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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O que significa o crescimento evangélico no Brasil?



A imagem dos evangélicos é de um segmento formado por pessoas na maioria das vezes honestas e confiáveis nas relações pessoais, mas intolerantes c/ religiões e morais alheias. Suas lideranças costumam ser percebidas com desconfiança, sendo algumas consideradas ambiciosas e arrivistas. Em que medida a avaliação procede?
por Ronaldo de Almeida no LeMonde-Brasil

(Celebração em templo da igreja Renascer em Cristo, em São Paulo)

Há cerca de três décadas essa pergunta domina o debate público sobre as mudanças religiosas recentes no país, e se desdobra em outras. Quais são as causas da expansão evangélica e suas implicações? Trata-se de um segmento conservador de matriz fundamentalista? Como lidar com a presença crescente desses religiosos na mídia, ora sendo notícia, ora na posição de proprietários do veículo de comunicação, ou ambos ao mesmo tempo? Como conviver com a moralidade pessoal e os valores públicos dos evangélicos? E a lista de questões não termina...
Não é simples definir a partir de quando os evangélicos começaram a ocupar o debate público, mas a eleição de 1986, que elegeu o Congresso Nacional Constituinte, pode ser considerada um marco. Nela, os pentecostais saltaram de dois deputados federais para dezoito, enquanto os protestantes históricos elegeram dezesseis, dando origem ao termo Bancada Evangélica, embora nem todos participassem dela, como atualmente nem todos participam. Já em 2010, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), foram eleitos 63 deputados federais e três senadores que se declararam evangélicos.
A compra da decadente Rede Record pela Igreja Universal, em 1989, também foi outro acontecimento que coroou décadas de investimento dos evangélicos nos meios de comunicação. Atualmente, ela é a segunda maior rede de televisão do país, rivalizando por vezes com a Rede Globo. Em resumo, os evangélicos não só crescem numericamente como também ampliam seu alcance para o mercado, a política e a mídia, que se retroalimentam.
Como consequência dessas investidas, existe uma preocupação disseminada na opinião pública, que se expressa na desconfiança sobre os interesses e o sentido dessa expansão religiosa. Seriam esses interesses comerciais? Ao que parece, essa é a crítica mais frequente.
A imagem dos evangélicos, sobretudo a dos pentecostais, bastante difundida na sociedade brasileira, é a de um segmento formado por pessoas na maioria das vezes honestas e confiáveis nas relações pessoais, mas pouco tolerantes com religiões e morais alheias. Suas lideranças costumam ser percebidas com desconfiança, sendo algumas consideradas ambiciosas e arrivistas. Em que medida tal avaliação procede?
 
Diversidade e flexibilidade

Os dados do Censo 2010 sobre filiação religiosa, assim como outros, ainda não foram divulgados. Entretanto, pelo que vêm demonstrando várias pesquisas de menor alcance demográfico, algumas tendências apontadas nos dois últimos Censos (1991 e 2000) devem permanecer: o declínio de pessoas que se identificam como católicas e o aumento daquelas que se declaram evangélicas ou sem religião. A dúvida é quais foram as taxas dessas tendências na última década.
A primeira consideração a ser feita é sobre a diversidade daquilo que genericamente se chama protestante histórico, pentecostal tradicional e neo-pentecostal. Mesmo ciente de que alguns desses religiosos não aceitariam ser classificados como evangélicos, adoto esse termo por ser de uso mais corrente e abranger todos os outros, que, por vezes, podem ser nomeados também como “crentes”. Entretanto, é prudente precaver que boa parte das minhas considerações refere-se mais propriamente ao pentecostalismo (o tradicional e o neo).
O campo evangélico é variado, e a onda do crescimento tem quebrado em várias direções e com intensidades diferentes. A diversidade engloba da posição moral mais conservadora à crescente flexibilização dos costumes e comportamentos. Em relação a esse segundo caso, cada vez menos “virar crente” significa ruptura ampla e profunda com seu modo de vida. Cada vez mais a diversidade aumenta a oferta de estilos de vida evangélicos. A onda gospel, não só como gênero musical, mas também como estética, prática cultural e comportamento juvenil, é um bom exemplo de uma vida menos “careta” e em sintonia com os tempos atuais.
Em boa medida, essa flexibilização decorre da circulação de uma parcela dos evangélicos entre as diversas igrejas. Assim, o crescimento evangélico, sobretudo da vertente pentecostal, é bem peculiar: multiplicam-se os nomes das igrejas, mas as pessoas são menos fiéis a uma delas especificamente. Uma parte significativa dos fiéis circula entre as igrejas “calibrando” sua religiosidade: com mais ou menos reflexão teológica, mais ou menos exigências comportamentais, mais ou menos emocionalismo, mais ou menos milagres, e por aí vai. Esse trânsito religioso proporcionou aos indivíduos maior autonomia, que se reflete na desinstitucionalização da prática religiosa. A vida religiosa parece cada vez mais privatizada ao mesmo tempo que de massa, logo, menos sujeita aos ditames morais de uma comunidade de “irmãos de fé”.
Isso é visível na paisagem urbana brasileira, na qual vemos igrejas neopentecostais com as portas abertas permanentemente e com cultos em vários horários do dia, os quais se frequenta sem estabelecer vínculos comunitários e pessoais densos. Vários desses templos estão próximos aos principais terminais de transporte público das grandes cidades brasileiras, configurando uma religiosidade de passagem, bem adequada à lógica e aos fluxos urbanos. Trata-se de uma religiosidade muito mais centrada na pregação do pastor (também vista individualmente em casa, pela televisão) do que no fortalecimento das relações horizontais entre os frequentadores dos cultos.
Muitos evangélicos falam da experiência religiosa como uma espécie de autoconhecimento, um voltar-se para si. Não por acaso, a pregação aproxima-se dos discursos de autoajuda e de empreendedorismo, tão recorrentes no mundo atual. Em suma, uma religiosidade muito direcionada para as demandas cotidianas materiais, afetivas e subjetivas, e menos voltada para a vida eterna, o pós-morte ou a especulação teológica, por exemplo.
 
Para não dizer que não falei dos católicos

Até onde vai esse crescimento evangélico, sobretudo dos pentecostais? Estes serão maioria no Brasil? Permitindo-me um exercício de futurologia, minha resposta é não, pelo menos não na velocidade que parece preocupar boa parte da opinião pública atual. Especulo que a tendência de crescimento das pessoas declaradas pentecostais, em particular, “baterá no teto”; não sei qual, mas o suficiente para não se constituírem como maioria demográfica no país.
Em boa medida, embaso meu argumento citando a expansão-reação do catolicismo carismático. Padre Marcelo, Renovação Carismática, Canção Nova são alguns dos polos da revitalização católica, principalmente entre jovens e nas áreas urbanas. Assim, se uma das tendências demográficas no país é a do declínio das pessoas que se declaram católicas, é fato também que a expansão do carismatismo entre os católicos os tem tornado mais convictos de sua identidade religiosa, à semelhança dos evangélicos.
Como consequência, a autodeclaração “católico não praticante”, tão popular no Brasil, tem cedido espaço à declaração “sem religião”. Isso pode ser considerado um feito do pluralismo religioso no Brasil: com a disputa por adeptos, a religião hegemônica (no caso, o catolicismo) é forçada à competição, colocando-se como uma alternativa, e não como a religião dos brasileiros. Resultado: se o número de católicos declina, ao mesmo tempo o catolicismo se robustece.
Entretanto, parte desse sucesso católico deve-se exatamente à semelhança dos carismáticos com os evangélicos na doutrina da conversão, na dinâmica dos ritos, na experiência emocional, nos valores morais, nas práticas sociais, nas relações comunitárias e nas estratégias de crescimento. Assim, a expansão da religiosidade evangélica não se dá somente na atração de católicos, mas também por dentro do catolicismo. A religiosidade de muitos brasileiros tem adquirido cada vez mais tonalidades evangélicas.
 
Política, moral e interesses

Se o crescimento dos evangélicos dá-se em várias direções, o mesmo pode ser dito da participação na política institucional. Ela varia de práticas orientadas por interesses de grupos específicos a ações pautadas por temas mais estruturais da sociedade brasileira. Ressalta-se, contudo, que as primeiras são em maior número, espelhando a própria representação política do país.
Entre as várias Comissões Permanentes do Congresso Nacional, é comum encontrarmos evangélicos naquelas que tratam dos meios de comunicação, dos programas sociais, da formação de Conselhos Públicos. Por um lado, visam à propaganda religiosa, por outro, atuam como mediadores dos serviços oferecidos pelo Estado.
Além desses interesses, os temas de ordem moral e de fé religiosa são mobilizados com a finalidade de gerar identidade política entre os fiéis. A recente eleição para a Presidência da República, em 2010, forneceu um bom cenário para pensarmos a movimentação política dos evangélicos.
De forma geral, a então candidata Marina Silva, do Partido Verde (PV), atraiu parte do eleitorado evangélico sem se valer excessivamente dessa identidade, pois já fazia parte de sua imagem pública. Seu problema foi o mesmo de Anthony Garotinho na campanha presidencial de 2002: não deixar a imagem evangélica provocar resistências no restante do eleitorado. No caso de Marina, uma declaração de que acreditava que o deus judaico-cristão havia criado o mundo lhe rendeu inúmeros questionamentos, sendo classificada por muitos como criacionista. Marina respondeu que a grande maioria da população brasileira acredita em Deus e que ele havia criado o mundo; além disso, ela não defendeu, pelo menos não publicamente, que o criacionismo fizesse parte do currículo escolar público.
Em relação à sempre polêmica questão do aborto, a candidata Dilma Rousseff (PT) foi a que mais perdeu pontos com esse debate. Graças ao marketing político de seu principal adversário, José Serra (PSDB), a posição pró-aborto foi mais associada a Dilma, o que gerou resistência de muitos religiosos, principalmente dos evangélicos. Marina respondia a essa questão propondo um plebiscito, pois estava ciente de que as sondagens estatísticas indicavam que a maior parte da população votaria contra a legalização do aborto.
Por fim, Serra assumiu a bandeira contra o aborto, assustando, e mesmo constrangendo, setores mais escolarizados e moralmente liberais nos quais tem forte base eleitoral. Mas Serra não é visto como alguém com perfil religioso, no sentido de reivindicar uma identidade, fosse ela católica, evangélica, espírita, entre outras possíveis. Seu programa eleitoral deixou o discurso contra-aborto para o pastor da Assembleia de Deus, Silas Malafaia, que tem se configurado como contraponto ao bispo Macedo e à Igreja Universal do Reino de Deus, apoiadores dos governos Lula e Dilma.
O início desse apoio aos candidatos do PT deu-se somente na campanha presidencial de 2002, graças à aliança com o então nanico Partido Republicano (PR), que além de fornecer o vice de Lula, José Alencar, tinha metade de seus deputados federais pertencentes à Igreja Universal. Cabe relembrar, contudo, que durante as eleições presidenciais de 1989 as pregações e os jornais da Igreja Universal declaravam que Lula era o candidato do diabo.
 
