Escrito por Demetrio Cherobini no Correio da Cidadania | |
Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital
de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008,
pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de
Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de
como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no
campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital
sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana
emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe
inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente,
tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos
dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o
que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura
crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas
que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações
progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação,
entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral.
Desde A teoria da alienação em Marx, escrito na década de 1960, até seus textos mais recentes, como O desafio e o fardo do tempo histórico, de 2007, o ponto-chave que orienta a reflexão filosófica de Mészáros é a realização da transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. O mesmo se dá, evidentemente, em A educação para além do capital,
concebido originalmente como uma conferência a ser proferida no Fórum
Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, em 2004. Nesse contexto,
pode-se dizer que a crítica radical da alienação é o elemento decisivo
para se entender não apenas a proposta, discutida nesse livro, de "contra-interiorização"
da realidade histórico-social, que precisa se dar em ambientes formais e
informais de aprendizagem, mas da teoria social e política do filósofo
húngaro em sua totalidade.
Sem compreender isso, qualquer empreendimento que vise elucidar
criticamente as proposições de Mészáros sobre as formas – atuais e
vindouras - de mediar o sócio-metabolismo humano fica tremendamente
prejudicado. A educação é importante para um projeto político-social
alternativo porque a superação da alienação só pode ser feita por meio
de uma atividade autoconsciente. Esta é, pois, a condição para
passarmos de uma situação onde nos encontramos completamente
fragmentados, cindidos, diminuídos, submissos às nossas próprias
criações materiais e estranhos em relação aos nossos semelhantes, para
uma outra, na qual poderemos nos desenvolver ao máximo e nos tornarmos ricos no sentido qualitativo da palavra: sujeitos que sentem intimamente a carência de uma multiplicidade de manifestações humanas de vida (Cf. Marx).
Mas quem lê desavisadamente o prefácio à edição brasileira de A educação para além do capital é induzido a crer que as preocupações de Mészáros são as mesmas de Sader, a saber: como fortalecer a esfera pública em contraposição ao domínio do privado.
Vejamos, nesse sentido, o que afirma o politólogo brasileiro: "Talvez
nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em
que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a
mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só
pode transformar os espaços educacionais em shoppings centers,
funcionais à sua lógica do consumo e do lucro. O enfraquecimento da
educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao
mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a
publicidade e o consumo" (Cf. SADER, 2005, 16).
Uma leitura atenta, contudo, vai nos mostrar que os termos de referência
de Mészáros são completamente outros. Em primeiro lugar, porque não é o
neoliberalismo que mercantiliza tudo – inclusive a educação -, e sim,
em nosso contexto, o sistema do capital. Em segundo lugar, a
questão realmente importante não é exatamente o "enfraquecimento da
educação pública" em comparação com o crescimento do ensino privado. Ao
colocar as questões desse modo, Sader tenta fazer-nos crer que a
preocupação de Mészáros seria com um eventual fortalecimento do setor
público em contraposição ao setor privado – seria, portanto, combater
precipuamente o "neoliberalismo".
Mas o filósofo húngaro não é tão ingênuo assim e não mistifica dessa
maneira o setor "público" (o Estado). Antes disso, está muito mais
interessado em demonstrar como é o sistema do capital – e não somente o "neoliberalismo" -, com todas as suas contradições, incluindo-se aí o próprio Estado,
que faz parte de sua base material e que deve ser superado em
concomitância com esse complexo mais amplo no qual está inserido. A
educação pode contribuir com esse propósito, desde que não se limite
apenas ao âmbito formal de ensino – note-se, então, que não se
trata de colocar a questão em termos de "público" e "privado" - e se
volte para a formação das mediações materiais não antagônicas de
regulação do sócio-metabolismo humano. E isso só pode ser feito se a
educação em questão for radicalmente crítica, isto é, articuladora teórico-prática de negação e afirmação no sentido da construção do socialismo – ponto importantíssimo que nem sequer é tocado no curioso prefácio.
A preocupação de Mészáros, portanto, é em firmar uma educação revolucionária, e não meramente "pública" (ademais, em Para além do capital, o filósofo húngaro deixa bem claro que o objetivo dos socialistas é a socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana, e não a mera estatização das coisas – porque isto não elimina, em definitivo, o problema da alienação).
