fenômeno que descrevi no parágrafo anterior.
A internet, os espaços de trabalho, as disputas nas universidades são os meios pelos quais desagua esse preconceito sem filtro da elite e ao perceberem-se ridiculamente dispostos em uma sociedade cada vez mais plural, alguns grupos, jovens em geral o que infelizmente surpreende, resolvem assumir essa postura retrograda e se unir para não ficar tão feio.
É o que vem ocorrendo nas eleições dos diretórios centrais dos estudantes da USP e da UFRGS, por exemplo, aonde algumas chapas saudosas de pensamentos conservadores, até certo ponto perigosos, vêm pautando a disputa política por valores religiosos, antidemocráticos, por inculcação de preconceitos que imaginávamos superados e por condutas que ferem o lento, mas fértil processo de avanços que o Brasil tem experimentado. Há uma chapa paulista contra o direito de greve inclusive.
Há uma guerra de posições instaurada entre aqueles que querem a promoção da igualdade entre negros, brancos e indígenas, entre gays e heterossexuais, nordestinos e sulistas e aqueles que resistem de várias formas a qualquer movimento de avanço ou políticas que valorizem grupos discriminados. Esses que resistem, que chamo aqui de elite, o fazem, às vezes, de modo desesperado e desarticulado como temos visto em manifestações absurdas nos meios digitais, mas também o fazem de forma bem organizada e articulada através do monopólio da comunicação por meio de personagens “bonzinhos”, “lidos”, “bem arrumadinhos” que superficialmente analisam a realidade e difundem essas interpretações como verdades.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Emílio Lopez: Buscando entender as raízes do ódio contra os pobres

por Emílio Carlos Rodriguez Lopez*no viomundo

A Frei Caneca, brasileiro e americano que lutou contra os privilégios da nobreza brasileira.

Este artigo não se destina a atacar a classe média paulista ou carioca. Ao contrário. O objetivo é entender os motivos de setores da elite e da classe média terem votado contra o PT e concordarem com uma campanha de claros contornos de extrema direita, que se aproximou perigosamente de setores religiosos, como a Opus Dei e TFP, claramente influenciados pelo fascismo.
Creio que dois fatores podem ajudar a entender melhor o que Chico Buarque, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, chamou de o crescente ódio das elites e das classes médias contra os pobres.
O primeiro fator leva em consideração a formação do estado nacional brasileiro, quando se refaz o conceito de nobreza (diferente do sentido e das práticas sociais do antigo regime português) e que se articula com o que Modesto Florenzano, ao analisar a Revolução Francesa, chamou de nobreza do capital. Em suma, um grupo dirigente que se via como nobre,  detentor de privilégios que os plebeus não poderiam almejar. Chamarei isto de se “sentir nobre”, portanto apartado do mundo dos pobres.
Nesse processo de formação história ainda presente em nosso cotidiano,  todos os que acham que têm um pouco de poder querem ser chamados de “doutor”.  Basta lembrar da frase dos jovens pobres agredidos na Avenida Paulista por membros da classe média em 14 de novembro de 2010, que afirmou indignado com a libertação rápida dos seus  agressores:
Se fosse eu que tivesse batido em um grupo de “filhinhos de papai” estaria preso até agora. Mas eles têm dinheiro para pagar advogado. O dinheiro que eu tenho é para ajudar a minha mãe.
Mas valeria perguntar, pela ótica desta classe média, o que fazem os pobres na Avenida Paulista? Como ousam invadir esse território sagrado da classe média paulista?
Exatamente este é o ponto: a classe média percebe que a ascensão dos pobres ameaça o que ela via como espaços exclusivos para “a nobreza”. O mesmo se dá nos aeroportos e muitos outros locais. A ascensão dos pobres no governo Lula é vista por estes setores como uma nova invasão de bárbaros contra o Império Romano. Deste modo, a elite e a classe média  sentem cada vez mais ameaçadas a sua identidade  como “nobreza”, além dos seus privilégios. Devemos lembrar, por exemplo, que daqui a 20 anos os pobres que ingressaram na Universidade pelo PROUNI e ENEM irão concorrer em condições mais igualitárias com os filhos da classe média e da elite.
O segundo ponto leva em consideração que a elite e classe média atual são marcadas por concepções neoliberais e de valorização do modo de vida (norte) americano. Espalhou-se que o individualismo, o consumismo e a mercantilização desenfreados são os novos valores que devem reger a sociedade. Muitos brasileiros se recusam a ver que esse modelo fracassou. A crise ecológica não permite mais ele se perpetuar, visto que os recursos naturais são finitos. E as bolhas econômicas destruíram a economia norte americana.
O modelo neoliberal aumentou as distâncias entre ricos e pobres. Além disso, pretendia a exclusão de milhares de pessoas e se baseava na separação física entre as classes sociais, demarcando territórios. Um bom exemplo são os condomínios fechados em São Paulo.
Neste contexto, as práticas sociais da elite e da classe média tenderam a uma radicalização, pois cada vez mais percebem que os seus “privilégios” e “lugares sagrados” são atacados e invadidos por outros grupos sociais.
Ainda chamo a atenção que muitos setores da classe média preferem um Brasil com Z. Por exemplo, adoram comemorar o Hallowen e não o dia do Saci. Identificam-se como norte- americanos e babam pelos valores difundidos pela industria cultural deste país.
Ironicamente, a crise econômica e a recessão impulsionaram os Estados Unidos e a Europa para a direita do espectro político e favoreceram o crescimento de movimentos xenófobos e de extrema direita. Já no Brasil o governo Lula vence a crise e o Brasil vive tempos de prosperidade econômica. Nunca a classe média e as elites ganharam tanto dinheiro, consumiram e viajaram tanto. Daí a pergunta, por que esta ingratidão com o PT e Lula, visto que preferiram um projeto de país marcado pela exclusão social?
Lembro ainda que o voto espelha uma identidade cultural e uma visão de mundo, pois, 70% dos bairros da elite e da classe média paulista ao votarem em Serra, reafirmaram convicções e valores que devem reger a sociedade. Como se vê há um grupo que defende um Brasil para poucos privilegiados, que se sentem nobres e se recusam a tolerar os pobres.
Por último, gostaria de lembrar a todos que depois de 300 anos de guerras religiosas e da Revolução Francesa não me parece cabível querer atacar um traço fundamental do Estado contemporâneo que está baseado na tolerância e no respeito à diferença de pensamentos e de modos de ser.
O Brasil necessita a radicalização da democracia e não do preconceito. A verdadeira radicalização democrática é ampliar os recursos, inclusive de mídia, para os trabalhadores e os mais pobres poderem democraticamente desfrutar das mesmas condições que a elite tem  para divulgar os seus pensamentos e sua visão de mundo.
 
* Emílio Carlos Rodriguez Lopez é mestre em História pela USP