Plasticidade e enraizamento

A Igreja Universal não apenas refez seu discurso anti-Lula e anti-PT, em 2002, como assumiu uma posição pouco fundamentalista em relação à reprodução humana, em 2009. Quando se intensificou no país o debate público (na verdade, mais restrito às camadas escolarizadas) em torno das pesquisas com células-tronco embrionárias e, a reboque naquele momento, a legalização do aborto em casos específicos, a Igreja Universal declarou-se a favor dos dois pleitos. Além dela, manifestaram-se a favor setores mais liberais do protestantismo histórico, como a Igreja Metodista e a Igreja Presbiteriana do Brasil.
Como bem sabemos, a posição religiosa mais contundente e eficaz em termos políticos contra os dois temas é a da Igreja Católica, mas – convém sempre dizer – bem menos dos fiéis católicos. Ser a favor dos dois pleitos foi uma forma de a Igreja Universal se colocar na discussão em contraposição à Igreja Católica, com quem costuma rivalizar e de quem deseja o lugar na sociedade brasileira. Porém, tais posicionamentos permitiram a repercussão da pregação de Silas Malafaia como portador do discurso evangélico conservador, logo, contrário ao aborto.
O mesmo conservadorismo tem sido direcionado contra a criminalização da homofobia. Por considerarem a homossexualidade curável moral e espiritualmente, os evangélicos veem a criminalização como limitadora de sua pregação religiosa. Nesse assunto, bispo Macedo e Silas Malafaia estão do mesmo lado.
Por outro lado, em decorrência da crescente flexibilização dos costumes e comportamentos, foram criadas recentemente as “igrejas inclusivas” de perfil evangélico, que não condenam a homossexualidade. O número das igrejas inclusivas é insignificante perante a posição conservadora, mas o importante é perceber como a onda evangélica tem quebrado para vários lados, diferenciando-se conforme outras mudanças sociais no país.
Em que medida, então, procedem a preocupação e a desconfiança da opinião pública em relação ao crescimento evangélico, como indagado inicialmente? A avaliação continua cabendo ao leitor. Os argumentos aqui apresentados, contudo, visaram demonstrar como as questões de fé imbricam-se em outras dinâmicas e mudanças políticas e sociais mais amplas do contexto brasileiro, que podem ser resumidas em uma tautologia sociológica: quanto mais o Brasil se torna evangélico, mais os evangélicos, principalmente os pentecostais, tornam-se como o Brasil.

Ronaldo de Almeida
Professor de Antropologia da Unicamp, pesquisador do Cebrap e autor de A igreja Universal e seus demônios, Terceiro Nome, 2009.


Ilustração: Caetano Barreira/ Reuters

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Laicidade do Estado como garantia de direitos e proteção contra a discriminação

Editorial do SUL21

Encabeçado pela Liga Brasileira de Lésbicas, começa a tomar corpo em todo o país um movimento pela retirada dos símbolos religiosos dos espaços públicos. Na última segunda feira (5), um documento com esta solicitação foi entregue ao presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, deputado Adão Villaverde (PT), que se comprometeu a submeter a reivindicação às bancadas partidárias. No mesmo dia, documento com teor semelhante foi protocolado no Palácio Piratini, destinado ao governador Tarso Genro, que ainda não se manifestou a respeito.
No dia 7 de novembro, as presidências da Câmara Municipal de Porto Alegre (CMPA) e do Tribunal de Justiça do RS (TJ-RS) já haviam recebido igual solicitação. Na CMPA, ainda que documento já tenha sido encaminhado para a Assessoria Jurídica da casa ele não foi distribuído, até o momento, para nenhum dos advogados do corpo funcional para análise. No TR-RS, um parecer já foi encaminhado ao corregedor, mas não até aqui não foi dado conhecimento público do seu teor.
Antes do Rio Grande do Sul, o Piauí foi palco de movimentação semelhante, sob a coordenação da mesma Liga Brasileira de Lésbicas que entregou documento ao Ministério Público daquele Estado, pedindo que o mesmo tipo de providência fosse tomado.  Mesmo acatado pelo MP, o pedido de retirada dos símbolos religiosos dos três poderes públicos locais não foi levado a termo, uma vez que uma liminar judicial derrubou a decisão.
Além da já citada Liga Brasileira de Lésbicas, não por acaso os pedidos de retirada dos símbolos religiosos no Rio Grande do Sul foram assinados também por outras entidades de defesa de homossexuais e de discriminados, como o grupo Somos, o grupo Nuances, o grupo feminista Themis, a Rede Feminista de Saúde e a Marcha Mundial das Mulheres. Estes grupos congregam segmentos sociais que foram historicamente perseguidos e que ainda hoje são estigmatizados pelos preceitos religiosos das igrejas cristãs, exatamente aquelas cujos símbolos encontram-se expostos nos locais públicos.
Baseadas no artigo 19 da Constituição Federal brasileira, as entidades acima nominadas reivindicam apenas o respeito à determinação constitucional da laicidade do Estado. Desejam simplesmente que a lei maior seja cumprida e que a religião ou a sua ausência seja uma escolha individual, livre de qualquer influência que possa ser exercida por entidades e/ou agentes públicos. Em um Estado laico como o brasileiro e que desde a constituição republicana de 1891 consagrou a separação entre igreja e Estado não deveria ser motivo de estranheza tal reivindicação.
Na verdade, a estranheza deveria advir da manutenção de símbolos religiosos nos espaços públicos, principalmente os vinculados às atividades do Estado, após a promulgação da Constituição de 1988 e num momento histórico em que se apregoa, cada vez mais, o respeito à divergência e à diversidade. Não procedem os argumentos do hábito arraigado e/ou dos costumes, utilizados pelos que defendem a presença de tais símbolos. O que deve valer é a letra fria da lei. Por mais disseminados que sejam os princípios e as crenças religiosas, nada justifica a imposição de uma religião sobre as demais ou sobre os sem religião. Nada justifica, além disso, à luz dos fundamentos democráticos contemporâneos, o domínio de uma maioria, por mais ampla que ela possa ser, sobre as minorias, a ponto de serem desrespeitados seus direitos elementares de cidadania.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O Projecto para Redefinir o Islão: A Turquia como o Novo Modelo e “Islão Calvinista”


Mahdi Darius Nazemroaya*
O projecto de manipular e redefinir o Islão visa subordiná-lo aos interesses da Ordem Mundial capitalista dominante através de uma nova onda de “islamismo político”. Uma nova corrente do Islão está se moldando no que vem a ser chamado de “Islão Calvinista” ou uma “Versão Muçulmana da Ética Protestante do Trabalho”.
Este “Islão Calvinista” também não tem problemas com o “reba” ou sistema de juros, que é proibido pelo Islão E é este sistema que é utilizado para escravizar os indivíduos e sociedades com as correntes do débito ao capitalismo global. E é neste contexto que o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (EBRD) está clamando por supostas “reformas democráticas” no Mundo Árabe.