Em terceiro lugar, é um equívoco completo afirmar algo parecido com "a
socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o
consumo". Na verdade, a socialização - isto é, o aprendizado das
relações, normas e valores sociais, a internalização do mundo
humano, a apropriação ativa das produções histórico-culturais - nunca
poderia ter feito esse percurso porque ela é, na verdade, como a
educação, "a própria vida", ou seja, se confunde com a própria vida,
seja na escola ou fora dela. O referido prefácio, portanto, desvia o foco da nossa atenção para pontos que não são
preocupações centrais de Mészáros. Constitui, na verdade, um
tragicômico registro de um caso de prefaciador que apresentou como se
fossem do prefaciado idéias que na verdade não lhe pertenciam
(acreditamos que mistificação seja um termo bastante apropriado para designar o sentido desse tipo de operação intelectual).
A educação para a superação da alienação é, de acordo com Mészáros, a que se insere conscientemente na luta de classes. Aí, ela se desenvolve a partir da adoção crítica de um ponto de vista
estruturalmente antagônico em relação ao sistema do capital. Essa nova
práxis compreende tal perspectiva, os interesses que lhe são inerentes,
articula-os em torno de uma ideologia capaz de proporcionar os
devidos "estímulos mobilizadores" para as ações sócio-políticas da
"classe com cadeias radicais" rumo à sua emancipação. É uma educação que
está, pois, consciente de que só uma revolução pode libertar os
trabalhadores da prisão configurada pelos processos alienados e
alienantes de produção e reprodução do capital.
Nesse contexto, todas as mistificações sobre as relações dos
homens com os produtos do seu trabalho, onde estes lhes aparecem como
auto-constituídos e dotados de propriedades humanas, devem ser
combatidas. A educação socialista é, por definição, uma educação desmistificadora dos
processos atualmente estabelecidos de controle sócio-metabólico,
realizados de acordo com as exigências do capital. É, pois, numa
palavra, crítica radical dos fetiches de um sistema que vive de produzir fetiches – incluindo-se aí, evidentemente, o próprio fetiche do Estado.
O projeto socialista requer, assim, que nos orientemos a partir de um
quadro estratégico adequado, de atuação nacional e internacional, com
vistas a irmos para além do capital, e não meramente do capitalismo e seu regime jurídico garantidor da propriedade privada. A educação para além do capital é aquela que, concebendo-se como mediação indispensável, se integra conscientemente nesse projeto de transição que deverá fazer vir à luz uma sociedade capaz de proporcionar tempo disponível para a realização das potencialidades humanas. A educação é, portanto, na visão de Mészáros, parte de um projeto político-social - mediação coadunada com outras mediações - que precisa progressivamente negar a forma de sociabilidade atualmente cristalizada e afirmar
uma alternativa viável em relação a ela. É esse movimento que
constitui, pois, a crítica radical, a práxis revolucionária rumo à
comunidade humana emancipada, a sociedade regulada pelos produtores
livremente associados de que falava Marx.
É importante ressaltar tais questões, pois Mészáros volta a elas freqüentemente. É a crítica da ordem do capital que deve constituir a forma da educação transformadora. Isto exige uma ampla e profunda modificação de práticas e relações materiais – ou seja, dos sistemas de mediações atualmente estabelecidos -, que deve se dar com base no objetivo de transferir o poder de decisão sobre
os processos sócio-metabólicos da humanidade para os produtores
associados. Por isso, a reflexão sobre educação não pode se realizar
meramente tendo-se em vista os ambientes formais de ensino, mas sim, sobretudo, as esferas informais
de apropriação dos produtos históricos. Nessas duas "frentes de
batalha", ela necessita se estabelecer como prática que é, assim como a
revolução, auto-determinada e permanente.
O filósofo húngaro frisa constantemente que as formas de apropriação do
mundo que o capital controla não se dão somente na escola ou na
universidade, mas na vida como um todo. Por causa disso, a educação
revolucionária não pode visar apenas os ambientes formais de ensino, mas
sim se voltar para todas as outras atividades em que a interiorização
ocorre, a fim de produzir uma contra-interiorização (ou contra-consciência)
radical. Não mais hierárquica, fetichista, perdulária, destrutiva, e
sim sustentável, cooperativa, consciente, emancipada, numa palavra, socialista. Por tal razão, uma educação alternativa só pode ser bem fundamentada se estiver amparada por uma teoria política
concretamente produzida para fins específicos de confrontação de um
determinado sistema de relacionamento social. Isto deve estar claro para
os sujeitos envolvidos com atividades formais de ensino, pois eles
necessitam ser capazes de fazer com que a sua instituição específica se
abra para toda a sociedade, a fim de poder se articular com os
movimentos materiais que visam superar a ordem do capital rumo à "nova
forma histórica".
A teoria de Mészáros é, portanto, uma defesa intransigente e sem
concessões de que as instituições de ensino e seus participantes –
educadores, educandos, trabalhadores da educação, comunidade escolar –
entrem numa relação dialética com os processos políticos e sociais que,
em nosso tempo, visam à construção do futuro emancipado da humanidade.