Como Washington e seu bando marcham para o Coração da Eurásia, eles têm tentado manipular o Islão como uma Ferramenta Geopolítica. Têm criado um caos político e social no processo. No decorrer do caminho têm tentado redefinir o Islão e subordiná-lo aos interesses do capital global inaugurando uma nova geração que se diz islâmica, em sua maioria, entre os próprios árabes.
A Turquia em sua presente forma é apresentada como um modelo democrático a ser seguido pelas massas árabes rebeldes. É verdade que Ancara tem progredido se compararmos aos dias em que os Curdos eram proibidos de falar em público, mas a Turquia não é uma democracia funcional, ela se parece muito mais com uma cleptocracia com tendências fascistas.
Os militares continuam desempenhando um papel importante nos negócios governamentais e de Estado. O termo “Estado profundo” que denota um Estado dirigido secretamente do topo para baixo por incontáveis pessoas e organizações, de facto, se originou na Turquia. Os direitos civis continuam a ser desrespeitados na Turquia e os candidatos a cargos públicos precisam passar por aprovação do aparato estatal e do grupo que o controla, o que serve para tentar filtrar qualquer um que queira ir contra o status quo na Turquia.
A Turquia não tem sido apresentada como um modelo democrático para os árabes por suas qualidades. Ela é apresentada como um modelo político para os árabes por causa do seu projecto político e socioeconómico “bida” (inovação) que envolve a manipulação do Islão.
Embora seja muito popular, a Justiça Turca e o Partido do Desenvolvimento ou JDO (Adalet ve Kalkinma ou AKP) chegou ao poder em 2002 sem nenhuma oposição dos militares turcos e das cortes turcas. Antes deste partido chegar ao poder a tolerância dos militares ao Islão político era muito baixa. O JDP/AKP foi fundado em 2001 e o tempo de sua fundação e sua vitória eleitoral em 2002 também estão amarrados ao objetivo de redesenhar o Sudoeste da Ásia e o Norte da África.
Este projecto de manipular e redefinir o Islão visa subordinar o Islão aos interesses da dominante Ordem Mundial capitalista através de uma nova onda de “islamismo político” assim como o JDP/AKP. Uma nova corrente do Islão está se moldando no que vem a ser chamado de “Islão Calvinista” ou uma “Versão Muçulmana da Ética Protestante do Trabalho”. É este modelo que agora é alimentado na Turquia e que estão apresentando ao Egipto e aos árabes por Washington e Bruxelas.
Este “Islão Calvinista” também não tem problemas com o “reba” ou sistema de juros, que é proibido pelo Islão E é este sistema que é utilizado para escravizar os indivíduos e sociedades com as correntes do débito ao capitalismo global. E é neste contexto que o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (EBRD) está clamando pelas supostas “reformas democráticas” no Mundo Árabe.
As famílias dominantes da Arábia Saudita e os Sheiks Árabes do Petróleo também são parceiros na escravização do Mundo Árabe através do débito. A este respeito o Qatar e os sheikados árabes do Golfo Pérsico estão em um processo de criação de um Banco de Desenvolvimento do Oriente Médio, banco que pretende dar empréstimos aos países Árabes para apoiar sua “transição para a democracia”. A missão de promoção da democracia do Banco de Desenvolvimento do Oriente Médio é um tanto quanto irónica, pois os países que o formam são todos ditaduras convictas.
É esta subordinação do Islão ao capitalismo global que tem causado os atritos internos no Irão.
Abrindo a Porta para uma Nova Geração de Islâmicos
A esperança em Washington é a de que o “Islão Calvinista” se enraíze através de uma nova geração de islâmicos sob a bandeira dos novos Estados democráticos. Estes governos irão efectivamente escravizar os seus países colocando-os mais endividados e vendendo activos nacionais.
Tel-Aviv também irá possuir uma larga influência entre esses novos Estados. De braços dados com esse projecto, diferentes formas de nacionalismo etnolinguísticos e intolerância religiosa também vem sendo promovidos para dividir a região. A Turquia também desempenha um importante papel, pois é um dos berços para essa nova geração de Islâmicos. A Arábia Saudita também desempenha seu papel apoiando a ala militante desses Islâmicos.
A Reestruturação de Washington no Tabuleiro Geoestratégico
Ter com objetivos o Irão e a Síria também faz parte desta ampla estratégia de controlar a Eurásia. Os interesses chineses têm sido atacados em todos os locais do mapa global. O Sudão foi balcanizado, e tanto o Sudão Norte quanto o Sudão Sul estão caminhando para o conflito. A Líbia foi atacada e está em vias de ser balcanizada. Estão pressionando a Síria para que esta se renda e entre na linha. Os EUA e a Inglaterra estão integrando seus conselhos de segurança de modo comparável com os corpos Anglo-Americanos da Segunda Guerra Mundial.
O acto de focar o Paquistão também está ligado à neutralização do Irão e ao ataque aos interesses chineses e qualquer futura união na Eurásia. Acerca disso, os EUA e a OTAN têm militarizado as águas ao redor do Iémen. Ao mesmo tempo, na Europa Oriental, os EUA estão construindo fortificações na Polónia, na Bulgária e na Roménia, visando neutralizar a Rússia e os países da antiga União Soviética. Bielorrússia e Ucrânia também foram postos sob pressão. Todos esses passos são parte de uma estratégia que visa sitiar a Eurásia e também controlar os recursos energéticos ou a afluência energética para a China. Da mesma forma, Cuba e Venezuela estão sob crescente ameaça. O laço militar está sendo apertado globalmente por Washington. O Pentágono, a OTAN e Israel podem ainda seleccionar algum destes novos governos para justificar novas guerras. Parece que os novos partidos islâmicos estão sendo formados e preparados pelos al-Sauds, com a ajuda da Turquia, para tomar o poder das capitais árabes.
É preciso mencionar que Norman Podhoretz, um membro original do Project for a New American Century (PNAC) sugeriu em 2008 um cenário futuro apocalíptico em que Israel lança uma guerra nuclear contra o Irão, a Síria e o Egipto entre outros países vizinhos. Isto pode incluir o Líbano e a Jordânia. Podhoretz descreveu uma Israel expansionista e também sugeriu que os israelenses poderiam ocupar militarmente as regiões petrolíferas do Golfo Pérsico.
O que por outro lado veio como singular em 2008 foi a sugestão de Podhoretz, que foi influenciada pela análise estratégica do Center for Strategic and International Studies (CSIS), de que Tel Aviv poderia lançar um ataque nuclear contra os seus leais aliados egípcios no poder em Cairo sob o Presidente Mubarak. Apesar do facto do antigo regime ainda persistir, não é mais Mubarak quem está no poder. Os militares egípcios continuam dando ordens, mas os islâmicos podem chegar ao poder. Isto está ocorrendo apesar do facto de o Islão continuar a ser demonizado pelos EUA e pela maioria dos aliados da OTAN.
Futuro Desconhecido: O que vem depois?
Os Estados Unidos, a União Europeia e Israel estão tentando utilizar os protestos no Mundo Turco-Arábico-Iraniano para promover os seus próprios objectivos, incluindo a guerra na Líbia e o apoio à insurreição Islâmica na Síria. Juntamente com os al-Sauds, eles estão tentando difundir a “fitna” ou a divisão entre os povos do Sudoeste da Ásia e os do Norte da África. A estratégia Khaligi-Israelense, formada por Tel Aviv e as famílias árabes dominantes no Golfo Pérsico, é crucial para isso.
No Egipto, as revoltas sociais estão longe de terminar e as pessoas estão se tornando mais radicais. Isto está resultando em concessões por parte da Junta Militar no Cairo. Os movimentos de protesto estão agora direcionando as críticas ao relacionamento entre a Junta Militar e Israel. Na Tunísia, os movimentos sociais também estão caminhando para a radicalização.
Washington e seu bando estão brincando com fogo. Eles podem pensar que este período de caos lhes apresente uma óptima oportunidade para confrontar o Irão e a Síria. A confusão que vem se estabelecendo no mundo Turco-Árabe-Iraniano terá resultados imprevisíveis. A resistência popular no Bahrein e no Iémen às ameaças de crescimento da violência infligida pelo Estado indicam que a articulação dos movimentos de protesto anti-EUA e anti-Sionista está mais coesa.

*Mahdi Darius Nazemroaya é especialista em Oriente Médio e Ásia Central. É Investigador Associado no Centre for Research on Globalization (CRG).
 
Traduzido para Diário Liberdade por E. R. Saracino.
 
O original encontra-se em (Global Research, 10 de Julho de 2011): The Powers of Manipulation: Islam as a Geopolitical Tool to Control the Middle East

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Silas Malafaia e a maldade humana

Marcelo Carneiro da Cunha no SUL21

É duro ter que viver no mesmo planeta de um Silas Malafaia, caros leitores. Quero dizer, é duro viver nesse planeta, ponto. A Terra inclui palmeiras e sabiás, que gorjeiam como lá, mas também inclui música nativista, reggae, Los Hermanos e brócolis. Ah, e o teatro do Zé Celso Martinez.
Ela inclui malária, febre amarela, beri beri, mosquito borrachudo e alarme de automóvel, sempre no meio da noite. Ela inclui paixões não correspondidas, táxis Corsa Sedan, Sala de Redação e a República Islâmica do Irã. Ela também inclui auroras boreais, banhos nas termas ao ar livre e cheio de estrelas no Chile, sagu da minha avó, a Jessica Alba e os Beatles.
Tudo isso no âmbito da normalidade dos gostos e desgostos, caros sulvinteumenses. Tudo isso nas nossas preferências genéticas ou adquiridas. Tudo isso a partir do que é termos um planeta e seres humanos o habitando, seres que se constroem e são construídos e com os quais lidamos, amando, gostando, não achando lá grande coisa, ou não suportando, mas suportando.
E aí vem o Silas Malafaia, quebrar esse delicado equilíbrio. Os Silas Malafaia desse mundo são, e não são desse mundo. Como a Paquetá de Macedo, eles começam nesse mundo e não sabem onde acabar. Eles podem ser muitas coisas, e quase nenhuma delas muito saudáveis para quem pretende que o mundo seja mediado pelo que existe de humano na humanidade. E, pior, eles têm O Livro.
Um livro é a diferença entre mais um maluco ignorante, intolerante e intolerável, e um sujeito capaz de produzir grandes e enormes problemas. E, caros leitores, esse aí tem um livro.
Um livro é o que justifica e legitima. Preferencialmente, o livro deve vir diretamente de Deus em uma de suas múltiplas e convenientes formas. Isso não é assim tão necessário. O livro de Mao fez essa função, assim como o do Kadafi, e todos eles têm em comum serem um grande ponto de encontro de todas as respostas para todas as perguntas jamais feitas, ou não. E, melhor, eles são interpretáveis.
Já que os Malafaia jamais conseguiriam escrever coisa com coisa, eles se tornam intérpretes e daí vê o seu poder. Eles explicam o inexplicável. Quer coisa mais importante, ou melhor?
Livros tem enormes vantagens. A Xuxa por exemplo, explicou: “Os duendes existem. Tem até livro a respeito”. Se tem livro, então existe. Os Malafaias em geral, e esse em particular, existem por isso.
E nesse mundo de muitas carências e com televisão, a união de um Malafaia, um livro e um monte de desesperados produz um fenômeno assustador, que é o poder político. No segundo turno da eleição presidencial, Dilma foi chantageada por esses sujeitos, e o Serra se aliou a eles. A consequência é o retrocesso da sociedade, que vê dificultado o caminho da melhoria pelo obstáculo de um fanático, cercado de fanáticos, munidos de um livro e uma televisão. Cada vez que um político de verdade cede diante dessas chantagens, morre bem mais do que um filhotinho de foca na Antártica.
E é esse o mundo em que estamos.
Uma matéria recente do NY Times analisa o fenômeno Malafaia. Sendo um jornal americano, eles conhecem de perto essa realidade, que faz parte da formação da sociedade norte-americana, que a exportou ao Brasil. Lá, esse pentecostalismo associado a uma sociedade puritana, com uma fortíssima extrema-direita, já ameaça transformar um país über bem-sucedido em várias frentes, em um sistema disfuncional.
Aqui?
Malafaia não passa de um terno de gosto duvidoso, munido de um livro, um avião, uma tevê, cercado de desesperados por todos os lados. Ou nem tão desesperados. Ele é da Assembléia de Deus, à qual pertence Marina Silva, lembrem.
Mas ele parece adorar o poder auto-atribuído, e aparentemente real que construiu. E aí está o problema. Nossos governantes eleitos serão chantageados, se aliarão por afinidade ou conveniência, ou resistirão, enfrentando esse pessoal para finalmente descobrirmos com quantos paus se faz uma canoa televangelista, e o que é preciso para ela afundar?
Me choca e entristece ver essa mensagem de ódio e intolerância tomar forma e ocupar espaços, sempre com a embalagem de amor divino por todos os lados. Me preocupa pelo futuro, gostaria de saber se vamos neutralizar essa maluquice ou seremos ainda vítimas dela. Hoje, ele ataca as minorias, as historicamente mais frágeis. É inaceitável para pessoas que acreditem em justiça e igualdade. Cabe a nós defendermos vigorosamente a quem quer que ele ataque, dando um sinal claro de que ele pode vender, pode enriquecer, pode se achar o que quiser. Mas nunca deixará de ser o que é, um tolo com uma fatiota e um microfone. E do lado de cá estamos nós, sem livro na mão, mas com o sentido da justiça e da humanidade, dispostos ao que for preciso para que o lado de cá, o do bem, vença.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Armação dos EUA ou loucura do Irã?

Por Antonio Luiz M. C. Costa, na CartaCapital:via BLOG DO MIRO

Ontem, 11 de outubro, o governo de Barack Obama anunciou ruidosamente a desarticulação de uma suposta conspiração de uma facção do governo iraniano para assassinar o embaixador da Arábia Saudita nos EUA e cometer outros atentados contra embaixadas sauditas e israelenses. Em represália, anunciou novas sanções contra Teerã.


A Arábia Saudita se manifestou de imediato contra a “violação fragrante e desprezível da lei internacional” e o governo britânico de David Cameron para dizer que os indícios de envolvimento de “elementos do regime iraniano” eram “chocantes” e oferecer seu apoio aos EUA em relação a medidas punitivas. Os outros aliados dos EUA se mostraram mais cautelosos. A chanceler da União Europeia, Catherine Ashton, diz que as a acusações terão consequências graves “se forem confirmadas” e mídias da França e Alemanha falam de “suposto complô” e “acusação dos EUA”.

O governo iraniano está longe de ser monolítico – são notórios os desentendimentos entre o aiatolá Khamenei e o presidente Mahmoud Ahmadinejad, recentemente acusado de corrupção por vários parlamentares – e não se pode descartar, a priori, a possibilidade de algum componente fanatizado ter-se envolvido em planos insensatos. Mas há razões para duvidar.

A primeira, mais óbvia, é que já se viu EUA e Reino Unido fazerem acusações falsas e forjarem provas contra um governo estrangeiro, quando decidiram invadir o Iraque de Saddam Hussein. Desde então, mudaram os governos, mas as políticas de Estado continuam fundamentalmente as mesmas.

A segunda é que um complô do Irã para atacar os EUA ou a Arábia Saudita se encaixa mal na atual conjuntura internacional, ao passo que um complô anglo-americano contra o Irã combina perfeitamente com o cenário. Nos últimos meses, a Primavera Árabe tem permitido ao Irã romper seu isolamento na região, a começar pela normalização das relações com o Egito, que alarma estadunidenses, sauditas e israelenses. Teerã também continua a buscar a mediação dos BRICS e da Turquia para um acordo sobre seu programa nuclear, voltando a oferecer o fim do enriquecimento de urânio a 20% em troca de combustível. Parece óbvio que o regime não quer provocar um conflito imediato, ao passo que os EUA e seus aliados têm todo interesse em deter a regularização das relações iranianas e voltar a segregar o país.

A terceira é que a história contada pelo procurador-geral (com poderes de ministro da Justiça) dos EUA, o democrata Eric Holder, é, em si, um tanto bizarra. De maio a setembro, ao lado de Gholam Shakuri, integrante de uma unidade especial da Guarda Revolucionária do Irã, o iraniano-americano Manssor Arbabsiar, preso em 29 de setembro, teria feito contatos no México um informante da DEA (departamento antidrogas dos EUA) que se fazia passar por representante de um cartel de narcotráfico não identificado (provavelmente os Zetas). Depois de discutirem a possibilidade de ataques com explosivos a embaixadas sauditas e israelenses não especificadas (fala-se em Washington e Buenos Aires), teriam fechado um acordo para assassinar o embaixador saudita nos EUA, Adel Jubeir, por 1,5 milhão de dólares, possivelmente num restaurante de Washington, mesmo que isso envolvesse a morte de inocentes. Arbabsiar foi detido ao desembarcar no México para pagar a primeira metade do acordo e teria confessado suas ligações com facções do governo de Teerã, enquanto Shakuri está no Irã.

Por que interessaria ao Irã, ou mesmo a uma facção do seu governo, eliminar um embaixador, ou cometer atentados contra embaixadas neste momento? Tais ações não são típicas de governos, mesmo mal intencionados, mas de organizações em busca de projeção, propaganda e conquista de militantes, como a Al-Qaeda. A tradicional pergunta “cui bono?” ou “cui prodest?” – “quem se beneficia?” –, pode não bastar como prova, mas aponta para outro lado.

Mesmo antes da Primavera Árabe, a Arábia Saudita e os emirados do Golfo pressionavam os EUA a atacarem Irã, visto como uma ameaça revolucionária a seus regimes obsoletos. E é evidente que a nova conjuntura da região os deixou em pânico, pela influência dos aiatolás sobre a região e principalmente os xiitas de sua região oriental e dos países vizinhos. Teerã acusou os sauditas de genocídio na repressão às manifestações de descontentamento dos xiitas do vizinho Bahrein, que é também a principal base da Quinta Frota dos EUA. Por outro lado, na Síria o Irã dá apoio crítico ao regime Assad, enquanto o governo de Riad foi o primeiro a romper relações com Damasco e apoiar abertamente os dissidentes.

Também é evidente o interesse de Washington em criar um incidente, tanto por razões de política internacional – desincentivar negociações e aproximação de outros países com o Irã, dar o “toque de reunir” a seus aliados da Otan – quanto de política interna, uma vez que se aproxima o período eleitoral, Obama já não é favorito para a reeleição e está encurralado entre os ataques dos republicanos pela direita e as críticas do #Occupywallstreet, pela esquerda. Quando a economia é um desastre, nada como forjar um inimigo externo para conseguir o apoio automático da mídia e de parte dos eleitores. O patriotismo é o último recurso, como dizia Samuel Johnson.

domingo, 9 de outubro de 2011

Tirem o crucifixo do STF. O Cristo Redentor pode ficar

Leonardo Sakamoto no seu blog


O Cristo Redentor completa 80 anos na próxima quarta (12), feriado de Nossa Senhora Aparecida.
Poucas pessoas que visitaram o monumento não ficam maravilhadas com a vista, lá de cima, do Morro do Corcovado, de uma das mais belas cidades do planeta. O que não impede, contudo, de muitos terem achado um tremendo exagero a eleição da estátua como uma das sete novas maravilhas do mundo – concurso realizado por uma fundação suíça, que também elegeu o Taj Mahal (!), o Coliseu (!!) e Machu Picchu (!!!), entre outros monumentos históricos. Perceberam a desproporcionalidade histórica e a paulada no significado da palavra “maravilha”?
Mas como a votação foi pela internet e houve até campanha de veículos de comunicação brasileiros inflamando o que há de pior em nosso ufanismo patriótico (se é que há algo de bom nesse caldo), era claro que o monumento de gosto estilístico duvidoso fosse entrar nesse hall da fama.
Em um país de maioria católica (não praticante, é claro, e que apela para todas as forças do universo em um sincretismo fascinante nos momentos de dificuldade), a estátua, que fica sob os cuidados da Arquidiocese do Rio de Janeiro, tem sua importância. Se aquela referência faz bem à grande maioria das pessoas e não ofende uma minoria, não há problema. O difícil não é ter que conviver com um símbolo de uma crença que não é a sua na rua – a isso damos o nome de tolerância, que deveria ser melhor cultivada por estas bandas, o que protegeria o direito de culto em igrejas, templos e terreiros. O ruim é saber que a presença desses símbolos em prédios que pertencem ao poder público mostram que a saudável e necessária separação entre fé e Estado não ocorre por aqui.
A questão da retirada de crucifixos, imagens religiosas e afins de repartições públicas gerou polêmicas ao longo da história a partir do momento em que um Estado se afirma laico (e não desde o lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, no ano passado, que previa essa ação). A França retirou os símbolos religiosos de sedes de governos, tribunais e escolas públicas no final do século 19. Nossa primeira Constituição republicana já contemplava a separação entre Estado e Igreja, mas estamos 120 anos atrasados em cumprir a promessas dos legisladores de então.
Em janeiro de 2010, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou uma nota em que rejeitou “a criação de ‘mecanismos para impeder a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União’, pois considera que tal medida intolerante pretende ignorar nossas raízes históricas”.
Na época, auto-intitulados representantes de Deus, afirmaram que se o governo quisesse tirar símbolos religiosos, então deveria começar pelo Cristo Redentor. Chantagem besta, do mesmo DNA de: “se for para começar a discutir as regras do jogo, levo a minha bola embora – humpf”. Particularmente, pode demolir a estátua que não dou a mínima (e, com essa frase iconoclasta, selo a excomunhão deste que já foi até coroinha). Mas sei que a sociedade, que tem apreço por ela, não deixaria meia dúzia de “iluminados” sacerdotes tomar tal medida uma vez que o monumento pertence, na prática, à cidade do Rio e não à Cúria. Em tempo: não é o governo que sugere a retirada dos símbolos religiosos de repartições públicas, mas foi a Conferência Nacional de Direitos Humanos, que derivou de conferência estaduais, reunindo a sociedade brasileira em um debate longo e democrático.
Adoro quando alguém apela para as “raízes históricas” para discutir algo. Na época, lembrei que a escravidão está em nossas raízes históricas. A sociedade patriarcal está em nossas raízes históricas. A desigualdade social estrutural está em nossas raízes históricas. A exploração irracional dos recursos naturais está em nossas raízes históricas. A submissão da mulher como mera reprodutora e objeto sexual está em nossas raízes históricas. As decisões de Estado serem tomadas por meia dúzia de iluminados ignorando a participação popular estão em nossas raízes históricas. Lavar a honra com sangue está em nossas raízes históricas. Caçar índios no mato está em nossas raízes históricas. E isso para falar apenas de Brasil. Até porque queimar pessoas por intolerância de pensamento está nas raízes históricas de muita gente.
Quando o ser humano consegue caminhar a ponto de ver no horizonte a possibilidade de se livrar das amarras de suas “raízes históricas”, obtendo a liberdade para acreditar ou não, fazer ou não fazer, ser o que quiser ser, instituições importantes trazem justificativas para manter tudo como está.
Como foi noticiado neste blog, em 2009, o Ministério Público do Piauí solicitou a retirada de símbolos religiosos dos prédios públicos, atendendo a uma representação feita por entidades da sociedade civil e o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mandou recolher os crucifixos que adornavam o prédio e converteu a capela católica em local de culto ecumênico. Algumas dessas ações têm vida curta, mas o que importa é que percebe-se um processo em defesa de um Estado que proteja e acolha todas as religiões, mas não seja atrelado a nenhuma delas.
É necessário que se retirem adornos e referência religiosas de edifícios públicos, como o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Não é porque o país tem uma maioria de católicos que espíritas, judeus, muçulmanos, enfim, minorias, precisem aceitar um crucifixo em um espaço do Estado. Além disso, as denominações cristãs são parte interessada em várias polêmicas judiciais – de pesquisas com célula-tronco ao direito ao aborto. Se esses elementos estão escancaradamente presentes nos locais onde são tomadas as decisões sem que ninguém se mexa para retirá-las, como garantir que as decisões serão isentas? O Estado deve garantir que todas as religiões tenham liberdade para exercer seus cultos, tenham seus templos, igrejas e terreiros e ostentem seus símbolos. Mas não pode se envolver, positiva ou negativamente, em nenhuma delas.
E não sou eu quem diz isso. Em Mateus, capítulo 22, versículo 21, o livro sagrado do cristianismo deixa bem claro o que o pessoal de hoje quer fazer de conta que não entende: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus”.