Isto não significa, contudo, que tal teoria não diga algo digno de poder
ser utilizado para orientar ações dentro do âmbito da escola ou
da universidade. Por exemplo: se a atividade organizada pelo sistema
fetichista de exploração de trabalho excedente – isto é, o sistema do capital - é estruturada hierarquicamente,
a prática superadora de tal conjunto de relações precisa se ordenar de
modo diverso. Isto pode ocorrer tanto no que toca à própria estrutura
institucional como no interior da sala de aula: um movimento progressivo
de transcendência da forma da interiorização que se dá de acordo com a
lógica do capital (hierárquica), para uma outra, não fetichista, horizontal,
cooperativa, auto-determinada. É esse novo tipo de prática social que
torna possível a generalização do pensamento crítico e a formação da consciência socialista de massa de que fala Mészáros.
Uma forma revolucionária de educação é, pois, segundo o filósofo
húngaro, imprescindível para as classes trabalhadoras na sua luta contra
o capital. Não uma educação que, impregnada de retórica mistificadora,
contemporize com interesses escusos de partidos que desejam se perpetuar
nos postos mais altos do Estado a partir de uma engenharia política
hábil na conciliação entre as classes. Não uma educação que se dê
meramente no âmbito "público", mas que seja capaz de criticar os
próprios fundamentos da divisão entre o público e o privado. Não uma
educação que fetichize o Estado, considerando-o como panacéia
para todos os problemas, mas que combata suas contradições lá onde elas
se enraízam. Finalmente: não uma educação apenas contra o setor privado,
o neoliberalismo, o partido X ou Y, e sim uma educação contra o capital,
suas personificações e seus ideólogos de todos os tipos -
principalmente, os que exercem sua influência deletéria no interior da
própria esquerda...
Ficha
Título: A educação para além do capital
Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Ano: 2008 (2ª edição)
Páginas: 124
Preço: R$ 25,00
Sobre o autor: István Mészáros nasceu em Budapeste, em 1930. Em
sua juventude, trabalhou em fábricas de aviões, tratores, têxteis,
tipografias e até no departamento de manutenção de uma ferrovia
elétrica. Aos dezoito anos, graças ao fato de haver se formado com notas
máximas, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Budapeste, onde
pôde conhecer o filósofo György Lukács, de quem foi grande amigo e
discípulo. Da Hungria, Mészáros foi para a Itália, onde trabalhou na
Universidade de Turim. A partir de 1959, seu destino foi a Grã-Bretanha,
onde lecionou em vários lugares: no Bedford College da Universidade de
Londres (1959-1961), na Universidade de Saint Andrews, na Escócia
(1961-1966), e na Universidade de Sussex, em Brighton, na Inglaterra
(1966-1971). Em 1971, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma do
México, e em 1972 foi nomeado professor de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Em janeiro de 1977,
retornou à Universidade de Sussex, onde veio a receber o título de
Professor Emérito de Filosofia em 1991. Afastou-se das atividades
docentes em 1995 e atualmente vive na cidade de Rochester, próxima a
Londres.
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).
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A inveja
segundo Rubem Alves
Mestre em desnudar as paixões humanas, o escritor
Rubem Alves já escreveu sobre todas elas. Especificamente em
relação à inveja, este mineiro de Boa Esperança teceu considerações
que suscitam algumas reflexões.
Ele associa a inveja ao "olhar torto", advindo do latim "in videre". Exatamente aí se origina a palavra "inveja" - o olhar torto, enviesado, que se opõe ao olhar franco, direto. "Sei que olhos agitados revelam um coração perturbado. Quando o coração está tranquilo, tranquilos também ficam os olhos. Mas eu não sabia que a inveja tem o poder para agitar o olhar", ressaltou Rubem Alves em "A Inveja" - uma das crônicas do livro "O Retorno e Terno".
Nessa perspectiva dá para afirmar que o olhar do invejoso é exatamente como o seu coração: intranquilo. Mais até: tudo nele ronda a intranquilidade. Ao mesmo tempo em que seu ego é mais inflado do que seu espirito (ao ponto de ofuscá-lo), ele não consegue olhar para si sob o prisma da contemplação dos sábios.
O invejoso olha para si à procura do que falta, do vazio que precisa ser preenchido de qualquer jeito. Se ele acha o que está procurando, guarda para si - somente para si - a sete chaves. Ele se sente realizado por isto e até orgulhoso da conquista. No entanto, no momento em que percebe que alguém mais possui o que ele conseguiu, ou que este alguém conseguiu o que ele não possui, seus olhos saltam para fora, e é como se fossem imensas bocas cheias de caninos. É assim mesmo o olhar do invejoso: uma boca pronta para devorar o outro.