Estado é Estado. Religião é religião. Simples assim.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Palestina e Israel


    A comunicação é uma arte comparada em pintar um quadro, escrever um livro, esculpir uma estátua ou dirigir um filme. Há que preparar-se. Há que estudar  cada palavra, saber que se quer dizer, como deseja fazer. Nesta semana a palavra, o discurso, a comunicação, a articulação, a negociação será vital numa intensa atividade diplomática nas Nações Unidas que pode decidir o futuro do conflito palestino e israelense e que poderá afetar consideravelmente a precária estabilidade em todo Oriente Médio. O Presidente da Palestina, Mahmud Abbas discursará na ONU exigindo  uma vaga como membro com pleno direito da ONU.  Abbas é consciente que na Assembléia Geral da ONU reúne todos os triunfos com mais 130 países dos 193 com assento na ONU que já reconhecem o Estado Palestino. Dentro do jogo de pôquer, quanto mais alta a aposta maior será o preço a pagar a troca de um acordo, e à Assembléia Geral não pode reconhecer a Palestina como Estado de pleno direito, ou seja, com direito a voto. No entanto, pode dar condição de Estado observador como é o Vaticano. Esta condição significa muito. Não é por acaso que o presidente de Israel, Benjamín Netanyahu tomou a decisão de ir para Nova York com intuito de mudar este panorama ou tendência que para os palestinos seriam uma vitória. Caso a Palestina seja um Estado observador, Israel teria grande possibilidade de ser denunciado a Corte Penal Internacional de Haya pela ocupação ilegal dos territórios palestinos e as violações dos direitos humanos. Não é só isto: os dirigentes israelenses correriam o risco de ordem de busca e captura que transformariam muitos líderes de Israel em párias, confinados em seu próprio país. 
 Nesta batalha da comunicação, Israel já tem o apoio garantido dos Estados Unidos. Diante do fato que dentro de um ano haverá uma eleição nos EStados Unidos e já se especula da possibilidade que Obama possa perder as eleições, evidentemente, dentre outros fatores, mas este pode pesar mais o fato dos eleitores judeus dentro do Partido Democrata não apoiarem o mesmo em 2012. Quanto a Europa, se os americanos não estão satisfeitos com o momento atual europeu, principalmente da divisão entre os sócios europeus no tema Palestina e uma ausência da política exterior, cabe aí recordar que é uma reprodução ou produto de uma política externa dos Estados Unidos. Esta brecha entre os europeus e americanos há que ter em conta a distância que separa Oriente Médio da Europa devido a menor importância dos interesses europeus por lá. O movimento político de Abbas é arrojado. Os americanos ameaçaram em cortar o financiamento das instituições Palestinas. De todo modo, esta ameaça não afetaria muito, pois supostamente seria substituída aos sauditas. Enfrenta também o partido político Hamas que tem como objetivo transformar o conflito nacional palestino, que é de uma natureza étnica e política, em um enfrentamento fundamentalmente religioso. A sociedade palestina  é muito laica comparada a outras sociedades mussulmanas do mundo arábe. Este projeto de radicalização do Hamas é partilhado desde a Al Quaeda até Hizbulá. Quanto aos Brics, constituído por Brasil, China, India e Rússia que decidiram em resgatar a economia mundial, e este gesto e atitude diz muito, onde apenas dois pertencem ao Conselho de Segurança (China e Rússia) que possuem objetivos ambiciosos, onde este grupo na Assembléia irão apoiar a causa Palestina. Uma semana complicada com um final incerto. Os dois, Abbas e Netanyahu, dependerão mais do que nunca do verbo, o que dirão, como enviarão a mensagem, pois da capacidade de comunicação dependerão em abrir ou fechar definitivamente a porta para a negociação.

domingo, 21 de agosto de 2011

O Espiritismo é Subversivo?


  •  Jacques Peccatte no PENSE


  • Ao contrário da idéia comum que torna o Espiritismo uma religião, os espíritas do Cercle Spirite Allan Kardec, da França, não aceitam os conceitos demasiado simples, que não permitem refletir sobre a evolução do mundo atual.

    O Espiritismo deve integrar-se à vida de nosso tempo, a fim de questionar os eventos culturais, sociais e políticos à luz de nosso conhecimento espírita.

    Tudo o que acontece no planeta merece interesse e reflexão por parte de todos os seres humanos, sobretudo hoje, porque vivemos mais ou menos conscientemente, num modo transnacional dentro do qual a situação de cada país é interdependente dos outros. A globalização econômica é uma realidade atual e a exploração dos países pobres pelos ricos segue, como nos tempos da colonização.

    O Espiritismo de Allan Kardec nunca aceitou esse processo de injustiça nem a resignação diante das misérias. É essencial que, dentro da atualização do Espiritismo, levemos em conta as evoluções coletivas de nossas sociedades.

    Vemos que no neoliberalismo atual, todas as partes da Terra são dependentes desse sistema mundial, incapaz de procurar o bem-estar de todos. As desigualdades se ampliam a cada dia, desigualdades entre os países e entre os indivíduos. A riqueza global aumenta consideravelmente e, paralelamente, a pobreza é cada vez maior.

    A filosofia espírita incorpora conceitos de solidariedade e de fraternidade que estão totalmente ausentes das sociedade humanas, apenas na forma de organizações caritativas. Desgraçadamente a caridade é o único meio de solidariedade que deve preencher as deficiências das sociedades fundadas no egoísmo. O objetivo de cada sociedade deve ser o desenvolvimento econômico, o que é perfeitamente normal e evidente, mas os países pobres estão condenados a abastecer os países ricos, sem benefícios nem desenvolvimento. É um intercâmbio de sentido único.

    Existe uma estratégia dos países desenvolvidos, em particular dos Estados Unidos, que consiste em dirigir o mundo segundo seus próprios interesses e benefícios. É uma política muito evidente, por exemplo, no tocante ao continente africano.

    A geopolítica mundial não é estabelecida ao acaso. Não existe fatalidade, mas vontades muito bem calculadas por parte dos poderes econômicos.

    Como espírita, não posso calar-me diante dessas realidades. Se os habitantes da Terra são irmãos, como aceitar tais diferenças? Penso que esses problemas fazem parte da filosofia espírita em seu aspecto moral.

    Não podemos nos contentar com uma moral individual dentro da qual cada um se preocupa com sua família e de seu vizinho (que é, sem embargo, muito bom). Mas devemos também, como espíritas, considerar o enfoque espírita dentro de uma moral universal. A famosa evolução intelectual e moral definida por Kardec significa que não devemos esquecer o aspecto intelectual, quer dizer, uma compreensão real do mundo atual, a fim de situar-se moralmente frente a um conjunto humano que sofre de sua inferioridade geral.

    Pensamos, aqui na França, que o papel do espírita moderno é refletir, falar, denunciar eventualmente e participar da luta contra o mal, seja qual for a sua forma. Nesse sentido, segundo o título deste artigo, penso que os espíritas podem ser subversivos, não aceitando uma resignação comum e nenhuma fatalidade. Creio que o Espiritismo é uma luta contra todas as injustiças que constatamos na condição humana, participando das mudanças e progresso do mundo.

    Nos séculos passados, o poder foi essencialmente das religiões. Depois despertaram-se sistemas laicos, um pouco mais democráticos. No século 19 foi fundado o Espiritismo por Allan Kardec. Mas, lamentavelmente, constatamos que atualmente o Espiritismo não tem uma verdadeira influência cultural intelectual e moral dentro das sociedades.

    No conjunto, as religiões mantém uma influência preponderante em certos países. E os sistemas sociais e políticos não avançam no sentido da participação. Qual poderia ser o papel do Espiritismo diante da evolução das sociedades atuais no mundo? É uma pergunta que merece ser considerada e eu a proponho a todos os espíritas preocupados com o futuro do planeta.

    Fonte: Jornal de cultura espírita “Abertura”, maio de 2000, ano XIII, nº 148, Santos-SP.

    Jacques Peccatte, líder espírita francês, um dos fundadores e dirigentes do Círculo Espírita Allan Kardec, de Nancy, França, é diretor-responsável e redator do periódico trimestral “Le Journal Spirite”.
    E-mail: j.peccatte@free.fr

    quarta-feira, 17 de agosto de 2011

    Será Deus homofóbico?


    Maria Berenice Dias no Sul21

    Recente pesquisa do IBOPE revelou que mais da metade dos entrevistados se manifestaram contrários ao direito de homossexuais constituírem uma família.
    Não foi revelada – e por certo não foi perguntada – a orientação sexual dos pesquisados. Mas caberia. Aliás, a pesquisa, para ter maior legitimidade, deveria ser feita somente entre a população LGBT. Afinal, é a ela que diz respeito!
    Qual a justificativa para perguntar a alguém qual o direito do outro? Quem poderia falar, com mais propriedade, sobre o desejo de casar, de ser professor, médico ou policial?
    Um dado consolador é que os jovens, as pessoas com melhor nível de escolaridade e maior poder aquisitivo se mostraram mais tolerantes. Pelo jeito este é o caminho. Educação. Só ela permite melhor renda e mais condições sociais.
    Talvez o resultado mais surpreendente seja o quesito que identifica a religião dos pesquisados. Os mais intransigentes são os quem se dizem evangélicos ou protestantes, seguidos pelos católicos e os adeptos de outras crenças e credos.
    De qualquer modo, das religiões que existem, não deve haver nenhuma que não pregue o amor ao próximo. As mais próximas, por terem sido trazidas com a colonização, acreditam em um Deus que veio à Terra encarnado na pessoa do próprio filho. Jesus Cristo desde menino exercitou a tolerância. Em nenhuma de suas pregações incitou o ódio ao semelhante ou negou a alguém o direito de subir ao reino do céu. Basta lembrar que impediu que Madalena fosse apedrejada, multiplicou pães para dar de comer a quem tinha fome e morreu na cruz para salvar toda a humanidade.
    Assim, cabe questionar qual a justificativa de evangélicos, protestantes e católicos se posicionarem de modo tão assustadoramente preconceituoso contra quem tem orientação sexual diversa da maioria, mas não significa alguma ameaça e nem causa mal a ninguém.
    Afinal, o que querem lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis são os direitos mais elementares: direito à cidadania, à inclusão social. Direito de terem sua integridade física resguardada. Para isso é indispensável a garantia de acesso ao trabalho, para exercerem a profissão que lhes aprouver. Também precisam que lhes seja assegurado o direito de constituírem família, terem filhos. Enfim, eles, como todos as pessoas querem somente o direito de ser felizes.
    Mas o que se vê nos meios de comunicação, em face do chocante número de concessões a segmentos religiosos, é a instigação sistemática e reiterada ao preconceito e à discriminação. As caminhadas e marchas que proliferam, ao invés de pregarem o amor ao Deus que professam, nada mais fazem do que incitar o ódio a um determinado segmento da população.
    A tudo isso a sociedade se mantém indiferente. Como o legislador se omite, vem o Judiciário fazendo justiça e o Executivo criando alguns mecanismos protetivos.
    Ainda assim, não há justificativa para tamanha rejeição. Não se atina a origem de tanta perseguição. Ao certo não pode ser a suposta incapacidade de procriar. Este óbice, aliás, nem mais existe, quer com o advento de modernas técnicas de reprodução assistida, quer pela disposição dos casais homoafetivos de adotarem crianças cujos pais não souberem amar ao ponto de protegê-las.
    Deste modo, cabe perguntar: Quem disse aos pregadores, padres e pastores que é pecado amar o seu igual? Quem lhes outorgou a missão de banir a diversidade sexual da face da Terra?
    Será que Deus é homofóbico?

    Maria Berenice Dias é advogada, desembargadora aposentada do TJ-RS e presidenta da Comissão da Diversidade Sexual da OAB.

    terça-feira, 16 de agosto de 2011

    Terrorismo político organizado: O massacre norueguês, o Estado, os media e Israel


    James Petras [*]
     
    James Petras 
    O atentado à bomba no gabinete do primeiro-ministro norueguês em 22/Julho/2011, Jen Stoltenberg, do Partido Trabalhista, o qual matou oito civis, e o subsequente assassinato político de 68 activistas desarmados da Juventude do Partido Trabalhista na Ilha Utoeya, a apenas 20 minutos de Oslo, pelo militante neo-fascista cristão-sionista, levantam questões fundamentais acerca do crescimento das ligações entre a extrema-direita legal, os media “de referência”, a política norueguesa, Israel e o terrorismo de extrema-direita.


    Os mass media e a ascensão do terrorismo de direita:

    Os principais jornais de língua inglesa, The New York Times (NYT), o Washington Post (WP), o Wall Street Journal e o Financial Times (FT), bem como o presidente Obama, culparam “extremistas islâmicos”, desde os primeiros relatórios policiais dos assassinatos, publicando uma série de manchetes incendiárias (e falsa) e reportagens, etiquetando o evento como o “11/Set da Noruega”, o qual reflectia a motivação ideológica e justificação mencionada pelo próprio assassino político cristão-sionista, Anders Behring Breivik. Na primeira página do Financial Times (de Londres) de 23-24/Julho, lia-se “Temores do extremismo islâmico: O pior ataque na Europa desde 2005″. Obama imediatamente citou o ataque terrorista na Noruega para mais uma vez justificar suas guerras além-mar contra países muçulmanos. O FF, NYT, WP e WSJ activaram seus auto-intitulados “peritos” os quais debateram acerca de quais líderes ou movimentos árabes/islâmicos foram responsáveis – apesar de informações da imprensa norueguesa da “prisão de um homem nórdico em uniforme de polícia”.
    Evidentemente, os mass media e a elite política dos EUA estavam ansiosos por utilizar o atentado bombista e os assassinatos para justificar guerras imperiais em curso além-mar, ignorando o florescimento de organizações internas de extrema-direita e indivíduos violentos que são a consequência da propaganda de ódio oficial islamofóbica.
    Quando Anders Breivik, um conhecido extremista neo-fascista, entregou suas armas à polícia norueguesa, sem resistência, e reivindicou o crédito pelo atentado bombista e o massacre, teve início a segunda fase do encobrimento oficial. De imediato ele foi descrito como “um solitário lobo assassino”, o qual “actuou sozinho” (BBC, 24/Julho/2011) ou como mentalmente demente, minimizando suas redes políticas, seus mentores ideológicos e compromissos com americanos, europeus e israelenses, que o levaram aos seus actos de terrorismo. Ainda mais ultrajante, os media e responsáveis ignoraram o facto de que este ataque terrorista complexo e com múltiplas fases estava além da capacidade de uma pessoa “demente”.
    Anders Behring Breivik foi membro de um partido político de extrema-direita, o Partido do Progresso, e colaborador e contribuidor de um sítio web abertamente neo-nazi. Ele frequentemente centrava seu ódio sobre o Partido Trabalhista governante pela sua relativa tolerância de imigrantes. Despreza imigrantes, especialmente muçulmanos, e era um ardente apoiante cristão-sionista repressão e terror israelense contra o povo palestino. Sua acção criminosa foi essencialmente política e integrada numa rede política muito mais vasta.
    A elite política e os media fizeram todo o possível para negar o entrecruzamento de ligações entre islamófobos ideológicos “legais”, como os sionistas americanos Daniel Pipes, David Horowitz, Robert Spencer e Pamela Geller, o Partido da Liberdade da extrema-direita holandesa dirigido pelo intriguista Geert Wilders e seus homólogos no Partido do Progresso norueguês que se mobiliza contra a “ameaça muçulmana”. Os terroristas da “acção directa” tomam inspiração em partidos eleitorais, como o Partido do Progresso, o qual recruta e doutrina activistas, como Behring Breivik, os quais deixam então a “estrada eleitoral” para executarem suas carnificinas sangrentas, permitindo aos promotores do ódio “respeitáveis” condená-lo hipocritamente… após a afronta.

    O assassino fascista: Um super-homem solitário viaja mais rápido do que uma bala contra a polícia que se move mais devagar do que uma tartaruga reumática:

    O caso do “terrorista lobo solitário” desafia a credibilidade. É um tecido de mentiras utilizadas para encobrir cumplicidade do estado, má conduta da inteligência e a aguda viragem à direita tanto na política interna como externa de países da NATO.
    Não há qualquer base para aceitar a afirmação inicial de Breivik de que actuou só devido a várias razões relevantes: Primeiro, o carro bomba, que devastou o centro de Oslo, era uma arma altamente complexa que exigir perícia e coordenação – da espécie disponível para estados ou serviços de inteligência, como o Mossad, o qual se especializa em carros bombas devastadores. Amadores, como Breivik, sem treino em explosivos, habitualmente explodem-se a si próprios ou falta-lhes a qualificação necessária para conectar os dispositivos electrónicos de temporização ou detonadores remotos (como provaram fracassados “sapatos” e “cuecas” dos bombistas da Times Square).
    Em segundo lugar, os pormenores de (a) movimentar a bomba, (b) obter (roubando) um veículo, (c) colocar o engenho no sítio estratégico, (d) detonar com êxito e (e) então vestir um elaborado uniforme da polícia especial com um arsenal de centenas de munições e conduzir em outro veículo para a ilha de Utoeya, (f) esperar pacientemente enquanto armado até os dentes por um ferry-boat, (g) cruzar-se com outros passageiros no seu uniforme de polícia, (h) acercar-se dos activistas da Juventude Trabalhista e começar o massacre de grande número de jovens desarmados e finalmente (i) liquidar os feridos e caçar aqueles que tentavam esconder-se ou nadar para longe – não é a actividade de um fanático solitário. Mesmo a combinação de um Super-homem, Einstein e um atirador de classe mundial não podiam executar tais tarefas.
    Os media e os líderes da NATO devem encarar o público como passivos estúpidos ao esperar que acreditem que Anders Behring Breivik “actuou só”. Ele está disposta a aguentar uma sentença de 20 anos de prisão, pois sustenta que a sua acção colectiva é a fagulha que incendiará seus camaradas e promoverá a agenda dos partidos violentos e legais de extrema-direita. Frente a um juiz norueguês, em 25 de Julho, ele declarou publicamente a existência de “mais duas células na minha organização”. De acordo com testemunhas na Ilha Utoeya, foram ouvidos tiros de duas armas distintas vindos de diferentes direcções durante o massacre. A política, dizem eles, está a … “investigar”. Não é preciso dizer que a polícia nada encontrou; ao invés disso simularam um “show” para encobrir a sua inacção com a invasão de duas casas longe do massacre e rapidamente libertaram os suspeitos.
    Contudo, a mais grave implicação política da acção terrorista é a ostensiva cumplicidade de altos responsáveis da polícia. A polícia levou 90 minutos para chegar a Ilha Utoeya, localizada a menos de 20 milhas [32 km] de Oslo, 12 minutos de helicóptero e 25 a 30 minutos de carro e barco. O atraso permitiu aos assassinos da extrema-direita utilizaram toda a munição, maximizando a mortes de jovens, activistas anti-fascistas, e devastando o movimento trabalhista juvenil. O chefe de polícia, Sveinung Sponheim, deu a mais fraca das desculpas, afirmando “problemas com transporte”. Sponheim argumentou que não estava pronto um helicóptero e que “não podiam encontrar um barco” (Associated Press, 24/Julho/2011).
    Mas havia um helicóptero disponível. Ele conseguiu voar a Utoeya e filmar a carnificina em curso, e mais da metade dos noruegueses, um povo marítimo há milénios, possui ou tem acesso a um barco. Uma força policial, confrontada com o que o primeiro-ministro chama a “pior atrocidade desde a ocupação nazi”, a mover-se ao ritmo de uma tartaruga reumática para resgatar jovens activistas, levanta a suspeita de algum nível de cumplicidade. A questão óbvia que se levanta é o grau em que a ideologia do extremismo de direita – neo-fascismo – penetrou a polícia e as forças de segurança, especialmente os escalões superiores. Este nível de “inactividade” levanta mais questões do que respostas. O que sugere que os sociais-democratas só controlam parte do governo – o legislativo, ao passo que os neo-fascistas influenciam o aparelho de estado.
    O facto claro é que a polícia não salvou uma única vida. Quando finalmente chegou, Anders Behring Breivik havia esgotado a sua munição e rendeu-se à polícia. A polícia literalmente não disparou um único tiro; ela nem mesmo teve de caçar ou capturar o assassino. Um cenário quase coreografado: Centenas de feridos, 68 desarmados, activistas pacíficos mortos e o movimento da juventude trabalhista dizimado.
    A polícia pode afirmar “crime resolvido” enquanto os mass media tagarelam acerca de um “assassino solitário”. A extrema-direita tem um “mártir” para mascarar um novo avanço na sua cruzada anti-muçulmana e pró Israel. (Recorda o celebrado fascista israelense-americano, assassino em massa, Dr. Baruch Goldstein, que massacrou dúzias de palestinos desarmados, homens e rapazes e um pregador, em 1994).
    Apenas dois dias antes dos assassínios políticos, o responsável do Movimento da Juventude do Partido Trabalhista, Eskil Pederson, deu uma entrevista ao Dagbladet, o segundo maior tablóide da Noruega, na qual anunciava um “embarco económico unilateral de Israel por parte da Noruega” (Gilad Atzmon, 24/Julho/2011).
    O facto que importa é que os militares noruegueses não têm problemas e despachar rapidamente 500 tropas para o Afeganistão, a milhares de quilómetros e proporcionar seis jactos e pilotos da Força Aérea Norueguesa para bombardear e aterrorizar a Líbia. E ainda assim eles não podem encontrar um helicóptero ou um simples barco para transportar a sua polícia algumas centenas de metros para impedir um acto terrorista interno da direita – cujo comportamento assassino estava a ser descrito segundo a segundo pelas jovens vítimas aterrorizadas nos seus telemóveis aos seus pais desesperados.

    As raízes imperiais do fascismo interno: Conclusão

    Claramente, as decisões da Noruega e outros países escandinavos de participar nas cruzadas imperiais dos EUA contra muçulmanos e especialmente árabes no Médio Oriente excitaram e revigoraram a direita neo-fascista. Eles agora querem “trazer a guerra para casa”: querem que a Noruega vá mais além, “expurgar a nação, pela expulsão de muçulmanos. Eles querem “enviar uma mensagem” ao Partido Trabalhista: Ou aceita uma plena agenda neo-fascista a favor de Israel ou aguarda mais massacres, mais fascistas eleitos, mas seguidores de Anders Behring Breivik.
    O “Partido do Progresso” é agora o segundo maior partido político na Noruega. Se uma coligação “conservadora” derrotar os trabalhistas, neo-fascistas provavelmente terão assento no governo. Quem sabe, após uns poucos anos de bom comportamento, eles possam encontrar uma desculpa para comutar a sentença do seu ex-camarada … ou proclamá-lo mentalmente reabilitado e livre.
    O que é claramente necessário é a retirada imediata de todas as tropas de guerras imperiais e um combate sistemático, coerente e organizado contra terroristas internos e seus padrinhos intelectuais na América, Israel e Europa. A Juventude Trabalhista deve ir em frente com o seu pedido de que o governo trabalhista, sob o primeiro-ministro Jen Stoltenberg, reconheça a nação da Palestina e implemente um boicote total a bens e serviços de Israel. Uma campanha de educação política nacional e internacional deve ser organizar para revelar as ligações entre fascistas eleitorais respeitáveis e terroristas violentos. Os mártires da Juventude Trabalhista da Ilha de Utoeya deveriam ser guardados no coração e os seus ideais ensinados em todas as escolas. Seus inimigos e apoiantes de extrema-direita, abertos, encobertos ou directamente cúmplices, deveriam ser revelados e condenados. A melhor armas contra o renovado ataque neo-fascista é uma ofensiva política e educacional, assumindo as tradições de combate anti-fascista e anti-Quisling (o notório colaborador nazi da Noruega) dos seus avós. Não é demasiado tarde – se o Partido Trabalhista, os sindicatos noruegueses e a juventude anti-fascista actuarem agora antes do dilúvio do fascismo ressurgente.
    31/Julho/2011

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    quinta-feira, 11 de agosto de 2011

    Caiu a Lágrima, Nasceu a Ação






  • Escreve: Paulo César Fernandes no PENSE






  • Eu vejo. Eu vejo uma quase gota de lágrima em teus olhos. Ela. Parada. Não aumenta ou diminui.
    E sei dos teus pensamentos sobre o mundo.
    Um mundo que todos criticam, lamentam, têm saudosismo sem saber do que e nem porque.
    Mas essa quase lágrima sabe. Sabe de tudo.


    Daqueles que são “os de dentro”, e muito mais ainda daqueles que “são os de fora”. Os que ninguém quer ver, ninguém quer por perto; ninguém quer que existam.


    E eles não são “os de foras” por livre escolha; tolhidos que foram de todas as possibilidades de uma vida sequer similar à vida dos “de dentro”.


    Existe uma categoria espacial distinta para cada um destes grupos.


    De um lado o requinte; a sofisticação; o consumo pleno, sem limites. Do outro lado os lugares de habitar compostos de elementos descartados pela sociedade de consumo, um consumo sequer sonhado por eles ao montar seus lugares de habitar.


    Exatamente este consumo que consome, e toda a parafernália político-econômica, envolvendo grandes corporações transnacionais; e mais ainda, os núcleos centrais dos gabinetes governamentais e parlamentares dessas nações ditas desenvolvidas, aí está o que eles chamam de vida. Nesta concepção, poder é vida.


    O pensador Antonio Negri e seu colega Hardt escreveram um livro chamado “Império”. Sua tese central é que não mais temos blocos de poder como nos tempos da Guerra Fria. Instituiu-se um novo Império Supranacional comandando a vida cotidiana dos habitantes do planeta.


    Digo eu que é este Império globalizado e sem sede central que norteia a vida das nações: das nações “de dentro” como a Europa Central e os Estados Unidos, nações riquíssimas apesar da propalada crise. Estas apenas diminuíram a quantidade de sangue e energia das demais nações.


    Tal Império comanda ainda as nações “de fora”, tão pequenas e espoliadas que nem seus nomes conhecemos, uma vez que se situam na África; na Ásia; Sudoeste da Ásia etc. Nações que vivem engalfinhadas em lutas fraticidas, lutas fomentadas pelos centros “culturais” e econômicos, pois dessas guerras regionais obtêm lucros exorbitantes. Fomentam atritos religiosos; conflitos étnicos, de diversas motivações desde que sempre se apresente um novo conflito.


    A imprensa mundial, os meios de comunicação de massa globalizados se calam ante a mortandade diária. Uma imprensa que se coloca como guardiã da verdade e da moral. Esta se cala diante de tanta imoralidade. Cúmplice de tantas vidas ceifadas. Dói muito.


    Esta estabilidade dessa futura lágrima se mantém exatamente pelo fato de todos esses teus pensamentos serem estonteantes. Portadores de uma lógica visceral, mas estonteantes.
    E tu sabes que em nossas diversas cidades esses “de fora” também existem e habitam. São representados por praticantes de pequenos roubos, latrocínios; outros ainda enveredam pelo caminho das drogas que, cada vez mais rapidamente, elimina seus consumidores. Mas isto não tem a menor importância na lógica deste nosso mundo. Logo depois chegará um novo consumidor; e mais outro e mais outro ainda...
    Você está pensando o mesmo que eu?
    Que essas medidas paliativas de combate ao tráfico por um lado; tratamento de usuários por outro lado não seriam tão somente iniciativas para aplacar a nossa consciência, a consciência da sociedade como um todo?
    Atitudes e mais atitudes sempre passando ao largo odo ponto focal. E qual seria esse ponto focal?