Num determinado momento de sua crônica, Rubem Alves lembra de uma história na vertente das fábulas de As Mil e Uma Noites. Um homem encontra uma garrafa que estava enterrada e, ao abri-la, surpreende-se com a saída de um gênio, que se coloca ao seu serviço. O gênio diz ao homem que pode transformar em realidade todos os seus sonhos. Tão logo percebe que aquilo era mesmo possível, o felizardo começa a imaginar tudo o que poderia pedir: a juventude, uma beleza física irresistível, palácios deslumbrantes nos quatro cantos do mundo, serviçais, as mais belas mulheres, os melhores vinhos, as comidas mais saborosas, os amigos fiéis. Seus olhos brilham, pois ele sabe que tem nas mãos a chave para a felicidade.
Os rumos dessa história mudam quando o gênio diz que havia se esquecido de mencionar apenas um detalhe: tudo aquilo que o homem pedisse para si o seu pior inimigo receberia em dobro. Como que por encanto, a face do sortudo muda de expressão, tornando-se mais séria e mais sombria. Ele para, pensa e, novamente com um sorriso de realização, dirige-se ao gênio para fazer seu único pedido: "quero que me fure um olho".
De fato, o invejoso não quer a própria felicidade; deseja tão-somente que o outro não seja mais feliz do que ele. Por isso o seu olhar é torto, inquieto. Na sua ótica a realidade será sempre uma imagem distorcida, que ele jura ser a certa e a única possível. Para ele o céu (do outro) é sempre o limite...
Ele associa a inveja ao "olhar torto", advindo do latim "in videre". Exatamente aí se origina a palavra "inveja" - o olhar torto, enviesado, que se opõe ao olhar franco, direto. "Sei que olhos agitados revelam um coração perturbado. Quando o coração está tranquilo, tranquilos também ficam os olhos. Mas eu não sabia que a inveja tem o poder para agitar o olhar", ressaltou Rubem Alves em "A Inveja" - uma das crônicas do livro "O Retorno e Terno".
Nessa perspectiva dá para afirmar que o olhar do invejoso é exatamente como o seu coração: intranquilo. Mais até: tudo nele ronda a intranquilidade. Ao mesmo tempo em que seu ego é mais inflado do que seu espirito (ao ponto de ofuscá-lo), ele não consegue olhar para si sob o prisma da contemplação dos sábios.
O invejoso olha para si à procura do que falta, do vazio que precisa ser preenchido de qualquer jeito. Se ele acha o que está procurando, guarda para si - somente para si - a sete chaves. Ele se sente realizado por isto e até orgulhoso da conquista. No entanto, no momento em que percebe que alguém mais possui o que ele conseguiu, ou que este alguém conseguiu o que ele não possui, seus olhos saltam para fora, e é como se fossem imensas bocas cheias de caninos. É assim mesmo o olhar do invejoso: uma boca pronta para devorar o outro.
Num determinado momento de sua crônica, Rubem Alves lembra de uma história na vertente das fábulas de As Mil e Uma Noites. Um homem encontra uma garrafa que estava enterrada e, ao abri-la, surpreende-se com a saída de um gênio, que se coloca ao seu serviço. O gênio diz ao homem que pode transformar em realidade todos os seus sonhos. Tão logo percebe que aquilo era mesmo possível, o felizardo começa a imaginar tudo o que poderia pedir: a juventude, uma beleza física irresistível, palácios deslumbrantes nos quatro cantos do mundo, serviçais, as mais belas mulheres, os melhores vinhos, as comidas mais saborosas, os amigos fiéis. Seus olhos brilham, pois ele sabe que tem nas mãos a chave para a felicidade.
Os rumos dessa história mudam quando o gênio diz que havia se esquecido de mencionar apenas um detalhe: tudo aquilo que o homem pedisse para si o seu pior inimigo receberia em dobro. Como que por encanto, a face do sortudo muda de expressão, tornando-se mais séria e mais sombria. Ele para, pensa e, novamente com um sorriso de realização, dirige-se ao gênio para fazer seu único pedido: "quero que me fure um olho".
De fato, o invejoso não quer a própria felicidade; deseja tão-somente que o outro não seja mais feliz do que ele. Por isso o seu olhar é torto, inquieto. Na sua ótica a realidade será sempre uma imagem distorcida, que ele jura ser a certa e a única possível. Para ele o céu (do outro) é sempre o limite...
(publicado no
Jornal TRIBUNA LIVRE, Viçosa-MG, em 29 de outubro de
2010)