    Os “de dentro”de todos os níveis querem o mais rápido possível eliminar o incomodo da existência dos “de fora”, também chamados de “estranhos”, pois são estranhos ao universo do consumo sofisticado. Não se adequam e negam tudo aquilo que está do lado de lá da “fronteira social”. Preferem e buscam seus espaços, sua linguagem corporal, sua estética específica. Mutante. Renovável. Tal qual fazem os “de dentro”.
    Tua lágrima pode cair agora, pois o quadro é tenebroso; e sem solução a curto e médio prazo. São muitas as instituições a mudar. Coisa que os interesses imediatistas sempre se opõem. Sempre se opõem ao justo, ao correto, ao ético, ao progressista.
    A fronteira social veio para ficar, enquanto as pessoas não se derem conta do emaranhado das ramificações em todas as esferas do poder. Em todos os continentes isso ocorre. Mesmo na rica Europa.
    Quadro horripilante, negativo, assustador... Mas é exatamente aí que reside sua beleza.
    Em algum momento qualquer as lágrimas dos teus olhos secarão.
    Virá a revolta mais densa e profunda.
    Finda a revolta, se inicia para ti um novo momento, um novo marco existencial: a busca de conhecer, e conhecer cada vez mais e mais de perto o contexto real desses nossos Tempos Líquidos.
    Mais ainda. Permitir que mais e mais pessoas passem a ter contato com esse quadro que todos nós queremos sempre fugir, nos esconder.
    Mas, uma coisa é certa: somente o conhecimento, calcado na mais crua realidade, na racionalidade mais profunda nos fará agir num novo sentido, e de uma maneira firme, forte. Como se fôssemos dois, nos engajar cada qual da sua maneira, na urgente luta de extinção de todas as fronteiras sociais em todos os lugares dessa nossa Terra.


    A coragem e a RAZÃO estarão presentes nos cinco continentes e trarão o mundo que todos merecemos.


    Nota: Reverencio o polonês Zygmunt Bauman, cujas ideias vêm iluminando minha compreensão do presente momento e se fazem presentes neste texto.


    Paulo César Fernandes, jornalista e psicólogo, tem pós-graduação em Ciências da Comunicação. Articulista de vários periódicos espíritas, atua no Centro Espírita Allan Kardec, de Santos-SP, onde reside. É autor do livro “Um Blues no Meio do Caminho”, lançado pelo CPDoc - Centro de Pesquisa e Documentação Espírita, do qual é um dos membros.
    E-mail: pcfernandes1951@bol.com.br

    sábado, 23 de julho de 2011

    O poder iraniano perde o controle sobre mídia



    O enquadramento dos meios de comunicação durante a primeira década da revolução, que se revelou um desastre, deixou lugar para uma política menos rigorosa no que se refere aos bens culturais populares na sociedade e na juventude
    por Shervin Ahmadi no Le Monde - Brasil
    Foto divulgação série Iraniana Ghahve Talkh / The Bitter Coffee

    Naquela segunda-feira de março, as ruas de Teerã estavam desertas. Com o feriado de Noruz, o ano-novo iraniano, que anuncia a chegada da primavera, os habitantes abandonaram essa aglomeração de quase 14 milhões de habitantes. No bazar de Tajrish, ao norte, uma frase escrita à mão sobre um pedaço de papelão atraía a atenção: chegou o DVD The bitter coffee. Os novos episódios desse seriado de humor estão disponíveis em toda a cidade, tanto nas bancas de jornal como nas quitandas. Mehran Modiri, muito popular, é diretor, produtor, corroteirista e ator.
    Presente há duas décadas nas telas de televisão, ele se transformou seguindo o ritmo da sociedade. Seu humor é leve, mais para a palhaçada, nunca transgredindo a linha vermelha da crítica ao regime. Mesmo se, de vez em quando, debocha dos apresentadores dos canais de televisão estrangeiros, o campo político não é seu terreno habitual.
    Com mais de 1,5 milhão de cópias vendidas, cada DVD da série The bitter coffee tem três episódios e custa menos de 2 euros. Um preço irrisório, ao alcance da classe média, e que não estimula a pirataria, prática comum no país. O seriado tem um site na internet, uma página no Facebook, uma conta no Twitter, verbetes em farsi e em inglês na Wikipédia. A história se desenrola em um passado remoto e ridiculariza os cortesãos do rei e o despotismo. Por trás de cada personagem, o espectador pode imaginar diversas figuras históricas do antigo regime (Reza Shah, o pai do xá) ou do governo atual.
    A edição de 2 de abril do jornal Shragh anunciou que o vigésimo DVD da série seria proibido pelo ministro da Cultura e os dirigentes islâmicos. Oficialmente, tratava-se de um procedimento administrativo destinado a impor certas modificações. Mas o noticiário on-lineAftab revelou que o que motivou tal decisão foi a semelhança de um personagem com um alto responsável do governo. De qualquer maneira, o DVD foi lançado sem nenhuma modificação e obteve o mesmo sucesso comercial que os anteriores.
    Além dessas hesitantes tentativas de censura, uma rede paralela é tolerada, e até encorajada, pelo governo, para difundir uma grande variedade de produções, desde filmes de ação norte-americanos pirateados e legendados localmente até filmes iranianos que não obtiveram a autorização de distribuição – como Ali Santorui, de Dariush Mehrjui, que trata de drogas e da ausência de perspectivas dos jovens em uma sociedade que perde seus valores. Também há séries de televisão que passaram nos canais oficiais e que os espectadores gostam de rever. O enquadramento dos meios de comunicação durante a primeira década da revolução, que se revelou um desastre, deixou lugar para uma política menos rigorosa no que se refere aos bens culturais populares na sociedade e na juventude. De agora em diante, o governo não tenta mais monitorar sistematicamente a mídia, mas procura saturá-la com produtos que julga “menos perigosos”, mantendo um controle absoluto na esfera da política.
    Dessa forma, dois universos paralelos se desenvolveram: o primeiro, oficial, considerado a voz da República islâmica, e o segundo, menos controlado, pelo qual as autoridades podem pretender não se responsabilizar, o que explicaria sua não conformidade relativa com os princípios políticos e morais do poder. Este último evoluiu para contrabalançar a influência da cultura importada diretamente do Ocidente. Imitando a música pop vinda de Los Angeles, onde vive a maior comunidade iraniana no exterior, surgiram vários cantores que se pareciam, timidamente no início, com seus concorrentes da grande cidade californiana. Alguns até tinham o mesmo timbre de voz que famosos cantores exilados, mas interpretavam poemas de conteúdo muitas vezes místico. Em seguida, chegou uma nova leva de artistas menos “complexados”, de melhor nível. Com o tempo, nem a melodia nem a letra se diferenciavam das estrangeiras, denunciadas pelo governo como símbolos “corrompidos na terra” (Mofsedin fil arz, expressão usada pelo regime para designar aqueles que se “ocidentalizaram”). Quanto à música pop e rock, antes ilegal e produzida clandestinamente, ela se difundiu de uma maneira menos importante, mas por meio dessa rede semioficial.
    O próprio meio de comunicação oficial se diversificou. Os canais estatais se multiplicaram, seus conteúdos ficaram mais variados. Além dos programas familiares e infantis, a audiência é garantida pelas séries produzidas no país, muitas vezes com orçamentos gigantescos, que vão desde uma versão muito hollywoodiana da história de Youssef e Zoulikha [história do profeta José (Yusuf)] até episódios da história política, passando pelas novelas humorísticas. Mehran Modiri é um dos atores que contribuíram para essas transformações.
    As rádios seguiram o mesmo caminho, e algumas, como a Payam, inicialmente destinada a dar informações sobre o trânsito de Teerã, começaram a tocar nos anos 1990 as músicas que antes não eram toleradas. Desaparecido desde a revolução, o pop reencontrou seu lugar, sobretudo porque sua difusão pelas estações oficiais legitimou-o aos olhos das camadas ditas tradicionalistas da sociedade. Nos anos 2000, até mesmo algumas Nohehs (liturgia religiosa que celebra o massacre do imame Hussein, neto do Profeta, em Kerbala, no ano de 680) foram cantadas nesse ritmo.
    Com a chegada dos canais por satélite, a guerra dos meios de comunicação se intensificou. Apesar da proibição oficial, a grande maioria das famílias, tanto nas cidades como no campo, possui uma antena parabólica. O governo desistiu de eliminá-las, desenvolvendo uma nova estratégia. No campo das informações políticas, as coisas lhe parecem preestabelecidas: a liberdade de expressão e de crítica de que se beneficiam os canais por satélite nunca poderá ser exercida pelos canais nacionais. Como a informação política, no Irã como em qualquer outra parte, não gera audiência, o regime concentrou-se em todos os outros campos. Decidiu fechar os olhos para os programas da televisão por satélite que não são propriamente políticos, considerados menos perigosos, mesmo quando contradizem os princípios morais defendidos pelo regime. Atualmente, canais oficialmente proibidos transmitem sem parar clipes musicais que não correspondem aos cânones islâmicos e são acompanhados de propagandas contendo números de telefones celulares iranianos.
    Podem-se prever facilmente as consequências de uma visão como essa, de contradições flagrantes. A noção de “conteúdo perigoso” é arbitrária. Quem pode dizer que um filme de ação norte-americano sobre os extraterrestres é menos “perigoso” que um drama clássico? Filmes “apolíticos” podem suscitar uma atração para um certo modo de vida ocidental, celebrando o consumo desenfreado. Grande parte da classe média das cidades, aliás, já adere a esses valores, de maneira às vezes excessiva. O Irã é hoje o segundo maior importador de produtos cosméticos no Oriente Médio e o sétimo no mundo. Algumas festas comerciais, desconhecidas trinta anos atrás, como o Valentine’s Day, são agora comemoradas nas grandes cidades.
    O governo vem se confrontado há três anos com o sucesso do canal de televisão Farsi One, propriedade da News Corporation, de Rupert Murdoch, que transmite permanentemente seriados latinos e capta uma grande parte da audiência popular. O jornalista norte-americano Dexter Filkins constatou que Farsi One se tornou rapidamente muito popular, a ponto de representar uma ameaça ao governopor seu sucesso nas camadas desfavorecidas.
    Ao tentar recuperar a audiência para impedir a politização dos meios de comunicação por seus adversários, o governo caiu na própria armadilha: de fato, permitiu o elogio de um modo de vida ocidental, dando involuntariamente motivos para seus adversários, que denunciam seu comportamento “medieval”.

    Shervin Ahmadi
    Jornalista responsável pela edição de Le Monde Diplomatique em farsi

    The New York Times, 21 de novembro de 2010.